Pedro Robalo no Complot fala da memória das casas :
"Na casa de praia dos meus avós, onde me encontro, foram feitas, recentemente, algumas obras. São muitas as modificações que umas obras imprimem numa casa. Escolhas estéticas aparte, existem pormenores técnicos que uma intervenção não pode deixar intactos.
Um dos que mais se faz notar é a colocação dos interruptores eléctricos. Se se fizerem alterações à instalação eléctrica principal, é muito provável que os interruptores mudem de sítio, sendo colocados a uma altura de menos de um metro do chão. Nas casas mais antigas, que é o caso, os arcaicos e barulhentos exemplares eram colocados muito mais acima: um metro e meio pelo menos. Desconheço as razões de ordem técnica que justifiquem um e outro caso.
O curioso nesta mudança é a sua interferência nos actos mais banais - o que nos faz reflectir acerca da profundas raízes dos hábitos adquiridos. Trocando por miúdos: agora, de cada vez que entro numa divisão escura, levo pelo menos 20 segundos tacteando a parede em busca do interruptor. Só depois, chamando a razão a este acto irreflectido, realizo que ele se encontra noutro local. E, de cada vez que isto acontece, a casa que era e já não é aflora-se à memória, despoletando um misto de nostalgia e desconforto. Por muito boas que sejam as mudanças, há sempre nuances de saudade que só o tempo consegue apagar. Por mais insignificantes que sejam."
Eduarda Maria da “ bata da escola. Além dos uniformes nos colégios (que ainda se mantém), havia a bata, nas escolas públicas. Embora há 30 anos pensasse o contrário, hoje em dia não consigo encontrar uma única desvantagem para o uso da bata. (Acho que já chegámos todos à conclusão que a liberdade não passa nada por aí). “
Miguel Marujo do Cibertertulia lembra “os sinos das igrejas - ou as suas badaladas! - hoje em dia substituídos por ensurdecedores altifalantes a debitarem versões duvidosas do "Avé" de Fátima!”
Miguel Leal dos “eléctricos”:
“Os "Eléctricos " 25 e 26 , referência fundamental da minha infância . O bilhete , pequeno , frágil e cor-de-rosa - retirado de uma resma de bilhetes da mesma cor- obliterado por pressão manual com um instrumento também ele extinto , custava 13 tostões. Os eléctricos 25 e 26 , dizia , faziam o mesmo percurso mas em sentidos diferentes. O percurso era denominado "circulação" e a carreira era indicada à frente e à rectaguarda dos eléctricos com a designação de "Estrela - Gomes Freire " , através de um mostrador envidraçado que era preenchido por uma espécie de papiro que se desenrolava e que ia indicando os diversos destinos que se praticavam na Carris desse tempo.
A minha avó e eu , "apanhávamos " o Eléctrico na segunda paragem da Rua Ferreira Borges ", em Campo de Ourique .Seguíamos então na direcção da baixa pombalina - atravessada generosamente em toda a sua extensão - através da "panificação " , Amoreiras , Rato e Conde Redondo , onde era feita por vezes a mudança de guarda-freio. Avançávamos, junto ao rio, torneando o Cais do Sodré em direcção ao bairro chique da Lapa , com início da subida em Santos. A rua Buenos Aires antecedia a descida para a "Estrela " que por sua vez antecedia a subida para a Rua Ferreira Borges onde nos apeávamos na mesmíssima segunda paragem.
Uma Lisboa abrangente , por 13 tostões , em 45 minutos e com partida e chegada no mesmo local.”
"O pente religiosamente guadado no bolso de trás das calças".
Os homens já não guardam, junto das cautelas, o pente. Já não fazem aquele gesto firme de colocar em ordem o cabelo, acompanhado pela suavidade da mão, que suada conferia aquele estrutura una e circunspecta.
Os homens já não param à porta das repartições públicas, dos consultórios, dos cafés, a olhar para um vidro e a desenhar a regra e esquadro a risca ao lado.
O pente, naquele plástico matizado de castanho, morreu.
Eu próprio já não me penteio vai para uma vintena de anos. A última vez que penteei foi no dia da comunhão solene. Hoje junto à Estação de S. Bento já não se vendem pentes, hoje à porta da "Adega do olho" já ninguém se penteia, amanhã entre uma e outra sande de presunto, no "Louro", ninguém tirará o seu pente e será mais homem. Hoje quando saio à noite e vejo os rapazinhos que habitam o estado novo, com a melena cuidadosamente despenteada à frente dos olhos, juro que rezo para que entre um qualquer paquistanês e que em vez de rosas traga na mão um bouquet de pentes para guardar no bolso de trás das calças."