"Algumas considerações rápidas sobre a questão do ensino da física e da matemática:
1. O objectivo do ensino não deve ser preparar os alunos para um exame, mas ministrar os preceitos da ciência em estudo. Só assim se cria o espírito críto tão importante para o desenvolvimento intelectual e para o avanço da própria ciência.
2. Os exames não têm nem devem reflectir a qualidade do ensino. Um exame deve ser um seleccionador, ou seja, permitir distinguir os melhores, os que têm maior aptidão, os que conseguém ir além da norma. Só assim se pode incentivar a meritocracia e a competição. Caso contrário, e considerando a pouca qualidade no ensino nacional, acabaremos por ter uma massa uniforme de alunos em que todos aparentam ter competências equivalentes.
3. O ensino nacional é de facto muito mau e está completamente ultrapassado. O estudo de ciências naturais ainda continua a ser feito à custa de tediosos manuais quando deveria recorrer cada vez mais à experimentação, ao trabalho de campo e à investigação. A física é a ciência que interpreta as leis da Natureza. Logo, o seu estudo deveria iniciar-se na experimentação, só depois passando para a matemática. E a química? E a biologia?
Enfim... Pode ser que um dia alguém faça uma reforma do ensino. Até lá, teremos que viver com remendos!" (Olindo Iglesias)
“Acerca das más notas nos exames de matemática, eu tenho uma teoria (baseada na minha experiencia de há 11 anos atrás, logo já deve estar desactualizada):
Durante o secundário, os alunos fazem o teste, e depois o professor olha para o teste: se está tudo bem, o aluno tem a cotação toda; se está quase tudo bem, mas, a dada altura, o aluno trocou um "+" por um "-", tem parte da cotação; se o metodo de resolução de exercicio está mal de partida, o aluno tem "0" (nessa questão).
Não sei como é actualmente, mas há 11 anos, os exames eram por escolha múltipla, o que faz com que qualquer erro anule a questão, já que o aluno vai por a resposta no quadradinho errado. Inclusivamente, "trocas de sinais" acabam por ser mais penalizadas do que a ignorancia pura e simples, já que, quem não sabe, pura e simplesmente, não responde, tendo "0" nessa questão; quem comete um engano, muitas vezes acaba por
responder no quadradinho errado (até porque as "respostas alternativas" são feitas já a pensar nos erros mais prováveis), e logo, não só não tem cotação, como até vai descontar nas outras respostas.
Talvez seja essa a razão pelo qual alunos que foram sendo aprovados no Secundário "afundam-se" nos exames (mas não me pergunte qual dos dois sistemas é o melhor que eu não faço ideia).” (Miguel Madeira)
“Como professor que sou, embora de história, tenho por hábito reflectir e tentar analisar o estado do ensino em Portugal.
Como se deve depreender, muito há para reflectir e analisar. Em relação ao seu comentário sobre as causas desta situação, considero que as duas que aponta são verdadeiras.
Por um lado, o ensino da Física e da Matemática não prepara os alunos para os exames. Por outro, os exames e respectivos de critérios de avaliação não têm em conta as condições reais de ensino.
Este problema pertence a vários intervenientes, e não podemos dele retirar os alunos. Basta ver que há muitos bons alunos, com óptimos resultados. Só que estas disciplinas não se compadecem com a falta de disciplina e de métodos de trabalho rigorosos e exigentes. Ora, por mais que os professores queiram, por mais qualidade que tenham, não conseguem motivar todos os seus alunos a trabalhar o necessário para atingirem os objectivos por todos pretendidos, os bons resultados.
Se é verdade que um professor tem que se esforçar ao máximo para que o maior número possível dos seus alunos atinja bons resultados, também é verdade que é praticamente impossível que todos o consigam.
Onde está a fronteira do possível? Se a maioria dos alunos tem resultados positivos o professor pode dar-se por satisfeito? Não.
Um professor nunca está satisfeito com os resultados que os seus alunos conseguem obter. Mas o que é certo é que os resultados que eles conseguem obter também não dependem apenas dele.
Dependem então de quê? De múltiplos factores como o professor actual, os professores anteriores, o esforço dos alunos, a adesão e motivação dos alunos ao ritmo de trabalho imposto, dos programas, dos critérios de avaliação, enfim, de uma quantidade enorme de factores a que não podemos subtrair as condições familiares, financeiras, emocionais, e outras. Nenhum destes factores é determinante, mas há uns mais determinantes que outros.
Na realidade, tudo gira, em última análise, à volta do professor e do aluno. Porquê então subtrair o aluno como factor importante a ter em conta?
Por todos estes factores, e por não me querer alongar mais, considero que isentar os alunos das suas responsabilidades não é uma boa resposta.” (Fernando Reis)
José Carlos Santos chama a atenção para esta mensagem que surgiu no newsgroup pt.ciencia.geral:
“Assunto: Sobre o ensino da ciência
Sou um aluno do ensino secundário e estou agora a preparar-me para os exames nacionais de física e matemática (da segunda chamada). São duas disciplinas difíceis, é verdade mas também tenho consciência que este ultima ano, o meu empenho foi mínimo. E há várias razões para isso.
Sempre tive um certo interesse por astronomia, magnetismo, electricidade quando isso era dado nas aulas ate ao 9º, i. e. eu gostava de física, lia livros de divulgação cientifica de qualquer da área. Arrastei me ao longo de 2 anos de físico-química do secundário. Apenas se davam forças e movimentos mas lá ia fazendo a disciplina. Chegado ao 12º ano, estava ansioso, a matéria mais abrangente toda a disciplina um pouco mais desafiadora, julgava que ia ser interessante.
Estava enganado. Ao longo do 12º ano não tive uma única aula de física! O que eu tive seria mais correctamente chamado de aulas de preparação para o exame de física do 12º ano. Da primeira á ultima aula, com tendência a aumentar a medida que nos aproximávamos do fim do ano, só se falava no exame. Em vez de nos ensinar física, explicaram nos como resolver "este tipo de exercícios de física, pois são típicos de exame!". A prof. lê alto do manual, propõe uns exercícios que acaba por resolver, os alunos entram no esquema e sabem com que formulas jogar para obter o resultado, e pronto. Hordas de colegas meus, chegam ao extremo de decorar, i. e., pôr na cabula, todas as formulas de todos os exercícios que já resolvemos na aula. Chegam ao teste e passam. E provavelmente repetem a proeza no exame. Isto faz me lembrar a ciência do culto da carga de que Feynman descreveu. As pessoas sabem resolver os problemas com recurso ás formulas sem fazerem a mínima ideia do que se esta a passar. Sabem as formulas de cor mas não sabem interpretar as formulas para explicar alguma coisa a luz daquilo que sabem. As pessoas SABEM mas não COMPREENDEM.
Dizem nos que há disciplinas das quais nunca mais nos vamos servir para o resto das nossas vidas, mas que servem para desenvolver o raciocínio. Mas, da maneira como supostamente se ensina a Física garantidamente não aprendemos a pensar, antes pelo contrario, ensinam nos a aceitar passivamente o que os profs. nos apresentam sem questionar sem perceber, afinal o que importa são os teste e um bom exame.
Quase tudo o que disse se aplica a matemática do 12º. As coisas caiem do céu e nós temos que as absorver para o grande exame.
-Para resolver este problema, que é típico de exame, usam este truque assim, assim...
-Mas stôr, qual é razão de isso funcionar?
-Ah isso não interessa, funciona e acabou-se.
De uma maneira geral a matéria caí do céu desconexa do resto da matéria.
-Número de Nepper serve para... para... têm muitas aplicações, não importa quais!
É assim que os professores respondem a muitas perguntas feitas por sincera curiosidade. Curiosidade essa que é frustrada, por que não contribui para fazer um bom exame. Como é que um sistema educacional assim quer cultivar o interesse pela ciência? Não é um paradoxo gastar dinheiro em projectos que aproximam os jovens da ciência quando na escola esse interesse é sistematicamente destruído?
Conforme se deduz do primeiro parágrafo o ano correu me mal. Não estou a culpar outros por aquilo que só eu sou responsável, estou a apontar um problema que penso ser grave. Numa sociedade onde um mínimo de espírito critico é necessário para nos protegermos de aparelhos que supostamente curam recorrendo a feixes de neutrinos e outras tretas, é triste ver em que estado esta o ensino da ciência que supostamente nos ensina a pensar. Corrijam-me se estou enganado.” (David Asfaha)