ABRUPTO

3.8.05


PARA UMA HISTÓRIA DA "CULTURA" ENQUANTO INSTRUMENTO DE PROPAGANDA POLÍTICA MODERNA

Para voltar a uma questão antiga, que já suscitei várias vezes, encontrei nos livros salvos da pasta do papel mais duas interessantes ilustrações. O meu ponto inicial era que o cerne da política Malraux - Lang, que é hoje dominante nos Ministérios da Cultura como o português, é a utilização da aparente intangibilidade da cultura e da criação estética, e do seu suposto carácter meta-político, como mecanismo ideal de propaganda do Estado, e por contágio, do governo.

Nos seus momentos originais, a ideia que o Estado podia ter uma política de "cultura", ou de "espírito", como se dizia, era totalitária. Fascistas, nazis e comunistas lançaram as primeiras pedras.


Nas democracias, esta política nasceu no lado direito do espectro político, com Malraux, ministro de De Gaulle, precursor quer da política de "grandes obras" culturais, quer de consolidação de uma importante área subsidiada de empregos estatais na área da cultura. Malraux limpou com espavento os monumentos de Paris, e restaurou-os e enxameou a província de Casas da Cultura, criando uma rede nacional e local de "animadores culturais", estabelecendo pela primeira vez, numa democracia ocidental moderna, a área da "cultura" como um grande departamento do Estado. A partir de quase nada, criaram-se 22 departamentos regionais de cultura, culminando num poderoso ministério. Esse ministério, dirigido por um político de perfil político elevado, ele próprio legitimado como criador pela sua obra romanesca, tornou-se no principal e, sublinhe-se, mais eficaz instrumento de propaganda do "gaullismo".

O modelo Malraux acabou por emigrar para a esquerda, quando a esquerda francesa encontrou um Mitterrand obcecado pela "grandeur", e que tinha como ministro Jacques Lang, que encheu a França de "grandes obras" monumentais, desde o novo "arco de triunfo", até à Opera da Bastilha, e à pirâmide de Louvre. Note-se, de passagem, que Lang acentuou os traços políticos da actividade da "cultura" do Estado, usando-a como instrumento anti-americano, ao serviço da peculiar variante francesa de chauvinismo europeu. Daí resultou a "excepção cultural" francesa, modo político de defender o papel da indústria cultural francesa, contra a "globalização cultural" americana. Foram estas políticas que serviram de modelo a Carrilho (na sequência de Santana Lopes, que também se reivindicava de Lang), e ainda hoje são o modelo dominante da actividade do Ministério da Cultura.





Estes dois livros, ou melhor, um álbum de fotografias comentado e um folheto, são exemplos da genealogia desta questão. O álbum Gli Spettacoli per Il Popolo é uma edição de propaganda fascista, com exemplos da política de fomento das artes pelo Duce. O folheto é uma muito interessante (e actual) defesa do papel da animação cultural, de autoria de Humberto d’Avila, publicada em 1957. O autor queixa-se de em Portugal não se realizarem “festivais de arte”, cujo interesse “turístico-comercial” é valorizado. Quando se fizer uma história da “cultura” no século XX português, este será um texto pioneiro, com observações e anexos (Ávila faz um plano de um “festival) que cinquenta anos depois permanecem inteiramente actuais. Valia a pena publica-lo de novo, se tivéssemos uma colecção de fontes de história das políticas “culturais”.

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© José Pacheco Pereira
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