ABRUPTO

4.8.03


INCÊNDIOS

Nestes momentos, que todos sabemos serem difíceis, falar de outras coisas pode parecer escapismo, mas também falar delas é, muitas vezes, ruído. A destruição de uma parte de Portugal pelos incêndios, é apenas uma parte de outras destruições mais lentas, menos visíveis, menos dramáticas, mas nem por isso menos eficazes. As razões de umas e outras são mais próximas do que parecem, remetem para um laxismo governamental muito antigo, para a diluição das autoridades intermédias que não cumprem as suas responsabilidades, e para resistências sociais profundas. É tudo menos um problema de dinheiro.

As causas dos incêndios são conhecidas (todos os estudiosos da nossa floresta sabem porque é que ela arde), são complexas (porque mexem com o tecido social, com a propriedade e com as mutações no uso económico da floresta) e tem soluções também conhecidas, embora menos fáceis do que neste momento de indignação parecem.

Quando passarem os incêndios é uma discussão a que se deve voltar. De fundo e a fundo. Agora é natural a indignação e que, quem possa fazer alguma coisa, faça.


RESISTÊNCIAS

Experimentem fazer esta coisa tão simples como seja convencer uma Comissão de Festas a não deitar foguetes. Não falo em abstracto, mas em concreto. Chamar a atenção para que não há quaisquer condições de segurança para se deitar foguetes é ser “contra a Festa” de imediato. É assumir a responsabilidade do “falhanço” da festa, porque, como muitas coisas que se fazem voluntariamente, estão presas por um fio ténue entre o desastre económico e o magro sucesso. Os meios pequenos são cruéis na atribuição de responsabilidades e incapazes de as assumirem.

O fogo está comprado e presumo que pago e ninguém imagina uma festa sem as dezenas de foguetes às 8 da manha para a “alvorada” e durante o dia repetidas vezes para marcar eventos ou pura e simplesmente mostrar que há festa. Não é fogo de artifício para iluminar os céus, são foguetes para fazer barulho. Já sugeri que gravassem o barulho e o atirassem para o ar como se fossem os foguetes. Não adianta. O sucesso da festa é ter foguetes, mesmo que ninguém saiba se eles têm algum papel em trazer pessoas para os espectáculos, ou se estes foram bem ou mal escolhidos.

Deitar foguetes, por muito treino que se tenha, não é uma ciência exacta. O vento atira-os para qualquer lado e vastos espaços com erva seca e vegetação rasteira estão apenas à espera de serem incendiados. Também isto não é abstracto, os foguetes provocaram regularmente pequenos incêndios nas festas dos anos anteriores e os bombeiros são chamados quase como um hábito. Toda a gente sabe isto, ninguém verdadeiramente liga. Ninguém imagina sequer que este ano possa não haver bombeiros porque estão ocupados noutro sítio e não chegam para as encomendas.

Seguros? Não existem. Alguém se responsabiliza? Ninguém. Do governador civil que deveria este ano proibir em determinados distritos de risco o fogo de artifício, à Junta que não quer aborrecimentos e incompatibilidades. E o mais provável é que haja foguetes e depois a culpa não seja de ninguém.


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© José Pacheco Pereira
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