ABRUPTO

19.7.03


EARLY MORNING BLOGS 13


Eu sou um adepto do meta-bloguismo, embora pense que o excesso do dito levaria a uma esterilidade completa. O meu meta-bloguismo vem de não conseguir usar um meio sem me esforçar por o perceber. Num primeiro tempo, este olhar “tira” liberdade, condiciona, “prende” e por isso o meta-bloguismo gera sempre um certo mal-estar. Mas há um segundo olhar, que se calhar também vem com o primeiro, que acaba por nos dar uma ainda maior liberdade. Eu sou da escola de quem pensa que conhecer liberta. Não há provavelmente maior ilusão nos últimos duzentos anos, do que achar que as “luzes” alumiam, mas eu prefiro um mundo em que se proceda (eu disse proceda e não acredite) segundo essa ilusão.


Leitura de outra espécie de blogue: os diários de Tolstoy (numa edição de textos escolhidos – o conjunto dos diários é gigantesco e nunca foi traduzido integralmente para inglês - muito boa de R. E. Christian, Tolstoy Diaries , Londres, Flamingo, 1994).

Depois dos Cadernos de Camus fiquei com curiosidade de ver em que medida a mecânica diarística, narcisística, seja lá como for, dos blogues aparecia noutros textos semelhantes. Os mais semelhantes são obviamente os diários, e os cadernos de observações e notas, que funcionam como instrumentos de trabalho para futuros livros, ou como textos para serem publicados.

Não me interessava saber se os blogues prolongam os diários, mas se determinados mecanismos formais – a datação cronológica, a fragmentação do texto pelo tamanho da página, o esquecimento rápido, a interactividade, o papel da citação e contra-citação, o diálogo dentro de uma comunidade e para fora dela – estavam também presentes, num outro contexto tecnológico, em textos semelhantes pela sua natureza aos dos blogues.

Dos que vi nenhum texto é tão próximo dos blogues como os Cadernos de Camus. Se as suas entradas tivessem sido colocadas, dia a dia, por alguém que, como o Pierre Menard do Borges, o quisesse de novo escrever de forma mais perfeita “bloguisando-o”, ninguém distinguiria a diferença a não ser pela qualidade. Os diários de Tolstoy já são um pouco diferentes, mas também não tanto.

Tolstoy escreveu vários diários, durante praticamente toda a vida. Atribuía-lhes grande importância e chegou a dizer “o meu diário sou eu”. Disse “vários” porque, nalguns momentos, escrevia dois ao mesmo tempo, um dos quais intitulava de “secreto”. Esta classificação de per si coloca o outro diário como quase “público” – Tolstoy falava dele aos seus próximos e é provável que estes conhecessem algumas entradas.

Quando alguém escreve um diário para ser lido, o facto de as tecnologias de então implicarem um tempo de espera e maturação para as suas palavras virem a público, não introduz uma diferença qualitativa com os blogues quanto ao dilema público - privado. No entanto, a imediaticidade total da escrita dos blogues gera outras diferenças sem precedente, talvez a mais importante das quais seja o efeito do texto ser público e escapar ao seu autor mal ele o escreva, entrando numa rede que, ao mesmo tempo, o transporta para outros lados e o prende num presente circunstancial. Uma parte dessa rede é a citação e o comentário, o fio das palavras dos outros prendendo as nossas num efeito sem retorno. A etiqueta não escrita dos blogues, que “condena” a retirada de uma nota uma vez publicada ou a sua mudança significativa, tem a ver com a integridade dessa teia. Apagar uma nota, apagar um blogue rompe a teia.

Sem essa teia, sem essa escrita que implica sempre um hiper texto mesmo que virtual, daí os efeitos narcísicos, não havia blogosfera. (É por isso que tenho que reavaliar em relação a textos que anteriormente escrevi, a relação entre o interior e o exterior da esfera). O diário ideal , escrito para ninguém ler, não existe na blogosfera, nunca seria um blogue porque não era para ser publicado. A publicação, mal é feita, faz pertencer o texto aos outros. Tolstoy não defrontava estes efeitos.

(Continua.
O “continua” dos blogues, onde não “cabem” textos longos, é parecido com o dos seriados, histórias aos quadradinhos, e filmes em episódios, só que sem o suspense final).



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© José Pacheco Pereira
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