ABRUPTO

25.7.03


UMA CIDADE QUE SE CHAMA “INVICTA”

... não pode ser igual às outras. E não é . Tem uma força interior enorme, escondida, tantas vezes desbaratada em querelas ridículas quando à sua frente tem os que fazem do Porto província.

O que há de melhor no Porto é a liberdade, uma liberdade que não veio de comboio de Paris, uma liberdade que não era a dos carbonários, mas a profunda liberdade dos burgueses , a liberdade do trabalho, a liberdade do comércio, a liberdade das associações mútuas dos operários, a liberdade mais copiada dos ingleses do que dos franceses. É uma cidade onde podiam ter vivido os Buddenbrook e onde Thomas Mann poderia ter sido cônsul. Mann gostaria do Porto.

A gente que lá nasceu sabe onde está essa liberdade sólida, presa ao granito, na Rua Mouzinho da Silveira, na rua das Flores, no Largo dos Poveiros, em S. Lázaro, nas fiadas de casas de granito e azulejo vidrado da rua D. João IV, na rua da Alegria, em Fernandes Tomás, em Passos Manuel.

E depois naquelas ruas que já não tem a função que tinham desde a rica S. Catarina, até à humilde e desconhecida Travessa da Póvoa, nas ruas operárias onde se morria de cólera e de tifo nas ilhas. É o Porto que foi a terra dos operários e não Lisboa. Lisboa tinha Alcântara, mas o Porto tinha as grandes fábricas , dos tabacos no Campo 24 de Agosto, de Salgueiros , no Graham, na Boavista , no Freixo, em Lordelo, nas conservas de Matosinhos.

Já disse isto vezes sem conta, inclusive em comícios, quando se grita para que não nos ouçam o sentido, mas não consigo começar a falar do Porto sem estas primeiras palavras.

*

O Porto fez-me gostar de uma qualidade sem grandes elogios nos dias de hoje e também sem grande reconhecimento social, por muita retórica que à sua volta se ouça, a integridade. Muita da vida pública portuguesa não seria o que é, se houvesse um pouco mais de reconhecimento social da integridade. Se os íntegros não parecessem personalidades obstinadas, com mau feitio, “pouco maleáveis”, como agora se diz.

O Porto fez-me gostar das pessoas simples, íntegras, ainda não tocadas pela usura das palavras, ainda não ecléticas, ainda não dominadas pelo amor-próprio destrutivo, ainda não obcecadas pelas suas virtudes e pela sua facilidade, ainda não acumulando superfícies como quem acha que a vida é um longo espelho, ainda não distraídas, ainda não impacientes, ainda querendo mais alguma coisa com uma tenacidade de absoluta dedicação. Como o Porto é feito de granito em vez de calcário, selecciona a dureza, a persistência, o trabalho, as boas contas, as “contas à moda do Porto”, e já revelou na sua história que pega em armas quando é preciso.

Nunca mostrei a minha cidade, mostrar de mostrar, a quem eu não ache íntegro. Sei de quem nunca lá irá pelas minhas mãos.


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© José Pacheco Pereira
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