ABRUPTO

5.8.03


FÍSICA E MATEMÁTICA – COMENTÁRIOS - 3ª SÉRIE

O Abrupto recebeu ( e continua a receber) muitos comentários sobre a questão das notas de Física e Matemática. Considero que esta é uma questão estratégica para combater o nosso atraso endémico, pelo que todo o espaço que se lhe der é pouco.

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Sei que o timing para comentar este assunto já passou, mas gostaria de acrescentar algo sobre a questão dos exames de Matemática e Física. Em geral, os comentários são todos a culpar o sistema. Acho mais interessante analisar o que causou esse tal entorpecimento do sistema e o que não deixa que se modifique. Mas aqui não há grupos de pressão, interesses das multinacionais, pelo menos directamente. Todos somos culpados, como se costuma dizer, mas talvez seja útil apontar o dedo a alguns deles: pais, intelectuais, programadores de televisão. Propositadamente deixei políticos e agentes de ensino de fora, porque as suas culpas e desculpas já são bem conhecidas.

Os pais, em geral, não demonstram qualquer interesse na educação dos filhos. Para eles a educação é apenas uma forma de conseguir um bom emprego, de atingir estatuto social ou talvez apenas uma forma gratuita de ocupar os filhos. O saber tem que ser utilitário, tem que servir para algo que dê dinheiro ou poder, é essa a visão geral. É comum um pai perguntar ao filho o que aprendeu na escola? Partilhar com eles conhecimento? Não, os pais não se interessam, os pais não acompanham diariamente os filhos, apenas querem ver notas, resultados, sucesso ou falhanço. São juizes, não são orientadores.

Depois culpo os intelectuais. Coloco-os entre itálico devido ao pouco respeito que tenho pela classe que em Portugal se costuma denominar assim. Por cá, intelectual é a figura que se deixa deslumbrar pelo poder, que comenta nos jornais e na TV, que fala com suposta autoridade. Como dizia um filósofo, há pessoas que só consegue convencer os ignorantes, e é assim que vejo os nossos intelectuais. E o meu pouco respeito deriva precisamente dessas pessoas serem, na sua quase totalidade, analfabetos em Física e Matemática. Estes intelectuais não sabem em que mundo vivem, não sabem o que é um electrão, o que diz o 2º princípio da termodinâmica, o que é a luz, o que é o princípio da incerteza e nem sabem pensar matematicamente - e tudo isto são coisas fundamentais, tão essenciais ao homem culto como saber a História do seu país ou dominar a língua materna. O baixo nível que atinge a pseudo - intelectualidade faz com que aos verdadeiros intelectuais lhes repugne o contacto com estas pessoas. Porque temos muitos bons investigadores em Portugal na área científica, mas estes preferem falar com quem lhes está à altura, os seus pares por cá e no estrangeiro. Por isso, os verdadeiros intelectuais normalmente estão escondidos do público, substituídos por medíocres sedentos de protagonismo.

Por último, os programadores de TV. Trata-se de um problema global. A linguagem televisiva actual privilegia o óbvio, a última novidade, mostra tudo rapidamente e pronto a consumir, sem necessidade de pensar. As maravilhas da ciência não se explicam desta forma. O pior é que muito dificilmente se explicam de qualquer forma. Existem muitos livros que fazem uma boa divulgação científica, mas aí já são os leitores que tomam iniciativa (quase sempre) e já estão dispostos a fazer um esforço para compreenderem. A TV como meio de divulgação científica quase não existe e quase nunca existiu. Desde os programas de Carl Sagan que não foram feitos outros que conseguissem entusiasmar tantas pessoas pelo mundo fora pela ciência. A verdade é que não é fácil falar de ciência para toda a gente com rigor e poesia, mas se não for assim não se consegue cativar.

Claro que o sistema está mal. Um simples exemplo: há uns anos atrás, numa livraria, abri um manual de Física do secundário. Li o prefácio e apenas em algumas linhas detectei uma meia dúzia de erros crassos. Assim é difícil aos alunos aprenderam alguma coisa.

Gostava de lançar um desafio que acho interessante. Eu tenho formação científica, como se pode ver pela minha escrita tosca e directa. Agora vou tentando me complementar procurando saber mais de artes, literatura, história, ciências sociais. Que tal as pessoas ligadas às letras, artes e ciências sociais procurarem saber mais de ciência? Não lhes faria mal nenhum e iriam descobrir muitas coisas interessantes. O conhecimento pode ser uno, se fizermos por isso. Seria o primeiro passo para muita coisa.

Mário Chainho

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Embora concorde com as considerações do seu post acerca deste tema e com o ponto de vista de que resultam os seus comentários, parece-me que há um ponto que está a fugir ao debate e será mesmo uma das razões base do actual estado das coisas.

Parece-me haverem dois grandes patamares, ou fases, na aquisição do conhecimento.
Uma 1ª Fase, que pode ser encarada como Fase de aquisição do conhecimento elementar e uma 2ª Fase, um patamar já mais ligado à criatividade, investigação, experimentação, etc. Acontece que o debate se centra sempre no falhanço desta segunda fase, sem que tomemos consciencia de que é o falhanço da fase anterior que gera a impossibilidade de se obterem resultados na fase seguinte.Se nem os alunos, nem os professores são menos capazes do que eram há 20 anos, por exemplo, o que é que está a correr mal?
Penso que na 1ª fase do ensino, há que dotar os alunos dos conhecimentos elementares que são essenciais. Sem pretender ser exaustivo, a História, a Física, a Matemática, as Ciencias Naturais, o Português, o Inglês, a Química, a Filosofia, etc., são exemplos das áreas que fornecem as ferramentas do "conhecimento" que tem que ser adquiridas num certo grau mínimo, para ser possível avançar para patamares posteriores, com as condições básicas asseguradas. Aqui, há que fazer uma separação entre os alunos que estão preparados e os que não o estão. Sejam Exames, Testes, ou o que se quiser, há que ter uma maneira objectiva de aferir, com verdade, o grau de preparação dos alunos. Se estão ou não de posse dos tais conhecimentos base. Depois, só os que estão preparados deveriam poder avançar, pois os outros nunca poderão ter resultados efectivos, enquanto lhes faltarem os conhecimentos essenciais.Isto parece-me lógico.

A situação de os professores terem medo de reprovar os alunos é um aburdo porque não resolve nada e no final, gera uma insuperável frustração em todos os envolvidos. Mesmo não sabendo o essencial, os alunos, chegam ao 10º ano sem reprovarem. A partir daqui, como as coisas se complicam e eles não têm os conhecimentos essenciais, "estacionam" no 10º ou 11º e ficam à deriva. Entretanto, passaram os anos e já não é possível voltar ao secundário para aprender aquilo de que necessitam. Ficam, literalmente, sem saida e intala-se a frustração. A frustração dos alunos, dos professores e dos pais.É essencial que se façam Exames em vários níveis de modo a garantir a "qualidade" dos alunos que transitam à fase seguinte.Por analogia, veja-se por exemplo o que se passa na Indústria Alimentar. Há já alguns anos foi criado um sistema de controle de qualidade nos EUA, chamado HACCP (Hazardous Analyses and Control of Critical Points) que consiste resumidamente no seguinte :
Na fase de produção de um bem, são identificados os pontos críticos para a qualidade do produto final.Sempre que no processo de fabrico, o produto sofre uma tranformação para passar a uma fase superior e esse ponto é considerado crítico, o produto é sujeito a testes de qualidade nesse ponto.O produto só avança para a fase seguinte se "passa" nos testes. Deste modo se garantem 3 factores. A melhor qualidade do produto final, O menor número de rejeições, O mais baixo custo total envolvido. Se o produto passou em todos os pontos críticos, já não precisa do controle de qualidade final que antigamente era aquele que servia para "aprovar" o produto.

Sem querer ser "redutor" parece-me que o nosso problema é sempre o mesmo. Estamos todos de acordo quanto ao problema. No entanto, nenhum Governo resolve tomar uma decisão, mesmo sabendo que existirão alguns erros, para depois se ir construindo (aperfeiçoando) nessa plataforma. Assim, vamos debatendo, debatendo e o tempo a passar. Parece querermos encontrar o Óptimo, quando ainda estamos no Sofrível. Fazer o Bom era um avanço significativo. E nisto, francamente não me parece estar a ser "faccioso".

António Torres

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Sou uma estudante do 12º ano que pretende candidatar-se ao curso de economia na Faculdade de Economia na Universidade do Porto, a qual exige como prova específica a tão temida Matemática. O meu propósito ao escrever-lhe é para lhe contar uma experiência pessoal invulgar e as conclusões que tirei daí. Frequento um liceu Público do Norte do País no qual obtive um esforçado 16 a Matemática no 12º ano. Fui fazer o exame bastante nervosa e assustada pois todos os professores e alunos nos descreviam o exame como algo de terrível, embora tivesse noção de ter estudado o necessário. Para meu espanto, correu-me bem e no passado dia 1 de Agosto constatei que tinha obtido um 18.5 no exame. Então, face a esta invulgar situação de subida de nota em exame, parei para pensar. Será que estudei mais para este exame do que para os testes? (Penso que não) Será que fiz testes mais difíceis? (Não, mesmo porque os meus testes eram uma selecção de perguntas de exames de anos anteriores integralmente ou adaptadas), será que fui injustamente avaliada?

Afinal os exames até nem são difíceis e seguem sempre o mesmo esquema, concluía que o que me permitiu tirar esta nota foi o facto de nos dias antes do exame ter feito todos os exames dos últimos 4 anos. Então percebi, que estive durante um ano inteira a ser preparada para aquele exame, que tinha feito dezenas ou talvez centenas de exercícios estereotipados. Mas porque é que ao percorrer no sentido vertical as pautas de Física e Matemática na minha escola era possível encontrar 10 alunos seguidos com notas negativas?
Na minha opinião, as razões que explicam tal facto são as seguintes:

1.Alguma incompetência por parte dos professores. Muitos nem sequer são formados em Matemática ou Física e não sentem a mais pequena vocação para leccionar. Um aluno é capaz de faltar a todas as aulas de uma disciplina como História, estudar em casa pelo livro e apontamentos e tirar uma boa positiva. Por outro lado em relação à Matemática, bastava ir a todas as aulas, não estudando em casa, a partir do momento em que percebesse tudo nas aulas. Porque os exercícios não variam muito, se se perceber, porque é que se usa uma derivada, não será preciso fazer centenas de exercícios com
derivadas, até se mecanizar, bastará face a um novo exercício raciocinar e depois aplicar. Por fim é de salientar a dificuldade que muitos professores têm em atribuir notas altas aos alunos, especialmente por parte das escolas públicas. Citando um antigo professor meu: “20 é para Deus, 19 para mim, e o resto para os alunos”...

2.A inércia total por parte dos alunos. Pois para muitos a Matemática e a Física são difíceis e por isso não vale a pena estudar. Os alunos vão-se acomodando a esta situação e até vão passando de ano até se depararem com um exame final.

3.O problemas das escolhas múltiplas. Por exemplo, num exame de matemática há 7 perguntas de escolha múltipla com quatro respostas possíveis, no valor de 0.9 cada uma, perfazendo um total de 6.3 valores. No entanto, sempre que um aluno falhar a opção que escolhe é lhe descontado 0.3 às restantes perguntas feitas. Acho que pelo menos devia ser obrigatório que o aluno além da resposta escolhida, indicasse uma breve explicação do raciocínio elaborado. Pois por muitas vezes me senti injustiça devido à escolha múltipla.

4.A culpa dos nossos governantes. Como diz o velho ditado “ de pequenino é que se torce o pepino”, o que neste caso não poderia ser mais verdade, pois o gosto pela matemática adquire-se desde pequeno, não é só importante criar projectos, como por exemplo a “ciência viva”, como é urgente incentivar os mais novos ao mundo dos números, pois quando se gosta, é mais fácil estudar e obter melhores resultados. Não sendo de descurar a revisão dos programas, dos exames e das aulas do ensino secundário. Sei que não será fácil, pois apesar de os exame por vezes serem injustos, no contexto actual são a melhor forma de fazer justiça. Pois é a única maneira possível de nivelar os alunos à entrada na faculdade face a critérios de avaliação e técnicas tão vastas e diferentes a nível nacional.

Diana Silva




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