ABRUPTO

3.7.03


BERLUSCONI (Actualizado)

Não era minha intenção falar do que aconteceu ontem no PE com Berlusconi, mas já li relatos e comentários em diferentes blogues e alguns leitores do Abrupto pediram-me para comentar os eventos. Penso que tem sentido aqui descrever testemunhalmente o que se passou, por parte de um observador comprometido. Não é jornalismo, mas esforço-me por ser o mais rigoroso que posso nos factos. O resto é opinião.

Sabia do que se preparava, assisti ao que aconteceu e , por razões que tem a ver com as minhas funções, tive e tenho um papel nas sequelas possíveis do evento. Sobre esta última parte compreenderão que não fale, como também não falarei dos aspectos de debate interno e das conversas em que participou Berlusconi.

A parte dos incidentes que tem sido divulgada é a que envolveu Berlusconi e Schultz , com a história do "capo". É apenas uma parte do que aconteceu e não pode ser tratada isoladamente se queremos ter uma apreensão informativo e opinativa do que aconteceu.

Pode no entanto esta parte dos incidentes ser validada isoladamente e não é difícil fazê-lo: a "piada" de Berlusconi é de mau gosto, ofensiva , completamente desapropriada e em nenhuma circunstância devia ter sido dita. Quando instado pelo Presidente do PE a retirar o que disse, Berlusconi recusou-se, o que ainda mais agravou a situação. Berlusconi é o PM italiano, Presidente da UE e nessa dupla qualidade tem obrigações de comportamento institucional que prejudicou com o incidente.

Incidentes deste tipo , exactamente deste tipo, são comuns em todos os parlamentos. O confronto parlamentar favorece-os e declarações absolutamente inadmissíveis e ofensivas , abundam. Só para dar um exemplo do parlamento português : Gama a chamar Bokassa a Alberto João Jardim. Só que na maioria dos casos, quando há uma admoestação do Presidente, os autores de ofensas ou as retiram ou declaram que a sua intenção não foi o insulto pessoal. Berlusconi teve essa oportunidade e desperdiçou-a.

Dito isto com clareza, vamos ao resto. O que descrevo a seguir não justifica, nem legitima o incidente, porque o ónus da maior obrigação de comportamento recai em Berlusconi. Quando decorreu o incidente do "capo" já Berlusconi estava há mais de uma hora no PE numa situação muito difícil : sujeito a uma manifestação agressiva por parte da esquerda parlamentar, em particular os comunistas , os verdes e uma parte dos socialistas. Estes prepararam uma manifestação no interior do hemiciclo com cartazes contra Berlusconi , manifestação essa em que, de forma institucionalmente inadmissível, participaram funcionários do PE e dos grupos políticos da esquerda, levantando cartazes e vaiando-o enquanto falava. Não é irrelevante a circunstância do lugar que ocupa o Conselho no hemiciclo ser encostado ao lado dos comunistas e dos verdes, de modo que a proximidade física dos manifestantes com Berlusconi era grande. Talvez se ele estivesse do outro lado nada acontecesse. A história é assim.

Este comportamento é simultâneo com o decorrer da sessão, ou seja Berlusconi está a falar e mal se ouve, tal é o barulho, os risos e as vaias, vindos da mesma parte da sala. A Mesa tinha dificuldade em controlar a situação e não quis interromper a sessão. Infelizmente situações deste tipo são comuns, embora com menos gravidade da que ocorreu ontem, no plenário, onde os verdes, os comunistas e uma parte dos socialistas costumam fazer manifestações dentro da sala com exibição de cartazes. Quem dirige a sessão e a maioria dos deputados, incluindo muitos socialistas tem condenado estes procedimentos, mas lacunas do regimento impedem uma actuação clara da mesa . Nas actas do PE está um caso de um incidente, em que eu próprio estava a dirigir a sessão, com um deputado basco ligado à ETA.

O que aconteceu na sala não se limitava à manifestação. Berlusconi estava permanentemente a ser insultado em várias línguas, mas com predominância do italiano, de "ladro", "capo", "mafioso" e outros epítetos do mesmo teor por alguns deputados, com predominância dos verdes e comunistas. Um dos verdes que habitualmente toma a liderança destes incidentes e que funciona como uma espécie de bufão (com grande efeito e aplauso jornalístico) é Cohn Bendit. Acham-lhe graça.

Por fim, o discurso do deputado Schultz contem igualmente partes ofensivas para Berlusconi, e referiu-se a questões de política interna italiana violando uma regra tácita do PE. Isto obviamente não justifica as palavras ofensivas de Berlusconi.

Por último, uma observação quanto ao "caso Berlusconi" e que tem a ver com a duplicidade do tratamento que lhe é dado. Digo isto para que se compreenda que a selecção dos "escândalos" que são graves e os que não são, é politicamente motivada. A esquerda europeia nunca "engoliu" os resultados da verdadeira revolução que Berlusconi fez no sistema político italiano (matéria sobre que podemos falar depois) e que a tirou do poder.
Berlusconi não é o único dirigente político europeu com problemas com a justiça, mas parece que é. Não é preciso ir mais longe do que o presidente Chirac. Mas, como os políticos não estão acima da justiça , depois de terminar o mandato irão a tribunal.

Depois, no caso italiano, é preciso uma prudência diferente no julgamento dos "casos de justiça" dada a acentuada politização da acção judicial. Neste mesmo parlamento estão algumas personalidades célebres de juizes "acima da política" que, usando a sua credibilidade como juizes, entraram numa carreira política e são hoje deputados. Dá que pensar.

Por último, Berlusconi é empresário e os anátemas contra o dinheiro, contra o capitalismo e a economia de mercado tendem a descrever essa actividade como uma forma superior de roubo. Lembram-se de Proudhon que dizia que a "propriedade é um roubo..." ?

De qualquer modo, quem mais perdeu com tudo isto foi Berlusconi.

*

Comentários a esta nota em O Comprometido Espectador , A Esquina do Rio , De Esquerda , País Relativo , Linhas de esquerda , Valete Frates ! , Linha dos Nodos , O Intermitente . Estes blogues foram os que encontrei, para já, com referências ao "caso".

(url)

© José Pacheco Pereira
Site Meter [Powered by Blogger]