ABRUPTO

5.8.03


“TAMBÉM ELE”

Como imaginam este é o último dos comentários que eu gostaria de aqui colocar, mas neste tipo de escrita está-se aqui para o bem e para o mal. Este é o mal.

Também não tenho feitio para olhar para o lado, como se nada fosse. Podia ficar calado para não “amplificar”, mas eu não sou da escola do ficar calado. Segundo me disseram, o 24 Horas acusa-me de fugir aos impostos por receber as colaborações nos órgãos de comunicação social como direitos de autor, o que, segundo o jornal. não seria conforme às regras fiscais. Não li o texto do jornal, e por isso atenho-me apenas ao que sei da notícia.

Sobre isto queria esclarecer o seguinte:

1) não recebo um tostão que não declare para efeito de impostos e desafio quem quer que seja que diga o contrário;

2) não tenho outros rendimentos que não sejam os do meu trabalho, quer como deputado, quer como autor;

3) não sou jornalista, pelo que não posso declarar as minhas contribuições nos órgãos de comunicação social como “jornalista”:

4) tratando-se de colaborações originais, comentários, conferências e textos é para mim óbvio que se trata de”autorias” , prática aliás comum seguida por outros autores, tanto quanto eu saiba, nas mesmas exactas circunstâncias; isto significa , de facto, pagar menos impostos porque a lei protege os autores;

5) de há dois anos para cá, agrupei na Sociedade Portuguesa de Autores o recebimento de todas estas colaborações; tudo é feito com recibo; tudo está contabilizado quer no órgão de comunicação social respectivo, na SPA e nas declarações às Finanças, onde consta como é obvio a origem , e o carácter de direitos de autor do dinheiro recebido; não há qualquer informação que seja sonegada, nem qualquer truque, tudo claro e transparente:

6) aliás, só um doido é que tendo actividades políticas faria qualquer truque com dinheiro que recebe de órgãos de comunicação social:

7) nunca até agora isto suscitou qualquer dúvida a ninguém, a começar pelas Finanças e eu, não sendo especialista, nunca me passou pela cabeça que tal pudesse suscitar dúvidas;

8) se alguém tem que colocar objecções são as Finanças (que tem os papéis todos com a clara indicação do que se trata ) e se o fizer procederei em consequência; se as Finanças tiverem razão pagarei o que devo, se me parecer que a interpretação é abusiva contestarei legalmente, como é direito de qualquer cidadão; o meu único interlocutor nesta matéria são as Finanças;

9) enquanto não o fizer não tenho nenhuma razão para alterar o meu comportamento, porque , insisto, não sou jornalista mas autor do que escrevo, e do que digo.

Uma penúltima observação: admito que não tenha sido essa a intenção do 24 Horas, mas já esperava que em vésperas das eleições europeias de 2004, dizendo eu o que digo, estando eu a empecilhar alguns arranjos, alguma coisa deste tipo acontecesse.

Uma última observação: talvez o aspecto mais penoso da actividade política seja este, ser misturado com quem deve e teme, ouvir o ruído invisível do “também ele”. Provoca revolta e tristeza, grande revolta e tristeza, porque este tipo de acusações não tem emenda possível, alguma coisa sempre fica.
Mas não é, não é “também ele”.

(Actualização)

Agradeço a correspondência que recebi e as manifestações de solidariedade nela contida. Alguma dessa correspondência é de carácter técnico e muito interessante. Dela decorrem vários aspectos que sintetizo a seguir.

Trata-se de uma prática comum e generalizada (não só entre políticos, mas também entre jornalistas e comentadores académicos) que nunca suscitou reparos. O meu nome foi obviamente escolhido a dedo. É uma matéria controversa sobre a qual há práticas e pareceres contraditórios, tanto mais que a legislação foi feita antes de se generalizar este tipo de actividades na rádio e televisão, dado que a descrição de um comentário como “discursos proferidos em debates públicos” dificilmente se aplica a esta nova realidade. Para além disso, os programas são muitas vezes repetidos pelo que também não é verdade que “os direitos de autor esgotam-se no momento da comunicação. Não existem direitos posteriores.” Tanto existem que os contratos o estipulam para as emissoras poderem comercializar programas que incluam comentários.

No entanto, eu não sou jurista e percebo pouco de finanças, pelo que também tenho em conta as opiniões abalizadas que dizem que tal não é possível. O que vou fazer é suspender de imediato os pagamentos na SPA, até esclarecer porque razão uma entidade que é suposto saber se é legal ou não receber direitos de autor de comentários, aceita recebe-los e pedirei um parecer às Finanças.

É minha intenção manter os leitores do Abrupto informados de como evolui este caso.

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© José Pacheco Pereira
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