ABRUPTO

7.8.03


JÁ CHEGA DE “TAMBÉM ELE”

Hoje é um dia urbano dedicado à vida de que S. Bernardo não gostava.


“TAMBÉM ELE” – MAIS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O que tenho estado a fazer – parte a defender-me, parte a atacar - a propósito da notícia do 24 Horas, no Abrupto é um uso delicado deste meio, que nunca previ vir a fazer. Mas que sentido teria pronunciar-me sobre outras coisas, sobre o que leio e o que gosto, e não sobre o que me revolta? Pensei duas vezes e decidi-me a escrever no Abrupto, o meu pequeno jornal pessoal. Para além disso pode ser pedagógico ver como evolui um “escândalo” ad hominem do lado do alvo.

Neste caso impus-me uma regra: nunca escrever aqui o que não faria num orgão de comunicação social normal, sujeito aos mesmos condicionamentos e às mesmas regras deontológicas.

O assunto saiu num jornal tablóide e não chegou à imprensa chamada séria. Estou convicto que chegará, dado que o próprio tablóide gera o pretexto para esse salto. É uma técnica conhecida, ninguém quer publicar em primeiro lugar, mas depois todos acham que continuar a “notícia” é legítimo. A prudência aconselharia silêncio, o assunto podia morrer por si. Mas não sei porquê, o meu silêncio parecia admissão de culpa e eu não fiz nada de que tenha que me condenar.

Vi finalmente o insultuoso título – “Pacheco dá volta ao fisco” com honras de capa, fotografia e uma página inteira no interior, e isso ultrapassa a minha medida. Sobre ele consultarei o meu advogado para saber se há fundamento para processar o jornal com todo o vigor e sobre todas as formas possíveis.

DIVULGAR A DECLARAÇÃO DO IRS?

Quando se está revoltado, e não tenham dúvida que é essa a palavra exacta, pensa-se fazer algumas coisas nem todas sensatas. Uma das que apesar de tudo penso mais sensata foi publicitar a minha declaração de rendimentos e todos os documentos conexos aos rendimentos associados aos direitos de autor, para se ver não só extenso e inequívoco traço de papel que vai desde a TSF ou a SIC até à SPA e às declarações de IRS. Por aí se verá que não há qualquer “volta ao fisco” – está lá tudo preto no branco. Pode depois haver uma diferença de interpretação sobre a categoria de determinados rendimentos, e a parte colectável que lhe é aplicada, mas num país civilizado seriam as Finanças a fazer essa chamada de atenção para que insisto, tem todos os elementos. Nunca o fizeram.

Ainda não decidi se divulgo ou não a minha declaração, mas se o fizer será no Abrupto para não me sujeitar ao tratamento selectivo dos seus elementos. Será integral e cada um julga por si.

Há, no entanto, razões de outro tipo que me fazem hesitar. Há uns anos, escrevi um programa para a Distrital de Lisboa do PSD que continha dois aspectos polémicos: um, o fim da televisão pública, outro, o acesso generalizado às declarações de rendimentos, como acontece nalguns países nórdicos. Da mesma maneira que qualquer pessoa pode pedir algumas certidões sobre terceiros poderia aceder á sua declaração de rendimentos. É evidente que se previa uma alteração radical dos impressos, que poderiam ter uma parte confidencial, mas o que dizia respeito aos rendimentos seria pública. Na altura, e isso não é segredo nenhum, a drª Manuela Ferreira Leite, que fazia parte da lista, opôs-se com argumentos que merecem toda a ponderação e são vários. Técnicos e políticos. Voluntariamente retirei essa proposta, mas fez-se então uma primeira discussão sobre a matéria.

Decidindo no impulso do momento, eu quebraria uma regra de violar mais um passo da privacidade, mais um direito que me assiste, para gaúdio de um voyeurismo populista que continuaria a tratar-me como dando a “volta ao fisco” , porque ele não se alimenta de informação mas de um desejo no qual se mistura inveja socializada e preconceitos contra a democracia e os políticos. Insisto, ainda não decidi, mas hesito.

Parte do preço que hoje muitos lamentam se estar a pagar com as escutas telefónicas, prisão preventiva facilitada e longa, poderes excessivos a magistrados, começou aqui, nesta continua cedência ao populismo, na qual há muita consciência de culpa.

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© José Pacheco Pereira
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