ABRUPTO

2.7.03


NOTAS EUROPEIAS (FRANCESAS NESTE CASO)


Está a ocorrer em França uma greve de um sector que se intitula de forma bizarra "intermittants du spectacle" e que se auto-designam de "artistas" : bailarinos, cabeleireiros, montadores de palcos para espectáculos, "animadores culturais" , etc. É na França um número significativo de pessoas, o que mostra os frutos a prazo da política de Malraux de constituição de um forte sector estatal da cultura, entendida como um instrumento da propaganda e da legitimação do estado. Era na sua origem uma política de direita, gaullista, feita em nome da "grandeur de la France" e emigrou para a esquerda com Lang ( e para Portugal com Santana Lopes e Carrilho, ambos discípulos de Lang). A "cultura" é vista essencialmente como alta propaganda, indiscutível pelo seu estatuto e excelente como mecanismo de influência política. Uns fizeram-na com as vanguardas estéticas, outros com o teatro de revista e o Pedrito de Portugal, mas é o mesmo mecanismo.

A greve, que está a abater todos os festivais de Verão, Avignon, Montpellier, etc., mostra a dimensão de indústria que hoje a "cultura" tem nas sociedades contemporâneas, o seu peso económico, a sua intimidade com o estado (grande em França, menos nos países anglo-saxónicos), assim como a confusão essencial de tratar esta "cultura" como associada à criação, retirando daí uma intangibilidade face às mesmas críticas que, por exemplo, escrutinam uma política de turismo, ou de animação urbana , ou a propaganda política. É por isso que jornais como o Le Monde noticiam a greve na secção de "cultura" , junto com os livros e os filmes novos. É também por isso que não há maior equívoco do que a existência de Ministérios da Cultura, que, com excepção do património, pouco mais fazem do que gerir indústrias culturais e serem, nos tempos fastos, ministérios da propaganda. A "cultura" devia ir para os ministérios da educação, da indústria, do comércio externo, onde as suas virtualidades em cada uma destas áreas deveriam ser maximizadas, e haver apenas um Ministério do Património.

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© José Pacheco Pereira
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