ABRUPTO

30.7.03


DE NOVO SOBRE O RENDIMENTO MÍNIMO GARANTIDO

A nota que publiquei ontem sobre o RMG suscitou muito correio e muitos comentários em vários blogues. Tratava-se de uma nota que fiz a partir de uma realidade que conheço directamente, com um inevitável elemento “impressionista”, mas que não tenho nenhuma razão para pensar que não seja significativa. Apesar de circunscrita a uma parte da composição social da população abrangida, (admito que em Setúbal, por exemplo, haja realidades distintas que tenham que ser descritas doutro modo) , nem por isso deixa de existir e ter peso na avaliação do RMG.

Por isso, mantenho-me firme na afirmação da relevância dos casos que referi. Os exemplos que dei e que conheço bem estão longe de parecer excepcionais. Nem as pessoas, nem a terra, nem o contexto, têm qualquer excepcionalidade para eu poder concluir que o mesmo não aconteça em outras comunidades semelhantes. No fundo, é tudo tão normal, e esse é que é o problema.

Nunca utilizei a palavra “fraude”, porque acho que descrever estes efeitos do RMG está longe de poder ser assim classificado. As pessoas que se comportam como descrevi são condicionadas a fazê-lo não porque queiram enganar o estado, mas por que a lógica do RMG as empurra a actuar assim, lhes “sugere” que actuem assim. Um sistema de subsídios gera como efeito a adaptação criativa dos putativos recipientes à lógica desses subsídios, tentando maximizar o que se recebe e minimizar o esforço. É uma estratégia de adaptação inevitável.

Aqueles que vêem o RMG de um ponto de vista ideológico de “esquerda” é que acham que a esmagadora maioria o usa “correctamente” e só uma pequena minoria desviante é que comete “fraudes”. Ora esta distinção não tem sentido, dado que os comportamentos que descrevi são os comportamentos racionais, induzidos pelo sistema de subsídios, e não uma perversão do RMG. O mal não está nas pessoas, mas nas oportunidades que se lhes dá para se adaptarem a um limiar de apatia, que reproduz eficazmente a mesma exclusão que se pretende combater.

O que se passa, e isso é patente em muitas das críticas que vi sobre o meu texto, é que se fala do RMG a partir das suas boas intenções – dar um “mínimo” a todos de sobrevivência, de dignidade – e não a partir da realidade económica e social que a existência de um “rendimento garantido” gera. A isto soma-se a permanente ocultação da conflitualidade social que o RMG gera “em baixo”, o que também tem razões ideológicas – que haja “pobres” contra os “ricos” , muito bem, que haja “pobres” contra “pobres” não é aceitável.

Nota: estou a preparar uma síntese das opiniões recebidas pelo correio.

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© José Pacheco Pereira
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