ABRUPTO

4.8.05


BASTANTE MAIS GRAVE DO QUE PENSAVA

Mais cedo do que esperava pude ver a gravidade da situação dos fogos. Hoje, directamente. Tentei chegar ao Porto e não consegui. Entre Santarém e Pombal, zona em que a A1 foi interrompida, observei dezenas de incêndios, alguns muito grandes. Sempre que chegava a um plataforma elevadA, como quando se entra na Serra dos Candeeiros, a toda a volta levantavam-se colunas de incêndios, na direcção de Santarém, de Leiria. A uma dada altura na A1 havia chamas vivas de um lado e de outro da estrada, ao lado da estrada. Não eram muito altas, mas atrás havia grossas colunas de fumo. Bastava uma paragem, e houve várias, para se observar um novo incêndio, que rapidamente progredia. Nem sempre era mato ou árvores, o fumo muito negro mostrava que havia outras coisas a arder.

Na estrada, o ambiente era caótico, com filas formando-se rapidamente em vários quilómetros, e com autotanques com gasolina nas filas. Carros da polícia passavam sem se perceber para quê. Quando a A1 foi finalmente interrompida e a coluna de veículos desviada para a estrada Figueira da Foz-Pombal ninguém sabia dizer nada sobre as alternativas. A Brisa continuava a receber portagens criando um congestionamento perigoso. Quando se chegava á outra estrada percebia-se logo que o mar de chamas e fumo para Norte impedia qualquer passagem, e, se dúvidas havia de que alguma coisa de muito grave se passava, era ver chegar os carros com mulheres e crianças evacuados das aldeias, desesperadas e em pânico. Uma rapariga procurava o pai, uma mulher com um bebé ao colo chorava convulsivamente porque a sua casa e a “aldeia” (não sei se é verdade, mas era o que dizia) tinha ardido.

Como não havia ninguém nos acessos de entrada à A1 – a polícia sem se saber porquê em vez de estar à entrada dos acessos para impedir o bloqueamento, estava depois das portagens, onde os camiões que pretendiam entrar já não podiam dar a volta. Percebia-se que os agentes estavam preocupados com as suas terras, as suas famílias, a julgar pelas conversas ao telemóvel. Compreende-se, mas havia um ar de caos em tudo.

É preciso acrescentar que esta portagem está ela própria numa área de floresta e o incêndio estava demasiado perto. Os sistemas que deviam ajudar a informar os automobilistas não serviam para nada. O número da Brisa dava informações erradas: os camionistas tinham entrado no acesso à portagem convictos de que se podia seguir para o Norte. Errado. A Antena1, a rádio cuja sintonia era recomendada em cartazes na A1, pelo menos em dois noticiários nada dizia de útil e não interrompia os seus programas para dar informações de trânsito. Era surrealista ver o que se estava a passar e o clima de relativa normalidade nos noticiários, com as notícias dos incêndios cada vez mais estereotipadas e trivializadas.

Fiquei ainda mais convicto que, pelos órgãos de informação, os portugueses não tem tido a ideia da gravidade dos incêndios este ano. E hoje tenho a certeza que, pelo menos ali, coisas graves se estavam a passar. Espero que não. Espero que tenha sido apenas impressão minha.

Adenda: não vi um único bombeiro, as pessoas diziam que não estavam bombeiros num fogo particularmente violento (Pombal, às 18 horas). Mas, sublinho, podiam estar noutro local, ou eu não os ter visto.

Adenda2: para ver se não era injusto com as televisões, e hoje são as televisões que definem a dramaticidade (ou a importância, o que pode não coincidir) dos eventos, e numa observação cruzada entre a RTP e a SIC, reconheci o que vi pessoalmente na SIC, mas não na RTP. A RTP, na abertura das notícias, omitiu aquilo que era evidente - o fogo estava a atingir habitações e fábricas - enquanto na SIC as imagens davam melhor a dimensão da destruição em curso. Não sei se depois no decorrer do noticiário se corrigiu.

Adenda3: (para desenvolver depois) é evidente nestas alturas que o "Portugal feio", caótico, desordenado, que atinge o seu clímax na faixa á volta da antiga EN1, é um claro risco de segurança. O modo como casas, fábricas, sucatas, barracões e oficinas se estendem no meio de fragmentos de mata, erva seca, lixo, é explosivo. Esta é a marca dos incêndios deste ano.

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© José Pacheco Pereira
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