ABRUPTO

31.5.06
 


BIBLIOFILIA: NA FEIRA DO LIVRO



Uma Feira do Livro de Lisboa muito deserta, mas cheia de excelentes livros nos alfarrabistas em contraste com toneladas de lixo nas editoras. Baratos, bastantes (nunca chegam é certo...) e curiosos. Acima de tudo muitas coisas curiosas, que nunca tinha visto. Como esta edição dos navios de guerra do mundo, publicada por Fred T. Jane, o fundador das edições militares de referência. Aqui está, a título de exemplo, a silhueta de um navio turco.

Ao longe no mar, ou no periscópio de um submarino, era assim que se identificava uma amigo ou um inimigo. Depois há uma série de ensaios de C. S. Lewis publicados nos anos cinquenta, que desconhecia e que hoje não estão acessíveis no mercado. Por último, há uma peça de propaganda nazi, editada em 1942 em Berlim e Paris, por uma Sociedade Editora "Europa Lda. "Quando as alcateias dos lobos vermelhos invadiram a Letónia..." o nosso cônsul letão agradece aos alemães salvarem-lhe a vida.

(Continua)
 


UMA AVARIA NO BLOGGER



impediu a actualização do Abrupto durante o dia.
 


ESTEVE PARA SER UM EARLY MORNING BLOGS

" Look here, Cranly, he said. You have asked me what I would do and what I would not do. I will tell you what I will do and what I will not do. I will not serve that in which I no longer believe whether it call itself my home, my fatherland or my church: and I will try to express myself in some mode of life or art as freely as I can, and as wholly as I can, using for my defence the only arms I allow myself to use.. silence, exile, and cunning."

James Joyce, A Portrait of the Artist as a Young Man

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Boa noite!
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
O NOVO ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE (2ª série)


Em relação ao assunto "Estatuto da Carreira Docente", vou ficando preocupado à medida que não vejo surgirem reacções de intensidade análogas aquelas que se têm verificado sempre que estão em jogo questões remuneratórias. A ser assim, adensam-se as nuvens sobre a classe. Será que estamos nos carris de uma linha denominada "desde que paguem interessa pouco aquilo que faremos"?

(H. Martins)
*

Espanta-me que se acredite que exista um "lobby de cientistas da educação"...essa denominação nem sequer tem razão de ser! Quando eu era imberbe e loira discutia-se a "unidade versus pluralidade da Psicologia", por culpa do sr. Lagache e das suas ambições de chegar a uma ciência unitária ou de a destruir. Ficou tudo pelo saudável sabor da argumentação.

Já as ditas ciências da educação ou, mais pragmaticamente, os supostos cujos das ditas,... estas/estes, são tão heterogéneos que jamais se uniriam ao ponto de poder criar um grupo de pressão, nem sequer de opinião, quanto mais.... (...)

Agora falar de lobbies? Por favor, meus senhores! Antes existissem, e certamente não seriam da parte das "ciências" da educação. Falta aos professores/investigadores portugueses a cultura da política profissional, à semelhança do que se observa em outros países (vide USA, UK). Continuam demasiado agarrados aos botões e aos tostões para se poderem organizar para além do que concerne à sua pré no final do mês e cultivam a mentalidade sindicalista, pré-movimentos culturais ou de interesses. (...)

Afinal toda a gente sabe de educação, toda a gente (tal como no futebol) se acha conhecedor de quais os remédios milagrosos para tornar os portugueses os mais educados e formados da Europa senão do Mundo e que, só por acaso, são sempre diferentes daqueles que são implementados por seja qual for a força política - oh má sorte, oh fado! Deve ser por má fado que estamos atrás de todos os países recém-chegados à União.

Se os directamente implicados na educação fossem avaliados (não pelos encarregados de educação, valha-nos todos os deuses do olimpo,...esses também teriam que o ser, e a bola de neve não mais acabaria) como qualquer outro profissional do sector empresarial não público, obviamente, talvez as coisas não acontecessem com tanto prejuízo para os seus destinatários.

Irrita-me que sempre que se fala de educação se esqueça quem são os verdadeiros alvos desse sistema pouco eficaz ou sub-avaliado: ou se idolatram as criaturas imbecis e irritantes que mereciam umas boas palmadas dos seus progenitores antes de chegarem à escola ou se vitimizam os pobres meninos cujo destino fica hipotecado pela inépcia da Escola. Que tal uma visão mais realista? Os "pirralhos" são fruto das contingências que lhes oferecemos, sem negar as influências biológicas.

A Escola é apenas e só (e isto singularizando as múltiplas influências que exerce) um dos lugares onde todos temos que passar 9, 12, 16, 18 ou mais anos...é uma vida dentro de uma vida - e se formos honestos todos nos lembramos disso com mais prazer do que desprazer; não é apenas o lugar central, metafórico, das disputas ideológicamente vazias com que todas as forças (fraquezas) políticas deste país resolvem fazer festinhas de faz-de-conta. (...) Estou irritada, sim. Ainda me consigo irritar ao fim de tantos anos de viver aqui - para mim, é sinal de saúde mental. Mal seria se deixasse de rabiar.

Ser profissional no campo da educação não é igual a ser profissional na fabricação do vidro ou na colocação de tijolos - todos sabemos -, mas pode e deve ser avaliado com o mesmo nível de exigência. Não será pela contagem do número de tijolos ou pela qualidade do vidro produzido, mas há muito de cristal na avaliação da educação...exige pureza e quebra-se facilmente.

Tal como sempre achei que os "funcionários" do Governo - ministros, secretários e sub-secretários...para não falar nos directores gerais e sub-directores das empresas públicas -devem ser avaliados, também defendo que todos os outros profissionais o sejam e que daí decorram benefícios ou punições, em função do seu desempenho. Mas se a impunidade vigora a alto-nível como implementar a justiça na base da pirâmide?...enfim...

O problema está em "o que" avaliar , "como" avaliar e por "quem" avaliar. O que é ser um "bom professor", se estes nem sabem ao certo o que é suposto fazer para o ser, e nem quem os manda sabe o que eles devem ser capazes de fazer?...se a avaliação incidisse nas taxas de sucesso (como no plano Roberto Carneiro), era ver a ignorância deste país certificada....Como desempenhar bem a tarefa de docência se esta vai muito para além da mesma e entra muito mais no trabalho maternage/paternage, de secretaria, ou investigação e divulgação (consoante os níveis de ensino)? Então em que moldes o fazer, com que critérios?... E quem tem a competência para avaliar?

Alguém acredita que o caminho da recuperação formativa se faz assombrando e (eventualmente) punindo quem trabalha na área que verdadeiramente faz a diferença face aos novos países da UE? Desiludam-se, ainda nem começou a competição e já estamos atrás.
Que alguma coisa deve ser feita, não tenho dúvidas, mas de que maneira?

Abram a caixinha, mas a Pandora vai fazer muitas vítimas e espero que as primeiras sejam aquelas que resolveram libertar a "bicha".Mas infelizmente sei que não, quem paga são todos "os outros". (...)

(N.M.)
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Devo, antes de comentar qualquer aspecto relacionado com a proposta ministerial de alteração do ECD, fazer a minha declaração de interesses: Sou professor do 2º Ciclo do Ensino Básico, com 28 anos de serviço e como tal estou no 10º escalão, usufruindo de uma redução da componente lectiva de 8 horas. Como é fácil perceber, estou no topo da carreira e as alterações agora propostas não me afectam em termos de progressão.

Quero no entanto chamar a atenção para o facto de que a ministra se prepara para cumprir a missão para a qual foi nomeada, quando aceitou a pasta da Educação: o objectivo fundamental desta proposta é garantir um congelamento estatutário da progressão na carreira, para o maior número possível de professores. Tudo o resto que se encontra na proposta, do ponto de vista da missão desta ministra, pouco mais é do que folclore, e não me custa a admitir que em sede de negociação, matérias como a avaliação dos professores pelos encarregados de educação, ou outras semelhantes, venham a ser "oferecidas" numa bandeja aos sindicatos.

Porque o essencial é que fique garantido que nos próximos quinze/vinte anos, nenhum dos professores que hoje ainda não se encontra no 9º ou 10º escalão, possa vir a atingir o acesso à categoria de professor titular, e com isso garantir que apenas os actuais professores desses dois escalões atinjam o topo da carreira. Isso na prática irá significar uma estagnação na progressão ao fim de 18 anos para a esmagadora maioria dos actuais e futuros professores, garantindo uma enorme contenção orçamental.

Porque ao contrário do que se apregoa, as preocupações da ministra com a qualidade do ensino, apenas aparecem no discurso porque a central de comunicações do ME acha que isso faz boa imprensa. Senão, como se explicaria que a ministra, tendo identificado como males do sistema as turmas da manhã feitas para os melhores alunos, onde são colocados os filhos de alunos e funcionários, e escolas que se organizam em função de critérios burocrático/administrativos em vez de se preocuparem com o sucesso educativo, não seja consequente com essa avaliação, e não actue sobre os Conselhos Executivos, que são o órgão de gestão que tem a competência de definir projecto educativo e o projecto curricular da escola, o seu regime de funcionamento , organizar as turmas e distribuir o serviço docente.

Cada vez que a ministra e os seus secretários de estado se atiram aos professores, acusando-nos dos males do ensino, fazem-no identificando tarefas e competências mal cumpridas ou negligenciadas pelos Conselhos Executivos. E no entanto não há notícia, mais de um ano após a sua tomada de posse, de qualquer medida correctiva destas más práticas, não dos professores, mas dos órgãos de gestão dos estabelecimentos de ensino.

(Francisco Santos)
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Não posso deixar de exprimir a minha mais profunda revolta e tristeza pela forma como têm sido os professores tratados. Hoje perante as primeiras páginas dos jornais não posso deixar de sentir revolta. Não vou comentar a necessidade de revisão nem esta revisão. Quero apenas expressar que considero indigno a forma como estrategicamente estas noticias aparecem na comunicação social.

Penso não ter espírito de perseguição. Poderei estar enganado, mas sempre que querem "apertar o papo" aos prof´s a ministra parte para uma "peixeirada" pública que muito diz dos políticos que temos. Sei que não é politicamente correcto dize-lo. Que normalmente isto é dito apenas por "gentinha", mas temos uma ministra que nitidamente não se sabe comportar e temos todos os outros a assistir e a aplaudir. Fala alto, aos berros e tem medo que não lhe obedeçam. Necessita da coação pública. Necessita de denegrir os seus funcionários perante a opinião pública, perante pais e alunos. Como enfrentarão, os professores, amanhã os seus alunos?

Não resisto a fazer um comentário ao estatuto da carreira docente proposto: não promove quem merece. coloca à partida docentes no topo da carreira a avaliar outros possivelmente (quase certo) com mais formação. Teremos Bacharéis a avaliar pessoas doutoradas. Será razoável?

(Carlos Brás)
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Tinha que ser a pedagogia - com p pequeno - a fazer-me intervir num blog. Apenas para aplaudir a intervenção dos seus co-bloguistas Gabriel Mithá Ribeiro e Joaquim Albano Ferreira Duarte. Morra a pedagogia, morra Pim - com P grande.

(Paulo Freitas)
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-Como eventual título da secção "funções e tarefas" de um docente, colocaria : MAIS NADA?

-Quanto á secção final (art.111,ponto 2), a coisa parece-me tão GRAVE (principalmente no que se lê implícitamente), que não tenho palavras para quaisquer títulos, pois comecei a sentir algo dentro de mim que me censura a minha humilde inspiração.

(J. A. )

( Professor que está seriamente a pensar em pedir asilo politico a Espanha ou a qualquer outro país, onde me possa ser apenas 1 cidadão que não se sinta a sofucar, dia pra dia ).
 


RETRATOS DO TRABALHO EM BUENOS AIRES, ARGENTINA



Operários em trabalhos de manutenção da rede de cabos de uma empresa de televisao de Buenos Aires.

(Francisco F. Teixeira)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
O NOVO ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE
(Actualizado)



Acabo de ler a proposta para o novo Estatuto da Carreira Docente (ECD) e fiquei siderado. Está certo que é uma primeira impressão. Mas o que lá está parece-me excessivamente perigoso. O documento mostra como o PS se rendeu às «Ciências da Educação» e a consequente desvalorização do papel central que os saberes científicos ou académicos específicos deveriam ter no sistema de ensino. A questão da avaliação dos professores pelos encarregados de educação seria um pormenor «acidental» e «removível» se não traduzisse o espírito do documento. Mas traduz. Parece estar a acontecer aquilo que receava do mais perigoso do populismo do governo do Eng.º José Sócrates: ao misturarem-se questões salariais dos docentes com questões «pedagógicas» (mais propriamente ideológicas) da função educativa, inquinaram-se quase irremediavelmente para as próximas décadas as condições para uma reforma de fundo naquilo que é substantivo para o ensino: a relação de sala de aula ou a relação professor-aluno-conhecimento. Não sei se este PS está a reformar o ensino ou a queimar esterilmente o terreno social favorável para a reforma que existia no tempo do Prof. David Justino (por muitas críticas que possam ser dirigidas a esse ex-ministro da educação).

O ECD parece-me anunciar a blindagem das Ciências da Educação dentro do Estado e do sistema de ensino (básico, secundário e superior). Não discutir politicamente a expressão «Ciências da Educação» que consta no Artº 54 da proposta e que confirma a notável conquista da última década de foro de «ciência privilegiada», conquista essa decidida por decreto governativo e não pelo prestígio social assente no valor irrefutável do seu saber, é tomarem-nos por estúpidos. Tirem-se esse tipo de muletas políticas aos cientistas da educação e ver-se-á o que sobra: pouco mais do que um lobby ideologicamente organizado. O problema não é só o que está explícito como o que está implícito em todo o documento.

Como é possível que um lobby (dos «cientistas da educação» ou qualquer outro) tome de assalto o ensino (e o estado) sem que isso gere um verdadeiro, profundo e genuíno debate público sobre quem é ou não dono do pensamento social sobre educação/ensino num país que se auto-referencia como democrático, livre, civilizado? Porque razões o pensamento dito liberal hiberna nestes momentos cruciais? Andaremos nos próximos meses a discutir questões laterais e deixaremos o essencial, como é hábito. O país arrisca-se, uma vez mais, a pagar caro por mais umas décadas este apoio leviano a quem, com a capa de «reformista», nos empurra para o desastre educativo, desta vez com um sorriso de quem disparata escudado numa confortável maioria absoluta. Não me preocupa a questão dos salários dos docentes. O problema é uma ideologia tacanha que, ao não ser combatida, vai persistindo de um modo inacreditável. Será que existe oposição em Portugal? Será que a classe política ligada às questões educativas tem lucidez mínima para avançar com esse tipo de debates? Ou o simples rótulo de «ciência» transforma uma qualquer área do saber em vaca sagrada?

(Gabriel Mithá Ribeiro)
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Para entender a clarissíma incompetência desta "equipa" ministerial deixo aqui apenas as funções e tarefas exigidas a um docente:


"O docente desenvolve a sua actividade profissional de acordo com as orientações de política educativa e no quadro da formação integral do aluno, cabendo-lhe genericamente:

a) Identificar saberes e competências-chave dos programas curriculares de forma a desenvolver situações didácticas em articulação permanente entre conteúdos, objectivos e situações de aprendizagem, adequadas à diversidade dos alunos;

b) Gerir os conteúdos programáticos, criando situações de aprendizagem que favoreçam a apropriação activa, criativa e autónoma dos saberes da disciplina ou da área disciplinar, de forma integrada com o desenvolvimento de competências transversais;

c) Trabalhar em equipa com professores e outros profissionais, envolvidos nos mesmos processos de aprendizagem;

d) Desenvolver, como prática da sua acção formativa, a utilização correcta da língua portuguesa nas suas vertentes oral e escrita;

e) Assegurar as actividades educativas de apoio e enriquecimento curricular dos alunos, cooperando na detecção e acompanhamento de dificuldades de aprendizagem;

f) Assegurar e desenvolver actividades educativas de apoio aos alunos, colaborando na detecção e acompanhamento de crianças e jovens com necessidades educativas especiais;

g) Utilizar adequadamente recursos educativos variados, nomeadamente as tecnologias de informação e conhecimento, no contexto do ensino e das aprendizagens;

h) Utilizar a avaliação como elemento regulador e promotor da qualidade do ensino, das aprendizagens e do seu próprio desenvolvimento profissional;

i) Participar na construção, realização e avaliação do projecto educativo e curricular de escola;

j) Participar nas actividades de administração e gestão da escola, nomeadamente no planeamento e gestão de recursos;

l) Participar em actividades institucionais, designadamente em serviços de exames e outras reuniões de avaliação;

m) Colaborar com as famílias e encarregados de educação no processo educativo, em projectos de orientação escolar e profissional;

n) Promover projectos de inovação e partilha de boas práticas, com outras escolas, instituições e parceiros sociais;

o) Fomentar a qualidade do ensino e das aprendizagens, promovendo a sua permanente actualização científica e pedagógica apoiado na reflexão e na investigação;

p) Fomentar o desenvolvimento da autonomia dos alunos, respeitando as suas diferenças culturais e pessoais, valorizando os diferentes saberes e culturas e combatendo processos de exclusão e discriminação;

q) Demonstrar capacidade relacional e de comunicação, assim como equilíbrio emocional nas mais variadas circunstâncias;

r) Desenvolver estratégias pedagógicas diferenciadas, promovendo aprendizagens significativas no âmbito dos objectivos curriculares de ciclo e de ano;

s) Assumir a sua actividade profissional, com sentido ético, cívico e formativo;

t) Desenvolver competências pessoais, sociais e profissionais para conceber respostas inovadoras às novas necessidades da sociedade do conhecimento;

u) Promover o seu próprio desenvolvimento profissional, criando situações de autoformação diversificadas, nomeadamente em equipa com outros profissionais, na resolução de problemas emergentes de educativas situações;

v) Avaliar as suas práticas, conhecimentos científicos e pedagógicos e gerir o seu próprio plano de formação.

Ao professor titular são atribuídas, além das previstas no número anterior, as seguintes funções:

a) Coordenação pedagógica do ano, ciclo ou curso;

b) Direcção de centros de formação das associações de escolas;

c) Exercício dos cargos de direcção executiva da escola;

d) Coordenação de departamentos curriculares e conselhos de docentes;

e) Orientação da prática pedagógica supervisionada a nível da escola;

f) Coordenação de programas de desenvolvimento;

g) Exercício das funções de professor supervisor;

h) Participação nos júris das provas nacionais de avaliação de conhecimentos e

competências para admissão na carreira ou da prova de avaliação e discussão

curricular para acesso à categoria."

Repare na quantindade infindável de tarefas e funções a que vão obrigar os docentes (vinte e nove). Repare, ainda na complexidade dos processos envolvidos em cada uma delas.

Levanto apenas três questões:

1. Que ser humano é capaz de cumprir com tal número de tarefas e funções?

2. Que ser humano do mundo ocidental aceita realizar tal número de taferas por mil euros?

3. Quem vai preparar as aulas?

O problema principal da escola pública portuguesa é a insensatez, a profusão de questões ideológicas e a falta de pragmatismo. A escola pública portuguesa, actualmente, não serve ninguém, porque transformou-se num centro de apoio social, de entretenimento e de guarda de crianças e jovens. Tudo isto devido às “ciências” da educação, repare na enorme quantidade de “parasitas” que vivem à custa da escola pública:

Escolas Superiores de Educação;
Faculdades que leccionam licenciaturas em Educação;
Docentes dessas escolas;
“Investigadores” das “ciências” da educação;
Editoras que publicam os textos (todos muito semelhantes e completamente vazios) destes “investigadores”;
Entre outros.

Isto chega ao ponto de se obrigar professores com 3 anos de experiência na formação de jovens e adultos e mais de 8 anos de experiência a leccionar no ensino superior politécnico a fazerem estágio pedagógico! As “ciências” da educação dominam de tal forma a escola pública, que os professores com mais de 6 anos de experiência são obrigados a frequentar uma Escola Superior de Educação para assistirem e serem avaliados a disciplinas como: “Psicologia da Educação”, “Sociologia da Educação”, “Organização Curricular e Avaliação”; “Organização e Gestão Escolar” e finalmente aquela que realmente interessa: “Técnicas pedagógicas”. Para perceber ao ponto a que isto chegou, raramente é leccionada qualquer aula nas quatro disciplinas acima referidas, os alunos é que as leccionam...! Justificação? A legislação está sempre a mudar...!
(...) Se em Portugal não for possível encontrar quem seja capaz de o fazer, que se contrate alguém de fora; porque a escola pública está-se a esvaziar de alunos oriundos das classes média, média alta e alta. Está-se a transformar num centro social para as classes sociais mais desfavorecidas.
(...)

Devido ao teor de todo o texto do novo ECD, à impossibilidade de qualquer ser humano ser capaz de cumprir o exigido e à humilhação a que a classe docente tem estado exposta, pondero seriamente abondar o ensino público português. E, se tal acontecer, tudo farei para deixar de vez este miserável país. Infelizmente, uma boa parte dos docentes das áreas tecnológicas (licenciados em engenharia) com quem tenho conversado, já tomou esta decisão uma vez que não estão para mais vexames públicos.

(..) um docente cansado de tanta insensatez e tanta humilhação pública,

(Carla Maria Fonseca Gouveia)

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No artº 111 da Proposta de Alteração do Regime Legal da Carreira do Pessoal Docente apresentada pelo Governo este fim de semana, diz-se o seguinte (sublinhados meus):

"1 – O exercício de funções docentes em estabelecimentos de educação ou de ensino

públicos é feito em regime de exclusividade.

2 – O regime de exclusividade implica a renúncia ao exercício de quaisquer outras actividades ou funções de natureza profissional, públicas ou privadas, remuneradas ou não, salvo nos casos previstos nos números seguintes.

3 –É permitida a acumulação do exercício de funções docentes em estabelecimentos de educação ou de ensino públicos com:

a) Actividades de carácter ocasional que possam ser consideradas como complemento da actividade docente;

b) O exercício de funções docentes em outros estabelecimentos de educação ou de ensino."


Eu não percebo muito de leis, mas parece-me que, com este artigo, o Governo pretende dizer aos professores o que eles devem ou não fazer no seu tempo livre e privado. Percebo, por exemplo, que o Governo pretende impedir-me até de fazer trabalho voluntário (já que nem mesmo admite as actividades não remuneradas), coisa que eu faço desde os meus 14 anos! Mas com que direito? E seremos nós, os professores, um balão de ensaio com o objectivo de estender a outros esta vontade de controlar sem limites as vidas dos cidadãos?

(Rui Monteiro, professor de matemática)

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Não posso deixar de exprimir a minha mais profunda revolta e tristeza pela forma como têm sido os professores tratados. Hoje perante as primeiras páginas dos jornais não posso deixar de sentir revolta. Não vou comentar a necessidade de revisão nem esta revisão. Quero apenas expressar que considero indigno a forma como estrategicamente estas noticias aparecem na comunicação social.

Penso não ter espírito de perseguição. Poderei estar enganado, mas sempre que querem "apertar o papo" aos prof´s a ministra parte para uma "peixeirada" pública que muito diz dos políticos que temos. Sei que não é politicamente correcto dize-lo. Que normalmente isto é dito apenas por "gentinha", mas temos uma ministra que nitidamente não se sabe comportar e temos todos os outros a assistir e a aplaudir. Fala alto, aos berros e tem medo que não lhe obedeçam. Necessita da coacção pública. Necessita de denegrir os seus funcionários perante a opinião pública, perante pais e alunos. Como enfrentarão, os professores, amanhã os seus alunos?

Não resisto a fazer um comentário ao estatuto da carreira docente proposto: não promove quem merece. coloca à partida docentes no topo da carreira a avaliar outros possivelmente (quase certo) com mais formação. Teremos Bacharéis a avaliar pessoas doutoradas. Será razoável?

(Carlos Brás)

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Julgo que se estará a entrar numa profunda demagogia com esta lista de funções docentes. Obviamente que nenhum professor irá cumprir TODAS essas tarefas. Mas poderá (pela primeira vez) cumprir alguma delas nos seus tempos livres. Finalmente deixaremos de ter professores dispensados da Escola por “ausência de serviço”. Uma situação recorrente em quase todas as Escolas deste País que não é conhecido pelo sucesso das suas escolas e dos seus alunos. Uma situação que permitia às Direcções Escolares (eleitas pelos professores) dar muitos dias de férias aos a quem os elegeu, para além dos devidos por lei. Nomeadamente nos períodos de interrupção das actividades lectivas. Agora, sem prejuízo dos seus horários (de 35 horas), os professores poderão contribuir para a melhoria da sua Escola. Clarifica-se, deste modo, uma questão importante: o que devem fazer os professores na escola…

(Gonçalo Araújo)

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QUEM SABE FAZ, QUEM NÃO SABE ENSINA, E QUEM NÃO SABE ENSINAR É... «AGENTE EDUCATIVO»

Asseverou-me um amigo biólogo, especialista em espécies autóctones em perigo, que o homo docens, comummente conhecido como professor, se encontra em vias de extinção. Por incapacidade adaptativa às novas exigências ambientais/ profissionais, o professor, isto é, aquele que estuda e ensina, irá, num fósforo, transformar-se numa raridade zoológica. Os seus tropismos adaptativos (estudar , ler, ensinar, pois é!) já não são eficazes, e é vê-lo agora a soçobrar (também de tédio!) nas intermináveis reuniões dos conselhos (pedagógico, de turma, de directores de turma, de departamento, de grupo...), que se transformaram numa morosa (logo)terapia grupal. É vê-lo a arquejar nos labirintos processuais dos projectos/planificações/formações/avaliações, e muitas outras ninhices pedagógico/didácticas, à espera de ser professor, isto é, estudar, ler, ensinar.

(Paulo Ferreira)

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Os comentários ao Novo Estatuto da Carreira Docente levantam-me preocupação. E preocupam-me porque à falta de substância (tirando o comentário muito pertinente acerca da ingerência na vida privada), optam por criar um manto de dúvidas para criar confusão e medo. Usam-no batendo nas ciências da educação, porque está na moda bater nelas. Como estaria na moda bater na física de Galileu durante o Renascimento ou já esteve na moda bater em muitas outras ciências no seu início. Sim, porque cem anos ou pouco mais não é senão o início de uma ciência. Na informática, mas também nos meios militares e politicos, e em muitos outros, há hoje um nome para isto: ataque por FUD (Fear, uncertainty and doubt).

Critica-se a "quantidade infindável de tarefas e funções" (29), não querendo ver que surgem como requisitos, que não são uma lista para ir marcando de cruz à medida que são feitas... Discussão objectiva é isto: se são muitas, apontem-se as que estão a mais. Como no célebre filme Amadeus, em que perante a sugestão do imperador que a sua música tinha notas a mais, Mozart perguntava então quais devia tirar.

Falam-se em "parasitas" das educação, apontando Escolas Superiores, Faculdades, Docentes, Editores. Então, pergunto: eliminem-se estes actores, e como se forma um professor? Sem sem ensinado por ninguém, sem nada ler? Será que estão a propor que se aprenda a ensinar na lógica "atirem-se à água para nadar"? Aprende-se melhor a nadar na água dentro dela, não a ter aulas teóricas sobre natação, é o que se tenta explicar muitas vezes. Que não é o mesmo que dizer que as aulas teóricas sobre natação não sejam importantes. É apenas dizer que, sendo úteis, não bastam para saber nadar.

Critica-se a "obrigação" de professores com experiência terem de estudar sociologia, psicologia, organização e avaliação, porque o que interessaria seriam apenas as técnicas pedagógicas. É triste ouvir isto. Já agora, tivesse-se a coragem (falo ironicamente) para propor não aprender mais do que o estritamente necessário ao exercício das funções manuais. Francamente! Então ter noções de psicologia, de sociologia, de métodos de avaliação não interessa?!? Porventura são noções óbvias e evidentes, que só porque um professor tem experiência certamente domina?!? De modo algum!! Dou aulas há 7 anos e continuo a procurar mais informação sobre todos estes elementos, não apenas sobre as "técnicas pedagógicas". É como um carpinteiro dizer que só quer saber de cortar madeira, não de economia, não de atendimento a clientes, não de conservação das madeiras em armazém ou depois de entregues os móveis aos clientes...

As ciências da educação, como em qualquer outra área científica emergente, contêm grande valor e grande quantidade de irrelevância ou desinformação. Simplesmente, os professores, que deveriam ter um espírito crítico para avaliar e julgar o que lêem e ouvem, preferem geralmente receber informação doutrinária, "a papinha feita", e assim dá-la (mesmo a nível superior), mais do que ter de assumir uma vida perante conhecimento que, por ser científico, é imperfeito e incerto. É mais difícil receber informação, pensamentos, ideias, conhecimento que apresentem contradições, que possam entrar em contradição com o que se vê e pensa... E tentar resolver essas contradições. É mais fácil dizer "faça-se como sempre que se fez, não tenho de pensar tanto".

Se as ciências da educação em Portugal foram tão más para o Ensino, então porque está a população em geral muito mais bem formada? Proventura esquecem-se as pessoas do que era o ensino no anos 70 e anteriores, da quantidade de pessoas que simplesmente saia do sistema ou era deixada para trás... E que hoje estão na escola. Comparar os poucos (e éramos poucos) que conseguiam prosseguir no sistema de ensino com a globalidade da população que o faz hoje é não apenas cegueira, mas muito perigoso.

(Leonel)

30.5.06
 


RETRATOS DO TRABALHO EM FRANKFURT, ALEMANHA



Esta foto foi tirada ontem, no parque de autocarros do aeroporto de Frankfurt Hanh. O motorista de um autocarro aproveitou a pausa entre duas viagens, e o bonito sol que fazia na altura, para colocar os emails em dia.

(Paulo Moreira)

29.5.06
 


BIBLIOFILIA: ENSAIOS

The image “http://www.fantasticfiction.co.uk/images/x1/x5908.jpg” cannot be displayed, because it contains errors.A Temple of Texts


David Lodge, Consciousness and the Novel : Connected Essays

William H. Gass, A Temple of Texts

Christopher Woodward, In Ruins

 


INTENDÊNCIA

Actualizados os ESTUDOS SOBRE COMUNISMO.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: VÁRIA

SOBRE TIMOR

Na democracia de Timor-Leste há um problema de fundo que ninguém tem falado. Além dos vários problemas sobre o "não respeito das minorias", há este problema de fundo: as únicas eleições que existiram em Timor-Leste, além da Presidência da República, foram para a Assembleia Constituinte, em 2001, organizadas pelas Nações Unidas. Como é normal, em qualquer processo democrático, estava previsto fazer-se as eleições para o Parlamento Nacional de acordo com a nova Constituição.

Com o consentimento de Sérgio Vieira de Melo, a Fretilim, que tinha a maioria absoluta, incluiu uma cláusula na Constituição que diz: Artigo 167 da Constituição de Timor-Leste: «A Assembleia Constituinte transforma-se em Parlamento Nacional com a entrada em vigor da Constituição da República.»

Ou seja, O ACTUAL PARLAMENTO E ACTUAL GOVERNO DE TIMOR-LESTE NÃO RESULTARAM DE ELEIÇÕES.

A intenção seria "evitar despesas" com eleições. No entanto, os partidos mais pequenos, e principalmente os que não têm deputados, estavam à espera das eleições para se afirmarem, ficaram frustrados e nunca "perdoaram" nem aceitaram esta "transformação". Por isso, desde sempre, que esses partidos minoritários têm apoiado manifestações contra o Governo por não ter sido democraticamente eleito, mas "nomeado".

ESTRATÉGIAS PARA ESMAGAR A OPOSIÇÕES

Além da estratégia da Constituição, que "eliminou" qualquer hipótese de oposição, existem outras ameaças:

E o problema mais grave surge porque existem receios (e "ameaças") de várias estratégias para "esmagar" toda e qualquer oposição dentro e fora do partido, utilizando, para o efeito, várias estratégias legislativa formais.

Nas eleições para os Chefes de Sucos, em 2005, à última da hora foi introduzida legislação que inviabiliza a apresentação de candidatos pelos partidos da oposição, por exemplo.

A recente "eleição de braço no ar", no congresso, embora dentro do partido foi mais um indicio que o Governo utiliza todas as estratégias para evitar oposições (como o fez com os chefes de Sucos).

O que a comunidade internacional tem a fazer é vigiar e pressionar para que exista verdadeira democracia, e não democracia formal. Caso contrário, continuarão a surgir tentações totalitárias, estimuladas com o dinheiro do petróleo.

(Marcos)

*

A etnicidade é um combustível ao qual se pode chegar o fogo mas é claro que nem todos - dos mais de 20 grupos etno-linguísticos e das centenas (pelo menos) de clãs - se agregam de forma fácil das duas designações etnicas colectivas: Firaku e kaladi.


Timor é um país mais clãnica do que étnico. Mas isso não melhora a situação.

O problemático desta crise é a de poder ser reduzida - pelo desconhecimento - a uma crise político-institucional (o que parece ser a sua posição) no esquecimento dos problemas socio-culturais. Assim, a reconstrução vai outra vez usar os militares os político e os juristas e esquecer-se das áreas soft da Antropologia e das ferramentas de construção das nações.

(Paulo Castro Seixas)

Fragmento do artigo de Paulo Castro Seixas, "Firaku e Kaladi: Etnicidades Prevalentes nas Imaginações Unitárias em Timor Leste", Trabalhos de Antropologia e Etnologia, vol. 45 (1-2) SPAE, Porto
Em 2001, na altura da campanha eleitoral para a Assembleia Constituinte e Parlamento em Agosto, quando em casa do Francisco (um dos meus interpretes da cultura timorense) com alguns membros da sua família e muitas crianças, visionávamos no LCD da minha câmara um dos comícios em Liquiçá, numa conversa do Francisco com o seu irmão, a certa altura, surge a referência a alguém no comício que é classificado como “Firaku”. Foi neste contexto, já político, que pela primeira vez (apesar de em 2000 já ter efectuado uma estadia de terreno) ouvi este termo. Quando perguntei o que queria dizer “Firaku”, surgiu ali a primeira versão desta história na voz do Francisco com a ajuda do seu irmão e que de seguida parafraseio:

Quando os Portugueses chegaram a Timor, falaram primeiro com os timorenses de Dili. Os timorenses ouviram e ficaram calados. Depois foram para leste e voltaram a falar com os timorenses dali mas neste caso os timorenses simplesmente viraram as costas aos portugueses. E, assim, os calados ficaram “Kaladi” e os que viraram as costas tornaram-se “vira-cus” e depois “Firaku”. Os “Firaku” são os timorenses de Lorosae, de Manatuto para leste e são mais extrovertidos, negociantes e meliantes; os “Kaladi” são os de Loromono, de Manatuto para Oeste e são mais introvertidos, mais perguiçosos, mais consensuais. (Esta foi a versão contada por dois Kaladi).

Apesar de ter regressado a Timor em 2002 e em 2003, só em 2004 (Março-Abril) considerei que era o tempo propício para apalavrar esta questão pois com a entrega da segurança interna e externa ao governo timorense pela UNMISSET teríamos os timorenses entregues a si próprios e às suas diferenças. Portanto, Firaku e Kaladi caracterizariam diferenças entre os timorenses, tal qual foram percebidas pelos portugueses. E tais representações culturais, cuja origem estaria no primeiro “confronto do olhar” dos portugueses com os timorenses, teriam talvez como elemento prévio ou, pelo contrário, ganharam ao longo do tempo, uma densidade étnica na memória e representação actual da sociedade timorense. No entanto, ao longo dos últimos 4 anos de trabalho sobre Timor (com 5 estadias no país de cerca de mês e meio cada) percebi que esta classificação é uma estrutura latente e não é apalavrada nas conversas correntes, pelo menos explicitamente através de tais denominações apesar de fazer parte dos sentidos das conversas, por vezes mesmo antes delas se iniciarem .

*

SOBRE A FUTEBOLÂNDIA


A propósito da futebolândia, Albert Camus, que adorava o futebol, dizia que "os detractores do futebol são tremendos: obrigam-se a falar do futebol" porque a concepção que tinha do jogo encerrava-se nesta asserção:"Ce que finalement, je sais de plus sûr de la morale et des obligations des hommes, c'est au football que je le dois...". É possível que esta visão do jogo constituisse o modelo existencialista corrente e já globalizado nos dois primeiros quarteis do século XX, a ajuizar pelas declarações do então Presidente da Federação Internacional de Futebol, Jules Rimet: "Je suis comme Charles-Quint, le soleil ne se couche jamais sur mon empire". O que é indesmentível.

(João Boaventura)

*

SOBRE O PLANO NACIONAL DE LEITURA

(...) Tenho também algumas dúvidas sobre a eficácia de um Plano Nacional de Leitura uma vez que partilho do ponto de vista do leitor do Abrupto Gabriel Mithá Ribeiro que questiona a legitimidade de tal plano num universo em que nada de fundo é anunciado para aumentar o saber dos alunos, mantendo um nível de complacência geral e acreditando que aulas de substituição e a presença dos professores na escola, para lá das horas de aula (medidas com as quais também eu concordo) resolvem o que quer que seja. Ninguém nunca falou em exigir mais dos alunos: disciplina, aprendizagem e avaliação. Ninguém nunca falou em alterações profundas aos currículos nomeadamente questionando o que se dá, as disciplinas que se impõem aos alunos: eu continuo sem perceber a utilidade de disciplinas como Estudo Acompanhado, Área Projecto e Educação Cívica, esta última então, é de um politicamente correcto absolutamente assustador num universo em que os alunos tem uma literacia baixa, capacidades matemáticas baixas, e sérios problemas de violência (física, verbal, intimidação) e disciplina.

O problema com a leitura e a literacia é um problema social. Não sei, também aqui, como Planos disto ou de aquilo poderão modificar algo de estrutural e tão enraizado como a marginalização da leitura face outras actividades mais imediatamente "gratificantes". Os hábitos de leitura surgem quando a criança, e até o adulto está num ambiente de leitura. Quando têm livros à sua volta, quando vêm os outros, pais, família, amigos, conhecidos a ler. Só se gosta de ler, lendo.

Eu poderia escrever muitíssimo mais sobre este assunto, quer enquanto mãe de filhos em idade escolar, quer enquanto amante de leitura, quer enquanto grande crítica dos currículos escolares cheios de ruído e pouca substância que formam uma sociedade de plástico e tipo Morangos com Açúcar.

(J.)
 


EARLY MORNING BLOGS 784

In The Naked Bed, In Plato's Cave


In the naked bed, in Plato's cave,
Reflected headlights slowly slid the wall,
Carpenters hammered under the shaded window,
Wind troubled the window curtains all night long,
A fleet of trucks strained uphill, grinding,
Their freights covered, as usual.
The ceiling lightened again, the slanting diagram
Slid slowly forth.
Hearing the milkman's clop,
his striving up the stair, the bottle's chink,
I rose from bed, lit a cigarette,
And walked to the window. The stony street
Displayed the stillness in which buildings stand,
The street-lamp's vigil and the horse's patience.
The winter sky's pure capital
Turned me back to bed with exhausted eyes.

Strangeness grew in the motionless air. The loose
Film grayed. Shaking wagons, hooves' waterfalls,
Sounded far off, increasing, louder and nearer.
A car coughed, starting. Morning softly
Melting the air, lifted the half-covered chair
From underseas, kindled the looking-glass,
Distinguished the dresser and the white wall.
The bird called tentatively, whistled, called,
Bubbled and whistled, so! Perplexed, still wet
With sleep, affectionate, hungry and cold. So, so,
O son of man, the ignorant night, the travail
Of early morning, the mystery of the beginning
Again and again,
while history is unforgiven.


(Delmore Schwartz)

*

Bom dia!

28.5.06
 


RETRATOS DO TRABALHO EM LISBOA, PORTUGAL


Arrumando uma locomotiva em S. Apolónia.

(Carlos Monteiro)

27.5.06
 


QUEM DESCEU PRIMEIRO AS ESCADAS, O QUE COMERAM AO PEQUENO ALMOÇO, O TORNOZELO QUE ESTÁ VERMELHO, “GOSTAVA DE VIR A PEGAR NELA [A TAÇA]”, “OS RAPAZES VÃO TER UM BOCADO DE PRESSÃO”, “ A ALEMANHA NATURALIZOU FANTASISTAS COMO O NANDO”, “ESTOU NUM GRANDE MOMENTO FÍSICO E PSICOLÓGICO”, “O DESEJO CRESCENTE QUE CADA VEZ MAIS ENVOLVE A NAÇÃO LUSA”, “FAZ FALTA QUARESMA PORQUE FOI MUITO CONSISTENTE”, AS BANCADAS DO LUSITANO ESTÃO SEM LICENÇA. “O DO MEIO TINHA COMO FUNÇÃO FINALIZAR OS CENTROS DA ESQUERDA E DA DIREITA”, MANICHE DEU O “TIRO MAIS SONORO AO POSTE”, OS JOGADORES “MANIFESTARAM SINTONIA”, A CONSTIPAÇÃO INIMIGA DA SELECÇÃO, “COMO TENHO MUITAS SAUDADES DA MINHA MULHER”, “TUDO O QUE FIZER MISTER SCOLARI, ESTÁ BEM”, ETC, ETC.



Ah! minha bela Futebolândia! Segue o exemplo do Montenegro e torna-te independente. Leva a televisão, a rádio e os jornais... Já tens bandeira e hino e a UE dar-te-á seguramente guarida. Deixa o silêncio por cá. Vá, rápido!

(Na Sábado.)
 


EARLY MORNING BLOGS 783

Vida


Choveu! E logo da terra humosa
Irrompe o campo das liliáceas.
Foi bem fecunda, a estação pluviosa!
Que vigor no campo das liliáceas!

Calquem. Recalquem, não o afogam.
Deixem. Não calquem. Que tudo invadam.
Não as extinguem. Porque as degradam?
Para que as calcam? Não as afogam.

Olhem o fogo que anda na serra.
É a queimada... Que lumaréu!
Podem calcá-lo, deitar-lhe terra,
Que não apagam o lumaréu.

Deixem! Não calquem! Deixem arder.
Se aqui o pisam, rebenta além.
- E se arde tudo? - Isso que tem?
Deitam-lhe fogo, é para arder...


(Camilo Pessanha)

*

Bom dia!

26.5.06
 


RETRATOS DO TRABALHO EM PORTUGAL


Padeiros

Poucos, muito poucos, se lembram, que, quando comem um pedaço de pão ao pequeno almoço, ao almoço ou ao jantar, existe uma actividade muito especifica subjacente à produção de tal alimento. Uma actividade exercida de noite...das 00.00 ás 06.00/07.00, cujo resultado é depois distribuído pelos motoristas ás mercearias, restaurantes, cantinas fabris, escolas, etc...actividade oculta, exercida por homens que não têm mais do que a antiga 4º classe, muitos deles analfabetos, mas que produzem algo (enquanto os outros estão a dormir) que muitas pessoas não dispensa no seu dia a dia: O PÃO!

(Fernando Machado)
 


EARLY MORNING BLOGS 782

A Manhã fresca está, sereno o vento,
O monte verde, o rio transparente,
O bosque ameno; e o prado florescente
Fragâncias exalando cento a cento.

O Peixe, a Ave, o Bruto, o branco Armento,
Tudo se alegra; e até sair a gente
Dos rústicos casais se vê contente,
E discorrer com vário movimento.

Este cava, outro ceifa e aquele o gado
Traz no campo a pastar de posto em posto;
Outro pega na fouce, outro no arado.

Tudo alegre se mostra: e só disposto
Tem contra mim o indispensável fado,
Que em nada encontre alívio, em nada gosto.


(Abade de Jazente)

*

Bom dia!

25.5.06
 


INTENDÊNCIA

Actualizado O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: LEITURA, LEITURAS.

Actualização em curso dos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO.
 


O QUE ESTAVA NA GAVETA

Muitas vezes se perguntou, depois do 25 de Abril, sobre os romances e outros escritos literários que estariam na gaveta sem poderem ser publicados devido à Censura. Hoje sabemos que não havia nada de significativo na gaveta, o que não deixa de ser surpreendente dada a duração da ditadura e o facto de alguns escritores e intelectuais estarem exilados, fora dos constrangimentos policiais do regime, podendo ter escrito textos para além da censura. Se exceptuarmos meia dúzia de poesias, só os textos clandestinos de autores comunistas, os contos "vermelhos" de Soeiro Pereira Gomes e a obra ficcional de Cunhal escrita na cadeia, o Até Amanhã Camaradas e o Cinco Dias, Cinco Noites, foram escritos para além da Censura.

Quer se queira quer não, a Censura exerceu o seu poder muito para além da sua realidade física, mostrando a sua enorme eficácia como instituição, provavelmente, e cada vez me inclino mais para essa avaliação, como a mais poderosa e eficaz instituição da ditadura. O caso português ganha em ser comparado com outros casos de literatura "clandestina", como a produzida pela Resistência francesa, ou pela "dissidência" soviética, onde toda uma tradição literária, poética, ficcional e ensaística, foi mantida sem interrupção, mesmo nos anos mais duros das grandes purgas estalinistas. Nas cozinhas e nas salas dos pequenos apartamentos urbanos, onde poucos cabiam sem se acotovelar, nas dachas periféricas, manuscritos, tiragens frágeis ou apenas a força da memorização mantinham uma vida literária de resistência que nunca o comunismo conseguiu destruir.

Não estando romances, nem novelas, nas gavetas dos nossos escritores da oposição, o que agora se verifica é que estavam cartas. A correspondência torna-se assim a revelação em grande parte por fazer sobre a vida portuguesa subterrânea, que só tenuemente chegava aos jornais e revistas, e que fluía com maior liberdade nas cartas do que nos textos para publicar, embora essa liberdade fosse também vigiada pela PIDE. A correspondência era controlada, as cartas desviadas nos CTT e interceptadas, de forma dirigida ou ao acaso. Várias prisões foram feitas a partir de cartas interceptadas e nas buscas policiais a correspondência era especialmente procurada.

Mas havia correspondência e o pouco que já se conhece mostra a sua importância como fonte ímpar para o conhecimento da época e também, nalguns casos, pelo seu valor literário e ensaístico. A publicação de vários grupos de correspondência, incluindo a de Luiz Pacheco com alguns dos seus companheiros, a excepcional série de cartas entre Óscar Lopes e António José Saraiva é agora acrescentada pela correspondência entre Sophia de Mello Breyner e Jorge de Sena, cobrindo os anos de 1959-1978, editada pela Guerra e Paz. O livro é obrigatório por todas as razões, por Sena, por Sophia e pelo Portugal cultural e político desses anos tristes e convulsos.

Personalidades muito diferentes, Sophia, prudente, calma e contida, e Sena agitado, infeliz e zangado com o mundo, trocam cartas numa época em que as cartas eram ainda importantes e não eram substituídas pelo telefone, cujo uso era escasso, porque caro, para longas distâncias e muito menos pelo inexistente e-mail. Escrever-se era primeiro que tudo um exercício de amizade e é essa a plataforma em que Sena e Sophia se "falam", escrevendo cartas.

De que falam? Do seu mundo, tão diferente em muitos aspectos do actual, a não ser nos comportamentos, e esse mundo é dominado pela literatura, pela política, pela vida pessoal de cada um, em particular quando emanava dos dois temas anteriores. É uma correspondência reservada, pouco íntima, mas que se solta na avaliação de sentimentos, de sentimentos vindos de fora, como as impressões de Sophia sobre o impacto que teve a sua viagem à Grécia.

Falam mais de política do que hoje é habitual, porque a política integrava-se na sua relação cívica e intelectual com o mundo. Nos anos da ditadura, sendo ambos oposicionistas moderados, ou seja não comunistas, a obrigação da política tinha um aspecto de exigência ética que é difícil de compreender nos nossos dias. Nas suas cartas aparece o dilema dos poucos intelectuais portugueses que estavam entalados entre a recusa da ditadura e a desconfiança activa com a hegemonia dos comunistas na cultura da oposição. Quer Sena, quer Sophia relatam vários casos de manipulação dos escritores portugueses pela rede nacional e internacional de apoios, prémios e promoção que favorecia o cânone neo-realista e a fidelidade ideológica em detrimento da qualidade literária. Sena chega a dizer de forma premonitória: "Agora estão os Cidades e os Pimpões contra mim, tempo virá em que os Saraivas se oporão a que eu tenha alguma cátedra" (carta de 1964).

Este isolamento político acentuava as quezílias nos meios literários e, na correspondência, essa eterna característica portuguesa (e não só) é bem retratada, em particular por Sena, que sofria de um enorme ressentimento por não ver o seu valor reconhecido como entendia dever ser. Sena era uma personagem muito mais controversa do que Sophia e as suas atribulações de exílio ainda acentuavam mais a sua permanente zanga com tudo o que era português, melhor, portuguezinho. O peso do exílio é uma constante nas cartas de Sena, que afirmava não "fazer profissão de exilado político inassimilável" e que dizia "comportar-se como brasileiro em tudo", acrescentando depois, com amargura, "sem abdicar em nada de ser o português que ninguém é mais do que eu" (Carta de 1962).

Falando na sua qualidade de poetas, de poeta a poeta, Sophia descreve a impressão que teve na sua viagem à Grécia em 1964: "foi ali a minha total felicidade", "encontrei na Grécia a minha própria poesia (...) encontrei um mundo em que já não ousava acreditar". Na correspondência de Sophia, estas são as páginas mais intensas, e dão, mais tarde, origem a uma discussão entre ambos sobre a tradução, que se percebe ter a ver com "ler" a Grécia. Sophia quer conhecê-la em traduções o mais próximas possível ao original e Sena, então a publicar a sua antologia de traduções, defende a recriação do texto. As traduções tinham um papel no trabalho de ambos porque eram uma das poucas formas de ganhar dinheiro com uma actividade intelectual e criativa, e o dinheiro faltava, em particular, a Sena.

Muito mais se podia escrever sobre esta correspondência, mas basta começar a ler qualquer carta para se perceber a sua importância para conhecer Sena e Sophia, mais o primeiro do que a segunda, e para se perceber o Portugal do século XX, claustrofóbico, pequeno e provinciano. Como Sena escreve, com dureza:

"Cada vez mais penso que Portugal não precisa de ser salvo, porque estará sempre perdido como merece. Nós todos é que precisamos que nos salvem dele."

(No Público de hoje.)

*

NOTA: Fernando Venâncio chama a atenção para que havia mais coisas na gaveta.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: UM LIVRO PARA ENTENDER OS BALCÃS

The image “http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/f/f3/1943sept17.jpg” cannot be displayed, because it contains errors.Há livros que, de repente, lançam uma grande luz sobre questões que se nos afiguravam difíceis de entender, obscuras ou irracionais. Acabei agora de reler, pela enésima vez, um livrinho do Brigadeiro Fitzroy McLean, (autor, também do “Eastern approaches”) e falecido há alguns anos na sua bela propriedade na Escócia.

O livro, o primeiro que ele escreveu com conhecimento directo de causa (McLean foi o primeiro oficial superior da Inteligência Militar britânica a ser lançado nas montanhas da antiga Jugoslávia, para ser o contacto e o agente de ligação entre os “Partisan” de Tito e o próprio Winston Churchill - que desconfiava, já na altura, dos “Cètniks” de Mihailovic) chama-se “A batalha do Neretva” e os seus primeiros capítulos são, num brilhante resumo, o mais esclarecedor e lúcido documento sobre o que aconteceu na Jugoslávia pós-Tito e em toda a c complicação e sangueira balcânica dos nossos dias.

Quem quiser compreender os conflitos que envolveram a Sérvia, o Kosovo, a Croácia, a Eslovénia e a Bósnia Herzegovina e julgue que conteceram “de repente”, tem naquele livro – escrito em 1948 – tudo o que é preciso, mas mesmo tudo, para adquirir uma perspectiva histórica e à medida que vai lendo, de vez em quando dirá: “...ah! por isso!!!….”; e mais uma dúvida ou perplexidade desaparecerá.

Procurem em alfarrabistas, na Barateira ou encomendem na net (a “Amazon” - amazon.co.uk - é a mais completa e eficiente organização do ramo): “The Battle of the Neretva”, by Brigadier Fitzroy McLean. Vale também a pena ler o “Eastern Approaches”… talvez fiquem a perceber muito do que se passa no Irão e no Iraque.

E já agora, complementarmente, releiam no “Kaput”, do Curzio Malaparte, o capítulo intitulado “a basket of oisters”. Quem, depois disso, se sentir ainda intrigado com os balkans, não perceberá nunca coisa alguma..

(Luiz Rodrigues)

 


BIBLIOFILIA / FILATELIA: OBJECTOS EM RISCO DE EXTINÇÃO?


Os catálogos de selos da Afinsa.


E COISAS DA SÁBADO sobre os POBRES SELOS

Que já lhes basta não terem função nos dias de hoje que um computador, uma tira de papel com cola, um carimbo vermelho não substitua e ainda por cima verem-se envolvidos numa possível fraude financeira em que servem de pretexto. Como filatelista amador, os selos são para mim um mundo de prazer e afeição e a Afinsa um bom fornecedor de material filatélico. Registe-se que o que lá compro, trago para casa, e nunca “investi” em selos pelo que não faço parte dos milhares em fila que acreditam em “esquemas” que dão juros imaginários. Não sei se a Afinsa cometia ilegalidades, mas se a firma desaparecer acabam os serviços que quase só ela fornecia: catálogos de qualidade, assinaturas de novidades, folhas de álbuns. Pobres selos, pobres filatelistas que não acreditam em investimentos milagreiros, mas apenas na compulsiva paixão de encher os vazios dos álbuns com história condensada. Sim, porque os selos, principalmente os clássicos, são história condensada.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: BIBLIOTECAS E ESTÁDIOS

A propósito da "futebolândia" que tanto expôe e critica nos seus escritos remeto-lhe o link de um interessante Blog que contém um trabalho estatístico curioso. Compara-se a média mensal de assistência dos estádios dos dois maiores clubes de Lisboa com o número de visitantes da rede de bibliotecas da capital. Talvez nem tudo esteja perdido......

(Jorge Lopes)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: LEITURA, LEITURAS

No domingo 21 de Maio a crónica de Vasco Pulido Valente no Público refere-se a um convite que lhe terá sido enviado por três ministros para pertencer à Comissão do Honra do Plano Nacional de Leitura. Afirma ter resolvido responder em público. Mas afinal limita-se a usar o convite como pretexto para um arrazoado de ataques incongruentes e despropositados. Acusa os ministros de lançarem “uma fantasia”, sem se dar ao trabalho de esclarecer o leitor qual é afinal o conteúdo do dito Plano.

Acusa o Dr. Graça Moura, de fazer propaganda ao governo (!) Acusa a televisão, o computador e o telemóvel de impedirem as “criancinhas” de lerem, para afirmar na frase seguinte que afinal nunca se leu tanto em Portugal. Acusa o Miguel Sousa Tavares, a Margarida Rebelo Pinto e o Saramago porque “vendem”livros. Acusa os best-sellers e seus leitores de existirem. Afirma que os hipermercados promovem mais a leitura do que as escolas e as bibliotecas, enfim, não vale a pena continuar a reproduzir o chorrilho de asneiras.

É óbvio que o autor da crónica ignora, (ou quer ignorar?) quais são os resultados dos portugueses nos estudos internacionais de literacia. Bastava-lhe ter lido os jornais na altura da publicação do relatório do PISA 2003, ou consultar a net., para se informar. Se o tivesse feito, poderia verificar que a competência de leitura de 48% dos jovens de 15 anos é mínima. Apenas lhes permite localizar uma informação num texto ou identificar o tema principal do que leram. Um tão baixo nível de domínio da leitura no final do ensino básico exige que se tomem medidas, pois deixa irremediavelmente comprometido o sucesso académico e profissional das novas gerações e impossibilita o desenvolvimento do país. Face a este panorama, considero absolutamente extraordinário, que se possa considerar “inimaginável” a intervenção do Estado, usando como argumento que se deve deixar agir o mercado, ou mais precisamente o “hipermercado”.

Saberá o autor que praticamente todos os países europeus, mesmo os que apresentam resultados bastante favoráveis, lançaram ou estão a preparar medidas de âmbito nacional para desenvolver a literacia? Que países com tradições de intervenção minimalista do Estado nas áreas da Educação e da Cultura (por exemplo o Reino Unido) lançaram planos nacionais e têm apresentado resultados muito positivos? Não leu, não sabe e provavelmente não lhe interessa saber. (...) A mim, como professora, interessa e muito e espero que o governo neste plano siga o bom exemplo inglês que pode ser visto aqui.

(Olívia Cardoso)

*

Ao contrário da minha Colega Olívia Cardoso, fui dos que reagi no PÚBLICO favoravelmente ao texto de Vasco Pulido Valente. Independentemente das especificidades do Plano Nacional de Leitura e do tom veemente do autor, o problema é que esse tipo de planos, certamente “causas nobres” (para usar a expressão de VPV), têm sistematicamente desviado a acção governativa das medidas de fundo que teimosamente continuam a ser adiadas no ensino. Não é “à volta do ensino” que se resolve o problema da literacia, mas dentro do próprio ensino, sem me é permitida a imagem. Para usar uma expressão do Primeiro-Ministro, «Não há volta a dar». Os mesmos governantes que desvalorizam o papel de saberes estruturais para a identidade civilizacional a que pertencemos (a nível literário, científico ou, numa palavra, humanista), através da imposição ou tolerância face a currículos e programas que muitas vezes não revelam mais do que ódio ao conhecimento; os mesmos governantes que se entretêm com as aulas de substituição (com as quais concordo), mas que não mudam nada de substantivo no modelo esgotado de sala de aula e de relação professor-aluno-conhecimento; os mesmos governantes que fingem não entender que a tranquilidade (e mesmo o silêncio) são decisivos para a qualidade das aprendizagens e mantêm uma política de avestruz face aos problemas de indisciplina; os mesmos governantes que pressionam o corpo docente no sentido do facilitismo (por exemplo, incentivando a que a avaliação incida sobre absurdos como as “competências” ou as “atitudes” e cada vez menos sobre a qualidade do que os alunos, de facto, lêem, escrevem ou são capazes de calcular) – tais governantes não têm depois grande legitimidade para, tal qual almas cândidas, virem propor “planos” para corrigir o monstro que deixam arrastar. Admitia legitimidade a tais “planos” se eles viessem complementar políticas de fundo. Mas, lamentavelmente, não é nada disso que está a acontecer. Um outro aspecto que me parece preocupante é que os consensos que tais “planos” bem-intencionados quase invariavelmente geram (tal qual organismos inócuos como o Conselho Nacional de Educação) na prática tendem a apagar a dimensão verdadeiramente política e democrática (e porque não ideológica) do debate educativo. Foi a quase ausência do contraditório, do debate frontal sobre opções ditas «pedagógicas», que fez do ensino aquilo que ele é: o território onde se manifestam, por excelência, efeitos socialmente nefastos do politicamente correcto. Creio que a esse nível, ingleses ou europeus, não nos podem dar grandes exemplos. Há apenas, em benefício deles, uma diferença de grau. Mas o problema é de fundo.

(Gabriel Mithá Ribeiro)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(25 de Maio de 2006)


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Finalmente no Correio da Manhã meia dúzia de perguntas e respostas simples para se perceber o conflito timorense. Mas a pergunta que deve ser feita à nossa comunicação social, que já publicou centenas de milhares de linhas, que já gastou milhões de palavras sobre Timor, que está presente em Timor mais do que em qualquer outro sítio, é por que é que só agora sabemos que existe este conflito étnico com gravidade bastante para desencadear uma guerra civil?

*

Nas paredes do Auditório de um encontro sobre poesia que se deu em Vila do Conde, havia um conjunto de excelentes fotografias dos participantes no encontro anterior, muitas das quais retratos de gente dos blogues. Em Nelson d'Aires podem-se ver essas fotos e muito mais, de um fotografo freelancer que deve ser muito mais conhecido e reconhecido. Não há olhos que vejam?

Peregrinos na transladação da irmã Lúcia.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: FORMAS DE TRATAMENTO

Um dos factores reveladores do provincianismo e atraso português é o modo como os jornalistas se dirigem aos treinadores de futebol nas entrevistas e conferências de imprensa, colocando Sr. à frente do nome quando são estrangeiros (Sr. "Co" Adrianse, Sr. Luis Filipe Scolari, Sr. Ronald Koeman) e omitindo-o quando se trata de portugueses (Paulo Bento, António Oliveira, etc). O facto de alguns treinadores portugueses terem sido jogadores de topo e essa maior "familiaridade" (vamos chamar-lhe assim) advir desse facto não serve de justificação, pois muitos também nunca o foram. Podemos verificar a diferença em relação a Inglaterra, onde os jornalistas se dirigem a José Mourinho, que até tem um grau académico, tratando-o, invariavelmente, por José e a Eriksson (seleccionador nacional) por Sven. É óbvio que existem diferenças de "culturas". Trabalhei em multinacionais de influência anglo-saxónica - tratamento pelo 1º nome - e alemã - "Herr" e "Frau" eram a forma mais comum - mas em ambas só por acaso soube o grau académico de alguns dos meus colegas e eles o meu. Mas o que está em causa aqui, numa primeira análise, não é tanto a forma de tratamento, mas sim, no caso focado, a diferenciação desse mesmo tratamento em função da nacionalidade, que, para além do provincianismo que demonstra, pode inclusivamente ocultar, no limite, um comportamento na fronteira da xenofobia, sob a capa, aparente, de um "tom" cerimonioso

(João Cília)

*
Em complemento do que diz João Cília acerca do provincianismo da nossa Futebolândia, recordemos que um clube que é, entre nós, conhecido como «o Milan de Rui Costa» vai ficar sem esse jogador.

Ora, se é verdade, como se diz, que ele vai para o Benfica, como é que o Milan passará a ser referido na comunicação social? E passaremos a ter, em compensação, «o Benfica de Rui Costa»?

(C. Medina Ribeiro)
 


EARLY MORNING BLOGS 781

A Noiseless Patient Spider


A noiseless patient spider,
I marked where on a promontory it stood isolated,
Marked how to explore the vacant vast surrounding,
It launched forth filament, filament, filament, out of itself,
Ever unreeling them, ever tirelessly speeding them.

And you O my soul where you stand,
Surrounded, detached, in measureless oceans of space,
Ceaselessly musing, venturing, throwing, seeking the spheres to connect them,
Till the bridge you will need be formed, till the ductile anchor hold,
Till the gossamer thread you fling catch somwhere, O my soul.


(Walt Whitman)

*

Bom dia!

23.5.06
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: DESTRUIÇÕES EM TACITOLU (TIMOR)



(T.)

22.5.06
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(22 de Maio de 2006)


__________________________

O debate como luta de gladiadores moderna, e a televisão como sua arena, vista pela publicidade do Prós e Contras na RTP1.

*

Um académico descobre a realidade da selva onde habitamos todos já há muito tempo.

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Há um grupo de homens para quem os Balcâs não têm nunca novidade: os filatelistas. Independência do Montenegro? Déjà vu:

*
A propósito da sua referência à independência do Montenegro, não tenho deixado de pensar na minha, até agora, única viagem ao país, nos tempos da Jugoslávia de Tito, nos idos de 70 do século passado e, principalmente, na minha visita a Cetinje, antiga capital do país, numa tarde de fim de Verão, ido de Budva, no litoral montenegrino, onde estava de férias. De repente, senti-me transportado a um país irreal, quase como num sonho, ou, melhor ainda, numa recreação fantástica e fantasiada dos tempos do Império, misturando Sissi, o Imperador Francisco José, "O Prisioneiro do Castelo de Zenda" e imagens da Sildávia do Tintin do "Ceptro de Ottokar" com a "modernidade" pronvinciana de uma Jugoslávia "socialista" mas que se pretendia "liberal", que já não era a do litoral turístico mas misturava cenas que poderiam ter sido retiradas do Portugal de província com traços decadentes, principalmente em edifícios, de algum esplendor antigo do Império onde a influência turca era ainda assinalável. Ali, numa pequena cidade de 10.000 habitantes, "enfiada" entre montanhas, onde não esperamos encontrar nada que nos surpreenda, mtº menos estas duas realidades que coexistiam mas se pareciam ignorar e repelir mutuamente. Ainda hoje, quando penso nessa visita, as imagens que ainda retenho mais me parecem retiradas de um sonho ou de uma qualquer recreação fantástica da realidade, do que de algo que tenha efectivamente acontecido.

(João Cília)
 


DEZ QUADROS FAUVE NA GALERIA NACIONAL HÚNGARA:

10. OUTUBRO (KAROLY FERENCZY)

October

 


EARLY MORNING BLOGS 780

la chanson d'un dadaïste
qui avait dada au coeur
fatiguait trop son moteur
qui avait dada au coeur

l'ascenseur portait un roi
lourd fragile autonome
il coupa son grand bras droit
l'envoya au pape à rome

c'est pourquoi
l'ascenseur
n'avait plus dada au coeur

mangez du chocolat
lavez votre cerveau
dada
dada
buvez de l'eau

(T. Tzara)

*

Bom dia!

21.5.06
 


DEZ QUADROS FAUVE NA GALERIA NACIONAL HÚNGARA:

9. RETRATO DE SÁNDOR ZIFFER (VILMOS PERLROTT-CSABA)

http://www.hung-art.hu/kep/p/perlrott/muvek/1/perlr102.jpg
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: CAMPOS DE PEDRAS

(Em Marte.)
 


PERGUNTA RESPONDIDA, TUDO O RESTO ESTÁ EM ABERTO



"A pergunta

O QUE É QUE ACONTECEU AO INQUÉRITO "URGENTE" PARA SABER COMO É QUE LISTAS DE TELEFONES E TELEFONEMAS DE ALTAS INDIVIDUALIDADES DO ESTADO FORAM PARAR AO "ENVELOPE 9" DO PROCESSO CASA PIA?


tem pés para andar, porque é uma exigência cívica. "

Isto foi escrito aqui no dia 19, uma semana depois de a pergunta ter sido formulada e ter sido retomada por vários blogues , assim como em notícias e artigos de opinião nos jornais. No dia 20, o Procurador Geral da República respondia a esta pergunta numa declaração-entrevista no Expresso fornecendo a sua explicação sobre as razões do atraso do inquérito "urgente". Fez bem em explicar o atraso, mesmo que essa explicação comporte opções do Ministério Público na condução do inquérito que são discutíveis na sua oportunidade, necessidade e relevância. Foi, no entanto, ainda mais longe e forneceu informações substantivas sobre o inquérito antes da sua conclusão, que por si só levantam muitas perplexidades e exigem séria discussão. Ela far-se-á, inevitavelmente.

19.5.06
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(19 de Maio de 2006)


__________________________

A ler: LIBERDADE E UTOPIA no Kontratempos.

*

A pergunta

O QUE É QUE ACONTECEU AO INQUÉRITO "URGENTE" PARA SABER COMO É QUE LISTAS DE TELEFONES E TELEFONEMAS DE ALTAS INDIVIDUALIDADES DO ESTADO FORAM PARAR AO "ENVELOPE 9" DO PROCESSO CASA PIA?


tem pés para andar, porque é uma exigência cívica. Hoje Eduardo Prado Coelho retoma-a no Público:
"Acontece que o mundo mediático tem uma regra (que vai contaminando as diversas áreas da nossa existência): pega num tema, explora-o até à exaustão e depois esquece-o e passa a outro para evitar a saturação dos leitores. E as coisas desaparecem na voragem da memória. E há quem se aproveite destas coisas para continuar a sobreviver na nossa vida pública. Neste caso, estamos perante um verdadeiro escândalo."
*

Mário Crespo na SICN fez a melhor entrevista a Carrilho até agora realizada sobre o seu livro. Com um interlocutor difícil, sem nunca ultrapassar a condição de entrevistador, tendo estudado a matéria e sem preconceitos corporativos, fez perguntas certeiras para as quais não houve resposta cabal. E tirou do livro de José Gil uma interpretação certa, que um filósofo como Carrilho, que também cita Gil a propósito da inveja, perceberá que se lhe aplica. Onde, no seu livro, está "inscrita" a derrota eleitoral de Lisboa?

Cito da entrevista de Gil ao Público, a parte relevante:
P. — É aquilo a que chama "não inscrição". Que significa?

R. — Significa que os acontecimentos não influenciam a nossa vida, é como se não acontecessem. Por exemplo, quando uma pessoa ama, esse sentimento não afectar a outra pessoa, objecto do amor. Quando acabamos de ver um espectáculo, não falarmos sobre ele. Quando muito, dizemos que gostámos ou não gostámos, mais nada. Não tem nenhum efeito nas nossas vidas, não se inscreve nelas, não as transforma. Ainda outro exemplo: o primeiro-ministro, Santana Lopes, classificou a dissolução da Assembleia da República pelo Presidente como "enigmática". Não disse que era incorrecta ou injusta, mas "enigmática", o que é a forma mais eficaz de a transformar em não-acontecimento.

P. — E, não tendo acontecido, ninguém é responsável.

R. — Exactamente. Pode-se continuar como se nada se tivesse passado. Os acontecimentos não se inscrevem em nós, nem nas nossas vidas, nem nós nos inscrevemos na História. Por isso, em Portugal nada acontece.
 


DEZ QUADROS FAUVE NA GALERIA NACIONAL HÚNGARA:

8. MULHER TOCANDO VIOLONCELO (ROBERT BERÉNY)

http://hungart.euroweb.hu/kep/b/bereny/muvek/1921-30/csellozo.jpg
 


EARLY MORNING BLOGS 779

Before The World Was Made


If I make the lashes dark
And the eyes more bright
And the lips more scarlet,
Or ask if all be right
From mirror after mirror,
No vanity’s displayed:
I’m looking for the face I had
Before the world was made.

What if I look upon a man
As though on my beloved,
And my blood be cold the while
And my heart unmoved?
Why should he think me cruel
Or that he is betrayed?
I’d have him love the thing that was
Before the world was made.


(William Butler Yeats)

*

Bom dia!

18.5.06
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(18 de Maio de 2006)


__________________________

Com pés para andar: as "micro-causas", uma invenção cá da casa, tem no Miniscente uma primeira análise substantiva.

And now for something completely different:

O QUE É QUE ACONTECEU AO INQUÉRITO "URGENTE" PARA SABER COMO É QUE LISTAS DE TELEFONES E TELEFONEMAS DE ALTAS INDIVIDUALIDADES DO ESTADO FORAM PARAR AO "ENVELOPE 9" DO PROCESSO CASA PIA?
 


A VITÓRIA PÓSTUMA DO XVI GOVERNO CONSTITUCIONAL

Hoje, muita gente que deu o chamado "benefício da dúvida", ou até bem mais do que isso, ao dr. Lopes, abomina-o com vigor... e sem memória. Eu, que nunca lhe dei esse benefício, estou à vontade para ver o pano de fundo em que ele cresceu, e por breves momentos venceu, e perceber que esse pano de fundo está cá bem mais ancorado do que parece. A personagem que o simbolizava "anda por aí", mas o mundo que o criou está bem mais "por aqui" do que muitos querem ver.
http://multimedia.iol.pt/oratvi/multimedia/imagem/id/173761/220
Os sinais desse Portugal estão à vista todos os dias mostrando como só para os outros, para outro Portugal, é que existe a realidade da crise, dos despedimentos, das dificuldades económicas, da perda do poder de compra e da quebra das expectativas. Já sabemos que a indústria das férias tropicais está de vento em popa, como uma breve visita ao aeroporto de Lisboa revela, com as pequenas multidões que partem pálidas e regressam coloridas e com chapéus, sandálias e modismos brasileiros, mexicanos, dominicanos e cubanos. Já sabemos que, ponte sobre ponte, o Algarve se enche de gente com carro e famílias, entupindo as estradas, consumindo uma gasolina que é suposto estar cara, mas que nunca esmoreceu as centenas de quilómetros em direcção ao Sul. Já sabemos que o novo Casino, pérola da governação lisboeta, mil vezes mais eficaz na sua capacidade de existir do que as contrapartidas que foram prometidas para a sua autorização, está cheio de povo, do povo de todas as classes A, B e C, na classificação do marketing. E o povo desloca-se alegre e feliz para os "bandidos com um só braço" que funcionam barato e rápido, deglutindo milhares de moedas, como se elas não faltassem a montante e jusante do Casino. É a "retoma", e quem tinha razão foi quem a anunciou. Lá voltamos ao chefe do XVI Governo Constitucional e à sua omnisciência. Todos estes portugueses nunca passaram pela "toma", estão sempre na "retoma", e folgam como é sua condição.
http://www.fpf.pt/seleccoes/futebol11/masculino/aa/microsites/mundial2006/mundial/imagens/equipa.jpg http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/thumb/e/ec/Vegas_slots.JPG/250px-Vegas_slots.JPG
Mas a vitória póstuma do XVI Governo Constitucional não se limita a ser económico-social, é também cultural. Já dou de barato o futebol, essa "paixão" nacional que tudo faz parar e que tão do agrado era do chefe do XVI Governo Constitucional, ele próprio dirigente e comentador desportivo. Ele sentir-se-á bem com a glória anunciada do escapismo futebolístico, que nos vai encher as casas nos próximos meses, com uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. O Governo, qualquer governo, agradece imenso que haja muito futebol e municia a televisão pública de abundantes fundos para nos encher o ecrã (por falar nisso, já comprou o seu ecrã plano gigante para ver os jogos do Mundial?). Mais vale ver futebol do que pensar no "estado da nação".

Depois há o novo Campo Pequeno, cuja inauguração teve honras de grande espectáculo levado ao país todo pela televisão pública. Se deixássemos o lazer e os brinquedos tecnológicos, podia ser a televisão de Salazar e Caetano a fazer aquela festa. Melhor: podia ser a sociedade do salazarismo a fazer aquela festa. Touros e o mundo dos touros, banda filarmónica tipo Sociedade Imparcial 15 de Janeiro de 1898 de Alcochete (sem desprimor para esta, justa vencedora do 1.º lugar na categoria de Tauromaquia no Concurso de Bandas do Ateneu Vila-franquense), sevilhanas e fados marialvo-toureiro-taurinos, e até o pobre do Lorca, que mais uma vez morreu às cinco em ponto da tarde às mãos de Simone de Oliveira.
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O jet set que se acotovelava para ser entrevistado pela RTP também frequentava os salões do XVI Governo Constitucional. Era o seu mundo "cultural", personificado numa das mais entusiastas e filmadas figuras da bancada da Praça de Touros, Cinha Jardim. Tudo aquilo não foi um vulgar espectáculo, como nos explicavam os entrevistados, mas uma recriação do "Portugal tradicional", mito perdido numas brumas longínquas recuperadas pelos fumos de palco. Como eu sou do Porto, onde não há touros, o único fadista conhecido era o Neca Rafael e o único fado popular era o "já estás com os copos", não me lembro desta "tradição" assim tão portuguesa, mas percebo muito bem o que é que nos querem dizer.

Este mundo tradicional é modernizado para os dias de hoje, pelo espectáculo, em particular por vidas vividas como um reality show. Por isso mesmo, outra vingança póstuma do chefe do XVI Governo Constitucional foi ver uma das suas Némesis, Manuel Maria Carrilho - Némesis idêntica porque ambos fizeram a mesma "política cultural" moldada em Jacques Lang, só que com clientelas distintas -, a não perceber que o mundo lá fora tem ruído e que a imensa imagem que temos de nós próprios não o transforma em espelho. O dr. Lopes viu-se assim com alguém a seguir a sua escola de pensamento sobre a correlação entre derrotas eleitorais e conspirações comunicacionais.
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De facto, só a nossa curtíssima memória cívica nos impediu de ver até que ponto é mimético o livro do dr. Carrilho das queixas plangentes do dr. Santana Lopes. O chefe do XVI Governo Constitucional também era lesto em referir conspirações contra ele. Também ele declarou que havia agências de comunicação que eram pagas para o denegrir, assim como nomeava os jornalistas que, por cartão de partido ou conjugalidade, participavam no universal ataque de que se sentia vítima. O mesmo denunciou dezenas de conspirações equivalentes às do vídeo com o pequeno Diniz, desde a fotografia com a banda na cabeça, "fora do contexto", até às peripécias de uma sesta, ou da incompatibilidade da agenda do jet set com a agenda oficial. E não foi ele que ameaçou processar empresas de sondagens porque lhe prometiam resultados eleitorais negativos?

Exemplos absolutamente idênticos abundam. A única diferença é que o chefe do XVI Governo Constitucional nunca gozou da complacência com que o dr. Carrilho é recebido, muito para além da substância igualmente autista do seu livro, com artigos que lhe louvam a "coragem" da denúncia e respeitáveis professores de comunicação a levá-lo a sério, quando nada, insisto nada, é diferente na mecânica do seu livro com as elucubrações do "menino guerreiro".

Ambos demonstram a veracidade do ditado: "Se vives pela imprensa, morres pela imprensa." Quer um quer outro brincaram com um fogo perigoso, o da exposição pública com fins promocionais, ou seja, em política, eleitorais. A vaidade de aparecer corroeu-lhes o ser e, se em Carrilho isso é mais devastador devido à sua indiscutível obra intelectual, iguala-o a Lopes no produto final.

A vitória póstuma do XVI Governo Constitucional ao ver florescer o seu mundo em pleno socialismo não é um epifenómeno. O mesmo Portugal que o fez, desfê-lo como uma personagem do Purgatório de Dante dizia: "Siena mi fé, disfecemi Maremma." Mas desfê-lo para o recriar, desfê-lo porque havia uma eficácia que ele não lhe trazia nem podia trazer: o cenário politicamente mais correcto para o Portugal do dr. Lopes é o de um socialismo manso, que pague o custo retórico do "social" dos pobres, mas que deixe brilhar esse outro "social", o da nossa pobre classe média deslumbrada com expectativas mais caras do que as pode pagar. Foi já assim em Espanha, com Felipe González e os seus novos-ricos. A história é sempre irónica, quando não é trágica.

(No Público de hoje.)
 


TER UM PENSAMENTO DE ESTADO SOBRE O ESTADO

é o que manifestamente o PS não tem. A proposta para restringir drasticamente a possibilidade de suspensão do mandato dos deputados é mais uma medida ad hoc, pontual, desirmanada, demagógica e que nada tem a ver com qualquer problema sério do Parlamento. Segue a linha autopunitiva e desqualificadora de muitas outras medidas, igualmente pontuais e demagógicas, tomadas nos últimos anos e completamente inúteis porque atiram ao lado. Teria sido muito mais útil e prestigiante se, de uma vez por todas, se acabasse com a efectiva promiscuidade de alguma grande advocacia, ao mesmo tempo participante num orgão de fiscalização do Estado e clientelar desse mesmo Estado, mas sobre isso impediu que alguma coisa se fizesse. Mais um passo na degradação do Parlamento.

 


BIBLIOFILIA: AMERICANA

http://www.scoop.co.nz/stories/images/0603/8664bcc8c57fba94d38f.jpeg http://www.longitudebooks.com/images/book_large/NYC28.jpg

Kevin Phillips, American Theocracy : The Peril and Politics of Radical Religion, Oil, and Borrowed Money in the 21stCentury

E.B. White, Here is New York

Michael R. Gordon / Bernard E. Trainor, Cobra II : The Inside Story of the Invasion and Occupation of Iraq
 


EARLY MORNING BLOGS 778

Encostei-me


Encostei-me para trás na cadeira de convés e fechei os olhos,
E o meu destino apareceu-me na alma como um precipício.
A minha vida passada misturou-se com a futura,
E houve no meio um ruído do salão de fumo,
Onde, aos meus ouvidos, acabara a partida de xadrez.

Ah, balouçado
Na sensação das ondas,
Ah, embalado
Na idéia tão confortável de hoje ainda não ser amanhã,
De pelo menos neste momento não ter responsabilidades nenhumas,
De não ter personalidade propriamente, mas sentir-me ali,
Em cima da cadeira como um livro que a sueca ali deixasse.

Ah, afundado
Num torpor da imaginação, sem dúvida um pouco sono,
Irrequieto tão sossegadamente,
Tão análogo de repente à criança que fui outrora
Quando brincava na quinta e não sabia álgebra,
Nem as outras álgebras com x e y's de sentimento.

Ah, todo eu anseio
Por esse momento sem importância nenhuma
Na minha vida,
Ah, todo eu anseio por esse momento, como por outros análogos —
Aqueles momentos em que não tive importância nenhuma,
Aqueles em que compreendi todo o vácuo da existência sem inteligência para o
compreender
E havia luar e mar e a solidão, ó Álvaro.


(Álvaro de Campos)

*

Bom dia!

17.5.06
 


RETRATOS DE UM MUNDO LITERÁRIO ANTIGO

Luiz Pacheco , Cartas ao Léu. Vinte e duas cartas de Luiz Pacheco a João Carlos Raposo Nunes, Organização e notas de António Cândido Franco, Vila Nova de Famalicão, Quasi, 2005



As cartas de Pacheco não têm interesse quase nenhum, mas as notas de António Cândido Franco valem o livro. Elas são o retrato de um certo mundo literário marginal, que existia nas franjas dos autores e editores mais estabelecidos. Em muitas destas notas, ainda se vai mais longe no recenseamento quase erudito da marginalidade, sai-se da Cervejaria Trindade e da Brasileira do Chiado para a província, Setúbal. Este mundo não era parco em deixar traços por todo o lado, livros de autor, brochuras, manifestos, artigos mendigados nos suplementos literários que já desapareceram. Aqueles que por lá andavam queriam ser ouvidos, tinham pouca ironia sobre a sua voz, tomavam-se a sério, atravessavam muitas dificuldades económicas para pagar do seu bolso uma edição, ficavam a dever dinheiro a toda a gente (uma especialidade sobre a qual Pacheco muito escreve), alguns tiveram fim trágico. Sem muito do que Pacheco escreveu e sem trabalhos como o de António Cândido Franco, estariam ainda mais esquecidos do que o que estão. Hoje são uma espécie morta, sem livros como este, nem se sabia deles.
 


DEZ QUADROS FAUVE NA GALERIA NACIONAL HÚNGARA:

7. IGREJA EM NAGYBÁNYA (LAJOS TIHANYI)

 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(17 de Maio de 2006)


__________________________

Fotografia como saber: a "arquitectura da densidade" de Michael Wolf.
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: A MÁQUINA DO MUNDO

A vista from Cassini, showing moons and the rings

Vistos pela sonda Cassini, o pequeno Epimeteu, o grande Titã e os anéis que anunciam o gigante Saturno.
 


EARLY MORNING BLOGS 777

A Man Said to the Universe


A man said to the universe:
"Sir I exist!"
"However," replied the universe,
"The fact has not created in me
A sense of obligation."


(Stephen Crane)

*

Bom dia!

16.5.06
 


CRISE? DESPEDIMENTOS? DEPRESSÃO?

http://www.occultopedia.com/images_/titanic_sinking1.jpg

Qual quê! Jogo no Casino, futebol por todo o lado, fado e touros. Parece o Titanic com a orquestra a tocar.
 


DEZ QUADROS FAUVE NA GALERIA NACIONAL HÚNGARA:

6. INTERIOR (SÁNDOR GALIMBERTI)

 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: POLÍTICA FISCAL
(RÉPLICA DE ANTÓNIO LOBO XAVIER A MANUEL ANSELMO TORRES)



[Na sequência de LENDO / VENDO /OUVINDO (11 de Maio de 2006) e O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: IMPOSTOS E DEMAGOGIA. ]

Desculpem-me os leitores do abrupto por voltar ao tema entediante da política fiscal, mas o Manuel Anselmo Torres merece-me muita consideração, pelo que não pode ficar sem réplica, enquanto o José Pacheco Pereira não me expulsar.

1 – Nem de longe nem de perto pretendi sustentar dogmaticamente – como poderia fazê-lo? – a inevitabilidade da isenção das mais-valias para efeitos de IRS. É claro que a progressividade das taxas de um imposto sobre as pessoas físicas é compatível com a tributação dos ganhos fortuitos: o problema consiste justamente em saber se se justifica que estes últimos recebam naquele um tratamento especial, em homenagem à sua particular natureza. A comissão da reforma fiscal, em 1988, optou por responder afirmativamente a esta questão, em nome de algumas das referências que escrevi no primeiro post (está no preâmbulo do Código).

2- Lamento, mas não é verdade que o efeito de restrição da venda (lock-in) só se verifique quando a tributação das mais-valias é mais gravosa do que a que corresponde aos restantes rendimentos. Em face de um imposto progressivo e admitindo que o aumento do valor de um certo bem se formou ao longo de vários anos, é óbvio que a tributação da mais-valia no momento da respectiva realização tenderá a ser mais gravosa do que na hipótese em que se pudesse tributar uma fracção em cada ano (efeito de bunching). Em face desta circunstância, admite-se que o proprietário do bem possa prolongar a sua detenção – especialmente quando o sistema também isenta as transmissões por morte, em certos casos -, com o que se introduz uma distorção fiscal à circulação da propriedade. Trata-se de um efeito teórico? Provavelmente, mas era nesse exacto plano que me colocava quando escrevi.

3 – O facto de não se admitir a comunicação de perdas, para efeitos de IRS, entre as diversas categorias do imposto, não justifica que se isente uma categoria? Claro que não justifica. O que eu criticava era justamente os que, no discurso político, advogam a unidade do imposto só quando isso significa agravamento da tributação do capital, esquecendo os movimentos em sentido inverso que a mesma unidade igualmente reclama.

4 – Ao contrário do que o Manuel Anselmo Torres escreve, há dupla tributação económica – porque não se integra completamente a tributação das pessoas e das sociedades - quando eu tributo o lucro da sociedade e a mais-valia realizada pelo accionista. A manifestação de riqueza subjacente é a mesma, e é com esse motivo que alguns países (Canadá, v.g.) justificam expressamente o seu próprio regime de isenção de mais-valias relativo à venda de participações sociais. Não sou eu que o digo, mas “pessoas que sabem muito mais do que eu” - não, não vou fazer citações, resisto a essa presunção -, justamente como uma consequência do princípio da unidade da tributação do rendimento (e da ideia de que a tributação das sociedades constitui apenas uma espécie de retenção na fonte relativamente à tributação das pessoas). É claro, cada sistema sabe os níveis de dupla tributação com que consegue viver…

5 – Admitir a dedução dos encargos financeiros com uma aquisição (OPA) é permitir a erosão da base tributável? Eu chamo a isso permitir a tributação de acordo com o rendimento real. A diferença é muito grande, muito maior do que todas as que se encontram acima. Estamos frequentemente de acordo com muitas coisas, não há mal nenhum em que não seja com tudo.

(ANTÓNIO LOBO XAVIER)

*
Prometendo ao António Lobo Xavier aprofundar o debate em próxima ocasião sem tomar reféns os leitores do abruto, diria apenas que não discordamos tanto quanto possa parecer... mas não há tema político mais traiçoeiro que o fiscal.

(Manuel Anselmo Torres)

15.5.06
 


O QUE É QUE ACONTECEU AO INQUÉRITO "URGENTE" PARA SABER COMO É QUE LISTAS DE TELEFONES E TELEFONEMAS DE ALTAS INDIVIDUALIDADES DO ESTADO FORAM PARAR AO "ENVELOPE 9" DO PROCESSO CASA PIA?


É que, por muito que se esteja habituado ao esquecimento de tudo, a "urgência" foi um pedido expresso e público do Presidente da República, reiterado pelo Procurador Geral da República, e, tantos meses depois, não há resultados, nada se sabe, não há uma explicação, um esclarecimento, nada. É um pouco afrontoso para o Presidente da República, ou não é? E não é muito afrontoso para todos os que exigem em termos de cidadania mínima, um esclarecimento? É. Ou há uma gigantesca conspiração à volta do envelope, que exige meses e meses de trabalho investigatório, ou então ninguém percebe a complexidade e a demora em saber uma simples coisa que deve ter deixado um rasto de papel atrás.

 


BIBLIOFILIAS: CENTROS E LESTES 3

http://www.britishbookshop.at/shop/images/products/thumbs/thm_01-22-96-00-90-00_1.jpg http://www.ihrc.umn.edu/news/Graphics/atlas.jpg

Paul Lendvai, Hungarians

Paul Magocsi, Historical Atlas of Central Europe

Poucos livros são por si só tão elucidativos do que é a "Europa Central", como esta rigorosa colecção de mapas comentados. Não é preciso ler, basta olhar. Olhando para os mapas percebe-se a maldição da geografia e todo o sentido do ditado polaco: "trocamos a nossa gloriosa história por uma melhor geografia". Para não ir mais longe do que o século XX, alguns dos mapas, como o das deslocações de populações no último ano da II Guerra, revelam a enorme tragédia dos povos do Centro e do Leste da Europa, assim como o "empurrar" das fronteiras dos países para o Ocidente pelo Exército Vermelho. A descentração étnica, linguística, cultural, e religiosa significa toda uma "história" por resolver (por exemplo, a importante população que fala húngaro e que ficou na Roménia, como se vê no mapa da "distribuição etnolinguística por volta de 1900").
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(15 de Maio de 2006)


__________________________

Numa rua de Pécs, Hungria. Uma linguagem quase universal: a dos graffiti. Espero que não seja uma obscenidade.

 


EARLY MORNING BLOGS 776

Fragmento de "Irony Is Not Enough: Essay On My Life as Catherine Deneuve (2nd draft)" de MEN IN THE OFF HOURS


saison qui chante saison rapide

je commence

Beginnings are hard. Sappho put it simply. Speaking of a young girl Sappho said, You burn me. Deneuve usually begins with herself and a girl together in a hotel room. This is mental. Meanwhile the body persists. Sweater buttoned almost to the neck, she sits at the head of the seminar table expounding aspects of Athenian monetary reform. It was Solon who introduced into Athens a coinage which had a forced currency. Citizens had to accept issues called drachmas, didrachmas, obols, etc. although these did not contain silver of that value. Token coinages. Money that lies about itself. Seminar students are writing everything down carefully, one is asleep, Deneuve continues to talk about money and surfaces. Little blues, little whites, little hotel taffetas. This is mental. Bell rings to mark the end of class. He has a foreskin but for fear of wearing it out he uses another man's when he copulates, is what Solon's enemies liked to say of him, Deneuve concludes. Fiscal metaphor. She buttons her top button and the seminar is over.

(Anne Carson)

*

Bom dia!

14.5.06
 


DEZ QUADROS FAUVE NA GALERIA NACIONAL HÚNGARA:

5. NATUREZA MORTA (GÉZA BORNEMISZA)

 


RETRATOS DO TRABALHO NO DOURO, PORTUGAL


Colocando esteios numa nova vinha

(Gil Regueiro)
 


EARLY MORNING BLOGS 775

The little lives of earth and form


The little lives of earth and form,
Of finding food, and keeping warm,
Are not like ours, and yet
A kinship lingers nonetheless:
We hanker for the homeliness
Of den, and hole, and set.

And this identity we feel
- Perhaps not right, perhaps not real -
Will link us constantly;
I see the rock, the clay, the chalk,
The flattened grass, the swaying stalk,
And it is you I see.

(Philip Larkin)

*

Bom dia!
 


RETRATOS DO TRABALHO EM BALI, INDONÉSIA



Actividade piscatória de uma comunidade de pescadores que vive na praia de Jimbaran (praia que meses mais tarde sofreu um cobarde atentado terrorista).

(Miguel Salazar)

13.5.06
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: IMPOSTOS E DEMAGOGIA

(Continuação da discussão da nota LENDO / VENDO /OUVINDO (11 de Maio de 2006)

Diz António Lobo Xavier no Abrupto:

"Do ponto de vista teórico, só há três tipos de justificação para atenuar ou eliminar a tributação das mais-valias de acções. A primeira tem que ver com o facto de se tratarem de rendimentos ocasionais, “trazidos pelo vento”, para os quais porventura será exagerado aplicar taxas progressivas que foram pensadas para rendimentos periódicos, que se repetem, ordinários, ainda para mais quando o IRS na prática impede a comunicação das perdas entre as categorias; em geral, pode dizer-se, de facto, que as perdas não têm relevo fiscal no IRS!. A segunda tem que ver com a preocupação de evitar um efeito de lock-in, que o proprietário de bens que se pretende que circulem os conserve mais tempo do que seria desejável para evitar o imposto. A terceira, a mais importante, prende-se com a preocupação em evitar a dupla tributação. Os ganhos feitos com as acções correspondem à antecipação ou realização dos ganhos ou incrementos de valor experimentados pelas próprias empresas, os quais são normalmente tributados em IRC. É possível dizer, por isso, em grande medida, que há dupla tributação se simultaneamente tributarmos as empresas pelo respectivo incremento de valor e depois as pessoas singulares, quando realizam pela venda das acções o mesmo incremento de valor. É claro que isto não conduz automaticamente a uma isenção das mais-valias de acções realizadas por particulares. Cada sistema escolhe a medida tolerável de dupla tributação. O problema será sempre um problema de política fiscal, de atracção do investimento ou de facilitação de obtenção de fundos em mercado de capitais. O resto é conversa demagógica em que o discurso político é fértil quando se trata de impostos.

A proposta do BE não fica por aqui, contudo. Aquilo que mostra o seu ódio ao capitalismo e seus instrumentos é a proposta de não aceitar como custo fiscal os encargos financeiros com a aquisição de empresas! Não lembra a ninguém, é de um basismo chocante! É melhor a empresa que faz aquisições com capital próprio do que a que faz o mesmo com crédito? Por que razão os custos financeiros são menos dignos do que todos os outros, para apurarmos o rendimento real? O bloco desconhece que as SGPS não podem já deduzir os custos financeiros com aquisições, desconhece que as suas menos-valias não são consideradas, enfim, parece que estamos na Albânia há mais de trinta anos. Podia ser só ideologicamente simbólico, mas não é: é básico, irracional e retrógrado."

Sem querer defender Louçã, permito-me contrapor o seguinte:

1. O fundamento de taxas nominalmente progressivas não é incompatível com a tributação dos ganhos fortuitos, antes pelo contrário. A utilidade marginal dos ganhos fortuitos é menor que a dos rendimentos ordinários, pelo que justificaria uma progressividade ainda maior. Dito isto, muito mais chocante do que a isenção das mais-valias é a isenção do Euromilhões.

As limitações à comunicação de perdas entre categorias de IRS não justificam a isenção de qualquer uma das categorias. As derrogações à unidade do imposto não se combatem com mais derrogações.

2. O efeito lock-in só existe se a tributação das mais-valias for mais gravosa do que a dos restantes rendimentos. De contrário, temos de nos preocupar primeiro com o efeito de lock-in sobre o ócio em resultado da tributação do trabalho.

3. Não há dupla tributação económica dos lucros não distribuídos ou nem sequer realizados. Mesmo considerando que as mais-valias representam o valor presente dos dividendos futuros esperados, que por definição são líquidos do IRC sobre os resultados, o que faz sentido não é isentar as mais-valias, mas sim tratá-las como os dividendos, até para evitar uma arbitragem ineficiente do ponto de vista do mercado.

4. O problema da dedução dos encargos com o financiamento de OPAs aos resultados operacionais das empresas adquiridas não releva do amor ou ódio ao capitalismo, mas da medida admissível de subcapitalização do adquirente. É um problema de erosão da base tributável e, por essa via, da repercussão do esforço fiscal sobre os demais contribuintes. (Nem só as SGPS lançam OPAs)

(Manuel Anselmo Torres)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(13 de Maio de 2006)


__________________________

O Público introduziu uma novidade interactiva no seu sítio na rede, com a pergunta sobre se uma fotografia violenta dos corpos calcinados na explosão do oleoduto nigeriano devia vir na primeira página. A resposta parece relativamente óbvia: não. Não, porque não há necessidade informativa na publicação destacada que seja maior do que o poderoso e perigoso espectáculo da morte em cima dos nossos olhos. A questão, no entanto, merece discussão, porque pode haver outras circunstâncias que justifiquem a publicação de uma fotografia daquele tipo, quando é necessário não apenas informar, mas também denunciar. Talvez num jornal nigeriano, se acaso houve incúria na explosão e nas mortes, se justifique a publicação, mas num português seria mais espectáculo do que informação.

No entanto, há outras perguntas mais complicadas que o Público deve fazer, como seja a de saber se deveria estar na primeira página de hoje a seguinte frase: "Menina retirada aos pais foi assassinada depois de ir passar a noite a casa".

*

O Esplanar passa a contar com Carlos Leone, autor de alguns dos estudos tão interessantes como ignorados sobre o nosso pensamento contemporâneo.

*
Duas boas livrarias de livros estrangeiros em Budapeste: a Atlantisz, que parece grande por ter uma montra três vezes maior do que a livraria, e a BestSellers. A primeira tem uma notável colecção de filosofia, que se exibe na gigantesca montra e se aperta na pequena loja; a segunda, de relações internacionais e história, especializada na Europa Central e de Leste, com as edições da Central European University.




*

EXPRESSO Semanal Perguntas que não fazemos: por que razão o Expresso distingue em duas secções, na sua versão em linha, entre "País", onde se concentram as notícias da política caseira que não vão para a primeira e última páginas, e "País real" onde se fala do... país. A expressão "país real" esteve na moda há alguns anos atrás, baseada numa distinção de Maurras, cuja genealogia antidemocrática foi esquecida. Um dia se fará a história destas expressões, como "país real" e "sociedade civil", - e o momento da sua aparição é significativo - , no léxico político. E lá ficaram, esquecidas na sua estratigrafia, na arrumação do Expresso.

Exemplos do "País" de hoje: “Sócrates apaga fogos”, “Os jornalistas segundo Carrilho”, “PS/Lisboa com livro alternativo”, “O EXPRESSO e Freitas”, “Barrosistas alinham com Marques Mendes”, “CDS junta os cacos”, “Paulo Portas ‘anda por aí’, “Extrema-direita inquieta Vila de Rei”, etc. Exemplos do "País real": “Évora e Badajoz desenvolvem energias limpas”, “Inspecção fecha restaurantes em Fátima”, “Agentes alemães promovem Algarve”, “Santa Catarina recria mercado do séc.XVI.”

Outra observação: no Expresso há sempre mais "País" do que "País real", o que é um pouco bizarro.
 


EARLY MORNING BLOGS 774

A CASA DO MUNDO

Aquilo que às vezes parece
um sinal no rosto
é a casa do mundo
é um armário poderoso
com tecidos sanguíneos guardados
e a sua tribo de portas sensíveis.

Cheira a teias eróticas. Arca delirante
arca sobre o cheiro a mar de amar.

Mar fresco. Muros romanos. Toda a música.
O corredor lembra uma corda suspensa entre
os Pirinéus, as janelas entre faces gregas.
Janelas que cheiram ao ar de fora
à núpcia do ar com a casa ardente.


Luzindo cheguei à porta.
interrompo os objetos de família, atiro-lhes
a porta
Acendo os interruptores, acendo a interrupção,
as novas paisagens têm cabeça, a luz
é uma pintura clara, mais claramente me lembro:
uma porta, um armário, aquela casa.

Um espelho verde de face oval
é que parece uma lata de conservas dilatada
com um tubarão a revirar-se no estômago
no fígado, nos rins, nos tecidos sangúíneos.
É a casa do mundo:
desaparece em seguida.

( Luiza Neto Jorge )

*

Bom dia!

12.5.06
 


DEZ QUADROS FAUVE NA GALERIA NACIONAL HÚNGARA:

4. PAISAGEM COM VEDAÇÃO (SANDOR ZIFFER)

 


COISAS DA SÁBADO: UM PARTIDO QUE SÃO DOIS

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Depois do que aconteceu neste Congresso não auguro muito futuro ao CDS/PP. Em política é sempre arriscado matar alguém, seja partido ou pessoa, há sempre um “por aí” por onde se pode andar e conseguir as periódicas entrevistas de “sinal de vida”, que os jornais fazem ciclicamente quando se esgotam os outros interesses e se volta à “novidade” que tinha deixado de o ser seis meses atrás. Que o digam Manuel Monteiro ou Santana Lopes. Mas o CDS/PP parece ter mesmo uma doença terminal na sua fórmula híbrida de CDS/PP, e mesmo na fatia CDS. Não sei se com a fatia PP o mesmo se passa.

O CDS/PP são dois partidos diferentes agrafados num só e cada um está doente do outro. O autor da doença, o homem que inoculou o vírus destinado a matar o CDS foi Paulo Portas, que fez um partido novo dentro da concha e do corpo do CDS. Como acontece com algumas das mais macabras bizarrias da natureza, o PP nasceu dentro do CDS, e cresceu parasitando-lhe o corpo. Ribeiro e Castro foi o último sobressalto do corpo doente do CDS para conseguir saúde, mas surgiu enfraquecido pela ecologia exterior, onde o vírus Paulo Portas o deixou: na oposição depois de uma derrota.

A solução CDS/PP foi uma solução de conveniência, que não foi boa para o CDS nem é hoje boa para o PP. O uso das siglas conheceu vários momentos diferenciados, sem outra lógica que não fosse a carreira política de Paulo Portas e do “portismo” que ele criou à sua imagem e semelhança. Começou por ser uma fórmula destinada a gerar o PP contra o CDS. Era quando Portas falava apenas do PP e o PP tinha, como sempre, como inimigo principal o PSD, entendendo-se bem com o PS. Mas, com o tempo e com os desaires eleitorais, (Portas teve sempre sozinho piores resultados do que Manuel Monteiro), Portas foi voltando à fórmula mista do CDS/PP. Passou de “popular” a “democrata-cristão”, e de anti-europeista radical a “euro-moderado”. Acabou a votar a Constituição Europeia como se sabe.

Uma gestão sempre muito hábil de expectativas, associada a um puro pragmatismo político, e à desorientação do PSD, permitiu-lhe impor a presença no governo do maoista Durão Barroso, que pouco antes os autocolantes do PP, representavam ao lado de Marx, Lenine, Staline e de mim próprio. No governo, Portas obteve a complacência da esquerda que ele tanto diaboliza fazendo uma política estatista na Defesa, e tentou vestir a pele do “sentido de Estado”, para se credibilizar. Acabou por ser mais um a arrancar os tubos da incubadora, como hoje se sabe, convencido que as eleições o premiariam.

Foi o voto do CDS que ele tentou cativar nas urnas, deixando para trás o do PP, o do “Paulinho das feiras”. Acabou por não ter nem um nem outro e voltar ao limbo com o único verdadeiro património que foi capaz de construir: o PP. Através dos seus fiéis, e do Grupo Parlamentar monolítico que deixou, ele sabe que não há CDS/PP capaz de escapar ao seu droit de regard. Ribeiro e Castro perturbou-lhe os planos, baralhou-lhe os tempos, mas, como se viu, não teve força suficiente para escapar à sua presença ausente. Por isso, Ribeiro e Castro está condenado a governar um monstro hibrído, o CDS/PP, arrastando um corpo que cada vez lhe é mais alheio. Quando a lista de Pires de Lima ganhou o Conselho Nacional, devia ter-se demitido.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
A "REVOLUÇÃO DE MAIO" DE ANTÓNIO LOPES RIBEIRO


António Lopes Ribeiro (Col. Cinemateca Portuguesa)A razão para não haver uma edição em vídeo de "A Revolução de Maio" deverá ser concerteza o medo de que seja mal interpretado. "O Triunfo da Vontade" ainda é um filme maldito, apesar de ser várias vezes melhor enquanto cinema que "A Revolução de Maio", e os filmes de propaganda aliados (tanto britânicos como americanos) não são fáceis de encontrar.

"A Revolução de Maio", visto por olhos que já não passaram pelo Estado Novo como os meus, é um pedaço de propaganda tão pouco subtil que me pergunto se de facto funcionaria de facto em 1937 ou se provocaria a mesma reacção de distanciação que provocou em mim, no caso, o riso. Além da distância temporal que me separa de "A Revolução de Maio", também o mundo que me rodeia me tornou muito mais alerta para as possibilidades de manipulação da mensagem audiovisual pelo bombardeamento constante de mensagens publicitárias a que sou sujeito, daí que talvez se possa presumir que o português de 1937 seria mais "crente" que o português de 2006.

No entanto, para muita gente que viveu o Estado Novo, a disponibilização de um filme que o glorifica desta forma tão básica e esfusiante parecerá concerteza provocação, a não ser que se chame a atenção para que a inaptidão do exercício é ela própria um reflexo do tipo de regime que era, do público a quem se dirigia e da personalidade de António Ferro. Daí que este filme não pode ser editado sem um trabalho crítico nos materiais de apoio, coisa a que as editoras de DVD em Portugal não estão habituadas. Por seu turno, a Cinemateca Portuguesa não edita DVDs.

Se os direitos de "A Revolução de Maio" ainda estiverem integrados no espólio da companhia de produção de António Lopes Ribeiro, a Lusomundo recentemente comprou um pacote de filmes desta companhia, de que resultaram a edição em 2005 de "O Pai Tirano" e de "O Pátio das Cantigas", por isso os direitos de "A Revolução de Maio" deverão provir da mesma fonte. O A.N.I.M., também em 2005, procedeu a um restauro de imagem e encomendou o restauro de som à empresa para a qual trabalho, cujo resultado foi a projecção de "A Revolução de Maio" há alguns meses na Cinemateca Portuguesa em cópia restaurada.

(Tiago João Silva)

*
O interesse deste filme vai para além da questão da propaganda propriamente dita. Como o filme foi feito sob a supervisão do SPN os seus orçamentos constam das listas mensais enviadas pel SPN para a Presidência do Conselho. Assim temos a possibilidade de saber rigorosamente com que meios se trabalhava na época, em Portugal.
Muito expressivo no filme é o uso de imagens reais nomeadamente as que António Lopes Ribeiro recolheu em 1936, durante as celebrações do 1º de Maio em Barcelos. Igualmente relevante, até porque dá conta do universo de pequenas histórias em que se alicerçava a propaganda do SPN, é a inspiração numa figura real- Quim Marinheiro - para se construir a personagem principal, César Valente.

(Helena Matos)
 


RETRATOS DO TRABALHO EM BUENOS AIRES, ARGENTINA



"Sapateiro remendão" que trabalha numa das feiras semanais dos bairros de Buenos Aires.

(Francisco F. Teixeira)
 




A partir de hoje, os novos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO, dão continuidade a um projecto de trabalho com mais de vinte anos, e que teve origem numa revista pioneira destes estudos, passando a ter agora como sua casa a plataforma Wordpress. Do ponto de vista editorial, a orientação continua a mesma da "velha" revista, cujo texto inicial acima se publica, como homenagem a dois dos companheiros do princípio que já morreram, Manuel Sertório e Jose Alexandre Magro ("Ramiro da Costa").

Todos os materiais dos antigos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO (versão antiga), assim como os existentes em ÁLVARO CUNHAL - BIOGRAFIA POLÍTICA , encontram-se aqui reunidos, dada a natureza próxima do seu conteúdo. Nesta nova plataforma algumas funcionalidades foram utilizadas para organizar melhor o material disponível, incluindo a possibilidade de colocar no cabeçalho as bibliografias que se encontram em actualização. Alguns problemas, como sejam as discrepâncias dos caracteres que se verificam nas notas e o arranjo gráfico ainda rudimentar, serão corrigidos à medida do meu tempo e saber. As notas bibliográficas sofreram com a interrupção destes meses e precisam de ser actualizadas. Tudo está ainda numa forma experimental.


Os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO são desde já o mais completo repositório de informação sobre a história do comunismo, dos movimentos radicais e da história da oposição portuguesa na Rede, mas este trabalho é em grande medida solitário, e por isso sujeito às flutuações de tempo do seu autor. Renovo aqui o apelo a todos os que se interessam por estes assuntos para também utilizarem este sítio como instrumento de trabalho de investigação e divulgação dos seus resultados.

 


INTENDÊNCIA MUITO ESPECIAL

Vai animada a discussão (lá para baixo nos LENDO / VENDO /OUVINDO de ontem) sobre Louçã e os impostos, feita por gente que sabe do que está a falar. E lá vem uma interessante referência a Marx e a bolsa para ilustração dos incautos.

E há mais em GATO POR LEBRE .

E para ser MUITO ESPECIAL esta INTENDÊNCIA falta anunciar com grande gosto que hoje abrirão os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO em nova casa, fundindo todo o material já disponível no antigo, mais o que estava no blogue do livro sobre Cunhal. Em breve.
 


EARLY MORNING BLOGS 773

The Brain—is wider than the Sky


The Brain—is wider than the Sky—
For—put them side by side—
The one the other will contain
With ease—and You—beside—

The Brain is deeper than the sea—
For—hold them—Blue to Blue—
The one the other will absorb—
As Sponges—Buckets—do—

The Brain is just the weight of God—
For—Heft them—Pound for Pound—
And they will differ—if they do—
As Syllable from Sound—


(Emily Dickinson)

*

Bom dia!
 


BIBLIOFILIAS: CENTROS E LESTES 2

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Miklos Molnar, A Concise History of Hungary

Imre Kertesz, Fatelessness

David Crowley / Susan Emily Reid, Socialist Spaces : Sites of Everyday Life in the Eastern Bloc

11.5.06
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: ESQUECIMENTOS



Ao ler hoje os comentários nos jornais económicos sobre a "suposta" (porque parece quase certa) fraude filatélica, parecia que quem escrevia já antecipara hà muito a desgraça de tantas pessoas, bastando para isso o raciocínio de cartilha económica de calcular o "risco" inerente ao investimento. E como já sabiam, agora quase que gozam com quem foi enganado. O interessante é encontrar este artigo no mesmo Diário Económico (de 26/08/2005), de que envio apenas este excerto:
"Investimento seguro
Apesar de o típico filatelista não ponderar a hipótese de vender, algum dia, a sua colecção, a verdade é que este é um investimento que ganha cada vez mais força em Portugal. Prova disso são os mais de 15 mil clientes que a Afinsa, empresa especializada no mercado de bens tangíveis de colecção e líder mundial no sector da filatelia, tem no nosso país. “Há um conhecimento cada vez maior e, por consequência, uma maior apetência para acorrer a este mercado”, explica Maria do Carmo Lencastre, directora da Afinsa Investimentos em Portugal. Este conhecimento crescente deve-se em muito a esta empresa que se dedica ao investimento e ao coleccionismo e que, anualmente, edita um catálogo de Selos de Portugal, com a actualização das cotações e com as emissões que saíram desde o ano anterior. Verificar como as cotações crescem de ano para ano é mais uma prova da valorização deste sector. E caso restem dúvidas de que este mercado está mais dinâmico do que nunca, basta ir a um leilão, que em Portugal se realizam periodicamente, confirmar o excelente volume de vendas.
Esta evolução da importância do selo é, aliás, uma das vantagens para se investir em filatelia, na opinião de João Pedro de Figueiredo, um dos mais importantes leiloeiros nacionais. “A filatelia não tem risco porque a valorização é garantida. Nem um produto bancário dá tanto como a filatelia”, além de que “o mercado está bom porque em tempos de crise as pessoas investem mais na filatelia porque sabem que vai valorizar”, defende."
No artigo não se faz qualquer menção dos riscos que agora os directores e sub-directores dos jornais apresentam como absolutamente claros e previsíveis.
Não sendo jornalista e não tendo qualquer interesse (felizmente) no caso em si, espanta-me que o nosso jornalismo económico saiba tanta coisa e partilhe tão pouco com os seus leitores. E espanta-me ainda mais por que razão nunca publicaram nenhum artigo com estudos, investigações e perguntas "difíceis", em vez do jornalismo subserviente que praticam. É que talvez isso tivesse evitado que tantos confiassem nas empresas em causa... e nos próprios jornalistas.

Se escrevo isto, é apenas porque ao ver na TVE as filas de pessoas, muitas delas nitidamente remediadas, a verem as suas poupanças de uma vida por água abaixo, me chocou o ar de "superioridade" com que muitos jornalistas escrevem sobre o caso, quando eles próprios não só contribuíram para isso, como não cumpriram o seu dever de informar correctamente. E agora em vez de guardarem a reserva devida, ainda se dão a ares de quem leu manuais de Introdução à Economia.
Este caso diz muito sobre o nosso "jornalismo económico" e da confiança que podemos ter naquilo que nele se lê.

(João Lopes)
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota LENDO / VENDO /OUVINDO com um comentário de António Lobo Xavier sobre a tributação das mais-valias das acções e as propostas do BE.
 


MEMÓRIA, HISTÓRIA E RECUSA

O debate que periodicamente se esboça em Portugal sobre como tratar a memória dos anos da ditadura não é diferente do que atravessa os países que estiveram sob o domínio do comunismo até 1989. Cá e nesses países, como na Alemanha do pós-guerra, a questão é saber como tratar dos restos “históricos” desses regimes, casa, espaços, símbolos, estátuas, placas, livros, discos, filmes, objectos decorativos.

É compreensível que, enquanto a geração que viveu os efeitos da ditadura está viva, o tratamento da memória não seja puramente histórico, mas tenha um aspecto de denúncia, de pedagogia do mal, de recusa. Onde a mudança ainda está fresca, este é o aspecto dominante. Compreende-se por isso soluções como a da Casa do Terror e do Parque das Estátuas em Budapeste, utilizando a antiga sede da polícia política, que já fora a sede de uma organização nazi, assim como as estátuas retiradas dos lugares públicos, como monumentos destinados a lembrar e a condenar a ditadura comunista. Os museus do Holocausto, a começar pelo paradigma de todos eles o Yad Vashem em Jerusalém, têm função idêntica: mais do que registrar e preservar, a sua função é recordar para condenar. Organizam-se à volta de uma ideia, de uma interpretação moral da história e não da história em si. No seu interior há uma narrativa do bem e do mal, não uma mera exposição de uma época e, naturalmente, centram-se na repressão, na violência e na guerra, pretendendo de algum modo reparar as vítimas, denunciando os culpados.

Nestes museus e exposições, muito próximos dos acontecimentos que esconjuram, o modo como é tratada a memória é significativa da situação política de cada país. Por exemplo, enquanto que na antiga RDA, nos países bálticos, na Hungria e na República Checa tudo o que lembrava o regime comunista e a ocupação militar soviética foi retirado dos lugares públicos; na Ucrânia e na Rússia, assim como em várias repúblicas da antiga URSS, muito da estatuária e da nomenclatura urbana foi mantida. Na Rússia, as mudanças inicialmente foram mais radicais e depois foram travadas. A polémica com o eventual retorno da estátua de Dzerjinski, o fundador da polícia política dos comunistas, que foi derrubada em 1991, para o seu lugar central em frente à sede do KGB, é mais significativa da evolução do sistema soviético, do que muitas declarações retóricas de democracia. A ambiguidade reinante é patente no antigo Museu da Revolução de Moscovo, actualmente Museu de História Contemporânea Russa, onde um re-arranjo das peças existentes permitiu transformar o proselitismo comunista numa visão “histórica” desculpabilizadora. Os turistas que correm para os andares superiores, onde está acumulado o kitsch dos presentes a Staline, fazem-no com a mesma displicência folclórica com que compram na rua falsos emblemas do KGB. Os russos não acham a mesma graça.

O caso português, a trinta anos do 25 de Abril, já pode ser visto com outra distanciação, embora a regra da geração viva, ainda implicar que a ditadura de Salazar e Caetano não pode ser tratada apenas como pura história, e implicar um sentimento de respeito e reparação com as suas vítimas. Mas , a trinta anos do fim da ditadura, seria mais eficaz quer para a memória, quer para a história, quer para a recusa, perceber que o seu equilíbrio se faz cada vez mais pela história e que esta é a forma mais segura de fazer respeitar ou condenar o que merece ser respeitado e condenado. Sendo assim não me parece muito útil, nem realista, a reivindicação de transformar a antiga sede de Lisboa da PIDE, num museu da resistência, num momento em que não há recursos, nem disponibilidade nacional para aí criar uma verdadeira instituição. Seria preferível melhorar o que mais perto está de ser um memorial da resistência, o Museu da Fortaleza de Peniche, e dar-lhe uma dimensão para além da memória prisional. Não é em Lisboa, mas nada obriga a que tenha que ser em Lisboa, e nem sequer que a dimensão simbólica do local é menor do que a sede da PIDE.
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No centro espectacular do Museu permaneceriam as celas dos blocos prisionais que estão já abertos ao público, e que asseguram um número de visitantes considerável. A exposição das condições prisionais, dos trabalhos dos reclusos, e a história da fuga de Cunhal e dos seus companheiros em 1960, permitem mostrar a dimensão repressiva fundamental do regime que poderia ser complementada por materiais sobre as outras prisões, as torturas e as mortes da PIDE. Peniche seria o principal centro dessa memória pedagógica que motiva os que desejam a preservação da sede da PIDE. Mas podia-se ir mais longe, respondendo a outras exigências.

Há na Fortaleza todo um vasto espaço disponível, em ruínas ou em grande decadência, que podia servir para um repositório museológico mais vasto do meio século do Estado Novo. Penso aliás que numa prisão, que é ao mesmo tempo um monumento nacional e um local com interesse arquitectónico e paisagístico, se podia também recolher muito do espólio do Estado Novo para além da ideia de fazer um museu apenas da resistência. A componente que move os que querem uma pedagogia de recusa e de condenação, não se perderia, ao mesmo tempo que ali se poderia fazer o que não existe em lado nenhum: o embrião de um museu da nossa contemporaneidade, do século XX.

Do ponto de vista da história, a resistência não se percebe sem se perceber o regime e para o seu estudo é fundamental recolher muito material com valor museológico que está em risco de se perder. Algum desse material merece ser divulgado, para acabar com hiatos incompreensíveis como seja o facto de A Revolução de Maio de António Lopes Ribeiro não existir nem em vídeo nem em DVD. Tem sentido expor os cartazes do Estado Novo, as suas publicações propagandísticas, e os objectos que sobraram de um espólio que se dispersou, estátuas de Salazar, bustos dos seus notáveis, placas arrancadas, pensões da Legião, e memorabilia da Mocidade. Cartazes de campanhas como a do Trigo, os painéis dos Planos de Fomento, objectos oferecidos a Salazar e aos presidentes do regime, mesmo fotos das manifestações espontâneas, são o contraponto para se perceber a ecologia em que os portugueses viveram quarenta e oito anos. Está na altura de congregar tudo isso numa instituição própria que preserva a memória, permita a história e favoreça a investigação, sem apagar a recordação dos tempos negros da ditadura. Não se trata de relativizar a história, mas de começar o caminho para tornar o século XX compreensível para as novas gerações que nunca o verão com a dimensão ética e sentimental dos que foram seus protagonistas.

(No Público de hoje,)

*
[A mensagem seguinte refere-se à nota PODE-SE METER O COMUNISMO NOS MUSEUS?, mas tem a ver com esta matéria pelo que a coloquei aqui.)
Há muitos e bons museus dedicados ao período nacional-socialista na Alemanha.Aliás encontram-se em quase todo o país. Deixo-lhe alguns exemplos: o Centro de Documentacao nacional-socialista em Nuremberga, no "cenário" original dos Congresos do NSDAP, o Centro de Documentacao do Monumento ao Holocausto em Berlim, a Topografia do Terror em Berlim, o Deutsches Historisches Museum em Berlim, a Haus der Geschichte em Bona,o Museu Judaico em Berlim, o Museu Judaico em Frankfurt , os campos de concentracao de Dachau, Buchenwald, etc, etc, etc, etc. Isto sem referir exposicoes temporárias É injusto e factualmente incorrecto afirmar-se que nao existem reflexoes museológicas sobre os 12 anos de terror do Terceiro Reich.

(Helena Ferro de Gouveia)
 


DEZ QUADROS FAUVE NA GALERIA NACIONAL HÚNGARA:

3. PAISAGEM, NAGYBÁNYA (VILMOS PERRLOTT-CSABA)

 


GATO POR LEBRE



é uma boa descrição do anúncio propagandístico da refinaria de Sines pelo Governo. Um Governo que se compromete publicamente com o anúncio de um projecto sem ter garantido as condições mínimas e contratuais da sua viabilidade está a vender-nos gato por lebre. Está também a vender-nos gato por lebre quando ataca o empresário por propor condições inaceitáveis, que Governo e Primeiro-ministro deveriam ter exigido conhecer antes de tocar a trombeta da propaganda. O Primeiro-ministro agrava tudo isto com o seu tom insuportável de arrogância, como se não fosse ele a ter que nos prestar contas do logro.

*
É de facto inusitado que o Primeiro Ministro de Portugal e o Ministro da Economia mais o Dr. Basílio Horta, tenham convocado Portugal para anunciar e assinar os contratos de construção de uma refinaria, a poucos dias da realização das eleições presidenciais.

Eu como advogado que sou, este caso faz-me lembrar os avisos que se fazem nos Tribunais a informar que às vezes o barato sai caro, ou seja, aconselham sempre as pessoas a consultar um advogado antes de firmar qualquer negócio. E incentivam-nas a denunciar a procuradoria ilícita que por aí há.

Como eu não acredito que os anunciantes deste investimento tenham recorrido a esse tipo de expediente só posso concluir que o que assinaram não foi mais um memorando.

O pior é que ao mesmo tempo disseram que este investimento era um sinal claro da confiança dos investidores na recuperação da nossa economia. E nós acreditamos.

Afinal a confiança está abalada irremediavelmente. Se nem o nosso Primeiro Ministro assina os contratos quem é que o vai fazer? E se como se afirma o problema é ambiental faltava uma assinatura no contrato. Onde é que estava o Ministro do Ambiente?

Estamos muito mal...

(Paulo Lopes da Silva)

*

O que mais assusta em todo este negócio da refinaria é perceber que na pressa não se asseguraram todas as vertentes do negócio, particularmente a parte mais técnica como as emissões de dióxido de carbono. Sendo o primeiro-ministro um engenheiro e tendo até estado ligado ao ambiente, seria de esperar mais cuidado em algo tão facilmente observável. Agora pensemos que o mesmo empresário já sugeriu a implantação do nuclear no nosso país, diminuindo o peso do risco com o argumento de que já o corremos por termos as centrais espanholas ao lado. Assusta pensar que a ter havido o negócio da refinaria se poderia, mais ano menos ano, ter passado para o nuclear. Esta decisão do nuclear se conjugada com a ligeireza com que a parte técnica foi abordada no caso da refinaria, revelar-se-ia sem dúvida perigosa.

Também se deveria pensar se a ligeireza com que o assunto da refinaria foi abordado, não terá sido aplicada à OTA ou ao TGV e daqui a uns anos não teremos facturas inesperadas ou algo do tipo “estádios a mais para campeonato a menos”…

(Emanuel Ferreira)

*

Antes assumir o erro (crasso, sem dúvida) do que persistir.

Infelizmente, não estou muito optimista quanto à capacidade deste governo aprender com os seus próprios erros. Tal vai contra a sua forma de fazer política mas também contra a sua própria política.

Não só a forma de o governo fazer política é altamente baseada na propaganda de actos futuros e não na exploração política de resultados obtidos, como a própria política está orientada para o grande projecto, no pressuposto de que tal puxará pela confiança do país.

O que o governo teria de fazer era baixar os impostos e cortar a direito (como diria o seu parceiro de tertúlia Jorge Coelho) a despesa pública.
Isso sim seria um grande projecto digno de se ver. Mesmo correndo o risco de não cumprir o objectivo do défice, seria apenas coerente com o que sempre andou a dizer na oposição - que há mais vida para além deste.

Refinarias, centrais nucleares, auto-estradas, aeroportos, comboios-rapidos, mais uma ponte sobre o Tejo... sinceramente, é como comprar um BMW para nos sentirmos motivados na bicha do IC19.

(Mário Almeida)

*

Desculpem-me ir contra o consenso, nesta matéria.

Os processos de obtenção dos agreements ambientais são demorados, num projecto industrial. Por outro lado, uma coisa é o ante-projecto, em geral estabelecendo apenas os traços gerais, outra coisa é o projecto de detalhe necessários às devidas aprovações regulamentares. Ou seja, é absolutamente normal que num grande projecto de investimento industrial os empresários negoceiem os apoios políticos antes de passarem à concretização do projecto de detalhe, o qual tem um custo considerável de engenharia.

Nenhum Governo, portanto, e se o volume de investimento requerer o envolvimento de um Governo, deixa de negociar um projecto destes por falta do projecto de detalhe.

Que se saiba, por outro lado, uma vez obtidas as facilidades e luzes-verdes políticas, nenhum investimento industrial em Portugal deixou depois de se fazer nos termos requeridos na lei, até hoje.

O que se passou neste caso é um triste episódio de pura vigarice de um empresário aventureiro, que – recordem-se – é quem também anda por aí a candidatar-se a “contruir” uma central nuclear, aliás com o apoio de um lobby com forma partidária no interior do CDS-PP. O qual se associou a investidores americanos que, se pretendiam construir uma refinaria em Portugal para reexportar o produto para os EUA, em vez de a fazerem nos próprios EUA ou em algum país produtor de petróleo, é por que alguma vantagem “especial” esperariam do nosso país!... Suspeito que desta vez nos calhou a nós sermos vistos como uma República das bananas!

O Governo foi ingénuo ao não suspeitar da má-fé de investidores tão pouco credíveis? É fácil dizê-lo, à posteriori.

Porém, o que nos afecta a todos, portugueses, é terem existido uns vigaristas que apostaram no terceiromundismo português. E se isso aconteceu é certamente porque todos nós contribuímos para criar essa ideia do país, e talvez em especial os últimos Governos que tivemos.

Apesar de tudo, este Governo exprimiu a indignação corespondente à humilhação nacional que isto tudo é. Gostava de saber como teria sido no tempo de Portas e Santana Lopes, aqueles que negociaram com Stanley Ho a recuperação do Parque Mayer e acabaram por lhe ceder pura e simplesmente um casino no Parque das Nações, em troca de nada...

(José Luís Pinto de Sá)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(11 de Maio de 2006)


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Livros como parede, como fundo. Recepção nos arquivos da Open Society em Budapest.



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A filatelia finalmente chegou à primeira página.

*

Na TSF, o demagogo Francisco Louçã, falando em nome dos que trabalham, ataca a possibilidade de se ganhar legítima e legalmente dinheiro com acções. Seria interessante que o BE fizesse uma lista das formas que acha legítimas de ganhar dinheiro na nossa democracia constitucional. Perceber-se-ia muita coisa que o BE mantém numa obscuridade intencional, como o seu anti-capitalismo marxista. Quanto ao sistema socialista, que ele deseja e nunca claramente enuncia, et pour cause, a julgar pelo único que houve, o do "socialismo real", só as polícias nas fronteiras impediam (e impedem) toda a gente de fugir de lá para as terras onde pode ter acções.

*
O jogo dos capitais móveis tem regras e uma das regras permanentes é: hoje ganhas, amanhã perdes. O Louçã, que quer taxar as mais-valias das transações lucrativas, que vai fazer quando o “jogador” levar uma “bolada”? Poderá deduzir os prejuízos no seu IRS?

Parece da mais elementar justiça que as regras devem ser as mesmas para as vitórias e para as derrotas….É obvio que isso não entra nas contas louçânicas, pois ele e os que pensam demagogicamente como ele (à direita ou à esquerda…) só sabem coçar para um lado: o seu

(Luís Rodrigues)

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O que mais me aflige no discurso de Louçã sobre o tema é a desonestidade intelectual do mesmo. Louçã dizia muito indignado e acusador que, se Patrick Monteiro de Barros vender as acções que detém na PT, faz uma enorme mais valia que não é tributada graças à isenção em vigor, enquanto “os trabalhadores” são obrigados a pagar IRS sobre os rendimentos do seu trabalho.

O que Louçã não disse, mas sabe, é que se Monteiro de Barros tiver rendimentos do seu trabalho também é obrigado a pagar IRS sobre eles como toda a gente, e se os trabalhadores tiverem acções da PT e fizerem mais valias com a sua alienação nas condições previstas na lei para a isenção, beneficiarão dessa isenção, tal como Monteiro de Barros.

Comparou o incomparável (tributação de rendimentos de capital com tributação de rendimentos do trabalho), escamoteando a realidade que é que a lei é igual para todos, com único objectivo de cativar com o seu discurso as alegadas vítimas da alegada injustiça.

O que importa aqui não é defender os beneficiários do regime de isenção de mais valias, o sistema fiscal, o governo, seja quem for. Trata-se apenas de registar uma forma de actuação política menos correcta.

De cada vez que ouço Louçã falar, sinto sobre mim a sombra da culpa, penso que horrível desonestidade terei cometido hoje …

(RM)

*

O que se ataca, (...) não é a possibilidade de se ganhar legítima e legalmente dinheiro com acções! O que se ataca, e com toda a razão (demagogias à parte), é o facto de essas mais valias não serem tributadas, ou de o serem de uma maneira proporcionalmente muito mais suave do que os rendimentos do trabalho. Qualquer trabalhador ou pequeno empresário “apanhado” a ganhar dinheiro sem pagar os respectivos impostos é (e bem) sancionado por isso. Mas aqui falamos, na maior parte dos casos detectados e sancionados, de quantias irrisórias que “arredondam” o rendimento mensal das pessoas, muitas vezes para fazer face a gastos essenciais…

Quando se fala em mais valias de milhões, provenientes de investimentos bolsistas, é imoral e aviltante que essas não sejam tributadas, ou que o sejam de uma maneira muito mais “suave” do que os rendimentos do trabalho. Numa lógica de redistribuição da riqueza criada, para evitar os abismos cada vez maiores entre ricos e pobres, de que Portugal é, vergonhosamente, o campeão na EU, os rendimentos deveriam todos ser tributados de uma maneira proporcional, para que quem mais ganha, mais paga (contribuindo para a riqueza gobal).

Só que, para muita gente, “pobre” é um conceito abstracto, de que se ouviu falar, e de que não se conhecem as verdadeiras e reais consequências.Como na redacção do menino rico sobre o menino pobre, que dizia: “Em casa do menino pobre, são todos pobres: o menino é pobre, o pai e a mãe são pobres, os irmãos são pobres, o jardineiro é pobre, o motorista é pobre, o mordomo é pobre… etc.)…

(Carlos Brighton)

*

O que RM ignora -haverá nisso alguma desonestidade intelectual? - são duas coisas: em primeiro lugar que justificação terá a não tributação de mais-valias associadas a ganhos no mercado bolsista? Sobretudo num país que tributa como tributa os rendimentos do trabalho?; em segundo lugar a possibilidade de os trabalhadores adquirirem acções embora real é meramente teórica, pelo que a invocação de uma pretensa igualdade - nesta questão específica - entre trabalhadores e capitalistas é pura demagogia. O que faz sentido é que os trabalhadors e os investidores sejam tributados da mesma forma pelos seus rendimentos do trabalho e pelas mais-valias obtidas no mercado de capitais.

Mas, em Portugal, há uma longa história sobre as isenções fiscais das mais-valias obtidas no mercado de capitais. Para não entrar no campo das mais-valias simples associadas à mudança de uso do solo ou à densificação urbana e à forma como elas (não!!!) são tributadas, recordemos apenas o que se passou na antiga Petrogal, nos tempos de Pina Moura, com a venda de parte do capital à ENI. Uma longa história em que o Estado opta quase sempre pela omissão em prejuízo de todos nós e em favor de alguns poucos.

(J. C. Guinote)

*

A discussao a volta da tributacao das mais-valias e habitualmente simplificada pelos (velhos) principios teoricos da redistribuicao de riqueza como se fizesse sentido continuar a ver o mundo de hoje a luz keynesiana de outros tempos. Foi o que aconteceu, nao ha muito tempo, a proposito das alteracoes do Pina Moura. Andou tudo para tras por uma razao muito simples: se a tributacao em Portugal for muito superior ao que se passa noutros paises para onde seja facil mudar o capital este move-se. E se nao tivermos riqueza nao poderemos redistribui-la.

(peco desculpa pela falta de acentos, mas onde estou nao e facil...)

(Carlos Campos)

*

Do ponto de vista teórico, só há três tipos de justificação para atenuar ou eliminar a tributação das mais-valias de acções. A primeira tem que ver com o facto de se tratarem de rendimentos ocasionais, “trazidos pelo vento”, para os quais porventura será exagerado aplicar taxas progressivas que foram pensadas para rendimentos periódicos, que se repetem, ordinários, ainda para mais quando o IRS na prática impede a comunicação das perdas entre as categorias; em geral, pode dizer-se, de facto, que as perdas não têm relevo fiscal no IRS!. A segunda tem que ver com a preocupação de evitar um efeito de lock-in, que o proprietário de bens que se pretende que circulem os conserve mais tempo do que seria desejável para evitar o imposto. A terceira, a mais importante, prende-se com a preocupação em evitar a dupla tributação. Os ganhos feitos com as acções correspondem à antecipação ou realização dos ganhos ou incrementos de valor experimentados pelas próprias empresas, os quais são normalmente tributados em IRC. É possível dizer, por isso, em grande medida, que há dupla tributação se simultaneamente tributarmos as empresas pelo respectivo incremento de valor e depois as pessoas singulares, quando realizam pela venda das acções o mesmo incremento de valor. É claro que isto não conduz automaticamente a uma isenção das mais-valias de acções realizadas por particulares. Cada sistema escolhe a medida tolerável de dupla tributação. O problema será sempre um problema de política fiscal, de atracção do investimento ou de facilitação de obtenção de fundos em mercado de capitais. O resto é conversa demagógica em que o discurso político é fértil quando se trata de impostos.

A proposta do BE não fica por aqui, contudo. Aquilo que mostra o seu ódio ao capitalismo e seus instrumentos é a proposta de não aceitar como custo fiscal os encargos financeiros com a aquisição de empresas! Não lembra a ninguém, é de um basismo chocante! É melhor a empresa que faz aquisições com capital próprio do que a que faz o mesmo com crédito? Por que razão os custos financeiros são menos dignos do que todos os outros, para apurarmos o rendimento real? O bloco desconhece que as SGPS não podem já deduzir os custos financeiros com aquisições, desconhece que as suas menos-valias não são consideradas, enfim, parece que estamos na Albânia há mais de trinta anos. Podia ser só ideologicamente simbólico, mas não é: é básico, irracional e retrógrado.

(António Lobo Xavier)

*

"rendimentos ocasionais, trazidos pelo vento, para os quais porventura será exagerado aplicar taxas progressivas que foram pensadas para rendimentos periódicos, que se repetem".

É muito interessante esta referência do Sr Dr A Lobo Xavier, sobre rendimentos trazidos pelo vento. É parecida com a expressão que no séc. XVII se usava na bolsa de Amesterdão para referir a venda do que se não tem, "windhaendel". Do que hoje se chama "vender a descoberto", e que os anglo-saxónicos traduzem por "sell short". E quem fôsse então apanhado nesta transacção tida como pouco séria, e dela saísse prejudicado, poderia sempre invocar o nome do grande Frederik Hendrik para não ter que pagar o que devia.

Tal como nos anos 90 do século passado. Quando se queria fazer referência à sucessão de anúncios de lançamento de "software" novo (mas ainda por concluir) da Microsoft, que no meio das gentes "tech" lhe chamavam "vaporware".

(F.)

*

Marx, quando (a sua mulher Jenny) recebeu uns dinheiros de uma herança, jogou na bolsa, em Londres, e até comentou por carta a Engels que tinha tido um retorno jeitoso.. Talvez fosse de dizer isto a Francisco Louçã, mas com cautelas..

(jtp)

*

Fará sentido tributar sobre o já tributado? O trabalhador ano após ano declara os seus rendimentos fruto do trabalho, destes paga IRS. Ao longo do ano adquire bens sobre os quais paga novamente IVA e outros impostos. Do pouco que sobra (quando sobra) ou adquire bens (e novamente lhe tributam impostos porque adquiriu um carro ou uma casa) ou investe (a poupança que tantos dizem ser necessário fazer) e quando isso acontece vê de novo o fantasma da tributação. Ao rendimento de cada hora de trabalho quanto é retirado, no final, através de impostos directos e indirectos? A carga excessiva, associado ao claro esbanjamento dos mesmos impostos pelo estado, não acaba por sugerir a fraude? Ou até mesmo o “nada fazer” pois assim rende mais?

(Emanuel Ferreira)

*

Não se percebe muito bem a que é que se refere o líder do BE ou alguns dos comentários "postados". Vejamos:
No caso das pessoas singulares as mais-valias mobiliárias (acções, p.ex) são englobadas no rendimento tal como o são os rendimentos do trabalho, rendimentos prediais ou rendimentos de propriedade intelectual (p.ex); apenas não são tributadas as mais-valias de acções detidas (pelo seu titular) por mais de 12 meses (a razão para isto é considerar-se, e bem, que nestes casos não há uma intenção especulativa mas sim um investimento duradouro em que o, eventual, ganho é constituído pela distribuição de dividendos, também estes tributados).

Assim sendo, ou é ignorância ou má fé ou outra coisa. E outra coisa será a ideia de aplicação de uma taxa a todas as transacções financeiras (imagine-se o bem que faria, a aplicação de uma taxa fixa independente de ganhos ou perdas, aos mercados financeiros).

O pai desta ideia é o economista James Tobin que, em Setembro de 2001, deu uma entrevista ao Der Spiegel com o sugestivo título: "The antiglobalisation movement has highjacked my name". A entrevista, bastante esclarecedora, é embaraçante para os Drs. Louçãs deste mundo. Aliás, em matéria fiscal, tudo o que o Dr. Louçã defende ou é tecnicamente errado ou é inexequível ou é obsoleto ou é demagógico. Gostava de falar com ele sobre algumas coisas...

(ALTC)
 


EARLY MORNING BLOGS 772

The Basic Con


Those who can’t find anything to live for,
always invent something to die for.

Then they want the rest of us to
die for it, too.

(Lew Welch)

*

Bom dia!

9.5.06
 


DEZ QUADROS FAUVE NA GALERIA NACIONAL HÚNGARA:

2. BARCOS NO SENA (SANDOR ZIFFER)

 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: NOTÍCIAS NA FUTEBOLÂNDIA



Se algum português conseguiu passar o dia de ontem e escapar de saber que o treinador do Benfica saiu, pode considerar-se um excluído social. Foi uma jornada de rádios e televisões a dizerem sempre o mesmo, a toda a hora, não fosse uma só alma ficar na ignorância de tão importante informação para o país.

(Jorge Oliveira)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: DIPLOMACIA SIMBÓLICA



Será que só eu acharei estranho que o Pres. da Com. Eur. tenha escolhido uma escultura de Fátima como prenda ao Chefe de Estado do Vaticano, na sua primeira visita oficial como líder da Europa?
Foi uma oferta pessoal? Se não, quem visava representar com tal oferta, nas vésperas do Dia da Europa? Porque é que, quanto ao relacionamento entre Estados e Organizações com a Igreja, ninguém se interroga sobre as questões diplomáticas simbólicas? O que aconteceria se fosse entregue por Durão Barroso a um líder muçulmano uma cópia manuscrita do Corão?

(Paulo Sérgio Macedo)

*

Paulo Sérgio Macedo utilizou as páginas do seu blogue para perguntar «Será que só eu acharei estranho que o Pres. da Com. Eur. tenha escolhido uma escultura de Fátima como prenda ao Chefe de Estado do Vaticano, na sua primeira visita oficial como líder da Europa? Foi uma oferta pessoal? Se não, quem visava representar com tal oferta, nas vésperas do Dia da Europa? Porque é que, quanto ao relacionamento entre Estados e Organizações com a Igreja, ninguém se interroga sobre as questões diplomáticas simbólicas? O que aconteceria se fosse entregue por Durão Barroso a um líder muçulmano uma cópia manuscrita do Corão?"

Posso avançar a minha resposta: Não achei estranho. Achei de bom-gosto. Quando eu ofereço algo a alguém, espero que quem receba aprecie o que recebe. Presumo que uma escultura de Fátima tenha agradado ao Papa. Se foi uma oferta pessoal, não sei. Presumo que não. Mas a regra de tentar agradar quando se oferece tanto se aplica às ofertas privadas como instituticionais e diplomáticas. Se Durão Barroso tivesse oferecido uma cópia manuscrita do Alcorão a um líder religioso muçulmano, eu acharia igualmente bem, pelas mesmas razões. Uma oferta "laica" ao papa, ou uma escultura de Fátima a alguém de fora da Igreja é que seria estranho.

Não vale a pena tentar ler gestos, símbolos e significados nas coisas mais simples e banais. E não se deve ceder ao politicamente correcto dum certo laicismo em detrimento do bom-senso e do bom-gosto.

(Pedro Costa Ferreiro)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(9 de Maio de 2006)


__________________________

O senhor Attila, um nome muito comum na Húngria, promete-nos um retorno à casa e aos valores familiares, em nome do Fidesz, a coligação conservadora que perdeu as eleições há quinze dias.

 


TRÊS ANOS, TRÊS SÉCULOS


Primavera em Pécs.

Obrigado aos que lembraram.
 


EARLY MORNING BLOGS 771

Outwardly His Life Ran Smoothly


Comparative figures: 1784 Kant owned 55 books, Goethe 2300, Herder 7700.

Windows: Kant had one bedroom window, which he kept shut at all times, to
forestall insects. The windows of his study faced the garden, on the the other side of
which was the city jail. In summer loud choral singing of the inmates wafted in.
Kant asked that the singing be done sotto voce and with windows closed. Kant had
friends at city hall and got his wish.

Tolstoy: Tolstoy thought that if Kant had not smoked so much tobacco The
Critique of Pure Reason would have been written in language you could under-
stand (in fact he smoked one pipe at 5 AM).

Numbering: Kant never ate dinner alone, it exhausts the spirit. Dinner guests, in
the opinion of the day, should not number more than the Muses nor less than the
Graces. Kant set six places.

Sensualism: Kant's favourite dinner was codfish.

Rule Your Nature: Kant breathed only through his nose.


(Anne Carson)

*

Bom dia!

8.5.06
 


O CONGRESSO DO CDS/PP

revela que o príncipio do "dois em um", ou o de «uma lady na mesa, uma louca na cama», não funciona para os partidos políticos. Ou é só "um em um", como no PCP, ou são vinte em um, dez ladies na mesa e dez loucas na cama, como no PSD e no PS.
 


UMA MISSA NA IGREJA SÉRVIA DE BUDAPESTE



Ao lado da Igreja está uma exposição sobre Nikola Tesla (os jogadores de Command Conquer podem imaginar quem é…), mas nenhum raio atingiu o incréu que entrou pelo jardim do pequeno pátio. A Igreja está abaixo do nível da rua, o que quase a ia destruindo nas cheias de 1838. É pequena, num barroco moderado, pintada de um amarelo forte. Está quase sempre fechada, guardada por um portão de ferro. À volta, um relvado e velhas árvores, nos muros, lápides tumulares. E, em pleno centro de Budapeste, um silêncio apenas perturbado pelos pássaros.
A comunidade que a frequenta não é muito grande, mas tem a intensidade habitual nos momentos de identidade, como seja o ritual da missa. Sem ser espectacular, nem artisticamente relevante (a maioria das suas pinturas e ícones são tardios, em estilo italiano), a Igreja atrai pela sua intimidade, por se perceber que é uma igreja a sério. Talvez o cheiro forte a incenso e estearina seja o principal factor nessa ecologia que se sente imediatamente. A missa segue o complexo ritual ortodoxo, com um padre paramentado, cercado de vários outros padres e acólitos, que se movimenta à volta das portas da iconostasis. Ao lado, um coro, em frente um pão numa mesa. Nas igrejas orientais o pão é fermentado, é pão mesmo. O padre levanta dois castiçais e cruza as velas. Volta-se para as imagens e depois para os fiéis, que já não respeitam a tradicional separação entre homens e mulheres, traçada na geografia da Igreja por uma diferença de nível e uma barreira de madeira. O “Sinal da Cruz” é diferente do nosso.

Na assistência, os homens mais velhos movimentam-se sem ruído, todos vestidos com as suas "roupas de domingo". Dois tipos de mulheres assistem, sem meio termo, umas vestidas de negro, como as monjas ou as nossas viúvas do Norte, outras grandes e louras e muito pintadas, vestindo vestidos com um traço antiquado. Vestidos-vestidos, em vez de mera roupa, vestidos com pompa e arquitectura, que trazem com grande naturalidade e um sentimento de estar bem, de serem o que são, mesmo ali na Igreja, onde nas suas faces se percebe a fé.

A uns metros dali, havia uma missa católica, muito mais frequentada, mas que, talvez por conhecer melhor o seu ritual e o interior da Igreja ser-me mais familiar, me pareceu mais habitual, menos curioso. Como a curiosidade muito me move, fui atrás da maior estranheza. Na Igreja sérvia eu sabia que estava na Europa de lá, na Igreja católica, uma das muitas de Pest, era como estar na Basílica da Estrela. Mas, em ambas as igrejas, o tempo estava parado. Deve ser isso que elas dão aos que tem fé: um momento de eternidade, a participação num outro tempo mais sagrado que a velocidade profana do lado de fora.
 


DEZ QUADROS FAUVE NA GALERIA NACIONAL HÚNGARA


Sandor Ziffer, O Portão Vermelho

Na Galeria Nacional de Budapeste está uma excelente exposição do fauvismo húngaro, entre Paris e Nagybánya (Magyar vadak Párizstól Nagybányáig 1904-1914) Nagybánya era uma colónia de férias popular entre artistas que funcionou como uma espécie de Skagen húngara. A exposição mostra algumas das riquezas excepcionais da arte do Centro e Leste da Europa, cosmopolita e totalmente integrada nas grandes escolas artísticas europeias, e que depois foi decapitada na sua verdadeira dimensão pelo isolamento que o comunismo trouxe à Húngria. Dos quadros expostos, alguns de colecções particulares (como é o caso do "Portão Vermelho" de Ziffer), escolhi dez para colocar no Abrupto.
 


NUNCA É TARDE PARA APRENDER: CAPOTE E CAMUS

Picture of Paris After the Liberation, 1944-1949


Antony Beevor, Paris After the Liberation, 1944-1949

Parece que Truman Capote se gabava de ter seduzido Camus por uma noite, em Paris no pós-guerra. Tudo indica que seja falso, até pela fama de Camus noutras andanças, mas como não sabia de todo desta história, nunca é tarde para aprender.
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(8 de Maio de 2006)


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Para a bibliofilia: a descoberta das edições da Central European University.



Miklós Kun, Stalin. An Unknown Portrait

Jaromir Navratil, Antonin Bencik, Vaclav Kural, Marie Michalkova, e Jitka Vondrova, The Prague Spring, 1968 (Com um prefácio de Vaclav Havel)

Ambrus Miskolczy, Hitler's Library

(Muito interessante: o que Hitler leu e sublinhou, os livros por que passou os olhos, os que tinha e não se sabe se leu. Por exemplo: Hitler, leitor de Ernst Jünger.)

*

Aconteceu alguma coisa enquanto eu estava de judeu errante?
O mundo continuou a funcionar, e em Portugal o desencanto começa a criar raízes. Em breve espreitará o caule, e depois assistiremos talvez a algo feio.

Os professores lá foram "castigados" mais uma vez com regras idiotas. Têm sido a classe "bode expiatório" deste governo. E se há justiça em exigir maior profissionalismo, competência e dedicação, é profundamente injusto ver que a Reforma do Estado passa só por eles e que lhes é exigido algo para o qual não lhes são dados meios. Assistimos boquiabertos à intriga de faca e espada das buscas da PJ e de Rui Rio em que o que é verdade num momento é mentira no outro, o que para além de nos deixar atordoados nos impõe a sensação de que alguém deliberadamente mente e está de má-fé (ai os juízes) e assistimos em directo à decadência institucional de Freitas do Amaral que continua a pensar que o mundo começa e acaba em si próprio. Mas o Porto foi campeão, o Sporting conseguiu ficar em segundo lugar deixando o Benfica para trás, coisa que dá sempre, falta de melhor, para aquecer um pouco a alma. As lojas já estão cheias de fatos de banho, as maquilhagens de verão já saem à rua, os anti-celulíticos e as cervejas lutam por um lugar nos outdoors, e as barrigas de fora (que este ano, finalmente, estão totalmente out, em termos de moda) não se farão esperar. Ah... e parece que vai haver uma lotaria rock-in-Rio Lisboa. Por isso nada está realmente perdido...

(J.)
 


O QUE É A HISTÓRIA?







Paredes de casas marcadas por balas e tiros de canhão.
 


EARLY MORNING BLOGS 770

Au Démon secret

Le peuple, sans perplexité, vénère. Il encense, invoque ou répudie. Il donne trois, ou six ou neuf prosternements. Il mesure son respect à la compétence, aux attributs, aux grâces qu'il escompte juste.

Car il sait précisément les goûts du génie de l'âtre ; les dix-huit noms du singe qui donne la pluie ; la cuisson de l'or comestible et du bonheur.

o

De quelles cérémonies l'honorer ce démon que je loge en moi, qui m'entoure et me pénètre ? De quelles cérémonies bienfaisantes ou maléfiques ?

Vais-je agiter mes manches en respect ou brûler des odeurs infectes pour qu'il fuie ?

De quels mots d'injures ou glorieux le traiter dans ma vénération quotidienne : est-il le Conseiller, le Devin, le Persécuteur, le Mauvais ?

Ou bien Père et grand Ami fidèle ?

o

J'ai tenté tout cela et il demeure, le même en sa diversité,

Puisqu’il le faut, ô Sans-figure, ne t'en va point de moi que tu habites :

Puisque je n'ai pu te chasser ni te haïr, reçois mes honneurs secrets.

(Victor Segalen)

*


Bom dia!
 


RETRATOS DO TRABALHO NA PALHAÇA (OLIVEIRA DO BAIRRO), PORTUGAL


Preparando o forno para cozer o pão.

(Paulo Pereira de Carvalho)

7.5.06
 


PODE-SE METER O COMUNISMO NOS MUSEUS?

Uma reflexão sobre os museus e memoriais do comunismo ( Terror Haza, Parque das estátuas, em Budapeste: a casa em Checkpoint Charlie em Berlim, etc.). E por que razão não há museus do fascismo e do nazismo?

(Em breve.)

6.5.06
 


REGRAS PRÓPRIAS

Ler a blogosfera como leitor e não como autor de blogues.

Escrever num blogue sem ser para ser lido apenas pelos autores dos blogues.

Toda a atenção para fora, sempre para fora, para a furiosa veemência do mundo.

Toda a atenção para fora, sempre para fora, para os silêncios que (nos) falam.

Toda a atenção para fora, sempre para fora.

Não ser distraído.

Estar atento.

Continuar.
 




Sed fugit interea, fugit irreparabile tempus,
singula dum capti circumvectamur amore.


Virgilio, Geórgicas

5.5.06
 


LIVRARIAS DE BUDAPESTE

Parece haver uma correlação (pelo menos na Europa) entre o isolamento da língua e a qualidade das livrarias com livros estrangeiros. Budapeste tem excelentes livrarias, alfarrabistas, antiquários, e naturalmente muitos livros em inglês, alemão, e francês. Numa livraria especializada em Filosofia (a Atlantisz) vi pela primeira vez um dicionário de tibetano, e outro de caldeu, uma colecção de Judaica muito actualizada, e noutra (a Best Sellers) uma estante de ciência política comparável às melhores livrarias americanas.

Em breve imagens e os pequenos detalhes das livrarias de Budapeste, onde está o Diabo.
 


NAS TERRAS DO CAFÉ

e do Café Correcto.

Abençoados turcos que deixaram uns sacos para trás depois de cercarem Viena.
 


TERROR HAZA
A casa da rua Andrássy 60, foi a sede da polícia política húngara, depois de ter sido a sede de uma organização nazi. Hoje é um museu, meio repositório da memória histórica, meio exposição de horrores, verdadeiros neste caso. Visitei-o com mixed feelings, porque me desagrada a espectacularização do terror, que leva à trivialização da história, embora reconheça que a geração que o viveu tem direito a este memorial. A exposição é melhor do que se podia esperar, sóbria, muito copiada dos museus do holocausto, mas impressiva na reconstituição das celas e nas salas de interrogatórios. O carro e o gabinete do chefe da polícia são também objectos que falam, que pela sua mera existência nos dizem muito sobre o que aconteceu. A repressão aos revolucionários de 1956 é lembrada por um depoimento detalhado sobre as execuções, feito pelo responsável pela limpeza do local onde se colocavam as forcas. Um filme de propaganda comunista sobre o julgamento de Imre Nagy devia ser mostrado a todos os que tem ilusões sobre o que foi o "socialismo real".
 


SCRITTI VENETI

(Em breve.)
 


PARAFERNALIA HUNGARICA 2

As cidades húngaras são as cidades das placas, não há rua, casa, muro, que não tenha uma. Os nomes dirão alguma coisa aos húngaros, mas, vistas de fora (de fora do "nemzeti", do que é nacional, do que pertence à comunidade dos húngaros) revelam a vontade de consolidar uma memória, uma história, um sentimento de nação. Para além da ferida da ocupação turca, da anexação aos "alemães" no Império, das injustiças do Tratado de Trianon, da traição ocidental à Revolução Húngara de 1956.

4.5.06
 


BIBLIOFILIA: CENTROS E LESTES




Claudio Magris, Danube

Istvan Rev, Retroactive Justice: Prehistory Of Post-Communism (Cultural Memory in the Present)
Sandor Marai, Memoir of Hungary 1944-1946
 


PARAFERNALIA HUNGARICA

No Budapest Times lê-se o lamento dos húngaros com a classificação que o Departamento de Estado deu à dificuldade da sua língua: grau 2, como o russo ou o grego. Mais fácil do que o grau 3, que inclui o árabe, o cantonês e o japonês. Os húngaros gostam de ter uma língua difícil e não ficaram contentes com a mediania.
 


DEZ QUADROS FAUVE

na Galeria Nacional Húngara.

(Em breve.)

 


DE MANHÃ CEDO

Do lado do Ocidente, sinos, do lado do Oriente, pássaros. O Turco ganha, falando assim, com mil vozes matinais.

3.5.06
 


NUNCA É TARDE PARA APRENDER: MAGYAR NYELV

István Bart, Hungary and the Hungarians. The Keywords. A Concise Dictionary of Facts and Beliefs, Customs, Usage and Myths, Budapeste, Corvina, 1999

Este é o livro, sem ser de história ou de literatura, em que aprendi mais sobre a Hungria. Lê-se, como os dicionários, para a frente e para trás, sempre com proveito.

Por exemplo, na entrada “magyar nyelv”, a “língua húngara” percebe-se que mais do que nós, os húngaros podem dizer “a minha pátria é a língua húngara ”. Com 15-17 milhões de falantes, uma pequena língua muito difícil de aprender, o húngaro é, mais do que o território, a “pátria”. Daí a importância simbólica dos escritores no nacionalismo húngaro, e a sua presença obsessiva por todo o lado, nos nomes das ruas, das escolas, nas placas comemorativas que enchem todas as cidades e aldeias húngaras.

2.5.06
 


GUERRA DE CIVILIZAÇÕES: A IGREJA CRISTÃ DE PÉCS

 


NÃO É TODOS OS DIAS

Por baixo do sítio onde durmo, está uma sala onde tocou Bela Bartok. O mundo já não é o que era.
 


LONGE

ficamos todos multiculturalistas. De manhã, modas e bordados na PESC TV, limpeza do zoo, idem, concurso de puzzles, idem. Na TV5 Monde, o orçamento canadiano, explicado naquele francês cantado e único. O espectador, português, tão estranho como tudo o resto.

1.5.06
 


MUDANÇAS VISTAS DE BUDAPESTE E PÉCS

Quem conheceu a Europa do Centro e do Leste nos anos terminais do sistema soviético, apercebe-se de imediato do enorme salto em frente que vários países deram com o fim das ditaduras do partido comunista. Os processos de transição não são idênticos mas há casos onde se foi mais longe e o rastro físico do comunismo começa a desvanecer-se. Se tudo correr bem, a próxima geração já verá o comunismo como arqueologia. Tudo indica que será o caso da Hungria.

Talvez isso se deva ao facto de os húngaros terem pago muito caro, mais caro que os outros países subjugados pela URSS. A revolta húngara de 1956 foi a mais importante de todas as tentativas de libertação, paga com muito mais sangue derramado que as revoltas alemãs, polacas e checas.

Mas a revolta húngara ficou isolada num tempo em que a crise do comunismo ainda não era evidente para muita da ”esquerda”, mesmo a não-comunista e continuavam as ilusões sobre o “socialismo real”. Basta comparar o impacto da invasão húngara, e dos eventos sangrentos a que deu origem, e o da invasão da Checoslováquia, menos violenta nas suas consequências, mas com um muito maior impacto político, para se perceber a diferença. A reacção popular, das ruas, nas principais capitais das democracias europeias não foi muito distinta, foi mesmo equivalente á dimensão dos acontecimentos. A diferença esteve nos intelectuais e na “esquerda” que se sentiu mais livre de se indignar com a Checoslováquia do que com a Hungria. Não foi por razões muito gloriosas, mas porque lhe era mais aceitável um comunista que se considerava reformista como Dubcek, e uma “Primavera” que se apresentava como de “esquerda”, do que uma revolução claramente anticomunista e nacionalista, que envolvia a Igreja católica.
 


BUDAPESTE

Em Budapeste, a estação do Rossio e o Hotel do Buçaco ficariam bem. Na Europa, esta é a capital do pastiche.
 


ESTRANHEZAS

Poucas línguas têm a estranheza do húngaro. Na ópera de Budapeste, as Bodas de Fígaro. Em cima, num painel electrónico, passam as traduções em húngaro. Não consigo deixar de olhar para as mais bizarras palavras. Se fosse mandarim, sentiria menos a estranheza.

(Num país sem acentos, embora haja alguns que não são habituais nas terras anglo-sax?nicas, como este que aparece como um ponto de interrogação.)

© José Pacheco Pereira
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