ABRUPTO

1.8.03


FÍSICA E MATEMÁTICA – COMENTÁRIOS - 2ª série (Actualizada)

NOTA: O Abrupto não tem comentários pelas razões já expostas. Através do correio electrónico recebe contribuições dos seus leitores, que são muito bem-vindas. Em função da economia geral do blogue e de regras editoriais de bom senso, serão aqui publicadas todas as contribuições para o debate, independentemente da minha concordância ou discordância com o seu conteúdo. Os textos estão publicados em ordem inversa da data de recepção.

"(...) o lançamento dum debate sobre o assunto, num país com reduzida tradição científica, e com muito pouca vontade para a construir.

O país em que Cultura-com-c-grande-nos-jornais-e-na-tv é sinónimo de Eça, Emmanuel Nunes, Vieira da Silva (só para mencionar alguns dos nacionais unânimes), mas nunca de Arquimedes, Galileu, ou Newton. Um país em que é escandaloso os alunos chegarem ao fim do 12º ano sem saberem quanto cantos tem "Os Lusíadas", mas não é escandaloso os mesmos alunos não compreenderem(!) que, desprezando o atrito, duas pedras de massas diferentes, lançadas simultaneamente da mesma altura atingem o solo ao mesmo tempo. Um país com uma intelligentsia que delira com Eduardo Prado Coelho ou Boaventura Sousa Santos mas ignora as calamidades pseudo- científicas que estas "talking heads" propagam nos anfiteatros da indústria de professores do Ensino Secundário. Um país que não compreendeu que Cultura Científica é, antes de tudo, questionar, criticar, experimentar, verificar e compreender, atitudes fundamentais para a cidadania nas sociedades democráticas.

(…) existe concerteza uma deficiência estrutural no sistema educativo nacional, mas esta deficiência é mental, e do sistema social português. Em comparações internacionais, os países asiáticos lideram sistematicamente os rankings da Física e da Matemática. Nestes países, o conhecimento é fortemente valorizado socialmente. Aprender Ciência, ensinar Ciência, fazer Ciência, são actividades com prestígio social, que os pais incentivam os filhos a prosseguir, o equivalente nacional a "fazer" a capa de revista cor-de-rosa, participar no próximo reality-show da tv, ou ser transferido para o futebol italiano. Os nossos valores são definitivamente diferentes dos valores sociais dos países que deram o salto do desenvolvimento científico e tecnológico.

E os nossos governantes têm tentado alterar esta atitude nacional? Numa lógica contabilística tudo indica que sim: escolaridade obrigatória alargada, melhores condições físicas nas escolas, e mais alunos nas escolas (em todos os níveis de ensino). Com que preço? Basta percorrer as escolas secundárias e falar com os professores e com os alunos. O sentimento generalizado é desmotivação. O nível médio de exigência dos programas é baixíssimo, fruto da pressão massificadora, e a escola substitui a família de forma indiferenciada e uniforme. Sucessivas reformas baixaram os padrões de exigência e automatizaram a promoção de multidões de analfabetos conceptuais a detentores da escolaridade obrigatória. A nova reforma do Ensino Secundário mantém esta bela tradição de inovação, sendo possível um aluno chegar a uma Escola de Engenharia sem ter tido Física e/ou Química nos três anos finais do Ensino Secundário (ver parecer do Instituto Superior Técnico sobre a reforma do Ensino Secundário). Todo este cenário torna-se ainda mais perturbador na Física ou na Matemática, em que a ausência de docentes com formação científica específica nestas áreas é quase total.Pergunta JPP: porquê estes resultados com a Física e a Matemática e não com as outras disciplinas? A resposta encontra-se subtilmente escondida no seu texto ("... o edifício da educação científica ...").

A Matemática, a linguagem das ciências "duras", é uma disciplina que exige um saber cumulativo, como bem descreveu Nuno Crato em intervenção televisiva recente. A sua aprendizagem não se compadece com lacunas na formação precedente e portanto supõe continuidade e estabilidade, características que raramente encontramos na composição do corpo docente das escolas públicas. Como qualquer linguagem, é exigente: o seu domínio implica muito treino e muito trabalho. A Física é um pouco diferente: compreender a linguagem matemática é fundamental, mas não é suficiente. A Física, como ciência experimental, obriga(-nos) a pensar e a confrontar a realidade, não se compadece com o saber sem compreender, o saber sem saber fazer, o saber-livresco-com-cheiro- a-mofo que impregna a nossa herança cultural francófona. Em qualquer dos casos, o nível de exigência e rigor das disciplinas é elevado e a qualificação científica dos docentes é crucial, sempre aliada à capacidade de transmitir o encanto e o prazer da Ciência. Muito deste prazer não se aprende no dia-a-dia de um estudante universitário. Encantamo-nos quando fazemos Ciência.

O contacto dos futuros professores com esta realidade é, em geral, reduzido e fortemente limitado: o estado, através das regras de financiamento, não incentiva as universidades que fazem Ciência, não incentiva a integração dos alunos em projectos de investigação e penaliza o ensino experimental/ laboratorial. Incentiva o ensino massificado, "barato" e com muito papel e lápis, a antítese da atitude que é necessário transmitir aos alunos do ensino secundário.Não existem soluções novas para descobrir a pólvora.

A teoria é unânime e do domínio público. Substâncias tão simples como trabalho, motivação, exigência, responsabilização, valorização e recompensa são, regra geral, suficientes. Contudo, não é óbvio que Nação/governantes/"opinion makers"/ professores/pais/alunos estejam preparados ou motivados para esta mistura explosiva. Citando um dos melhores conhecedores da psique lusa, Alexandre O'Neill, "Na prática, a teoria é outra."Nem tudo está perdido. Todos os Setembros encontro novos (e excelentes) alunos de Física à minha frente, acabados de sair do liceu, cheios de sonhos de cientistas e engenheiros, motivados para unificar as interacções fundamentais, compreender os buracos negros, resolver o problema energético da humanidade, desenvolver novos materiais, construir aceleradores de partículas. E de Setembro a Julho trabalho em deslumbramento ("awe" é o termo correcto) com as questões (e com as respostas) destes 45. O seu segredo é simples: motivação e dedicação. Como muitos noutros domínios científicos e tecnológicos, acabam por percolar para o resto da sociedade e transportar consigo a paixão pela Ciência e valores tão simples como a exigência, o trabalho e o rigor. Será aí que encontraremos algumas das respostas para o futuro."


Luís O. Silva

*


"Sou professor de Física e Química há cerca de 10 anos, neste momento frequento um mestrado na área da pedagogia de Física e Química. Lendo algumas opiniões, conhecendo a situação e vendo o estado dos actuais exames, aqui ficam algumas opiniões pessoais:

- Creio que a nota de matemática se deveu à crónica deficiência na área. A nota de física sempre foi baixa, este ano os exames foram excepcionalmente mais difíceis, daí a nota ter baixado, e só por isso deu nas vistas (até agora era a segunda nota mais baixa e já ninguém falava dela). Apesar destas notas, gostava que se reparasse que as médias das outras também não são propriamente alta...

- Como ciências de ponta, onde todos os factores têm importância, é natural que estas disciplinas revelem mais as deficiências do sistema que as outras. Creio, que enquanto uma disciplina como física necessita de um bom acompanhamento de um professor e de um domínio mais completo da matemática, do português e da física, outras disciplinas como a história ou a filosofia podem ser abordadas muitas vezes na solidão da casa, com o estudante apenas munido de livros.

- Os métodos de ensino existem, têm resultados e são passíveis de ser aplicados. Conheço colegas com graus de sucesso e que pretendem ensinar os seus alunos. Mas também conheço o contrário... e aqui reside um dos grandes problemas da estrutura excessivamente corporativa dos professores. Este ano fiquei a lecionar numa escola secundária em que me entregaram uma das disciplina mais fáceis e menos influentes das químicas. Se lá continuasse iria lentamente a receber disciplinas cada vez mais complexas até o dia em que poderia lecionar o 12º. Noutras escolas, colegas minhas com menos experiência receberam desde logo os 12º anos porque os professores mais velhos não queriam ter «o trabalho» nem «a responsabilidade». Esforce-me a ensinar os meus alunos, ou falte metade do ano, sei que vou progredir na carreira da mesma forma e ganhar o mesmo ao fim de x anos. É assim que o sistema funciona.

- Claro que os alunos não estudam, claro que é difícil a sua preparação. Mas talvez seja a hora de explicar que nem todos tem capacidade de serem neurocirurgiões ou físicos nucleares. Quando o ministério fala de prolongar o ensino obrigatório para o 12º eu penso na via profissional, no regresso aos cursos de carácter mais técnico. Espero que assim seja, porque sinceramente não percebo para que temos de obrigar os nossos alunos a ler os Maias ou a entender os campos magnéticos, quando sabemos de antemão que o futuro de muitos deles é ler «A Bola» ou trocar msgs de telemóvel enquanto esperam na fila para a entrevista de emprego, ou do autocarro.

Há muito para mudar e repensar, já agora uma observação interessante: Num país de maus estudantes e maus resultados, temos um físico como João Magueijo, uma pessoa que curiosamente não percorreu o caminho tradicional do estudante português para chegar ao fim do 12º. Mero acaso?"


Emanuel Ferreira

*

"Os fracos resultados obtidos a Matemática e a Física pelos estudantes do Ensino Secundário não se devem, obviamente, a um único factor. Mas antes de abordar algumas causas que me parecem estar por trás desse fraco desempenho, parece-me que é de realçar um facto tão ou mais preocupante do que este, nomeadamente que em testes feitos a nível da União Europeia (o Estudo Internacional PISA) os estudantes portugueses ficaram muito mal colocados. Temos então que averiguar não só porque é que os alunos do Ensino Secundário têm, nos exames a nível nacional, classificações tão inferiores às que lhes foram atribuídas pelos seus professores, como também porque é que são os piores da União Europeia no que se refere à Matemática.

Creio que é melhor começar por descrever uma aula de Matemática do Ensino Secundário a que fui assistir há sete anos atrás. A aula foi de uma hora, era dirigida a alunos do décimo ano e tratou-se de uma aula normal dada a uma turma normal. A única coisa que foi feita na aula foi a resolução de uma série de exercícios, todos do mesmo tipo, e que consistiam em aplicar uma técnica que já fora dada na aula anterior. Durante uma hora a professora ia propondo exercício atrás de exercício (todos iguais, com ligeiríssimas variações) e, após dar algum tempo aos alunos, mandava um deles resolvê-lo no quadro, corrigindo-o eventualmente em caso de necessidade. Foi-me explicado que ainda se continuariam a fazer exercícios do mesmo género na aula seguinte.

Imagine-se agora toda a matéria de Matemática e de Física do Ensino Secundário a ser leccionada deste modo, anos e anos a fio. A que é que isto leva? A uma situação ainda pior do que a simples análise des médias dos exames nacionais pode levar a supor. De facto, o que acontece é que:

1) A percepção com que a maioria dos alunos fica da Matemática e da
Física é de se tratar da uma matéria para a qual «conhecimento»
equivale a saber fazer uma série de exercícios padrão ou, pior
ainda, aplicar cegamente uma série de fórmulas. Naturalmente, isto
leva a alunos a quem se pede para calcular uma área, dão como
resposta uma quantidade negativa e depois queixam-se a quem os
quiser ouvir que os professores descontam imenso só por causa de
um erro num sinal.

2) Os alunos mais inteligentes e dotados de iniciativa intelectual
sentem muitas vezes repugnância por esses assuntos precisamente por
causa da percepção acima descrita.

3) Um grande número de alunos fica com a impressão de que até têm
queda para aqueles assuntos, ingressando por isso em cursos
universitários dessa área para depois terem um «despertar» muitas
vezes brutal. Tive uma vez alunas do primeiro ano de uma
licenciatura em Matemática a queixarem-se de que «a Matemática no
Secundário é tão fácil que até é chata»!

Mas porque é que as notas dos exames nacionais são tão inferiores àquelas que os alunos costumam ter no final dos anos lectivos? Porque cada vez mais o ensino é compartimentado em pequenas unidades estanques e as boas notas são devidas a testes que são feitos ao longo do ano para examinarem os conhecimentos obtidos nessas unidades. Mas há uma causa mais profunda e mais perturbadora: é que os professores que reprovem um aluno têm que elaborar um relatório a explicar detalhadamente porque é que o aluno em questão não teve aproveitamento e que métodos alternativos de ensino foram empregues. Nestas circunstâncias não deixo de compreeender (embora censure) os professores que optem por baixar a fasquia. Note-se que ninguém incomoda os professores que dêem sempre notas muito altas nem muito menos os professores que não proponham exercícios mais estimulantes aos melhores alunos.

E isto leva-me a mencionar aquela que considero como a maior perversão de todo o sistema, que é aquela que consiste em chamar «insucesso escolar» à taxa de reprovação. Ou seja, ter sucesso não é ter obtido novos conhecimentos, ter integrado os conhecimentos já obtidos numa estrutura coerente ou ter desenvolvido novas competências. Não: «ter sucesso» é «passar de ano» e nada mais. O símbolo torna-se na coisa em si. E esta é a linguagem empregue no Ministério da Educação.
"

José Carlos Santos

*

"Infelizmente a Matemática e a Física são apenas a face mais visível do problema.

O que se passa hoje em dia no sistema educacional é escandaloso. Quer no ensino liceal, quer no ensino superior. Antes de mais vejamos alguns exemplos verídicos: em 2002, no Instituto Superior Técnico, à cadeira de Análise Matemática I, base da formação matemática de todos os cursos daquela universidade, passaram 3% dos inscritos. Na mesma cadeira, mas na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, de cerca de 500 inscritos, só 33 foram aprovados.

Estes são só alguns exemplos de um panorama nacional ultrajante e degradante. Será que só temos escolas que não servem para nada? A continuar assim, apenas nos andamos a enganar e a enganar os outros; são anos e anos da suposta preparação, em que se gasta tempo e muito, muito dinheiro, que de pouco vai servir. São recursos mal alocados, num sistema lento ineficaz e enganador.

Ora vejamos: em primeiro lugar está a escolaridade básica e obrigatória que nada mais é que uma fantochada. Se por acaso tivéssemos como colegas, alunos interessados e trabalhadores e bons professores, talvez o sistema até funcionasse. Porém não podemos partir do princípio que todos os alunos são interessados e trabalhadores, principalmente quando a práctica nos diz que são poucos. E quanto aos bons professores? Nem sempre os professores são bons, mas são injustas a maioria das críticas que a opinião pública e muitas vezes o próprio ministério faz aos professores. Um bom professor faz-se não só por ele próprio, mas também pelos alunos que têm. Que ânimo terá então qualquer professor, bom ou mau, se os seus alunos não se interessam minimamente e se não dispoem de um mínimo de ferramentas que lhe permitam aumentar a exigência? A verdade é que nos tempos que correm, é muito, mas mesmo muito raro alguém chumbar até ao 9º ano. Vêem-se alunos passar com mais de duas negativas e muitas vezes até com reprovação às disciplinas de Português e Matemática, que antigamente eram os dois monstros sagrados, a que ninguém podia chumbar simultâneamente.

Que estímulo terá então um professor que por tão maus que sejam os seus alunos os vê passar para o ano seguinte, sem que pouco possa fazer? Sim, porque os procedimentos para se chumbar um aluno são tão complicados, que a própria burocracia se encarrega de o fazer passar. E que vontade de fazer um esforço extra tem o aluno que já não é muito dado aos livros e que sabe que se não se esforçar passa na mesma? Que ânimo dá isto aos bons alunos que no fim de um ano de trabalho são apenas premiados com a aprovação dos colegas que nada fizeram para a merecer? Com este sistema, só as estatísticas ganham e mais nada.

No ensino secundário, o percurso deixa de ser tão facilitado, mas a base é a mesma: os níveis de exigência são um pouquinho superiores mas ainda assim os professores de hoje em dia foram amputados dos mais básicos meios de contolo e exigência, como por exemplo os trabalhos de casa, que muitos alunos, simplesmente abstêm-se de fazer. Os liceus são hoje em dia uma salganhada, uma mistura de escola para os alunos que pretendem ir para universidade e de jardim-escola para uma grande percentagem de desorientados que não sabe bem o que há-de fazer da vida, mas que por lá vai passando o tempo até se decidir.

E chegando ao ensino superior? Bem de tanta liberdade há alunos que se dão ao luxo de chumbar todas as cadeiras do primeiro semestre. Há elevadíssimas percentagens de reprovações nos primeiros anos e também de alunos que nesses dois primeiro anos mudam de curso, universidade, ou que abandonam mesmo a vida de estudante.

Estes são apenas alguns dos problemas que afectam a educação nacional, a nível do percurso académico e formação dos alunos. Concerteza haverá quem diga que também os encontramos no conteúdo da informação fornecida aos estudantes, bem como nas saídas profissionais, no acesso ao ensino superior e até mesmo nas infra-estruturas. Não digo que não, mas em minha opinião grande parte do problema da educação nacional poderia ser resolvido solucionando os problemas cujas manifestações acima descrevi. Para tal apresento algumas soluções, que, a meu ver, contribuiriam muito, caso fossem aplicadas.
Em primeiro lugar é absolutamente necessário exigir. Ninguém trabalha se não se exigir, se não existirem patamares de qualidade e de obrigatoriedade. Exija-se e premeie-se os trabalhadores. Crie-se não só uma cultura de trabalho e produção como de louvor e exaltação desse mesmo trabalho. Não se pode permitir o desleixo nem o eterno desafogo, que permitem aos alunos, mesmo não trabalhando, continuarem a progredir no seu percurso escolar. Notas negativas existem e são para se dar quando merecidas, assim como as notas elevadas, se os alunos o merecerem.

A cultura da mediocridade não pode continuar e portanto não se pode nivelar por baixo. Advogo a separação entre maus e bons alunos. Não por descriminação mas pelo facto de que, em turmas mistas, ou se acompanha o ritmo dos bons alunos, o que torna ainda mais difícil a aprendizagem dos alunos mais fracos, ou se procede conforme as capacidades dos mais fracos, o que pode provocar o desinteresse dos bons alunos e um subaproveitamento das suas capacidades. Assim ninguém aproveita. A meu ver, seria portanto favorável criar-se turmas adequadas ao nível de cada grupo de alunos.

A escolaridade obrigatória é, sem dúvida, uma conquista preciosa e necessária a toda a população. Mas escolaridade obrigatória não é sinónimo de infantário ad aeternum, ou de depósito de crianças e muito menos de parque de diversões. Sai muito caro ao estado manter um aluno quer no ensino básico, secundário ou superior e portanto não se deve permitir o autêntico estado de sítio em que muitas instituições vivem. Os alunos reprovam uma vez, duas vezes, três vezes, até quatro... e continuam a poder estudar como todos os outros. Tal não deveria acontecer: são permitidas um número limitado de reprovações e partir de então, caso voltasse a chumbar o aluno deveria ser obrigado a financiar a sua própria educação. Aconteceria uma de duas coisas: ou abandonavam a escola, - o que nunca é agradável - ou acabaria o regabofe. Nos dias que correm ao permitir-se que os alunos reprovem como reprovam, permite-se que se roube ao Estado, que se roube aos pais e educadores que têm de sustentar mais tempo os seus filhos em casa e permite-se ainda que as escolas e universidades sejam povoadas por ociosos que têm exactamente os mesmos direitos que os trabalhadores.

É necessário compreender-se e fazer-se compreender que para se alcançar o sucesso não é obrigatório passar-se pela universidade, nem que seja só pelo simples facto de que há pessoas que não foram feitas para estudar. E para tal é também preciso criar alternativas dignas e de qualidade que permitam o acesso à via profissional e também o colocamento na vida activa do país. Um país só de doutores é um país que não sabe reparar canos furados, não tem pessoas capazes de construir casas, nem móveis e que não cultiva os seus campos. E a educação também passa por apoiar e patrocionar (e isto não significa apenas dar subsídios) jovens artistas, músicos, pintores, escultores, escritores e tantos outros necessários a uma boa saúde cultural do país.

Quem faz um país são os seus habitantes. E um bom país precisa em primeiro lugar de cidadãos e depois de cidadãos educados, cultos e bem formados. Isso não significa que todos necessitem de ir à universidade, nem que passem anos infindáveis sentados em carteiras de escola. Significa apenas e só que lhes seja dado o direito de receberem uma formação útil, de qualidade e adequada às necessidades futuras, sendo-lhes exigido um esforço, dedicação e trabalho necessário à produção de um processo de aprendizagem de qualidade e exigente.

Não podemos continuar a formar indivíduos medíocres, nem a enganar tudo e todos sob o bom nome da nobre acção de educar."


Francisco Delgado


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