ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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23.7.03
TRATADO DOS TELEMÓVEIS – primeiros fragmentos
Nota prévia - Os telemóveis são a guarda avançada (ou a revelação) de toda uma série de mudanças sociais em curso associadas a novas tecnologias. Como todas as mudanças elas não emanam directamente das tecnologias mas sim das suas relações com o modo como socialmente são moldadas pelo mundo “exterior”. Não é haver telemóveis, é o uso que as pessoas dão aos telemóveis. O que se está assistir é só o princípio. 1. Carta dos direitos que o telemóvel ameaça (carta dos estilos de vida ameaçados) : O direito de não ter telemóvel e não passar por mentiroso quando se diz que não tem. O direito de não ter que andar com o telemóvel 24 horas por dia. O direito de não ter o telemóvel sempre ligado. O direito de não ter que fazer dezenas de telefonemas inúteis apenas porque se criou o hábito de falar de cinco em cinco minutos. O direito de ignorar um telefonema. O direito de não responder a um telefonema. Telemóveis e atendedores de chamadas tornaram alguém sempre presente, e obrigatoriamente informado de que outrem telefonou pelo que é socialmente inaceitável que não responda. Deixou de se poder dizer – “desliguei os telefones” - porque o atendedor de chamadas regista tudo como se o telefone estivesse ligado. “Não podes dizer que não sabias, deixei-te mensagem. Porque é que não respondes?” 2. Diálogos de um futuro muito imediato – cedências de liberdade “- O meu presente de aniversário é este telemóvel moderno que tem GPS e pode-se saber onde uma pessoa está a qualquer momento. - Pode-se saber? - Pode - Não sei se quero… - Tens medo que eu saiba onde estás? - Não, não tenho medo…Dá lá o telemóvel. Outro: “ - Onde estás? - Estou aqui. - Aqui aonde? Liga o vídeo do telemóvel. - Para quê? A chamada vai ficar cara… - Para eu ver onde tu estás.” 3. Monólogos do presente – matar alguém no telemóvel “Ele tinha quatrocentos e vinte e oito mensagens gravadas. Recados, gritos, murmúrios, desejos, fúrias, calmas. Resolveu apaga-las a todas e, como era homem de memórias, o acto era importante. Ao apagar matava alguém. Carregou no botão porque há actos que nem o direito à memória têm. Pouco a pouco, começava a memória a encher-se outra vez. De pessoas vivas.” Outro: “Ela dizia – o telemóvel é minha liberdade. Enganas-te. É a tua servidão.” (url)
© José Pacheco Pereira
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