ABRUPTO

12.8.05


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
MAIS FOGOS




Os Incendiários dos Pirómanos

“A característica essencial da Piromania é a presença de múltiplos episódios de provocação deliberada e propositada de incêndios. Os indivíduos com este transtorno experimentam tensão ou excitação afectiva antes de provocarem um incêndio, existindo uma fascinação, interesse, curiosidade ou atracção pelo fogo e seus contextos situacionais (por ex., parafernália, usos, consequências). Estas pessoas são "espectadores" regulares de incêndios, podem accionar alarmes falsos e extraem prazer a partir de instituições, equipamentos e pessoal associados com incêndios. Experimentam prazer, satisfação ou libertação de tensão ao provocarem incêndios, testemunharem seus efeitos ou participarem de seu combate. O comportamento incendiário não ocorre, nestes indivíduos, visando a obter ganhos monetários, expressar uma ideologia sócio-política, encobrir uma actividade criminosa, expressar raiva ou vingança, melhorar as próprias condições de vida ou em resposta a um delírio ou uma alucinação, nem decorre de um prejuízo no julgamento (por ex., demência, atraso mental ou intoxicação com drogas).

Este texto, transcrito de um conceituado site de psiquiatria ( www.psiqweb.med.br ), leva-me a introduzir uma questão que me parece tão óbvia quanto escamoteada:
Até que ponto o alarmismo, dramatização exacerbada e intensidade do espectáculo mediático sobre os fogos, sobretudo nas televisões, não serão em si mesmos factores estimuladores e de incitamento ao acto pirómano?

Embora o discurso corrente seja o da motivação por interesses económicos, a verdade é que os incendiários detectados se enquadram maioritariamente no contexto de alterações mentais e do comportamento acima descritos, embora seja óbvio que possa haver aproveitamento secundário dos seus impulsos.
Esses impulsos são, como vimos, desencadeados e/ou reforçados pelo prazer patológico sentido na observação das consequências do acto incendiário.
A sensação de poder, corroborada pelas profusamente mediatizadas consequências das suas acções, constitui, com toda a probabilidade, um motor fundamental para a actuação do pirómano.
Face ao aparato mediático em torno dos incêndios, sobretudo nas nossas televisões, cujo conteúdo informativo é em muito superado pelo espectáculo novelesco, hiper-dramatizado e mesmo sádico como é tratado, não tenho quanto a mim dúvidas de que o estímulo e a gratificação psicológica dos efectivos ou até potenciais pirómanos são altamente potenciados até em quem, de outra maneira, não se sentiria compelido a tal.

Desde pequeno que me lembro de verões secos e quentes, com fogos, e com certeza que sempre existiram pirómanos. No entanto, hoje em dia há mais incêndios, apesar dos meios de prevenção e combate serem muito superiores ao que eram há 20 ou 30 anos. Podem existir várias razões para esse acréscimo, mas verdadeira grande diferença que noto é que nessa altura não havia, nem de longe, a profusão de directos televisivos e radiofónicos, de entrevistas melodramáticas e sem qualquer interesse informativo mas apenas emocional, enfim, um verdadeiro espectáculo feito em cima da desgraça alheia apenas com o objectivo de ter mais tempo de antena.
Na verdade, o pirómano não tinha nessa altura a possibilidade “voyeurista” que agora se lhe oferece várias horas por dia de satisfazer uma das suas principais motivações: ver (e gravar) o “fruto da sua obra” documentado por imagens impressionantes da destruição das chamas, complementado por pungentes registos das reacções de vítimas, comentadores, políticos, governantes. Em termos psicológicos é aquilo a que se chama uma elevada recompensa positiva.

O problema é que esta oferta de sensacionalismo, para além de ser mau jornalismo, é com certeza um verdadeiro acto incendiário dos instintos pirómanos.
Pode ser que no dia em que responsáveis e população em geral apontem certa comunicação social pela motivação de muitos incêndios, haja alguma mudança. Quanto mais não seja, para não perder audiências…. Pode ser que passem apenas a informar, o que não deve nunca estar em causa, em vez de excitar e publicitar.

Fernando Gomes da Costa (Médico)

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