ABRUPTO

29.4.06
 


JUDEU ERRANTE


Mais uma corrida, mais uma viagem.
 


RETRATOS DO TRABALHO EM RUIVÃES - VIEIRA DO MINHO , PORTUGAL



Esta fotografia foi tirada hoje durante a tarde junto à Ponte da Misarela no lugar de Frades, freguesia de Ruivães, concelho de Vieira do Minho.

Estes dois homens estavam a cortar o mato para o transportar para as cortes do gado. Quando lhes perguntava se podia tirar esta fotografia, dizia-me um deles que os Portugueses só se sabem queixar, mas que verdadeiramente não querem é trabalhar; eles ao contrário, estavam ali a trabalhar debaixo daquele sol (quase) abrasador.

(Paulo Miranda)
 


RETRATOS DO TRABALHO NO PORTO, PORTUGAL



Trabalhos na barra do Douro.

(Gil Coelho)
 


NUNCA É TARDE PARA APRENDER: GENEALOGIA DAS PALAVRAS

Salazar aos legionários em 1956 sobre a "guerra das civilizações":
“Há vinte anos foi nítido para nós - mas não o foi para muitos - em face do caso espanhol, que o que essencialmente se desenrolava no Mundo eram conflitos de civilização; ou mais precisamente que a civilização ocidental estava sendo desmantelada ate aos alicerces e batida nos seus princípios fundamentais e nas suas criações por outros conceitos filosóficos, outras maneiras de encarar o homem e a vida, novas medidas de valor para as realizações do espírito.”
 


MINHO, MINHO, MINHO À NOITE

Pelas estradas do interior, dez quilómetros são cinquenta. Terra, sobre terra, sobre terra. Nomes antigos, nomes bárbaros, consoantes fortes. Bês e guês, erres. De dia, parece estar tudo em cima de tudo, vinhas e terrenos, casas e igrejas. De noite, até parece que há bosques, lugares de escuridão antiga, com casas isoladas, janelas vagamente amarelas ao longe. As igrejas, no cimo das colinas, iluminadas. No iPod, Joan Didion fala de mortes na família, funerais, do seu livro The Year of Magical Thinking. Numa curva, em Roriz, pergunto-me se alguma vez a voz de Didion se ouviu no Minho. Passou-me Camilo à frente, pelos olhos. Não é verdadeiramente nada de importante. Adiante.
 


EARLY MORNING BLOGS 769



(do Romanceiro)

*

Bom dia!

28.4.06
 


RETRATOS DO TRABALHO NA MAURITÂNIA



Esta fotografia foi tirada no decorrer da semana passada algures entre a pista de praia que liga as localidades de Nouakchott a Nouadibou. Esta ligação/pista é utilizada não só por pescadores mas também por todos os que se deslocam a este local com o objectivo de apreciarem o encanto da conjugação do deserto com o mar. (...) Ao longo da praia são inúmeras as comunidades de pescadores.


(Frederico Moreira Rodrigues)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(28 de Abril de 2006)


__________________________

Uma muito interessante vantagem nas "antecipações" jornalísticas (sobre as quais tenho as maiores das reservas) é o de obter uma divulgação quase que inteiramente controlada pela fonte da "antecipação". Consegue-se assim "passar" uma mensagem limpa de ruído, do ruído que inevitavelmente existe quando a "antecipação" se torna um facto (e do meu ponto de vista se torna notícia). Um discurso parlamentar pode ser assim divulgado sem o aborrecimento do contraditório, e com os sublinhados que pretende o seu autor, que "passa" preferencialmente a mensagem que lhe convém e não a integralidade do que vai fazer.

Consegue-se ainda mais: a de fazer o jornalista incorporar no texto da notícia a argumentação da fonte como sendo do jornalista, logo oferecendo uma mensagem que parece mais legitimada e incontroversa a quem a recebe. Um caso típico ocorreu nos últimos dias, com a notícia em primeira-mão dada à SIC sobre as alterações nos cálculos da reforma. A SIC e a SICN passaram em vários noticiários não só a informação do essencial do que o Primeiro-ministro ia dizer no dia seguinte (o que é relevante em termos jornalísticos) como a argumentação governamental sobre a inevitabilidade de tal medida tendo como sujeito o jornalista que a escreveu ou o pivot que a leu. Ora, independentemente do juízo que se possa fazer sobre a virtude das medidas governamentais, elas são escolhas politicas definidas, escolhas entre escolhas, e não cabe ao jornalista valida-las como soluções inevitáveis dos problemas da segurança social.


Aliás um dos trabalhos jornalísticos que se exigia fazer, o de calcular o impacto real das medidas nas reformas reais, só foi feito muito tardia e insuficientemente, aceitando-se que o Ministro e o Primeiro-ministro fossem muito omissos (e o Ministro que costuma ser muito seguro no que diz, hesitando no limite de tartamudear) num aspecto decisivo para a vida de todos. Inconscientemente este mecanismo favorece a interiorização dos argumentos governamentais e permite propaganda em vez de informação.

Voltarei a este assunto também tratado aqui e aqui .

*

O New York Times não faz parte daqueles que acham que os blogues não são importantes. É assim que, num e-mail aos assinantes, introduzem uma categoria nova, a de "most blogged":
"Most Popular: See what your fellow Times readers are buzzing about. Refer to the constantly updated lists: Most E-Mailed, Most Blogged, Most Searched and Most Popular Movies."
 


EARLY MORNING PICTURES



Movimento matinal de hoje no Tejo: veleiros, navios de guerra e paquetes.

Hoje o Colombo vai estar cheio de marujos. Mas os marujos já não são o que eram, as sopeiras já desapareceram, e temos todos telemóveis.

(J.)
 


EARLY MORNING BLOGS 768

Insomnia


Now you hear what the house has to say.
Pipes clanking, water running in the dark,
the mortgaged walls shifting in discomfort,
and voices mounting in an endless drone
of small complaints like the sounds of a family
that year by year you've learned how to ignore.

But now you must listen to the things you own,
all that you've worked for these past years,
the murmur of property, of things in disrepair,
the moving parts about to come undone,
and twisting in the sheets remember all
the faces you could not bring yourself to love.

How many voices have escaped you until now,
the venting furnace, the floorboards underfoot,
the steady accusations of the clock
numbering the minutes no one will mark.
The terrible clarity this moment brings,
the useless insight, the unbroken dark.


( Dana Gioia)

*

Bom dia!

27.4.06
 


JORNALISMO DE "ANTECIPAÇÃO" COM CINQUENTA ANOS



No Século em Novembro de 1956.
 


QUEM PAGA A CRISE?



No fim de um ano de aumento de impostos, de excepcional recolha fiscal e do arranque de várias medidas de contenção, o Governo conseguiu ter um défice superior ao previsto no último orçamento de Santana Lopes / Bagão Félix, descontadas as receitas extraordinárias. Nunca saberemos se o previsto se iria realizar, como nunca saberemos se os 6,8% calculados pelo Banco de Portugal não seriam contrariados por medidas do Governo. O que sabemos é que os resultados são maus. Os relatórios da última semana da OCDE e do BM apenas acentuaram a impressão de que nada vai bem, e as medidas do Governo só tocam na superfície dos problemas, na “epiderme” como diz Medina Carreira. Tudo isto num contexto excepcional quanto às condições políticas, com um governo de maioria absoluta e com uma oposição muito fragilizada, e com considerável apoio da opinião pública.

Torna-se evidente que os dilemas que já existiam em 2005 estão hoje mais acentuados e a margem de manobra, com a passagem do tempo, é já bastante menor. Vamos pois a caminho de tempos muito difíceis, agravados pela conjuntura internacional, mas não explicáveis nem exclusiva, nem principalmente por ela. Agora que realmente tudo vai começar a apertar, e já sem a sombra nem a desculpa legitimadora do governo Santana Lopes, as opções erradas de Sócrates, do Governo e do PS começam a perceber-se com maior clareza. Deixo de lado, que havia uma maneira alternativa de actuar, uma política genuinamente liberal, que no entanto não corresponde às opções políticas e ideológicas do Governo socialista.

Como nas histórias infantis, tudo começou no princípio, “naquele tempo”. No balanço da actuação de Sócrates esquece-se várias coisas: uma é que o discurso com que o PS ganhou as eleições não era um discurso de crise, bem pelo contrário, era o da sua negação. Não se chegava ao ponto de anunciar a “retoma”, mas o discurso socialista era o de que havia “vida para lá do défice”. É uma história da carochinha da propaganda acreditar que Sócrates só se apercebeu da situação real depois do relatório Constâncio, porque tal era impossível.

É verdade que Sócrates corrigiu o discurso logo que ganhou as eleições e fez bem, mas uma coisa é corrigir um erro outra é compreender totalmente a necessidade de uma viragem de fundo. Depois de um ano a ser saudado com justiça pela sua coragem nas medidas difíceis, pouca gente se apercebeu que os problemas de fundo do nosso desequilíbrio financeiro se mantêm, em particular com o estado a gastar sempre mais e a “comer” não só o que tinha, mas também o que estava a entrar de novo. Apresentar como resultado um défice maior do que o governo anterior não tem volta que se lhe dê – é andar para trás.

Porque é que é hoje mais difícil passar de 6% para 4,8% do que seria um ano antes?

Primeiro, porque é (foi) um erro gravíssimo, ter cedido ao populismo no pior momento para o fazer. O Governo podia muito bem ter pedido todos os sacrifícios e ter anunciado todas as medidas difíceis com um único argumento: eram necessárias para o país, eram uma questão de “salvação nacional”. Ponto final. Mas o Governo cedeu à tentação de dizer que o que estava a fazer era uma luta contra os “privilégios “ de muitas classes profissionais e com isso deslegitimou-os na sua respeitabilidade social.

Hoje sabemos o efeito dessa táctica comunicacional: deixou cada grupo profissional de per si, socialmente isolado, face a uma opinião pública hostil, mas azedou irremediavelmente o ambiente dentro de cada corporação e grupo entrincheirados contra o Governo. Fez as corporações e os grupos profissionais fracos por fora e fortes por dentro. Uma segunda vaga ainda mais dura de medidas de austeridade e contenção vai dar origem a conflitos sociais mais tenazes. Os comportamentos desesperados vão ser mais comuns, a resistência maior.

Isto significa que muito do tempo psicológico para uma política de efectiva dificuldade, já se perdeu, no exacto momento em que é preciso ir muito mais longe e começar a perceber quem ganha e quem perde com a crise que atravessamos e o modo como o governo a defronta.

Segundo, porque o Governo apenas esboçou as políticas necessárias, excluindo muitas medidas que lhe foram sugeridas e que melhor traduziam a gravidade da situação. Claro que o problema é também político-ideológico, em particular na intocabilidade do “estado social” universal, em que nunca ousou mexer, apesar de ser um caminho que garantia melhor justiça social. Sócrates diminuiu regalias sociais, mas manteve esquemas de universalidade, em particular na segurança social e no sistema de saúde, o que torna muitas medidas mais duras para os mais pobres e irrelevantes para os mais ricos.

Na verdade, as medidas de Sócrates acabam por atingir essencialmente os sectores mais desfavorecidos da sociedade, mais dependentes da inflação, do aumento das taxas de juro, dos despedimentos, da erosão das reformas e menos a classe média. Dos ricos nem falo, porque esses podem sempre bem com as crises. O que o discurso de Cavaco Silva no 25 de Abril traz de novo para a análise desta questão é chamar a atenção para que, se nada mais se fizer, a crise será “paga” pelos mais pobres e agravará a exclusão. A ênfase que “surpreendeu” muita gente, só é surpresa porque se tem ignorado que essas dificuldades não são igualmente distribuídas e que o “pagamento da crise”, deixando-se estar as coisas como estão, irá para baixo e não para o meio. Insisto que, em cima, nada verdadeiramente conta no plano “social”.

A classe média, até agora só tem sido tocada ao de leve. Os padrões de consumo não revelam significativas restrições nos hábitos típicos desse sector social (férias, viagens nas “pontes”, por exemplo) e, no essencial, o efeito da crise tem sido superficial, em detrimento das muito maiores dificuldades escondidas e que raras vezes chegam à comunicação social, no baixo funcionalismo, no mundo do trabalho industrial, nos jovens com trabalho precário, na pequena burguesia urbana dos serviços, muito endividada. O agravamento da crise aprofundará este fosso de degradação de qualidade de vida.

O problema da justiça social nesta crise não está apenas, bem longe disso, na assistência aos casos extremos de miséria e exclusão, aos marginais e aos velhos desprotegidos, que já era exigida pela nossa pobreza há muito tempo. A questão está em se compreender que esta forma de atacar a crise atirará com os seus custos para os grupos sociais que menos defesa têm e, como o que aconteceu até agora é apenas um ligeiro assomar de dificuldades que aí vêm, convém prevenir não contra a austeridade, nem o contra o combate ao descalabro financeiro, mas contra um injusto “pagamento da crise”. E não é o PCP quem o diz.

(No Público de hoje.)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(27 de Abril de 2006)


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Nos idos de Novembro de 1956, em plena crise do Suez e da invasão soviética da Hungria, o senhor Ministro do Interior velava por nós e pela censura.



*

Sobre as querelas da Academia a propósito dos dicionários, leia-se esta nota do Da Literatura.

*

O Canhoto merece ser lido de forma ambidextra.

*

Bem-vindo seja o novo blogue russo do Público, de autoria do nosso bom mujique José Milhazes. Há uma razão especial para estar atento à Rússia: tudo o que lá acontece, mesmo quando parece velho e semelhante, é novo. A "transição para o capitalismo" é um fenómeno sem precedente histórico, como foi em 1917 a Revolução Russa.
 


RETRATOS DO TRABALHO EM PORTUGAL


( o trabalho industrial está mal representado)
( a fábrica fechou)

(António Carvalho)
 


EARLY MORNING BLOGS 767

Chanson Innocente, I

in Just-
spring when the world is mud-
luscious the little
lame balloonman

whistles far and wee

and eddieandbill come
running from marbles and
piracies and it's
spring

when the world is puddle-wonderful

the queer
old balloonman whistles
far and wee
and bettyandisbel come dancing

from hop-scotch and jump-rope and

it's
spring
and
the

goat-footed

balloonMan whistles
far
and
wee


(e.e.cummings)

*

Bom dia!

26.4.06
 


RETRATOS DO TRABALHO



140 retratos do trabalho já foram publicados no Abrupto, com a colaboração de cerca de cem leitores em Portugal e fora. Muitos outros retratos foram recebidos e serão publicados a seu tempo. Em breve, se fará uma análise dessas fotografias, do olhar sobre o trabalho que revelam, das profissões que faltam ( o trabalho industrial está mal representado) e das que são mais populares, ou mais visíveis.

*
Em relação à questão da pouca representatividade do "trabalho industrial" na sua série "Retratos do Trabalho em Portugal", eu aventaria uma razão bastante prosaica. A maior parte das fotografias que lhe chegaram são de fotógrafos amadores, que as captam em momentos de lazer (essencialmente fins de semana e férias), pelo que é compreensível que nesses momentos se captem fotografias de "exterior".

(António Maltezinho)
 


RETRATOS DO TRABALHO NO CAIRO, EGIPTO



Nestes últimos meses em que tenho estado a viver/trabalhar no Egipto, tenho notado bastantes diferenças na abordagem ao trabalho e à vida em geral, nem todas tão evidentes como esta.

(Nuno Alexandre Lopes Marques)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
DESTAQUE DE NOTÍCIAS


(...) hoje no Publico vêm duas noticias muito interessantes:

1) a Faculdade de Psicologia do Porto corre o risco de ficar fora do processo de Bolonha porque uma funcionária não pagou um excesso de peso no dia 27 de Março. O prazo limite era 31, e os documentos só seguiram no dia 3. O que é que se terá passado nessa semana (de 27/3 a 3/4) é um mistério; como é que é possível que o erro não tenha sido corrigido a tempo é outro mistério. Como se costuma dizer, a realidade ultrapassa a ficção. Aguardemos pelas cenas dos próximos capitulos.

2) vai haver uma exposição sobre a Custódia de Belém de Gil Vicente. Saúda-se a iniciativa. O que é incrível é que quando se vai ao Museu de Arte Antiga, a Custódia passa despercebida. Não há (pelo menos não houve durante anos e não havia até ao ano passado) um texto que evidencie a singularidade da obra, ou que explique quem é o autor. Apenas são prestadas as informações minimas usuais: data, nome e autor. Sem querer ser destrutivo de modo saloio, parece-me muito pouco. E parece-me revelador de duas coisas:

- um modo elitista de ver a cultura (supõe-se que as pessoas já conhecem a obra) que resulta em Museus que são montras (e onde não se aprende nada / o conteúdo didáctico é pouco).

- um modo muito "sub-desenvolvido" de nos valorizarmos e de preservarmos a nossa memória colectiva. Estamos sempre a pensar que somos piores que os Europeus, mas Shakespeare, Rabelais, Montaigne ou Cervantes não eram ourives. Outro povo evidenciaria provavelmente mais essa fantástica versatilidade de Gil Vicente. Tornar-nos realmente desenvolvidos vai passar por aí: cuidar da nossa história, dos nossos feitos. Essa versatilidade aliás ainda existe. Um dos artigos base de uma das ultimas edições da Publica (se não me engano) era dedicado a essas pessoas.

(Eduardo Tomé)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
UM DIÁLOGO MATERNO-INFANTIL E AS NOVAS TECNOLOGIAS



"Mãe, jà foi a algum leilão?

Já, de livros.

Na internet?

Não. Numa leiloeira.

Acha que podiamos tentar vender o João no ebay?

Acho. O que é que achas João?

Acho que faziam para ai uns dois milhões..."


(Mãe do João.)

25.4.06
 


RETRATOS DO TRABALHO NO DOURO, PORTUGAL


Podando oliveiras no Douro.

(Abilio Tavares da Silva)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: TERRORISMO EM DAHAB


Esta vila é umas das pérolas do Mar Vermelho, ainda pouco explorada turisticamente. Em Assalah, a zona sul da vila já cresceram alguns 'resorts', no resto da vila uns quantos pequenos hotéis e um passeio marítimo com restaurantes, lojas e esplanadas junto à água, onde se pode fumar shisha, comer um peixe grelhado fresquíssimo, não deve haver melhor no Egipto. As praias são calmas e o fundo do mar uma maravilha da natureza, onde os turistas se deleitam a fazer mergulho. Em suma um local muito agradável, onde é possivel descontrair. E era isso mesmo isso que os turistas, em boa parte italianos, alemães e russos e muitas famílias egipcias estavam a fazer, aproveitando os feriados desta semana.

Ontem ao final da tarde com a explosão de três bombas, despoletadas à distância ou por suicidas, ainda não se sabe, se foram os mesmos terroristas beduinos que nos últimos dois anos foram responsáveis por ataques semelhantes com ligações a redes terroristas internacionais ou alguma dessas redes internacionais também não se sabe. O que se sabe e se vê é o sangue derramado, o sofrimento, os destroços e os estilhaços. O terrorismo é isto mesmo, é transformar a alegria, a vida, o sossego, os negócios em angústia, em morte, em medo e destroços.

(Nuno Alexandre Lopes Marques aka Temba, Cairo)
 


ONDE ESTÁ A DIFERENÇA



Se não tivessemos a obsessão entre a "esquerda" e a "direita", percebíamos o fosso potencial que existe entre o discurso do Presidente e o do Governo : a separação de águas entre o discurso desenvolvimentista e tecnológico, muitas vezes deslumbrado, do Primeiro-ministro, e a observação do Portugal real, pobre, estragado, desigual, excluído que só poderá agravar-se em período de crise social e económica. Não são as reformas que os separa, mas o Portugal diferente para que olham na análise dos seus efeitos.
 


PALAVRAS QUE SÃO MULETAS DO NOSSO JORNALISMO: ESQUERDA / DIREITA



Ao "analisar" o discurso do Presidente da República repetem n vezes a muleta da "esquerda" e da "direita" e nem sequer se apercebem de que o fazem para enunciar uma perplexidade, - o Presidente da "direita" fez um discurso de "esquerda" -, que talvez justificasse outro tipo de análise. Só que esta é simples e permite simplificar. O problema é que os factos são mais teimosos do que as palavras.

*
A propósito do discurso do Presidente da República, e a sua observação, ou seja, sobre o estado da Nação, não resisto a transcrever o que José Daniel Rodrigues da Costa versejou, sobre o mesmo assunto em 1819, e sucessivas edições (1820, 1822 e 1829), há 177 anos portanto, com o título infra, e onde transparece algum retrato de um Portugal que se vai parecendo a si mesmo, como se o tempo tivesse parado no tempo.

PORTUGAL ENFERMO / PELOS VICIOS, E ABUSOS DE AMBOS OS SEXOS

Portugal, Portugal ! Eu te lastimo !
E bem que velho sou ainda me animo
A mostrar-te os defeitos, e os excessos
Dos costumes, que tens já tão avessos
Dos costumes, que tinhas algum dia,
Quando mais reflexão na gente havia.
Tu de estranhas Nações foste envejado;
Hoje faz compaixão teu pobre estado:
Cada vez te vão mais enfraquecendo,
Todo o brilho, que tinhas, vas perdendo:
Paraiso do mundo te chamavão;
As mais Nações com tigo se animavão;
Ellas porém ficarão sãs, e fortes;
E tu todo o instante exposto aos córtes
Da usura, da ambição, da falcidade,
Do egoismo, da fuga, da impiedade:
Males, que aos que bem pensão cauzão tédio,
A que apenas descubro hum só remedio,
Que outro melhor não ha, a que se apelle,
E muita gente chora a falta d’Elle*…
……………………………………………

*…A desejada vinda dos nossos Soberanos.

Guardando as distâncias no entendimento do tempo que as separa, e se se quiser aplicar à actualidade o rodapé de então, basta substituí-lo, com a devida vénia, por A desejada vinda do Professor Cavaco Silva.

Pela sua extensão, limito-me a transcrever o princípio. Para quem quiser compulsar todo o livreto pode fazê-lo na Biblioteca Nacional, na cota L 65160 P, correspondente à edição de 1822 que consultei, mas as outras edições também estão disponíveis. Vale a pena lê-lo para se verificar que 177 anos, não são mais do que 177 dias.

(João Boaventura)

*

Mais do que a pobreza de análise da "esquerda/direita", "com cravo/sem cravo", perfeitamente indigente (é mesmo a expressão, peço desculpa) há coisas mais importantes a marcar a sessão comemorativa do 25 de Abril, a saber:

A tónica colocada por ACS na inclusão social que é, verdadeiramente, a pedra de toque que distingue o desenvolvimento do sub-desenvolvimento, a civilização da barbárie.

O facto de o seu discurso ter focado um só tema (um e só um), aquilo que se poderia designar em linguagem de gestão o key issue, evitando a dispersão distractiva e o discurso programático.

O discurso radical, aqui sim "à direita", do CDS/PP, afastando-se do conteúdo da notável entrevista de Mª José Nogueira Pinto à 2: e aproximando-se muito claramente da linha editorial (podemos chamar-lhe assim?) do extinto "Acidental" e da revista "Atlântico", e de textos de alguns dos seus mais conhecidos polemistas (v.g. Luciano Amaral e Mª Helena Matos).

A menção de Marques Mendes, no início do seu discurso, a "Sua Eminência Reverendíssima o Cardeal Patriarca" (sic). Penso terá sido o único (não ouvi o início do discurso do CDS/PP e de certeza o "Bloco" - que não ouvi - não o fez). Sinceramente, lamentável.

(João Cília)

24.4.06
 


EARLY MORNING BLOGS 766



Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya


Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados, torturados, espancados,
e entregues hipocritamente â secular justiça,
para que os liquidasse «com suma piedade e sem efusão de sangue.»
Por serem fiéis a um deus, a um pensamento,
a uma pátria, uma esperança, ou muito apenas
à fome irrespondível que lhes roía as entranhas,
foram estripados, esfolados, queimados, gaseados,
e os seus corpos amontoados tão anonimamente quanto haviam vivido,
ou suas cinzas dispersas para que delas não restasse memória.
Às vezes, por serem de uma raça, outras
por serem de uma classe, expiaram todos
os erros que não tinham cometido ou não tinham consciência
de haver cometido. Mas também aconteceu
e acontece que não foram mortos.
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
Estes fuzilamentos, este heroísmo, este horror,
foi uma coisa, entre mil, acontecida em Espanha
há mais de um século e que por violenta e injusta
ofendeu o coração de um pintor chamado Goya,
que tinha um coração muito grande, cheio de fúria
e de amor. Mas isto nada é, meus filhos.
Apenas um episódio, um episódio breve,
nesta cadela de que sois um elo (ou não sereis)
de ferro e de suor e sangue e algum sémen
a caminho do mundo que vos sonho.
Acreditai que nenhum mundo, que nada nem ninguém
vale mais que uma vida ou a alegria de té-1a.
É isto o que mais importa - essa alegria.
Acreditai que a dignidade em que hão-de falar-vos tanto
não é senão essa alegria que vem
de estar-se vivo e sabendo que nenhuma vez alguém
está menos vivo ou sofre ou morre
para que um só de vós resista um pouco mais
à morte que é de todos e virá.
Que tudo isto sabereis serenamente,
sem culpas a ninguém, sem terror, sem ambição,
e sobretudo sem desapego ou indiferença,
ardentemente espero. Tanto sangue,
tanta dor, tanta angústia, um dia
- mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga -
não hão-de ser em vão. Confesso que
multas vezes, pensando no horror de tantos séculos
de opressão e crueldade, hesito por momentos
e uma amargura me submerge inconsolável.
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam,
quem ressuscita esses milhões, quem restitui
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado?
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam «amanhã».
E, por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.


Lisboa, 25 de Junho de 1959

(Jorge de Sena)
 


RETRATOS DO TRABALHO NO PORTO, PORTUGAL


Calceteiros na Praça da Liberdade, no Porto.

(Álvaro Mendonça)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(24 de Abril de 2006)


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Por mim, os jornais em papel não perdem nas vendas. Leio-os em linha e dias depois em papel. A experiência de ler em papel é muito diferente de ler em linha e, às vezes, perde-se muito ao não se poder "ver". Mas há outro aspecto interessante, que é o perceber como os jornais suportam a prova do tempo, mesmo que seja a de alguns dias. É um exercício muito útil e pedagógico.

Acabei agora de ler a Visão com vários dias de atraso. Duas coisas interessantes: a caricatura do "Puro veneno" com um Bush a rasgar e a comer um tapete persa. A legenda é que é interessante: "Não suporta nada que tenha a ver com o Irão!" diz uma voz off. No entender do caricaturista seria interessante saber o que é que hoje é "suportável" no Irão.

A outra é uma explicação de Freitas do Amaral sobre a sua ida ao Canadá que foi ignorada pela imprensa, certamente porque o assunto já não está na agenda mediática. Independentemente de se concordar ou não com o MNE, uma coisa tem que se elogiar: Freitas do Amaral desce muitas vezes da sua posição ministerial para se explicar, o que é um mérito.

*

Book Cover A. S. Byatt sobre Everyman, o novo Philip Roth:
"Roth's characters inhabit a truly post-religious world, in which we do not have immortal souls, only sick, lively desire, and the dying of the animal. The title of this new, bleak tale is taken from a mediaeval morality play in which Everyman, the human soul, is called by Death to appear before God's judgement seat. He is deserted by his strength, discretion, beauty, knowledge and five wits, leaving only his Good Works to speak for him at the end."
 


EARLY MORNING BLOGS 765

http://www.uscg.mil/lantarea/iip/Photo_Gallery/Icebergs_Images/block%20icebergs.jpg

Icebergs

Icebergs, sans garde-fou, sans ceinture, où de vieux cormorans
abattus et les âmes des matelots morts récemment viennent s'accouder
aux nuits enchanteresses de l`hyperboréal.

Icebergs, Icebergs, cathédrales sans religion de l'hiver éternel,
enrobés dans la calotte glaciaire de la planète Terre.
Combien hauts, combien purs sont tes bords enfantés par le froid.

Icebergs, Icebergs, dos du Nord-Atlantique, augustes Bouddhas gelés
sur des mers incontemplées. Phares scintillants de la Mort sans issue, le
cri éperdu du silence dure des siècles.

Icebergs, Icebergs, Solitaires sans besoin, des pays bouchés, distants,
et libres de vermine. Parents des îles, parents des sources, comme je
vous vois, comme vous m'êtes familiers...

(Henri Michaux)

*

Bom dia!

23.4.06
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: SUSTO E PAVOR



Na habitual linha editorial das nossas TVs de sinal aberto que estão mais ao nível das "trash TVs" de 3º mundo, arrepia até pensar no que virá por aí em Junho 2006 com o inicio do mundial de futebol na Alemanha. O horário nobre será tomado de assalto pela barbárie da futebolândia com reportagens no inicio, no meio e no fim dos telejornais cá do burgo com noticias tão relevantes como a lesão do avançado, o cartão amarelo ou a cor do underware da selecção portuguesa...

É assim a nossa pequenês, a nossa cultura saloia, a nossa procissão mediática profano - religiosa em que pululam expressões com o "sobretudo de Mourinho", "o regresso de Mantorras" ou "as escolhas de Felipão" que fazem as primeiras páginas até de jornais ditos de referência...
Portugal é o paradigma de pequena pátria ansiosa por heróis perenes que nada acrescentam de concreto ao verdadeiro desenvolvimento do país... Portugal é uma pátria exacerbada, uma espécie de "bonfire of vanities" à espera que heróis virtuais façam grandes milagres...e o pior ?
O pior, é que até as designadas elites que nos governam e desgovernam alinham no esquema...

(António Ruivo)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(23 de Abril de 2006)


__________________________

Num pilar de acesso à Ponte 25 de Abril:



"Dr. Salazar"? Se fosse só "Salazar" percebia-se, o "Dr." é que é todo um programa em duas letras. Salazar era Professor, "Prof.", mais do que apenas "Dr.", mas na altura bastavam as duas letras para enunciar a distinção. O autor da inscrição sente essa distinção tanto quanto a quer transmitir com a simplicidade de um nome que diz tudo. É uma pichagem ingénua e por isso eficaz. Mas não há diferença nenhuma entre este "Dr." e o "camarada" das pichagens sobre o "camarada Gonzalo".

*
(...) tanto quanto sei (e pouco mais sei que isso), "Dr. Salazar" é o nome de uma banda que, aliás, chegou a actuar na Festa do Avante, há uns anos atrás. Essa inscrição está em inúmeros outros sítios. Parece-me que estes factos alteram o príncipio (uma inscrição isolada, num local específico) de que parte para o seu raciocínio e interpretação.

(Rui Almeida)

*

A pichagem na ponte, além da possibilidade de se relacionar com a banda, ou as considerações àcerca do "Dr.", não estará mais ligada com o exemplo do postal de que junto cópia?



(Vieira Pinto)
*

"Ouvido" no Overheard in New York
Does Psycho Killer Start with P?

Girl: I'm thinking of an animal that starts with a P.

Guy: Porcupine?

Girl: No. Wait, are those big smears of blood all over that subway map?

Guy: I think they're paint.

Girl: They're totally blood.

Guy: [looks harder] Yeah, you're totally right... Penguin?
Girl: Nope!
--

1 train
: Overheard by: djlindee
 


EARLY MORNING BLOGS 764

La Génisse, la Chèvre, et la Brebis, en société avec le Lion

La Génisse, la Chèvre, et leur soeur la Brebis,
Avec un fier Lion, seigneur du voisinage,
Firent société, dit-on, au temps jadis,
Et mirent en commun le gain et le dommage.
Dans les lacs de la Chèvre un Cerf se trouva pris.
Vers ses associés aussitôt elle envoie.
Eux venus, le Lion par ses ongles compta,
Et dit : "Nous sommes quatre à partager la proie. "
Puis en autant de parts le Cerf il dépeça ;
Prit pour lui la première en qualité de Sire :
"Elle doit être à moi, dit-il ; et la raison,
C'est que je m'appelle Lion :
A cela l'on n'a rien à dire.
La seconde, par droit, me doit échoir encor :
Ce droit, vous le savez, c'est le droit du plus fort
Comme le plus vaillant, je prétends la troisième.
Si quelqu'une de vous touche à la quatrième,
Je l'étranglerai tout d'abord. "

(La Fontaine)

*

Bom dia!

22.4.06
 


VER A NOITE





Agora mesmo, numa terra sem luz pública, imersa numa escuridão quase total.

*

Outra mudança, mais subtil, a da geografia interior da casa. Sem a luz que entra de fora, da lua (que não há), dos candeeiros, que estão apagados, os contornos da casa perdem-se por dentro. As janelas abrem-se para um escuro que fecha a casa em si mesma. É difícil atravessá-la sem abrir todas as luzes, falta um reflexo de uma clarabóia, um traço amarelo que vem da rua, um rastro de néon ou de magnésio, mesmo de longe, do mundo exterior.
 


COISAS DA SÁBADO: OS TELEJORNAIS DOENTES COM TANTA DOENÇA

Hoje não há telejornal sem doenças. Ou são congressos sobre doenças, com reportagens sobre os doentes, ou são campanhas contra esta ou aquela doença, mais reportagens sobre os doentes; ou são casos raros, abstrusos, excepcionais, sobre uma doença que ataca meia dúzia de pessoas, mais reportagens sobre os doentes da rara doença. Não é possível chegar ao fim do longo tempo de noticiário sem a dança intercalada entre o futebol e as doenças. Nos períodos de “operações” da GNR para controlar o trânsito das pontes, miniférias idas e vindas de feriados e férias pequenas, médias e grandes, como se sabe uma actividade constante entre os portugueses, temos o menu intercalado entre futebol, doenças, acidentes e filas de trânsito. Infeliz país o nosso, que só tem doenças. Feliz país o nosso, em que não há notícias.
 


COISAS DA SÁBADO: O FINANCIAMENTO DO HAMAS

O Hamas ganhou as eleições no território da Autoridade Palestiniana. Muito bem. Ganhando as eleições deve constituir governo. Muito bem. Um dos erros trágicos da diplomacia ocidental, que se pagou com uma guerra civil foi apoiar o golpe de estado contra a FIS na Argélia, impedindo-a de chegar ao governo. O Hamas não quer mudar duas das suas posições centrais – o não reconhecimento da existência de Israel e o apelo à violência bombista contra os israelitas. Muito bem, embora aqui seja muito mal. O Hamas coloca-se assim fora do “processo de paz” tal como ele existia, mesmo que fragilmente. Muito bem, está no direito de o fazer. O que não pode, nem ele, nem os seus “compreensivos” amigos na esquerda ocidental, é querer que Israel, os EUA e a União Europeia continuem a financiar o governo palestiniano do Hamas, financiamento que era um contrapartida para a aceitação do “processo de paz”.
 


ARQUIVO: OUTRAS MÚSICAS






Velhos discos de 45 RPM, directa ou indirectamente relacionados com a vida política.
 


RETRATOS DO TRABALHO EM SANTIAGO DE COMPOSTELA, ESPANHA


Abastecimento matinal (08H00 da manhã, 07H00 na república portuguesa).

(José Pedro Oliveira S.)
 


EARLY MORNING BLOGS 763

Today and Two Thousand Years from Now

The job is over. We stand under the trees
waiting to be told what to do,
but the job is over.

The darkness pours between the branches above,
but the moon's not yet
on its walk

through the night sky trailed by stars.
Suddenly a match flares, I see
there are only us two,

you and me, alone together in the great room
of the night world, two laborers
with nothing to do,

so I lean to the little flame and light my Lucky
and thank you, comrade, and again
we are in the dark.

Let me now predict the future. Two thousand years
from now we two will be older,
wiser, having escaped

the fleeting incarnations of workingmen.
We will have risen from the earth
of southern Michigan

through the tangled roots of Chinese elms
or ancient rosebushes to take
the tainted air

into our leaves and send it back, purified,
down the same trail we took
to escape the dark.

Two thousand years passed in a flash to shed
no more light than a wooden match
gave under the trees

when you and I were lost kids, more scared than
now, but warm, useless, with names
and different faces.

(Philip Levine)

*

Bom dia!

21.4.06
 


RETRATOS DO TRABALHO EM SORGAÇOSA, SERRA DO AÇOR - ARGANIL, PORTUGAL


Carregando um tronco de pinheiro para fazer cavacas destinadas à fogueira.

(António Lopes Pedro)
 


INTENDÊNCIA

Actualizadas as notas NUNCA É TARDE PARA APRENDER: "A ILHA HERÓICA" (MALTA STORY) e A FAUNA DAS CAIXAS DOS COMENTÁRIOS.
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(21 de Abril de 2006)


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Nós temos o nacionalismo típico dos pobrezinhos: o astronauta brasileiro foi quase sempre designado no Telejornal das 12 horas da RTP1 como "lusófono", e o ter-se falado português no espaço como o evento principal da viagem. Como se Portugal tivesse algum mérito, algum papel, na ida para o espaço do nosso estimado brasileiro.

*
Ao ler o seu post lembrei-me que no passado já tinha sentido o mesmo, nas últimas eleições americanas com a senhora Teresa Heinz Kerry e a possiblidade da primeira dama americana falar português.

Nacionalismo à parte, fico contente quando os "outros" se lembram de "nós", em geral devido ao futebol, o que é pena, mas deve ser a única coisa em que temos tido visibilidade junto do público em geral.

No ano passado por esta altura, passava na África do Sul um anúncio de televisão da cerveja Castle que terminava em Portugal com imagens da bandeira portuguesa[a ligação da bandeira à cerveja não me agradou muito, confesso] e de um jogo de futebol no novo estádio de Alvalade. Ou ainda à poucos dias, num canal de televisão egípcio, passava um filme local onde uma das personagens a determinada altura envergava a camisola 7 da selecção nacional.

(Nuno Alexandre Lopes Marques aka Temba)

*

A propósito da observação/questão colocada pelo leitor Rui C. Barbosa: eu sentir-me-ia exactamente da mesma forma, como antes de ouvir o erro do tradutor oficial. Provavelmente pensaria que ele, pela profissão, teria obrigação de o não cometer. A única coisa que me poderia incomodar, enquanto português, é que ali estava, como se mais fossem necessários, outro exemplo de como as pessoas deste país negligenciaram, décadas a fio, a própria língua e a sua divulgação. A língua inglesa também não nasceu nos EUA (tal como o português no Brasil), país esmagadoramente dominante a vários níveis, e ninguém se refere à língua americana.

Paulo Azevedo

*

Obviamente que Portugal não tem nenhum mérito na viagem de Marcos Pontes. No entanto gostava de saber como se sentiria se ouvisse o tradutor ocifial da comitiva brasileira presente nas conferências de imprensa ás quais assisti em Baikonur a dizer aos presentes que primeiro falaria em 'brasileiro' e depois traduziria para russo e que os representantes do Brasil falariam em 'brasileiro'. Não deixa de ser curioso que era o próprio Marcos Pontes a dizer que falava primeiro em português e depois em inglês e russo.


Eu próprio salientei várias vezes em Baikonur que Marcos Pontes era o primeiro astronauta a falar português a viajar no espaço, coisa que muito me orgulhava.

(Rui C. Barbosa)

*

Fazem parte desse nacionalismo dos pobrezinhos coisas como «o Chelsea de Mourinho», «o Milan de Rui Costa», «o Barcelona de Deco» - e por aí fora, em "notícias" em que a realidade é virada de pernas para o ar para gáudio da saloiada nacional. Há tempos, até teve destaque na TV um golo de um futebolista da Selecção dos Camarões só porque o homem era treinado, lá na sua terra, por um português!

Se esses patriotas-da-treta resolverem, também, deitar foguetes pelo facto de uma das personagens principais do romance «Fotaleza Digital» ser português, esperemos que omitam que ele é o assassino...

(C. Medina Ribeiro)
*

Dilemas dos académicos na televisão: sound bites ou argumentos?

*

Sartre e Beauvoir, o casal insuportável, começa a ter boa imprensa. Não há nada que, deixando passar o tempo e as fúrias, não tenha boa imprensa. Ele dizia " Je suis écrivain, j'ai besoin d'amours contingentes !", ela era menorizada como La Grande Sartreuse. Agora um telefilme Amants du Flore retoma a história do casal e Assouline conclui:
"Mais des deux, le génie, c'est elle. Rien dans l'oeuvre de Sartre n'arrivera à la capacité d'influence et de bouleversement des mentalités du Deuxième sexe. Sur la durée et dans la profondeur, c'est Beauvoir qui restera -et qui reste déjà, n'en déplaise à la secte des gardiens du temple sartrien, qui d'ordinaire assimile la moindre réserve à une insulte."
*

Algumas perguntas e afirmações certeiras de João Adelino Faria no Diário de Notícias:
"Há quanto tempo não damos notícias? Há quanto tempo nós, jornalistas, corremos quase obsessivamente, todos os dias, para escutar mais uma reacção sobre uma declaração feita por um ministro, político, advogado, juiz ou procurador? (...) Porque andamos todos atrás uns dos outros? Um jornal avança com um tema, a rádio segue, a televisão completa, ou vice- -versa - a ordem pouco importa. É uma tarefa quase inglória descobrir algo diferente nos jornais, na rádio e na televisão. Estamos todos quase sempre à volta do mesmo.(...)

O que esta semana é relatado até à exaustão, na seguinte é substituído ou suspenso porque outras novas alegadas histórias surgiram, ou assim nos fizeram crer, para matar as anteriores. São notícias esquecidas que só voltam à primeira página quando surgir algo de novo. O que esquecemos muitas vezes é que somos nós quem tem a responsabilidade de encontrar o desenvolvimento e não esperar pela vontade daqueles que detêm a informação e não têm interesse em divulgá-la.

Temos fama de contrapoder ou quarto poder, mas não se pode viver eternamente da reputação - há que fazer justiça ao nome e isso depende de todos e de cada um que ainda quer fazer jornalismo."
 


EARLY MORNING BLOGS 762

International Incidents


1.

Wang Ping asks if
we went to a seder
last night
She did,
in Minneapolis
No, I say, we’re not
observant
as though we constantly
overlook details

2.

The teachers in the lounge
crowd around the
Swedish visitor
You must be very proud
one of them beams
to be Swedish
She has no idea
what that means
She says,
I don’t dislike
being Swedish

3.

Who’s ever met a Bulgarian?
he would shout in the bar
Then one night
two homely blond sisters
smiled and said
We are Bulgarians!
They smiled for two weeks
then went away forever

(Robert Hershon)

*

Bom dia!

20.4.06
 


RETRATOS DO TRABALHO EM CORUCHE, PORTUGAL


Lavrando, Coruche, Vale do Sorraia, Abril 2006.

(António Ferreira de Sousa)
 


A FAUNA DAS CAIXAS DOS COMENTÁRIOS



A Rede está a mudar tudo, a criar coisas novas, a realizar outras muito antigas que as tecnologias até agora existentes ainda não permitiam e a dar eficácia a velhos, e muitas vezes maus, hábitos que existiam no mundo exterior e agora passam para o mundo interior da Internet. Alguns casos recentes voltaram de novo a mostrar a Internet sob uma luz pouco amável, bem preconceituosa aliás, porque nada do que lá se faz se deixou de fazer cá fora. O que há é um upgrade tecnológico no crime, que a Rede melhora e nalguns casos favorece pela sua acessibilidade e universalidade. São estes os múltiplos exemplos da chamada “fraude nigeriana”, ou os casos de Phishing que leva os incautos a fornecerem palavras-passe de acesso a contas bancárias; os casos de “cyberstalkers”, pessoas que perseguem outras cujo nome e morada aparece na Internet. Isto tudo depois da pedofilia, e de outras utilizações criminosas da Rede.

O que é novo na Rede, quer na “normal” quer na criminosa, são as características psicológicas especificas do mundo em linha, em especial a exploração da fronteira, mais ténue do que parece, entre a realidade e a virtualidade. E isso traz elementos novos como se vê se analisarmos para além do crime em si. Um caso actual é o do assassinato de uma menina de 10 anos, por um autor do blogue chamado “Strange Things are Afoot at the Circle K.” , que tinha feito pouco antes um comentário sobre canibalismo, O que há de novo neste caso e no interesse mediático sobre ele, é que em vez de um diário em papel, ou escritos mais ou menos dementes ou geniais, como era o caso pré-Internet do Unabomber, agora, quase de imediato, todos se voltam para o blogue, para o perfil do blogue, para o rastro na Rede do putativo criminoso. A Rede fica indissociável da nova identidade das coisas, como se entre o mundo virtual e o real a teia fosse completa. E, se calhar, é.

Mas não é este apenas o único aspecto interessante, há outro para que não se tem chamado a atenção: o mundo muito próprio dos que escrevem sobre textos alheios nas caixas de comentários dos blogues ou de órgãos de comunicação em linha. O Strange Things are Afoot at the Circle K. continua em linha e tem, à data em que escrevo, 644 comentários na última nota escrita pelo seu autor, todos eles posteriores ao conhecimento do crime. O blogue continua vivo mesmo depois da prisão do seu autor.

Mas os 644 comentários empalidecem face aos portugueses 1321 comentários do Semiramis cuja anónima autora teria morrido de morte súbita, suscitando as mais contraditórias versões na própria caixa de comentários do blogue. Deixando de parte a polémica sobre as caixas de comentários abertas ou moderadas, ou sobre a sua própria utilidade e valor, deixando de lado também a história pessoal inverificável do que aconteceu à sua autora (ou autor?) anónimo, o interessante é registar que o que há nesse blogue é uma comunidade que aproveita o “lugar” para se encontrar. A caixa de comentários tornou-se numa espécie de chat, que parasita a notoriedade do blogue, como já acontecera no Espectro com os seus finais 494 comentários, onde as pessoas se encontram numa pequeníssima “aldeia global”, que tomam como sua.

O comportamento destas pessoas-em-linha é compulsivo, eles “habitam” nas caixas de comentários que são a sua casa. Deslocam-se de caixa para caixa de comentário, deixando centenas de frases, nos sítios mais díspares, revelando nalguns casos uma disponibilidade quase total para comentar, contra-comentar, atacar, responder, mantendo séries enormes que obedecem à regra de muitos frequentadores desta área da Rede: horário laboral na maioria dos casos, quebra no fim-de-semana e nos feriados. São pessoas que estão a escrever do seu local de trabalho ou de estudo, de empresas ou de escolas, onde tem acesso à Internet. Há no entanto, alguns casos de comentadores caseiros e noctívagos, que só podem estar a escrever noite dentro, como era o caso nos primeiros anos da blogosfera portuguesa, antes de se democratizar. É um fenómeno aparentado com muitas outras experiências comunitárias na Rede, mas está longe de ser o mundo adolescente dos frequentadores do MySpace ou dos “salas” de conversa virtual.

No caso português, os comentadores não parecem ser muitos, embora a profusão de pseudónimos e nick names, dê uma imagem de multiplicidade. São, na sua esmagadora maioria, anónimos, mas o sistema de nick names permite o reconhecimento mútuo de blogue para blogue. Estão a meio caminho entre um nome que não desejam revelar e uma identidade pela qual desejam ser identificados. Querem e não querem ser reconhecidos. É o caso da “Zazie”, do “Euroliberal”, do “Sniper”, do “Piscoiso”, “Maloud”, “Bajoulo” “Xatoo”, “Atento”, Dasanta”, “José”, “e-konoklasta”, “Cris”, “Sabine”, “José Sarney”, “anti-comuna”, etc,, etc, Trocam entre si sinais de reconhecimento, cumprimentam-se, desejam-se boas férias, e formam mini-comunidades que duram o tempo de uma caixa de comentários aberta e activa, o que normalmente dura pouco. Depois migram para outra, sempre numa tempestade de frases, expressando acordos e desacordos, simpatias e antipatias, quase sempre centrados na actividade de dizer mal de tudo e de todos.

Imaginam-se como uma espécie de proletariado da Rede, garantes da total liberdade de expressão, igualitários absolutos, que consideram que as suas opiniões representam o “povo”, os “que não tem voz” os deserdados da opinião, oprimidos pelos conhecidos, pelos célebres, pelos “sempre os mesmos”. São eles que dizem as “verdades”. Mas não há só o reflexo do populismo e da sua visão invejosa e mesquinha da sociedade e do poder, há também uma procura de atenção, uma pulsão psicológica para existir que se revela na parasitação dos blogues alheios. Muitos destes comentadores têm blogues próprios completamente desconhecidos, que tentam publicitar, e encontram nas caixas de comentários dos blogues mais conhecidos uma plataforma que lhes dá uma audiência que não conseguem ter.

Não são bem “Trolls”, sabotadores intencionais, mas tem muitas das suas formas perturbadoras de comportamento. A sua chegada significa quase sempre uma profusão de comentários insultuosos e ofensivos que afastam da discussão todos os que ingenuamente pensam que a podem ter numa caixa de comentários aberta e sem moderação. Quando há um embrião de discussão, rapidamente morto pela chegada dos comentadores compulsivos, ela é quase sempre rudimentar, a preto e branco, fortemente personalizada e moralista: de um lado, os bons, os honestos, os dignos, do outra a ralé moral, os ladrões, os preguiçosos que vivem do trabalho alheio, e dos impostos dos comentadores compulsivos presume-se. O que lá se passa é o Far West da Rede: insultos, ataques pessoais, insinuações, injúrias, boatos, citações falsas e truncadas, denúncias, tudo constitui um caldo cultural que, em si , não é novo, porque assenta na tradição nacional de maledicência, tinha e tem assento nas mesas de café, mas a que a Rede dá a impunidade do anonimato e uma dimensão e amplificação universal.

O que é que gera esta gente, em que mundo perverso, ácido, infeliz, ressentido, vivem? O mesmo que alimenta a enorme inveja social em que assentam as nossas sociedades desiguais (por todo o lado existe este tipo de comentadores), agravada pela escassez particular da nossa. Essa escassez não é principalmente material, embora também seja o resultado de muitas expectativas frustradas de vida, mas é acima de tudo simbólica. Numa sociedade que produz uma pulsão para a mediatização de tudo, para a espectacularização da identidade, para os “quinze minutos de fama” e depois deixa no anonimato e na sombra os proletários da fama e da influência, os génios incompreendidos, os justiceiros anónimos, o “povo” das caixas de comentários, não é de admirar que se esteja em plena luta de classes.

(No Público de hoje.)

*
Quanto ao assunto das caixas de comentários, há caixas e caixas. Como há sempre comentadores de todos os estilos e para todos os gostos, o resultado depende em grande parte da forma como é gerida (ou não) a aceitação de comentários. Veja por exemplo o bom caso d'A Baixa do Porto , em que a "caixa de comentários" _é_ a própria página principal do blog.

(Tiago Azevedo Fernandes)

*

Achei interessante a reflexão que fez no seu artigo do Público. Reconheço lá muita coisa.Mas também julgo que falta lá outro tanto, creio. O ano passado teve a bondade de integraraté uma reflexão que continha uma crítica (exposta num blog - A ameaça dos weblogs), estou certo que desta vez não lhe faltará igual coragem e coerência. Julgo que se não tem a caixa de comentários aberta para não lhe suceder o mesmo que ao espectro, faz bem; já o que não se compreende - uma vez que isso contraria o princípio do rizoma que comanda a rede das redes que, por vezes, é mais uma teia, é que não tenha links na vitrina do seu template. No fundo, fala-nos da sociedade digital do séc. XXI e depois o seu template recorda-nos os tempos de novecentos e do arranque dos caminhos-de-ferro, em que o bom do Eça quando se deslocava de Cascais a Carcavelos demorava umas 3 horas. Ora bolas, assim é que não!! Já agora, acha que se o Eça fosse vivo, para tristeza de muitos espectros, teria a caixa de comentários aberta? E teria links?

(Rui Paula de Matos)

*

Era expectável que JPP pretendesse reduzir a participação de uma ampla diversidade de comentadores em blogues a um saco de gatos anónimos - resulta da compreensão dos spin-doctors quando se apercebem estar perante um novo meio de comunicação dificil de controlar como até aqui o foram os jornais de referência, ou muito mais importante, a televisão, ambas ferramentas de manipulação detidas pelas corporações da desinformação.

Óbviamente fui referido no artigo publicado como "postador de comentários", enquanto se omitiu deligentemente que eu próprio sou autor de um Blogue. Como se cada um de nós não tivesse nada a dizer, ou pior do que isso, como se essa opinião não interessasse verdadeiramente para nada.

(Francisco Pereira)

*

(...) a sua caça aos anónimos parece-me algo esquisita e muito, muito inconveniente.

Em priemeiro lugar porque normaliza os comportamentos: para sí, um anónimo ( ou alguém que escreve sob pseudónimo ) é um ser que pertence a "esta gente," que vive num "mundo perverso, ácido, infeliz, ressentido".

Nada mais errado. Há tantos comportamentos possíveis quanto pessoas diferentes. Eu não posso falar dos outros (um erro em que o Abrupto incorre e que envenena tudo o que diz) por isso vou falar por mim. Hele em dia escrevo sob pseudonimo (hoje sou o Guy Fawkes e já fui o Harry Lime) e chamo-me Rui Silva e possuo um blog além disso comento frequentemente outros blogs. Quer no meu blog quer nas caixas de comentários já escrevi sob estas três formas.

A minha atitude nas caixas de comentários varia de blog para blog e do tom que cada um deles me inspira. Exemplos: no Barnabé (onde comentei sempre sob o nome de Rui Silva) publicava comentários muito violentos porque era esse o tom que aquele blog pedia. Aquilo era um blog de combate e a minha atitude perante ele era uma atitude de combate. E divertia-me muito com os doidos que andavam por lá.

Noutros blogs (na Janela Indiscreta, por exemplo) já comentei sob qualquer uma das 3 formas e fiz alguns amigos (que comentam frequentemente no meu blog) da maneira como os blogs pediam: moderadamente e concordando ou discordando educadamente. Existe ainda um terceiro caso: o dos blogs de futebol. Aí tenho de confessar que prefiro mil vezes os blogs benfiquistas (sou do sporting) e quando lá vou comento violentamente e sem cerimónias. Num deles até já me acusaram de ser um troll...

Além disto, é de assinalar que tenho uma vida social saudavel. Gosto de muito de livros, de boa música, de filmes, de sair à noite, de jogar Playstation e de jantar com os meu amigos (um deles é o benfiquista que me chamou troll). Trabalho muito, numa multinacional de consultoria. Serei um anormal?

Perante o que acabei de lhe descrever acha que eu encaixo nesse perfil que descreve? E se eu não encaixo como é que tem a certeza que os outros encaixam?

Pense muito bem no que escreve. Nestas coisas cada caso é um caso. E é sempre errado reduzi-los a esterotipos. Não o faça por favor e deixe as pessoas "andar à vontade com as botas" como dizia o meu avô .

(Rui Silva, aka Harry Lime aka Guy Fwakes)

*

Acho que generalizou demais e agora tem a fauna toda à porta, de tal modo que as excepções arriscam-se a ser a regra.

Do alto do seu Abrupto, sem caixa de comentários e sem "blogroll", não sei até que ponto se apercebe que a caixa dos comentários é também a imagem do autor do blog. Ou apercebeu-se bem demais e precocemente. A qualidade das caixas de comentários, leia-se e infiro do seu texto, a falta dela, é um reflexo directo dos autores dos blogs, que em nome de grande e piedoso "espírito democrático" e "anti- censório", se dão à ociosidade de publicar rigorosamente tudo, como se de uma grande qualidade se tratasse. Preguiça.

Desde que li o primeiro e-mail em 1993, fui compreendendo que isto do teclado é uma fonte de mal-entendidos. Pode classificar e arquivar aí muita da acidez que detecta. Se juntar a leveza de espírito de conversar para um monitor, com um nome de guerra, tem grande parte do caldo. Mas não tem todo.

Não tenho visto no meu blog, que quero cada vez mais de jardinagem, comentários "perversos", "ácidos" e "ressentidos". Nas poucas vezes, apaguei-os sem olhar para trás e sem dar grandes satisfações. Mas é verdade que a discussão já chegou a azedar nos nossos temas "fracturantes" (aquecimento global, ogms...). Podia listar dezenas de blogs, "Dias Com Árvores", "Guilhermina Succia", " A Cidade Surpreendente"... onde a contradição com o que diz é flagrante. É caso para me questionar (como se não soubesse), a que universo reduziu os blogs em que se movimentou ou movimenta, para generalizar com esta aparente autoridade. Afinal, concluo também, que as caixas de comentários, além de reflexo do "blogger", são uma espécie de trangénico dos temas que tratam.

É inevitável não regressar aos autores e também já falou anteriormente disso, designadamente na relação dos blogs com a "imprensa tradicional". De momento não me posso considerar um observador especialmente atento do fenómeno, porque os temas interessam-me pouco ou nada, mas quem é alguém na blogosfera ao nível de poder aspirar a formar opiniões, já era alguém antes na imprensa escrita, rádio e/ou televisão. Os que por acaso ou mérito, não sei, atingiram um determinado nível de visitantes anunciados (podia-se discutir a sua qualidade enquanto visitantes para além da caixa de comentários) e visibilidade, andam por aí de bicos de pés a ver se essa tal imprensa repara neles. Também acham que têm direito a 15 minutos de fama, provavelmente a mais. Também eles já viram que os blogs de referência, estão bem alicerçados não só na qualidade do seu conteúdo, mas também e principalmente, na visibilidade mediatica dos seus autores. O fogo-fátuo da blogosfera, que deu pelo nome de Espectro, só foi excepção na sua falta de endurance. E a recepção foi digna de ser vista. Aqueles pobres autores nunca imaginaram que tinham tantos amigos.

Voltando ao início, nesses blogs onde se baseou para lavrar esta teoria, a relação entre comentado e comentador, é muito mais de simbiose que de parasitismo. Para os 15 minutos, valem mais 100 comentários idiotas, ruidosos e que praticamente ninguém lê, que meia- dúzia de comentários sensatos, podendo estes, inclusivamente, tornar- se inconvenientes. Aliás, é regra o autor do "post" retirar-se para parte incerta e deixar "o bom povo português" fazer o seu papel.

(José Rui Fernandes)

*

Eu já pus meia duzia de posts anonimos em dois ou três blogues, devo pertencer aos tais ingénuos e acho que tem razão. Gostava de acrescentar uma coisa - a solidão de quem bloga é enorme. A actividade é muito impessoal - não se vê o outro - e talvez / provavelmente por isso a asneira é tanta.

(Eduardo Tomé)

*

Desde que existem blogues, fóruns e caixas de comentários passei a ser um ser muito mais social. Agora escuso de me irritar ou contrariar e discutir com alguém, seja amigo, familiar ou simples desconhecido, sempre que não concordo com o que oiço. Não vale a pena! Mais vale concordar "Pois é..." ou ficar calado e continuar nas graças dessa pessoa. Já não oiço mais: "Estás a ser demasiado radical" ou "Estás a ser fundamentalista".

Agora tenho na net o espaço para expressar as minhas opiniões, para discordar quando quero, para "converter" os outros, se calhar atá para uma audiência maior sem que a minha sociabilidade fique beliscada.

(Paulo Martins)

*

Hoje não li o Público, (...) mas a partir de certa altura, comecei a achar bizarro, toda a gente a despropósito falar-me da sua coluna. Entretanto já estou informada do insólito.

Pelos outros não posso falar, mas por mim posso. Comecei a “blogar” no Espectro com o meu nome. Como não conhecia as regras, cometi numerosas imprudências. A família começou a temer que me tocassem à campainha e arranjaram-me um nick, Maloud. Continuei com a mesma descontracção, mas houve gente que embirrou com aquilo a que chamavam a minha vacuidade. Tornou-se insuportável, porque estou habituada às boas maneiras. Bati a porta com estrondo e simultaneamente com pena. Toda a gente cá em casa me incentivava a continuar, e arranjaram-me outro nick, DasAntas. Quando o Espectro se suicidou, deixei cair o DasAntas, fiquei com alguns contactos pessoais e outros por e-mail, que mantenho. Um deles que o Sr. Dr. não cita, porque escrevia como Anónimo, mas terminava sempre por Niet, telefona-me de Estugarda e e-maila-me todos os dias os links, para artigos de jornais franceses, visto eu dominar mal o inglês. Tem razão, quando diz que se criam uma espécie de cumplicidade e de amizade entre gente que não se conhece {um veio ao Porto conhecer-me}. Mas sabe, no meu caso, acho estas pessoas muito mais interessantes do que as “tias” das Antas com que me vou dando e, por outro lado, os filhos, embora vivendo cá em casa, cresceram e pouco precisam de mim e o meu marido é verdadeiramente ocupado. Acho que não prejudico ninguém “blogando” e a mim dá-me gozo.

Como talvez me tenha feito entender, vê que nada tenho a esconder, nem me envergonho do que sou. O nick existe mais para proteger a família do que a mim própria, visto ser uma dona de casa anónima do Porto.

(autor identificado, Maloud)
 


NUNCA É TARDE PARA APRENDER: "A ILHA HERÓICA" (MALTA STORY)

http://www.pierluigisurace.it/imagerie/images/aatw/dot_malta_map_1.jpg O filme foi feito em 1953 já o esquecimento e outras preocupações começavam a apagar a memória da epopeia maltesa durante a segunda guerra mundial. Basta olhar para um mapa para se perceber como Malta estava no pior sítio do mundo (para os seus defensores, para os malteses e para os italianos e alemães) e no melhor sítio do mundo (para os bombardeiros alemães, e para os ingleses que queriam cortar as rotas de abastecimento de Rommel). Isolada praticamente em território inimigo, Malta tinha que ser reabastecida com enormes dificuldades por submarinos e por comboios, que atravessavam uma das zonas mais perigosas de toda a guerra: aviões alemães, navios italianos e um emaranhado de campos de minas que protegiam a ilha, e cujas estreitas vias de acesso não permitiam qualquer erro.

O filme retrata o momento crucial em que o abastecimento de mantimentos e gasolina para os aviões estava quase no fim, e foi preciso romper o bloqueio com muita dificuldade. O "herói" é um piloto de reconhecimento, representado por Alec Guinness, numa das mais aborrecidas e petrificadas actuações que jamais vi dele: o sorriso é o mesmo quer esteja no seu Spitfire, a namorar a maltesa, ou a beber na messe. Ele é arqueólogo (a quantidade de arqueólogos inglese que aparecem nesta guerra é abissal...), ela é irmã de um nacionalista maltês que se tornou espião italiano e é fuzilado. O romance, como as personagens, são moronic até ao limite.

O que é interessante: a rara oportunidade de ouvir falar maltês, a Ave Maria em maltês; a cidade de Valleta, um posto fronteiriço único do Ocidente com toda a história turbulenta feita pedra, muralhas, subterrâneos, fortalezas, que aparece aqui em filmes verdadeiros dos bombardeamentos; e tudo o que são imagens reais da guerra.

*
A minha família é de origem maltesa. Os meus trisavós nasceram em La Valetta e como a família tinha negócios na Península Ibérica o meu bisavô e avô acabaram por se fixar por aqui, depois de terem vivido em Espanha (onde o meu pai nasceu) e do meu avô ter casado com uma francesa do sul, de Cassis. No século XVII, aliás, os meus antepassados Francesco e Nicola Cília foram os "senhores" do feudo (fief) de Budaq. Daqui a minha curiosidade e interesse sempre que aparecem referências a Malta, o que é raro apesar de ser um Estado-Membro da UE. Existem mais famílias de origem maltesa em Portugal (Zammit, por exemplo, ligados, salvo erro, ao Vinho do Porto) e é sempre fácil, pelo menos para nós, identificá-los pelos apelidos onde quer que estejam. Também Teresa Heinz-Kerry é uma portuguesa de origem maltesa, por parte da mãe. Não falo Maltês, mas sei, por exemplo, que é a única língua de origem semita da UE e a também a única que se escreve com alfabeto latino. Penso que a língua é de origem árabe, embora, hoje em dia, tenha adoptado muitas palavras inglesas (Malta foi colónia inglesa até aos anos 60) e italianas. De acrescentar que a George Cross incluída na bandeira de Malta foi-lhe atribuída pela coragem e bravura demonstradas pelo seu povo durante a II Guerra Mundial.

(João Cília)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(20 de Abril de 2006)


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Uma nuvem em todo o seu esplendor no Astronomy Picture of the Day.

See Explanation.  Clicking on the picture will download  the highest resolution version available.

*

Uma cadeira de design italiano com livros para quem não gosta de livros, vista no Gizmodo.

bibliochaise

Nesta cadeira quem lê onde é que coloca os braços? Em cima dos livros estragando-os? E como estante é pequena. Como escultura? Talvez, mas que livros coloca o bibliófilo para se perderem como decoração? Os repetidos.

*

Que mundo se vê por um buraco de uma agulha? Processos e imagens da fotografia estenopeica, vulgo pinhole..

*

Com um grafismo melhorado a apoiar um comentário sério e calmo, o Bloguitica continua a detectar o spin. Escapou-lhe um bom exemplo de "notícia" que todos os ministros desejam e alguns não conseguem ter: as três páginas do Diário de Notícias, de terça-feira, 18 de Abril, incluindo a capa e toda a parte nobre do jornal, sobre o "passaporte electrónico" a emitir a partir de Setembro.
 


EARLY MORNING BLOGS 761

How Much of That Is Left in Me?

Yearning inside the rejoicing. The heart's famine
within the spirit's joy. Waking up happy
and practicing discontent. Seeing the poverty
in the perfection, but still hungering
for its strictness. Thinking of
a Greek farmer in the orchard,
the white almond blossoms falling and falling
on him as he struggled with his wooden plow.
I remember the stark and precious winters in Paris.
Just after the war when everyone was poor and cold.
I walked hungry through the vacant streets at night
with the snow falling wordlessly in the dark like petals
on the last of the nineteenth century. Substantiality
seemed so near in the grand empty boulevards,
while the famous bronze bells told of time.
Stripping everything down until being was visible.
The ancient buildings and the Seine,
small stone bridges and regal fountains flourishing
in the emptiness. What fine provender in the want.
What freshness in me amid the loneliness.


(Jack Gilbert)

*

Bom dia!

19.4.06
 


INTENDÊNCIA

Actualizadas as notas MISÉRIA HUMANA e TERRAS DE PORTUGAL ONDE NÃO HÁ ESTADO: RIBEIRA DOS MILAGRES (LEIRIA).
 


RETRATOS DO TRABALHO EM ALFÂNDEGA DA FÉ, PORTUGAL


Apanhando giesta.

(Lourdes Sendas)
 


RETRATOS DO TRABALHO EM SAKHALIN, FEDERAÇÃO RUSSA



Montagem de "pipeline" em Sakhalin, Rússia, onde trabalha pelo menos um português, de Águeda, chamado Renato da Costa (autor da fotografia), que é "Spread Superintendent" do projecto de "pipeline" mais caro até hoje. Quando esta imagem foi feita estavam 30 graus negativos, condições difíceis, mas nem por isso o trabalho pára.

(Ângelo E. Ferreira)

18.4.06
 


RETRATOS DO TRABALHO NA FONTE DA TELHA, PORTUGAL


Recolha das redes.

(João Caetano Dias)
 


MISÉRIA HUMANA



Poucas coisas revelam melhor a miséria humana, em todos os sentidos, do que a exploração da morte trágica de um actor de telenovela pela TVI. Está a transmitir o funeral em directo, como um grande acontecimento nacional, com comentários a preceito, explorada a morte até à obscenidade. Com a colaboração do "bom povo português".

*
No seu breve comentário acerca da morte de um actor de uma telenovela da TVI, considerou a exploração daquela como reveladora da miséria humana. O que a mim me parece é que «exploração» e «miséria» não são os dois conceitos mais apropriados para avaliar a decisão da TVI, se a avaliação e a análise desta decisão se basear nos pressupostos teóricos do liberalismo. São dois conceitos que remetem mais depressa para uma análise marxista, que vê neles uma expressão da alienação dos homens.

Para um liberal que se preze, a TVI limitou-se a aproveitar uma oportunidade para conquistar audiências, para dessa forma se impôr no mercado. Como os liberais fazem questão em lembrar-nos, aquilo a que se assistiu foi apenas à espontaneidade dos agentes económicos que procuram satisfazer os seus interesses. Dizem-nos, também, que é dessa espontaneidade e da iniciativa individual que surgem produtos inovadores (como a morte em directo) capazes de conquistar os consumidores. Nessa medida, a morte como espectáculo e como mercadoria é, «apenas», mais um negócio em que os indivíduos podem – e devem – apostar e arriscar.

E isto é assim porque para o liberalismo não tem existir qualquer imposição legal ou ética limitadora da iniciativa individual, pois isso seria um ataque ao livre funcionamento do mercado. Portanto, numa economia capitalista o ser e o dever-ser são o mesmo: o que o agente económico é, é o que agente moral deve ser; o interesse daquele confunde-se com os valores deste. Assim, qualquer indignação por parte do ser moral só pode ser uma expressão de um dualismo artificial, criado por quem quer fazer a quadratura do círculo.

(Rui Fernando)

*

Esquecendo os interstícios da definição de liberalismo como o vê Rui Fernando, que aposto muitos porão liminarmente em causa, das duas uma: ou a estação não respeitou a família, ou a família e a estação desconhecem que se trata de um espectáculo deplorável.

Segundo percebo, há numa sociedade civilizada, direitos que se têm e não se podem pôr em causa, nem pelo próprio "interessado". Um deles é o direito ao respeito em morte.

(Henrique Martins)

*

Não há costume contemporâneo recente e mais repugnante que aplaudir os falecidos, só denota uma falta de vergonha e um exibicionismo egoísta e torpe por parte dos vivos.Respeito pelas famílias e reserva de comportamentos, pois que a morte não é um evento publicitário.

(António Carrilho)

*

A polémica sobre o funeral em directo resume-se no essencial ao mesmo que todos os programas televisivos. Existem por que têm publico. Nenhuma televisão privada emite seja o que for se não lhe permitir ter o tal de “Share”. E quem faz o “Share” é quem vê. Referiu e muito bem o “bom povo português” no seu post. É esse o culpado. Deixemo-nos de minuências sobre o liberalismo e a moral. No dia em que um concerto de musica clássica tiver mais “share” que um funeral de um actor de telenovelas os mesmos responsáveis pelo mesmo canal televisivo passarão musica clássica e ignorarão o funeral. O resto é conversa.

Já há mais de 2 séculos que Adam Smith escreveu que as tabernas estão abertas porque existem bêbados e não o contrário, rebatendo assim os que acusavam os taberneiros de serem os causadores das bebedeiras. E, entre outras coisas, Adam Smith era professor de moral.

(Miguel Sebastião)
 


TERRAS DE PORTUGAL ONDE NÃO HÁ ESTADO:
RIBEIRA DOS MILAGRES (LEIRIA)




Pela enésima vez, uma descarga de suinicultura, empestou a Ribeira dos Milagres. Está à vista de todos, foi lá a GNR cobrir a ocorrência, e as televisões filmaram a porcaria da Ribeira. Talvez se o cheiro se filmasse, e o odor muito peculiar, ácido, intenso, que se cola a tudo, entrasse pelas casas dentro, o Estado fizesse o favor de chegar à Ribeira dos Milagres. Mais uma vez todas as autoridades, que mais uma vez nada de consequente vão fazer, devem estar a cruzar os dedos, esperar que a notícia, de tão repetida, caia no esquecimento, para tudo continuar na mesma neste Portugal que não vem em nenhuma "estratégia de Lisboa", nem em nenhum Plano Tecnológico.

*
Porque nada mais resulta, e não me sinto tecnicamente habilitada para falar aprofundadamente de assuntos tecnológicos, eu sugeria que lhe mudassem o nome. À Ribeira dos Milagres. Pode ser que assim se consiga alguma coisa! Parece estar a funcionar com a incineração, que agora se chama co-incineração, não é? Além disso, neste país certos nomes atraem a desgraça, como aqui há tempos aconteceu com a povoação de Nossa Senhora de Fátima, para onde esteve prevista uma incineradora, durante o governo PSD/PP. Quanto à tal ribeira: não sou técnica, mas não me parece nada impossível (nem milagroso) resolver o problema desses resíduos, em primeiro lugar comendo menos carne de porco (até faz bem), e em segundo lugar fazendo a compostagem e digestão anaeróbia. E disse-o eu própria certa vez, já lá vão uns anitos, aos microfones da Antena 1. Pelos vistos, esse gesto meu não foi tão «milagroso» como se pela minha voz tivesse falado uma couve (embora me pareça hoje, a julgar pelos resultados, que fiz de facto tal figura...)

(Adelaide Chichorro Ferreira)

*

Ao ler o "Abrupto pelos seus leitores"(Rui Fernando e Adelaide Chichorro Ferreira) procurei interpretar o empestar da Ribeira dos Milagres por uma suinicultura com a regra do "ser e o dever-ser" serem a mesma coisa numa perspectiva liberal: se o interesse económico da suinicultura tem uma oportunidade no aproveitamento duma via natural e sem custos para o escoamento dos dejectos, o interesse do agente económico e os seus valores morais "confundem-se". Ora aqui fico na dúvida qual o tipo de moralidade em causa, e pergunto-me por que carga d'água o agente económico pensa que os que vivem nas imediações da ribeira, e as pessoas em geral, têm de aceitar a imposição duma moralidade que se limita a um critério de puro interesse individual sem respeito pelo ambiente dos outros.

O livre funcionamento do mercado não admite instãncias autoreguladoras como o interesse colectivo dos cidadãos auto-organizados? Só se for na China capitalista, em que o Estado defende a iniciativa dos agentes económicos contra a repressão dos moradores das localidades que sofrem os impactos ambientais resultantes de certa "espontaneidade e iniciativa".

Quanto à liberdade dos agentes económicos (tipo exemplo da TVI) "apostarem e arriscarem" em "produtos inovadores (como a morte em directo)", já leva a um debate mais interessante, tipo "choque de civilizações" e "causas da decadência do Império Romano", sem se cair em "dualismos artificiais", nem em "quadratura do circulo".

(Pedro de Almeida)
 


RETRATOS DO TRABALHO EM ESTRASBURGO, FRANÇA


Polícia bloqueia uma rua, 15 de Abril de 2006.

(Daniel Rodrigues)
 


EARLY MORNING BLOGS 760

En l'honneur d'un Sage solitaire



Moi l'Empereur je suis venu. Je salue le Sage qui, soixante-dix années, a retourné et labouré nos Mutations anciennes et levé des savoirs nouveaux.

J'attends du Vieux Père la leçon : et d'abord, s'il a trouvé la Panacée des Immortels ? Comment on prend place au milieu des génies ?

o

Le Sage dit : Faire monter au Ciel le Prince que voici serait un malheur pour l'Empire terrestre.

o

Moi l'Empereur interroge le Solitaire : a-t-il reçu dans sa caverne la visite des trente-six mille Esprits ou seulement de quelques-uns de ces Très-Hauts ?

o

Moi le Solitaire n'aime pas les visiteurs importuns.

o

Moi l'Empereur implore enfin le Sage le pouvoir d'être utile aux hommes : quelque chose pour le bien des hommes !

o

Le Sage dit : Étant sage, je ne me suis jamais occupé des hommes.

(Victor Segalen)

*
Bom dia!

17.4.06
 


NUNCA É TARDE PARA APRENDER: INGLÊS EM DEADWOOD
Deadwood Season 2 - episode 23

Nunca vi falar inglês assim numa série de televisão americana. Novas palavras que nem sequer sabia que existiam: "faro", um jogo de cartas popular no século XIX; "heathen", os infiéis, usado para os Sioux e os chineses; e muitas mais. O calão, pelo contrário, permanece reconhecível, ontem como hoje, a julgar pelo seu uso homérico pelas personagens "de baixo", jogadores, prostitutas, rufias, prospectores de ouro, a rua de Deadwood e o comércio pioneiro que pratica a acumulação primitiva, ou seja, o roubo. Quando o roubo se torna em propriedade inicia-se a civilização.
 


RETRATOS DO TRABALHO NA REGIÃO DE ANTALYA NA TURQUIA


Montanhas no sul da Turquia, a poucos quilómetros do Mediterrâneo e de Antalya. Mostra mulheres, a fazer pães , enchidos com queijo, manteiga ou espinafres.

(João Mourão)
 


COISAS DA SÁBADO :
A RAPOSETA, PINTALEGRETA, SENHORA DE MUITA TRETA



Há vários dias que o retrato verbal magnífico que Aquilino fez da sua raposa me vinha à mente quando observava as sucessivas habilidades com que o nosso Primeiro-ministro nos mantém distraídos e muito mais complacentes com a governação do que o que devíamos estar. Ali havia raposeta “senhora de muita treta” e nós levados pela “treta”, diminuíamos o sentido crítico e a vigilância face aos actos do governo.

Mea culpa faço também eu. Comentando as medidas para equilibrar o orçamento, os sucessivos anúncios de investimentos estrangeiros, os planos tecnológicos e outros, o PRACE, o SIMPLEX e outros que todas as semanas nos anunciam, fui pelas intenções. A imediaticidade do comentário tem este defeito, quando se volta aos documentos, quando se conhecem os resultados, a concretização efectiva das medidas, as que ficaram pelo caminho, vê-se melhor a dimensão da propaganda. As intenções são as melhores do mundo, as medidas propagandeadas parecem reformas e, como suscitam as devidas reacções corporativas e são feitas num clima de depressão económica, parecem a doer e doem pelo menos a uma parte dos portugueses, tendemos a pensar que desta vez é a sério.

A habilidade do governo em integrar as suas medidas no programa do Outro – menos estado, melhor estado, desburocratização, prioridade ao controlo do défice, reforma da administração pública - merece a devida concordância do Outro, ou pelo menos, a sua aceitação incomodada. O problema é depois. Mas depois já o efeito de propaganda se verificou. Vai-se apenas à epiderme, como dizia Medina Carreira, ou vai-se mais ao fundo, à carne? E a resposta começa a ser cada vez mais: epiderme, epiderme, epiderme.

Os números do défice previsto para este ano, de 6%, são o primeiro sinal muito sério que não só se está na epiderme, como ainda se está a engrossar a epiderme. De novo o princípio da raposeta, a “treta”, foi posto a funcionar para o governo se vangloriar daquilo que é um sinal muito preocupante do falhanço da sua política. Isto porque o número de 6%, superior aliás ao défice previsto do governo Lopes sem receitas extraordinárias, só parece razoável comparado com o exercício a que se prestou o Banco de Portugal, ao calcular um défice final fictício para o orçamento anterior. A falta de prudência do Banco de Portugal fornecendo um número tendencial à propaganda governamental, partindo do principio que Bagão Felix nada faria para controlar as contas públicas caso derrapassem dessa forma flagrante, serviu às mil maravilhas para que 6% parecesse um bom resultado num ano em que houve receitas fiscais consideráveis, e um aumento dos impostos excepcional. Mas não é, é péssimo.

A raposeta continua no seu jogging, deslumbrado pela governação por actos e sessões de relações públicas, mas o reino animal é demasiado complicado para a “treta” esconder certas garras, e certos dentes.

*
O seu último comentário sobre a diferença entre a propaganda do governo e os resultados da governação parece-me muito pouco consistente. Qual é a surpresa pelo facto de o défice de 2005 ser de 6%? Não era isso que estava previsto no orçamento rectificativo? Pode-se criticar o orçamento rectificativo, mas apontar o seu cumprimento como exemplo de incumprimento das expectativas criadas não faz qualquer sentido. Uma vez que o governo - baseando-se no relatório Constâncio - justificou o aumento da despesa como decorrente do orçamento do governo PSD/CDS, seria preciso indicar exemplos concretos de despesas que o governo aumentou desnecessariamente. O gabinete de estudos do PSD poderia facilmente produzir um documento com este tipo de informação detalhada.

As críticas que faz ao dr. Vítor Constâncio levantam-me imediatamente a dúvida: não estaria ele também enganado quando fez o relatório para o governo PSD/CDS? Parece muito conveniente que só esteja errado agora. É natural que o relatório Constâncio seja criticado, mas as críticas deveriam fundamentadas, apontando concretamente os erros. Mais uma vez, não percebo por que razão o PSD não produz um estudo sobre este assunto, fundamentando as suas posições.

Também não percebo a sua surpresa com o facto de o governo fazer propaganda. Todos os governos fazem e, sem bem me recordo, o governo do Professor Cavaco Silva era bastante competente nesta área. Aliás, as oposições também a fazem, embora com menos meios. Mais uma razão para a fazerem de forma consistente.

Concordo que é necessário ser-se cauteloso na apreciação da política orçamental. O que se passou nos últimos anos (com os vários governos) a isso obriga. No entanto, as tentativas de diabolização do Primeiro-ministro não contribuem em nada para o esclarecimento desta questão.

(Pedro F. dos Santos)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(17 de Abril de 2006)


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A rede que nos enreda: a história verdadeira do autor do blogue Strange Things are Afoot at the Circle K., acusado de ter morto uma criança de 10 anos e de se preparar para a comer, depois de ter escrito no seu blogue sobre canibalismo. O blogue continua em linha e recolhe comentários, cerca de quinhentos, o que não é muito pelos critérios portugueses com os seus cinco ou seis comentadores compulsivos por tudo quanto é caixa aberta. Outros traços de Kevin Ray Underwood na Rede foram apagados, por exemplo a sua lista de preferidos na Amazon, os seus comentários no MySpace. Kevin está preso, mas o blogue está solto.

*

A ler: "Páscoa" de Eduardo Pitta no Da Literatura.

*

Tempos modernos:
"Os criadores de "South park" foram impedidos de desenvolver um episódio mostrando imagens do profeta Maomé. Em vez disso, o episódio mais recente da série mostrou Jesus Cristo defecando no presidente George W. Bush e na bandeira americana.
(no Jornal de Notícias).
 


RETRATOS DO TRABALHO EM TAVIRA, PORTUGAL


Reparação das redes.

(João Caetano Dias)
 


RETRATOS DO TRABALHO EM LAGOS, PORTUGAL



Um trabalho típico do Algarve - fazer os bolinhos de amêndoa e gila, conhecidos por morgadinhos. Tirei esta foto numa fábrica que existe à saída de Lagos na direcção de Sagres, do lado esquerdo, na estrada 125. Fazem os morgadinhos, os D. Rodrigos, umas tortas de amêndoas fabulosas, etc. Podemos vê-los à venda nas grandes superfícies de Lisboa, mas também os podemos comprar lá directamente, que são muito melhores.

(Acilina Caneco)
 


EARLY MORNING BLOGS 759

A Noiseless Patient Spider


A noiseless patient spider,
I marked where on a promontory it stood isolated,
Marked how to explore the vacant vast surrounding,
It launched forth filament, filament, filament, out of itself,
Ever unreeling them, ever tirelessly speeding them.

And you O my soul where you stand,
Surrounded, detached, in measureless oceans of space,
Ceaselessly musing, venturing, throwing, seeking the spheres to connect them,
Till the bridge you will need be formed, till the ductile anchor hold,
Till the gossamer thread you fling catch somwhere, O my soul.


(Walt Whitman)

*

Bom dia!

16.4.06
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(16 de Abril de 2006)


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Ruas em tempo real: o "compasso"' na rua de S.João de Brito no Porto e em Braga. (Fotos de Gil Coelho)






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Falta selectiva de memória ou duplicidade? É tão interessante ver artigos retrospectivos sobre as faltas dos deputados como o de hoje no Diário de Notícias e não encontrar nenhuma referência a uma questão ultra-polémica do passado, as multas aos deputados faltosos aplicadas no Grupo parlamentar do PSD. Talvez porque, nessa altura, toda a comunicação social era veementemente hostil a essas multas, tratando os deputados faltosos (fora da invocação de razões de consciência) como heróis contra a disciplina "autoritária" da bancada... Era Cavaco o Primeiro-ministro. Ah! como os tempos mudam!

PS: outra asneira repetida é dizer que a falta de quorum nunca se deu no passado. Aconteceu várias vezes, aconteceu até haver votações a favor da oposição por falta de deputados da maioria. Tanta ligeireza jornalística não se admite.
 


EARLY MORNING BLOGS 758

O amor de Arthur Rimbaud o mestre do silêncio


Nas montanhas onde moram as estrelas
bosques que existem há mil anos
de cabelos negros como o luar e a brisa da tarde
quando entra branda entre as pétalas das flores
que se inclinam sobre o morto que dorme
e misteriosamente repete:

«Sur l'onde calme et noire où dorment les étoiles
Un chant mystérieux tombe des astres d'or»
semi-saído da terra com um olho infinito aberto
morto há um ano ao nascer da lua
morto há um dia ao nascer da rosa
morto há um sonho, morto há um gesto
frente ao sopro das árvores da noite
tocou o seio infante numa primavera
e misteriosamente repete:

«Ô pâle Ophélia! belle como la neige!
Ciel! Amour! Liberté! Quel rêve, ô pauvre Folle!»
transparente sobre a terra mole de lava de estrela
sobre cabelos idênticos aos dos mortos desolados
morto há mil anos repete:

«La blanche Ophélia flotte comme un grand lys»

o morto misteriosamente diz:

«Il y a une horloge qui ne sonne pas»


(António Maria Lisboa)

*

Bom dia!

15.4.06
 


NUNCA É TARDE PARA APRENDER:
AMERICANOS, MERCADO NEGRO, GASOLINA, PARADAS MILITARES

Le char Romilly, premier char allié entré dans Paris le 24 août 1944

Antony Beevor, Paris After the Liberation, 1944-1949

Picture of Paris After the Liberation, 1944-1949Nos primeiros meses após a libertação de Paris, ainda a guerra continuava, os soldados americanos eram os heróis. Eram divertidos, sem preconceitos, e tinham tudo o que faltava à cidade: gasolina, rações de combate, meias de nylon. Foi uma festa, como se sabe. Depois a coisa começou a azedar. Muitos soldados e oficiais americanos meteram-se no florescente mercado negro e alguns associaram-se a grupos criminosos que tornaram Paris uma cidade muito perigosa à noite. Era só uma questão de tempo até os ciúmes cumpriram a sua função e espicaçarem os jovens franceses contra os GIs, na partilha dos favores femininos. Por fim, chegou a política, fundindo a hostilidade de De Gaulle aos americanos, com a propaganda comunista anti-americana do início da guerra fria. Depois das meias de nylon, veio a gasolina: os americanos ( e neste caso também os ingleses) ficavam furiosos com a mania das paradas militares que De Gaulle repetia umas atrás das outras. Para colocar a França à força entre os vencedores da guerra, De Gaulle fazia desfilar a divisão Leclerc por tudo e por nada. Nas bancadas, onde estavam por obrigação diplomática, os americanos viam passar todo o seu material de guerra, tanques, fardamentos, armas, transportes, cedido aos franceses, gastando a preciosa gasolina que faltava, sem a mínima bandeira, insígnia, referência à proveniência de tudo.
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(15 de Abril de 2006)


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Paredes das Caldas da Rainha:

 


COISAS DA SÁBADO: MEMÓRIA E RESPEITO



O Primeiro-ministro José Sócrates visita a França por estes dias, numa viagem que coincide com a data do 9 de Abril que certamente não lhe dirá nada, nem a ele, nem aos seus assessores. Mas seria inconcebível um governante de qualquer país aliado, nas duas guerras mundiais do século XX, visitar a França no dia simbólico mais importante para honrar os seus mortos em combate, e não se dirigir a um dos gigantescos cemitérios que polvilham os antigos campos de batalha franceses. A 9 de Abril de 1918, na batalha conhecida como de La Lys, o Corpo Expedicionário Português foi massacrado pelos alemães, tendo sofrido quase 8000 baixas. Muitos dos que morreram estão sepultados em cemitérios militares na França, esquecidos dos portugueses. O Eng. Sócrates é um bom exemplo dessas gerações mais novas, sem memória e portanto sem respeito.

*
Talvez a razão porque se fala e escreve tão pouco sobre a participação portuguesa na frente europeia da I Grande Guerra se relacione com o desconforto que uma análise imparcial dessa participação causaria em muitos de nós. Relatos insuspeitos falam de casos de grande dignidade e até de heroísmo, mas falam também de militares ingleses a obrigarem - à chapada - oficiais e soldados portugueses a não fugirem sem deixarem para trás os seus feridos.

(P.B.)

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Acabo de ver no «Abrupto» a indicação do n.º de baixas (mortos) nos teatros de operações de França e de África «rectificados» por um seu leitor, Luís Pinto de Sá. Na realidade, este senhor, relativamente a França anda próximo dos quantitativos oficiais, mas falha redondamente no que toca a África.

Assim, para que, (...) possa apontar os valores aceites oficialmente (constantes no Arquivo Histórico Militar e por mim publicados em Portugal e a Grande Guerra, Lisboa, Diário de Notícias, 2003 (fascículos), no capítulo intitulado «Portugal e a Grande Guerra. Balanço Estatístico» (pp. 547-552), informo que, em França, morreram 1.997 militares, em Angola, 810 e, em Moçambique, 4.811 todos do Exército e da Marinha morreram 142 no total; feridos incapacitados foram, pela mesma ordem, 5.359; 683; 1.600; e 30; desaparecidos, pela mesma ordem: 199; 200; e 5.500; militares dados como incapazes para todo o serviço, pela mesma ordem: 7.280; 372; e 1.283; prisioneiros, mais uma vez pela mesma ordem: 7.000 (dos quais 233 faleceram no cativeiro); 68; e 678.

Somando, o esforço português na Grande Guerra pode medir-se pelos seguintes números de baixas gerais: em França: 21.835; em Angola: 2.133; em Moçambique: 13.872; e da Marinha: 172. O total geral é de 38.012 baixas. Números consideráveis se tivermos em conta que o empenhamento militar foi, em Angola, cerca de dois anos, em Moçambique, quatro anos, e, em França, 22 meses efectivos.

(Luís M. Alves de Fraga)

*

Em minha modesta opiniao, o minimo respeito e homenagem que soldados, e todos aqueles que perderam a vida a combater pela patria, com honra e dignidade, nas guerras para onde receberam Guia de Marcha para combater, pelos diversos governos de Portugal, seria depois de mortos, uma campa simples e digna num em cemiterio militar ou em talhao militar cuidado, no seu pais ou no estrangeiro.

Na realidade tal nao acontece agora, mas nem sempre foi sempre assim, durante os anos que se seguiram a I G M, foram sempre os ex-combatentes carinhados, e os combatentes falecidos alvo das maiores homenagens por todo o pais e ilhas. Observem-se as datas dos monumentos aos Combatentes que existem as centenas pelo pais. O Grande desinteresse deu-se ja na Segunda metade do seculo XX, ainda durante o tempo da ditadura, creio eu por varias razoes, entre as quais o desinteresse dos familiares dos falecidos nas Guerras em Africa na deposicao dos restos mortais dos seus entes queridos nos talhoes militares .

Com o fim do regime, a revolucao do 25 de Abril nao contribui para melhorar o panorama geral, havendo mesmo em varios sectores politicos um sentimento de quase raiva contra os nossos militares que morreram em Africa. Como se fossem eles os causadores da guerra que lhes trouxe a morte. O esquecimento dos militares que repousam nos Palops e a vergonha do nosso pais.

Todo este panorama, a que se junta o desinteresse e a ignorancia dos nossos governos e governantes aliados a falta de meios da Liga dos Combatentes, levou a que os talhoes militares ficassem votados ao abandono, e assim permanecam esquecidos os nossos caidos pela P'atria. Repare-se que nos ultimos anos, quando a Liga dos Combatentes tem homenageado os nossos mortos no Ultramar, quantas vezes la compareceu o ultimo Presidente da Republica? Uma , nenhuma? nao posso confirmar em 10 anos de mandatos quantas vezes ali compareceu? Vergonha? No mesmo periodo a quantos desafios de futebol assistiu, e quantas lagrimas de incontida emocao futebolistica derramou nesses estadios?

Em Inglaterra nao e assim. Naquele pais, todos os mortos pela patria tem o mesmo tratamento, quer tenham falecido no Somme em 1916, no Canal do Suez em 1956, na Normandia no dia D em 1944 ou em Samarra no Iraque em 2003. Existe uma Associacao sem fins lucrativos, por Decreto Real de 1918, com ligacoes ao Ministerio da Defesa, designada por Commonwealth War Graves Commission, na qual participam comissarios, ao mais alevado nivel, dos paises Commonwealth. Pode consultar-se para o efeito o site .

Esta organizacao desenvolve um extraordinario trabalho a todos os niveis, quer na manutencao e conservacao dos cemiterios militares ingleses por todo o mundo, como mantem ainda uma sepultura digital, em rede, com a maior quantidade de informacao disponivel sobre o militar, dados pessoais, foto, local onde perdeu a vida, se esta desaparecido ou onde esta sepultado assim como um resumo da sua folha de registo militar. Um trabalho a serio levado a cabo por gente a serio.

Nem a proposito, aparecerem na ultima quinta-feira, dia 13 de Abril de 2006 os restos mortais de 3 soldados ingleses, falecidos na I GM na Flandres. A achado teve lugar num campo de trigo, proximo de Ypres na Belgica, por equ ipas de voluntarios belgas que tem por hoby a arqueologia militar. Sobre este assunto consulte-se aqui.

Estes militares serao agoram devidamente sepultados, com todas as horras militares, e com a presenca de familiares, se eventual ainda existirem, o que sera sem duvida uma emocionante cerimonia para eles.

(João Botelho, sem acentos)

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A respeito deste assunto existe na Columbeira (perto do Bombarral) um dos locais, para os menos informados, da Batalha da Roliça, um memorial a um soldado Britânico morto em combate. Esta Batalha foi o primeiro confronto em Portugal entre as tropas luso-britânicas de Arthur Wellesley (futuro Duque de Wellington) e o exército de Junot (comandado nessa refrega pelo General Delaborde). A Batalha da Roliça representou o primeiro triunfo militar de Arthur Wellesley que teria o seu ponto mais alto na Batalha de Waterloo. Podemos encontrar nesse local um Túmulo (mandado erigir pelo exército Britânico) em memória do Coronel Lake que perderia a vida nessa batalha num ataque do seu 29º Regimento. O túmulo está em mal assinalado e em mau estado de conservação pois a autarquia pouco tem feito para conferir alguma dignidade ao local. De qualquer forma quer a sua construção (por alturas do centenário da Batalha - 1908) quer a sua manutenção tem estado a cargo do Worcestershire Regiment que herdou as insígnias do 29º Regimento. De referir aínda que este espaço é visitado regularmente pela British Historical Society que organiza visitas guiadas a este local. É de lamentar que um país como Portugal com uma história militar (e não só) riquissíma e com uma presença marcante em inúmeros locais do mundo não preserve e dignifique os espaços fisicos e os portugueses que (bem ou mal) levaram o nosso país mais além.

(Jorge Lopes)

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Alguns leitores seus “produzem” mais baixas portuguesas na Grande Guerra que as “spandau” alemãs!... Na Grande Guerra, as baixas portuguesas foram:

Na França – 2100 mortos + 200 desaparecidos. Isto no total!...

Em Àfrica – 2800 mortos e desaparecidos. 750 em Angola e 2100 em Moçambique.

Onde haveria de comemorar a nossa participação nessa guerra seria em Àfrica, não em La Lys! Só que isso seria recordar os motivos imperiais por que participámos na Guerra, o que ainda é motivo de vergonha… Aliás, essa batalha não é algo de que nos possamos orgulhar muito. Os alemães escolheram o sector português para a sua ofensiva desse dia por suporem com razão, ser o elo mais fraco da frente aliada – tal como os russos atacariam, em Estalinegrado, os sectores romenos, 24 anos depois… e os nossos oficiais não se portaram da melhor maneira, a avaliar pelos processos de que alguns foram depois alvo.

Pode-se consultar aqui.

(José Luís Pinto de Sá)

*

(...) Há anos que vejo nas televisões internacionais, ida de Reagan à Normandia, ou da rainha Isabel, e de outros tipos de governos estrangeiros irem, por ocasião do desembarque ou mesmo noutras ocasiões em visitas oficiais. Idas que tenham a ver com a Grande Guerra ou com a Segunda Guerra Mundial. Sempre estranhei não se mencionar os portugueses que morreram na Guerra de 14. Aliás presumo que o mesmo acontece na Guiné e creio que em Angola e Moçambique . As campas dos militares portugueses estão entregues aos bichos. As embaixadas e os adidos militares estão-se marimbando para este assunto. Lembro-me de ver uma reportagem há anos, por aí, no Expresso.


Queria só dizer-lhe o seguinte: a última vez que vi uma reportagem na Skynews, ou outra do género, fiquei a saber que quando os agricultores franceses encontram ossadas no meio dos campos os ingleses tentam descobrir o nome ou a sua origem, pois normalmente são soldados, e se são ingleses, fazem enterros militares "à séria" com bandeira nacional e enterram-nos nos cemitérios militares, que aliás estão impecáveis. Será que as campas dos soldados portugueses da Grande Guerra estão tratadas minimamente? Será que se mantêm um respeito mínimo pelos militares portugueses?

Esta ida de Sócrates a 9 de Abril e não existir ninguém no staff que lhe lembre ou informe, ou o embaixador ou o adido militar em Paris não o informarem e sugerirem incluír no programa da visita uma deslocação em helicóptero, ou coisa que o valha, a um sítio como La Lys acho inacreditável. Será que não sabem? Não estão a par destas coisas? (...)

(José Maria Montargil)

*

(...) o que me leva a escrever é exactamento um comentário seu na sua crónica semanal da Revista Sábado, da qual sou leitor assíduo, do qual descordo por crer que excessivo. No que diz respeito à visita do Primeiro Ministro a França numa data tão importante para o passado português, não aqui querendo desculpar o Engº Sócrates, mas falo sim em nome das gerações mais novas, que acusou de falta de memória e sem respeito. Julgo que ninguém pode ser acusado de falta de respeito involuntáriamente. Se não sabem, ou é porque tal data não é devidamente leccionada nas escolas, ou porque como se tratou de uma derrota não a querem lembrar, e ou ainda, porque provavelmente não são devidamente mencionadas nos manuais escolares.

Isto sim uma preocupação maior. Julgo que o passado é o melhor caminho para compreender o Presente e preparar o futuro. A falta de respeito que cita para mim não existe nesse sentido. A Real falta de respeito vem de uma questão maior: da incapacidade ou mesmo falta de vontade em solucionar o problema. Os sucessivos governantes preferem o povo ignorante a tê-lo "sabido".

(Paulo Pereira)
 


EARLY MORNING BLOGS 757

A Palidez do Dia


A palidez do dia é levemente dourada.
O sol de inverno faz luzir como orvalho as curvas
Dos troncos de ramos Secos.
O frio leve treme.

Desterrado da pátria antiqüíssima da minha
Crença, consolado só por pensar nos deuses,
Aqueço-me trêmulo
A outro sol do que este.

O sol que havia sobre o Parténon e a Acrópole
O que alumiava os passos lentos e graves
De Aristóteles falando.
Mas Epicuro melhor

Me fala, com a sua cariciosa voz terrestre
Tendo para os deuses uma atitude também de deus,
Sereno e vendo a vida
À distância a que está.


(Ricardo Reis)

*

Bom dia!

14.4.06
 


COISAS DA SÁBADO : FUTEBOLÂNDIA



Num debate organizado pelo Clube dos Jornalistas na 2 com os correspondentes estrangeiros em Portugal, para comparação das agendas dos órgãos de comunicação social nacionais e internacionais, todos eles se referiram à perplexidade que lhes causa o papel absurdo que o futebol tem em Portugal. Seria impensável, dizia um deles, que as eleições para a direcção de um clube desportivo, abrissem um telejornal, e um caso como o do “apito dourado” dificilmente teria a politização que cá tem e a correspondente cobertura comunicacional. É mesmo impensável que no Reino Unido, tão apaixonado pelo futebol, existissem diários desportivos como em Portugal (não há nenhum, está em criação um). Numa semana em que, mais uma vez, Portugal foi a Futebolândia, com horas obsessivas diante dos ecrãs todos, com uma média de quatro telejornais a abrirem com cada jogo individual, antes e depois do jogo, não contando as inúmeras vezes em que o mesmo jogo volta no interior do mesmo noticiário. A Futebolândia é um dos melhores retratos do nosso subdesenvolvimento.

*
Concordo com o que diz acerca da importância do futebol em Portugal, mas por vezes essas coisas impensáveis acontecem noutros países. Talvez tenha passado despercebida em Portugal toda a polémica na Alemanha após a derrota por 4-1 frente à Itália, com vários deputados a exigir a presença do seleccionador Klinsmann perante uma comissão parlamentar, e a audiência tocante com Angela Merkel, que compreende a situação do treinador porque é parecida com a sua.

O Japão não foi poupado por este editor da Slate:

"Japan's cup delusion indicates a larger phenomenon: In economic matters, Japan is becoming increasingly unlike the American image of Japan. In the American mind, Japan is a nation of efficiency, hard work, and self-sacrifice, in which prosperity only comes from punishing labor. But Japan is embracing the reward-without-work philosophy that is the hallmark of, well, Americans. Japan has become gullible, believing in quack remedies for its severe economic illness. Prime ministers promise salvation through painless economic reforms. Now the World Cup is supposed to restore the economy with some vague soccer magic. Just hold a monthlong soccer fiesta and everything will be glorious again, as if Zinedine Zidane and Luis Figo can make the nonperforming loans vanish or fix the rigid school system or inspire a generation of risk-taking entrepreneurs. Starting today, Japan learns that soccer is a game, not an economic plan." (Artigo completo)

(Paulo Almeida)
 


RETRATOS DO TRABALHO EM TAVIRA, PORTUGAL


Salinas de Tavira.

(João Caetano Dias)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: BUSINESS FREE ENVIRONMENT



Há 2 anos e meio ,uma paisagem verde foi devastada na zona do pinhal no distrito de Castelo Branco. Da casa onde passo alguns fins de semanas, e alguns dias de férias durante o ano, apenas via o verde e ouvia o vento por entre os pinheiros .Hoje só vejo gigantescas ventoinhas eólicas e um conjunto de serras carecas. As populações que vivem na povoação junto ao “parque eólico”, não conseguem descansar de tanto é o zumbido das pás das ditas ventoinhas. Felizmente disso não tenho de suportar…apenas uma paisagens lunar, desértica e escaldante alguns dias no ano. Da madeira não há já nada, reflorestação é mentira ( se calhar está á espera daqueles pacotes businessfreeenvironment, tão sui-generis, do estilo do nosso primeiro ministro , the one and only best dress socialist-capitalist lover…e destinados não aos proprietários…esses malandros absentistas…mas a algum senhor da pasta de papel..pois ).Desta ecologia ameaçada não se vê queixa. Portugal está a ficar careca …e sem tratamento.

(...) Para que conste, e por ser verdade, o concelho é o de Proença-a-Nova , a povoação é a aldeia de Vale d´Urso.

(António Carrilho)
 


BONS DIAS, GOOD MORNING, BONJOUR

Acabei de dar os bons dias e recebo um e-mail que dizia "bonjour" por parte do Administrateur Exécutif du Comité d'Attribution des Marchés et Contrats Corporation Nationale Pétrolière CI, da Costa do Marfim, um nome que é já todo um tratado de sociologia política:
Bonjour,

Je suis Docteur Amobé Séko Philipe, de la République de Côte d'Ivoire, Administrateur Exécutif du Comité d'Attribution des Marchés et Contrats à la Corporation Nationale Pétrolière de Côte d'Ivoire (C.N.P.C.I). J'ai été dans cette position durant les 5 (cinq) dernières années mais, je n'ai rien qui puisse montrer cela, j'aurais aimé qu'ensemble, nous formions un partenariat d'affaires avec pour critères exclusifs l'honnêteté et la confiance, partenariat dans lequel tous les deux, nous tirerons énormément profit.

En ma qualité d’Administrateur Exécutif du Comité d'Attribution de Marchés et Contrats, je vous octroierai une faveur d'un contrat de 21 millions (€ 21.000.000 Euros) pour la fourniture à nos Forages, Plateformes et Raffineries, de Turbines à Gaz, Turbocompresseurs, Foreuses verticales, Enrobeuses, Anneaux Pipelines et d'équipements, ainsi une avance sur frais de 10,5 millions Euros sera mobilisée à vous en tant que fournisseur au départ pour commencer le travail."
O resto todos sabem o que é.
 


EARLY MORNING PICTURE


Sexta feira santa.

(Gil Coelho)
 


EARLY MORNING BLOGS 756

Permanently


One day the Nouns were clustered in the street.
An Adjective walked by, with her dark beauty.
The Nouns were struck, moved, changed.
The next day a Verb drove up, and created the Sentence.

Each Sentence says one thing—for example, "Although it was a dark rainy
day when the Adjective walked by, I shall remember the pure and sweet
expression on her face until the day I perish from the green, effective
earth."
Or, "Will you please close the window, Andrew?"
Or, for example, "Thank you, the pink pot of flowers on the window sill
has changed color recently to a light yellow, due to the heat from the
boiler factory which exists nearby."

In the springtime the Sentences and the Nouns lay silently on the grass.
A lonely Conjunction here and there would call, "And! But!"
But the Adjective did not emerge.

As the Adjective is lost in the sentence,
So I am lost in your eyes, ears, nose, and throat—
You have enchanted me with a single kiss
Which can never be undone
Until the destruction of language.


(Kenneth Koch)

*

Bom dia, Nomes!

13.4.06
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: A PÁSCOA NO PAÍS REAL



Vou passar a Páscoa numa aldeia da Beira-Baixa que tem uma centena de habitantes com uma média de idades superior a 70 anos e onde o único computador existente é o meu portátil - e só quando lá estou.

Telefones, há dois ou três; Internet, só existe em dois lugares, a meia-dúzia de quilómetros de lá (na vila), e nem sempre está a funcionar - e muito menos aos fins-de-semana. (Havia um Net-post nos CTT, mas foi retirado). As outras possibilidades (eventuais, pois não sei sequer se existem) são a 25 km, em Castelo Branco.

E é num país assim que uns citadinos lunáticos querem que se pague o selo do carro só através da Internet - e outras coisas igualmente sem pés nem cabeça.

(C. Medina Ribeiro)

*
A possibilidade do «selo do carro» poder vir a ser pago exclusivamente pela Internet motivou um coro de protestos e um sobressalto que atravessou o país de lés a lés. Porque muita gente não tem condições para ter Internet em casa, porque é um acto de liberdade prescindir da ligação à Internet mesmo que se tenham condições, porque um grande número de portugueses não sabe navegar no ciberespaço… Esta é quiçá uma argumentação válida, mas pouco reflectida, pois considero a medida positiva, com exequibilidade e pode significar um avanço civilizacional. Passo a explicar.

Para aqueles que estão habituados a lidar com as novas tecnologias, a possibilidade de realizar este serviço no conforto do lar, no local de trabalho, frente a um terminal ligado à Internet é uma bênção. Para todos os outros avessos à utilização das modernas tecnologias de comunicação aos poucos poderão aquilatar das suas vantagens. Se em todas as juntas de freguesia, municípios, em todas as aldeias, vilas e cidades houver pontos públicos de acesso à net e que funcionem devidamente, será incrivelmente fácil implementar a medida em benefício dos utentes e proprietários de veículos que terão toda a comodidade de aceder ao serviço, ultrapassando o desperdício de trabalho e incómodo de se deslocar à Repartição Pública.

Os mais distraídos dirão que a medida acarretaria muito investimento dos municípios ou da Administração Central. Também errado. Na prática já existem esses locais públicos de acesso ao ciberespaço que são os denominados Gabinetes de Apoio ao Cidadão (GAC). Estes postos de atendimento nas Juntas de Freguesia foram criados porque não é credível que todas as pessoas tenham proximamente Internet nas aldeias, daí constituírem uma porta para a rede mundial. Infelizmente eles não funcionam e não têm cumprido o seu papel, pois não se demonstra às pessoas a sua utilidade, conforto e facilidade. Os GAC ou afins podem fazer a interface entre a pessoa e o serviço público que está na sede de concelho, de distrito, na capital, etc. para além de todas as outras possibilidades de comunicação. Os serviços públicos de acesso à Internet podem passar para além da iniciativa privada por outras redes de ciberpontos ou tão simplesmente pela itinerância do autocarro camarário pelos locais concelhios.

Assim, julgo que será com a obrigatoriedade de aceder a determinados serviços pela rede digital que se implementará uma sociedade mais moderna, informatizada e em consequência se elevará o nível de alfabetização digital da população.

(José Alegre Mesquita)
 


RETRATOS DO TRABALHO EM LAGOS , PORTUGAL


Escolhendo o peixe na lota de Lagos (Agosto 2005).

(José Fernandes Santos)
 


POLÍTICAS PARA FAZER OPOSIÇÃO



Deslocou-se o PS para o "centro", onde tradicionalmente habitava o PSD, ocupando um espaço político que o asfixia? Como se pode fazer oposição contra um governo que parece realizar com mais determinação as reformas que sempre foram defendidas pelo PSD? Não é possível, ou é difícil, tomar uma posição distinta, que demarque o PSD do PS? Todos os dias é possível encontrar este tipo de afirmações, que me levam a uma reacção do género: tretas, bullshit. Quisesse o PSD e todos os dias se perceberiam claras e distintas as diferenças, onde há diferenças. O problema, também tão claro e distinto, está no "quisesse".

Exemplos? Não faltam, embora exijam coragem e nalguns casos rupturas com o passado, mais com as atitudes tomadas do que com posições programáticas. E não faltam exemplos, porque o PS pode andar na dança das cadeiras entre os lados da sala, mas verdadeiramente não se senta em nenhuma, a não ser naquela em que já está sentado, uma cadeira onde os pés são os impostos, e as costas e braços o Estado. O primeiro-ministro quer fazer dessa cadeira um móvel de design, inteligente e com luzes a brilhar, mas é mais deslumbramento do que substância.

Vamos aos exemplos. Deixo de lado todo o terreno habitualmente mais debatido da configuração do Estado e do seu papel na economia. Não porque não seja decisivo, mas sim porque me parece aí evidente que o que falta à oposição é assumir uma política liberal consistente, menos presa à vulgata do liberalismo teórico e mais concentrada num esforço continuado para diminuir sempre o Estado onde ele não é preciso, encontrar sempre soluções do lado da sociedade, privilegiar a iniciativa da liberdade individual e não a da engenharia social. Aí, as distinções possíveis, não as que existem hoje, mas as que deveriam existir, são tão flagrantes que não vale a pena estar a arrombar portas abertas: o país precisa de mais liberdade e de mais liberalismo.

Deixemos também de lado as chamadas "questões fracturantes" que, ou são folclore radical que chegou ao mainstream pela máquina destiladora do "politicamente correcto", ou então são matéria de consciência e de vida privada, em que o Estado não devia meter-se. É um sinal da degradação da nossa vida pública e do esvaziamento político dos principais partidos portugueses que essas "fracturas" tenham tido a dimensão que tiveram, se tornassem, e regularmente se tornem, questões centrais da agenda política. O máximo resultado que dão é produzirem mais legislação de engenharia social, que manterá a sociedade exactamente como estava antes.

Exemplos de zonas de oposição? Comecemos por uma, tão crucial quanto ignorada e reprimida: a política externa, a visão global de uma política externa no mundo tal como é hoje. Defrontando questões como o Iraque, a Bósnia, as relações transatlânticas, a construção europeia (que ainda é uma questão de política externa), as relações com os PALOP, onde não existe hoje um corpo de pensamento, mas apenas continuidades que passam por ser "política de Estado", ou meras posições oscilantes ao sabor da decisão de outros. Um país que tem tropas na Bósnia, que participa nominalmente no esforço de reconstrução do Iraque, que alterou a sua Constituição para aprovar um Tratado Constitucional, que tem um problema simbólico de identidade com Espanha, que tem uma larga comunidade emigrante pelos cinco continentes, que partilha uma das línguas mais faladas no mundo, pensa muito pouco no que se está a passar à sua volta.

Comecemos com Espanha. Não é preciso ir mais longe - Espanha está a mudar muito devido à crescente força das suas autonomias, que os entendimentos com a ETA vão fortalecer. O desenho político do Estado espanhol está muito mais fragmentado, e se é fácil aos portugueses encontrar uma Espanha unitária na economia, já é cada vez mais difícil encontrá-la na política externa, em que Zapatero causou perplexidades e estragos a um caminho de "grande potência" que Aznar seguia. Que implicações tudo isto tem para nós? Não estudamos, não conhecemos, não sabemos e por isso o "Espanha, Espanha, Espanha" do primeiro-ministro é tão vazio como o pragmatismo sem princípios que passeou por Angola. Em todas estas matérias não há hoje doutrina, mas uma sucessão de posições ao sabor da opinião pública.

Passemos para a questão do terrorismo apocalíptico dos nossos dias, associado a todos os problemas confrontacionais de carácter cultural e civilizacional com o fundamentalismo muçulmano, envolvendo a questão israelo-palestiniana, a situação no Iraque, e, no limite, o fosso entre parte da União Europeia e os EUA. Aqui sei mais o que pensa o PS de Sócrates (que não é o mesmo do PS de Gama), do que sei o que pensa o PSD, porque este deixou degradar o seu pensamento com medo da impopularidade de algumas posições que nunca defendeu como devia - como seja a participação de Portugal na cimeira dos Açores. Mas também sei que em todas estas matérias se exige uma ideia estratégica. E a haver um esforço de clarificação, perceber-se-á como é fundamental alicerçar uma oposição à política externa socialista, que encontra em Freitas do Amaral um dos seus expoentes mais radicais. Que melhor terreno para os partidos de oposição para fazer oposição, onde ela faz falta, numa matéria como a política externa, onde a tradição de consenso é hoje em grande parte feita de ambiguidades?

Querem outro exemplo de diferença numa área crucial para o futuro e qualidade da nossa democracia e do espaço público? A defesa da privatização total dos órgãos de comunicação social do Estado. Aqui o PSD já teve posições muito distintas, tendo já defendido na liderança de Marcelo Rebelo de Sousa essa privatização total, depois, com Barroso, recuou. O historial prático não é brilhante: enquanto governo foi tão estatista como o PS, controlou a comunicação social pública como o PS, mas tem a seu favor nesta área a privatização de uma parte da comunicação social pública e a abertura do espaço audiovisual ao sector privado. Há muitas razões de fundo para olhar para o sector da comunicação social pública de modo inteiramente distinto daquele que é habitual hoje. Há razões políticas, culturais, económicas e tecnológicas, para se fazer essa mudança, que é, aliás, inevitável por causa da revolução na produção, gestão e divulgação da informação e do entretenimento.

Muitos outros exemplos de diferenças em que se podem alicerçar políticas de oposição necessárias apareceriam se olhássemos para o nosso país tal como ele é: um tecido desigual de muito arcaísmo e pouca modernidade, com tendência para que a modernidade seja moldada pelo arcaísmo, um misto de práticas subdesenvolvidas, com muito escassas "boas práticas", com pequeno enraizamento social. O Governo PS mostra pouca sensibilidade com esta realidade, deslumbrado que está pelo brilho tecnológico de receitas sem qualquer correspondência com a nossa realidade social.

Aqui há uma verdadeira cornucópia de linhas de actuação alternativas: desde a afirmação crucial do papel da mentalidade empresarial, que para se gerar da escola para o trabalho, implicaria mudar, e muito, as velhas universidades e pôr em causa os seus poderes corporativos; até à formulação de uma nova política agrícola, que também se tornou terreno apenas de práticas de resistência ou de adaptação aos subsídios europeus e que precisa mais do que nunca de uma visão de conjunto. O mesmo se pode dizer da necessidade de, de uma vez por todas, mudar o centro da política de "cultura" estatal, baseada na subsidiação, a favor de uma distinção entre políticas patrimoniais e políticas de animação e educação, que ganham em ser realizadas por outro tipo de ministérios, como o da Economia e da Educação.

O país está a entrar num novo desenvolvimentismo ecológico, ou seja a utilizar argumentos que eram clássicos dos grupos ecológicos, como seja a crítica às energias não renováveis, para criar áreas de negócios "verdes" que trazem consigo novos riscos e pressões ambientais que ninguém quer tratar como tal. É o caso da desaparição progressiva da paisagem natural com a instalação maciça de parques eólicos. Esta nova economia "ecológica" fará tantos estragos como a antiga se não se travar a corrida para o lucro predador que já está em curso, e não será do PS que virá essa preocupação.

Depois, a agenda da economia, no sentido lato de "economia política", não é a dos jornais económicos, como pensam os yuppies socialistas e sociais-democratas. Falta nessa agenda muita coisa que não pode ser ignorada na acção política: o mundo do trabalho, o mundo das micro-empresas, a agricultura, o novo tecido social gerado pelas mudanças económicas, desde o impacte do desemprego nas expectativas de vida, as novas formas de conflitualidade social, até aos problemas gerados pela emigração, a que fechamos muitas vezes os olhos.

Não faltam, como vimos, muitas áreas em que se sabe o que o PS, os seus Governo e primeiro-ministro pensam, fazem ou não fazem e até onde vão. Ora, toda uma outra visão de Portugal existe e faz diferença. Esse Portugal precisa de oposição, precisa de alternativas. É verdade que muitos dos exemplos que dei são polémicos na oposição, porque escapam ao terreno comum em que PS e PSD têm gerido, muitas vezes em continuidade, o Estado. Mas se não se quer mesmo morrer asfixiado e dar razão aos teóricos da ocupação do "espaço político" tem que se fazer uma revisão profunda em todas as áreas fundamentais da política. Uma revisão do que se fez, das posições tradicionais tidas no passado, e dos problemas do presente. Se tal for feito, ver-se-á como há mais razões, históricas, programáticas e ideológicas, para defender estas alternativas do que para andar a mexer por turnos o mesmo caldeirão.

( No Público.)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: TEMPESTADES COIMBRÃS
http://www.rosings.com/coimbra.jpg

(Sobre a nota LENDO O LE MONDE DIPLOMATIQUE, JUNTO AO MONDEGO, NUM DIA CINZENTO, AO LADO DO BARCO "BASÓFIAS", junto da qual se pode encontrar uma primeira série de comentários.)

Para descentrar um pouco o debate, uma citação de Fernando Pessoa sobre "o provincianismo português":

«Se, por um daqueles artifícios cómodos, pelos quais simplificamos a realidade com o fito de a compreender, quisermos resumir num sindroma o mal superior português, diremos que esse mal consiste no provincianismo. O facto é triste, mas não nos é peculiar. De igual doença enfermam muitos outros países, que se consideram civilizantes com orgulho e erro.
O provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela - em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz.
O sindroma provinciano compreende, pelo menos, três sintomas flagrantes: o entusiasmo e admiração pelos grandes meios e pelas grandes cidades; o entusiasmo e admiração pelo progresso e pela modernidade; e, na esfera mental superior, a incapacidade de ironia.»

Recomendo o texto completo.

(João Filipe Queiró)

*

Viva
(de novo uma reacção ao Abrupto, de Pacheco Pereira, que pelo menos veio até Coimbra, provavelmente não para ouvir o ministro do ambiente, de cuja vinda eu própria só soube hoje, depois do debate na Assembleia da República...),

Susto e pavor, diz ele, a propósito das mulheres que em Coimbra viu! E talvez com alguma razão, mas não andarão elas um pouco por todo o lado, incluindo em Lisboa? Muito compostinhas e bem comportadas, intervieram hoje à tarde no debate da Assembleia da República deputadas de todos os partidos, em termos ideológicos de forma praticamente indistinta, a respeito do projecto de lei de apoio às vítimas de violência transfronteiriça. Mas moita a respeito de outro assunto em debate! (Refiro-me a um de que já aqui tenho falado várias vezes).

Bem poderão começar a tirar uma especialização em enfermagem, as mulheres de Portugal. É pelos vistos nesse papel que gostam mais de se ver, e é esse seguramente o papel (não remunerado) que mais tarde ou mais cedo lhes irá caber, pelo menos às de Coimbra. Ou então sentem-se bem no papel de secretárias e de empregadas domésticas. Para além de no de donas ou empregadas de boutiques... Tudo fruto de um destino (ou «desígnio» inter)nacional. Porque, nestas condições, quem deseja verdadeiramente ser mãe?
Ou ler um livro, para adquirir a consciência (incómoda) da dimensão a que a exploração chegou?
As estatísticas da natalidade confirmam-no.

Um certo (en)fado, seguramente, transforma-as em fadas. Ainda havemos de as ver (às deputadas no parlamento) a limparem o suor da testa aos seus comparsas homens, entretidos nas suas engalfinhações retóricas e por vezes quase versejantes (salvo raras excepções: Carloto Marques foi hoje essa excepção, porque disse ao que vinha com autenticidade - a voz tremia-lhe um pouco - e sem encenações machistas).

Já vejo uma aura de ouro redondinha a nascer à volta da cabeça de muitas mulheres portuguesas, deputadas ou não, como nas representações medievais dos santos. O pior é que, antes de o círculo dourado da auréola se fechar, os dois semi-círculos que o formam, surgindo lentamente a partir de baixo, fazem com que a dada altura aquilo se pareça com uma meia-lua, equiparável a dois cornos de vaca. É dessa imagem da mulher que se alimenta boa parte da economia que nos afecta. Não há destino que não possa por vezes dar em desatino...

Quase nenhuma mulher em Portugal questiona as matérias duras da economia, salvo honrosas excepções (Heloísa Apolónia foi hoje uma dessas excepções, mas cingiu-se demasiado à temática do ambiente, que possui contornos por vezes demasiado angelicais).

Berardo põe mulheres nuas arqueando o corpo no Centro Cultural de Belém, sem garantias de o Estado não sair financeiramente lesado, e a Cultura em Portugal (há uma mulher à frente desse ministério, por sinal...) fez o favor de aceitar a desfeita.

Pacheco Pereira queixa-se das livrarias de Coimbra. Não será por acaso que isso acontece...
É que em Coimbra é inaugurada em breve mais uma Fnac, na margem esquerda do Rio, num centro comercial megalómeno que abre dentro de dias (depois de há um ano ter sido inaugurado outro, deixando os restantes às moscas...). Quando se desce a Avenida Sá da Bandeira vê-se agora, por cima da silhueta daquilo que em tempos foi o agradabilíssimo mercado municipal de Coimbra, semi ao ar livre, a torre colorida de um espampanante e por sinal gigantesco centro comercial. Obviamente que não foi inocente a escolha do local, aliás no sítio onde antes se localizava uma fábrica têxtil entretanto falida. Aí trabalhavam sobretudo mulheres. Talvez algumas tenham agora uma lojeca de trapos ou de colares de madeira com «coraçõezinhos».

Ora, no folheto de apresentação da Fnac, que bem poderia situar-se no Pólo 1 da Universidade, nem um livro vemos: apenas aparecem promoções de equipamento electrónico, desde computadores portáteis a câmaras de filmar, e o fado - sempre o fado - como chamariz, pois então. Ah, que saudades da minha biblioteca poeirenta e desarrumada, sem estilo nem design! Apetecia-me sentar-me lá num fim de tarde, com um livro bem velhinho e uma boa chávena de chocolate quente. Ouvindo o Requiem de Mozart.

Não me excluo da culpa por as coisas serem assim e por o conceito de cultura ser hoje tão restritivo e espumoso, sobretudo para as mulheres portuguesas. Mas - independentemente das definições que circulam - não deixo também de me sentir vítima dessa mesma cultura opressiva e até violenta, porque ela no fundo nos humilha.

De qualquer modo, se elas, as mulheres, não assumirem esse papel de fadas benfazejas, eles alguma vez o assumiriam? É aqui que está (eternamente?) o cerne do problema da nossa incultura. Bem hajam aqueles (poucos) homens que são capazes de dar um passo em frente na mudança que urge fazer contra esta quantidade imensa de sorrisos amarelos na política portuguesa. E que não o fazem apenas para depois se contemplarem ao espelho, extasiados com o «estatuto» alcançado.

(Adelaide)

*

Surpreendente é para mim o sonho do leitor Paulo Agostinho. Sonha com uma Fnac, o antro do consumismo, dos jogos de computador, televisores de plasma e "gadgeteria" diversa, onde também há alguns livros e uns comes e bebes. Afinal ainda vai ser a "culture française" que vai inundar da "modernidade" as nossas tristes e baças cidades. Na passada, liberalize-se o preço do livro e rapidamente, nem livrarias "inimagináveis de provincianas, escuras, mal abastecidas" existirão.

Os homens sonham com uma Fnac ao pé da porta, onde se deslocarão de automóvel, como em tempos as donas de casa sonharam com um hipermercado. Eu sonho com mercearias e livrarias de referência. Dispenso essa alegre "modernidade", sou um autêntico selvagem.

(José Rui Fernandes)

*

A baixa e a alta de Coimbra, a estação de comboios Coimbra B, pararam no tempo. Coimbra parou no tempo. Mas é por isso mesmo que se torna tão enternecedora. Os gatos errantes nos becos, as calçadas íngremes, aqui e ali um grupo alegre de matriculados na Universidade (quais estudantes!), descontraídos e com olheiras, as velhas républicas, as lojas de moda completamente demodés, os restaurantes às moscas, a Queima à porta, a festa da Rainha Santa como há 40 anos, o ar leve da Primavera e aquela tranquilidade típica da irracionalidade e do provincionalismo puros (nos resultados do ano lectivo, dos lucros do comércio, na necessidade da cidade se modernizar…). Coimbra é uma canção, de sonho e tradição. A lua a faculdade. Ai, Saudade. Adoro a minha cidade!

(Helena Oliveira)

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Também leio o “Le Monde Diplomatique”, mas nunca o li nem junto ao Mondego nem ao lado do “Basófias”. Questão de gosto, é claro.
Aqui vivo há 50 anos. Nunca deixei de comprar um livro que desejasse. A melhor colecção de Jornalismo, por exemplo, é editada aqui; são os livros que me interessam particularmente. É mais fácil encontrá-los em Coimbra do que noutro lado qualquer. Os de Direito, confesso, passam-me ao lado. Mas se também os há, e bons, tanto melhor.
E se não há algo que me interessa e cá não há, como vou por vezes a Lisboa e ao Porto, as FNAC são pontos de passagem obrigatórios. Outras vezes, navego pelas “ciber-livrarias”. É fácil, acredite; e muito mais seguro desde que inventaram o Mbnet.

Quanto a Coimbra-província pura, deixe-me dizer-lhe que fico feliz pela avaliação. Esse é o objectivo de quem cá está, acredite. Coimbra é uma aldeia; somos 120 mil e conhecemo-nos quase todos uns aos outros. Vive-se bem, acredite.

PS – Quando concluíram a auto-estrada Lisboa-Porto muitos disseram que Coimbra iria morrer. Enganaram-se: melhorou (e muito!) a nossa qualidade de vida. Continuamos provincianos, cidadãos do mundo.

(Mário Martins, Coimbra)

*

Não deixa de ser engraçado como continuamos a achar que tudo vemos sabemos a partir de uma mera observação. De facto, o que vemos vem dos nossos pressupostos, mais do que das observações. Os elefantezinhos e companhia em nada perdem para as folclóricas tias do Herman e as suas correspondentes reais - há-as em todo o país, ainda que sem a pronúncia da Linha.

Quanto ao andar "vestido à padre", não vejo que mal tenha isso, da mesma maneira que não vejo que mal tenha andar de fato e gravata ou andar vestido à punk. São linhas conformistas - mesmo as supostamente mais anti-conformistas, por vezes indicadoras de falta de autonomia para decidir. Acho é estranho o adjectivo "poeirentos". Talvez onde estava, sem dúvida: é piso de terra - seco, presumo - é natural que as capas levantem algum pó. Mas é de facto algo que deixa um sorriso, não propriamente um incómodo, quando se passou pela cidade. A vida académica é bem mais rica do que noutras que conheci - e não me refiro ao folclore: há um contacto rico entre colegas de todas as áreas académicas, em actividades muito diversas, não apenas nos colegas do "grupo" ou "da faculdade". Há debate intelectual (e parvoíce comum, claro), há contacto com outras realidades - muito forte.

As livrarias são um aspecto cada vez menos importante neste particular, especialmente nas áreas técnicas: há acesso a informação actualizada via Web, há acesso ao inventário de quase todos os livros do mundo via Web, em vez de cingido às existências de uma livraria; há acesso barato a esses mesmos livros, quando decidimos comprá-los. O papel (nos dois sentidos) da livraria física continua válido, mas muito menos importante. Sim, as lojas da baixa estão decadentes - por culpa própria, pois impedindo a concorrência "moderna" dos centros comerciais até recentemente, era mais fácil subsistir.

Quanto às capas, usadas por muitos por apego e gosto pela tradição, são algo a louvar, pois é um uso mais autêntico do que tê-las meramente para efeitos administrativos de formatura ou cerimónia. E tanto jeito dá poder passar uns tempos só a ter de ter limpas e lavadas as camisas brancas e calças pretas, desde que não se suje a batina nem a capa... Que jeito dá ter uma capa para a noite fria, para por em cima da relva, para objecto ou fetiche de companhia... Enfim, compreendo a existência do seu ponto de vista, mas passa-me ao lado.

(Leonel Morgado)

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Serei breve, mais pelo piscar de olho à amiga que mandou o Blog (não sou grande leitor do género, mas em cidades pequenas as notícias correm depressa…), do que para expiar a gravidade da ofensa ou o orgulho ferido… longe de mim, quero mesmo supor que todos têm razão, simplesmente quando J. fala de P., fica-se a saber mais de J. do que de P.… Neste cômputo, o choupal serviria tão bem ao desfecho, como o novo estádio municipal... Mas vamos às livrarias. Tudo uma questão de perspectiva, diria eu, e as cidades prestam-se muitos bem a todos os enganos.

Cresci sempre com a impressão de que Coimbra era uma cidade boa apenas para se nascer. A abertura de uma livraria a meias com amigos, foi a única razão suficiente para me fazer ficar uns anos mais. A ideia era nova e desempoeirada: uma espécie de extensão mais bem composta da estante lá de casa, num sítio aprazível, central e moribundo como convém, a uns metros do largo onde o Nozolino fez o retrato perfeito de uma cidade. A coisa tinha bom ar, embora fosse pintada a tinta barata. Uma única área disciplinar (a que conhecíamos melhor), bastante entrecruzada para não parecermos obsessivos e porque éramos jovens e atentos. Os livros nacionais ficavam de resto em desvantagem com os estrangeiros, apenas e só porque a produção local será sempre diminuta em relação a tudo o que se produz. A livraria durou o que durou, o tempo que a cidade quis e nem um pingo de nostalgia ou de rancor, tempo suficiente para ouvir o elogio de quem garantia ser uma das mais raras livrarias de arquitectura existentes no mundo. OK. Tanto faz. Finis laus Deo.

(abro parênteses apenas para reparar uma meia-verdade: a livraria não fechou, continua aberta – fechada apenas, como as cidades, para quem não se der ao trabalho de dar por elas.)

(vasco pinto, Coimbra)

*

A descrição que faz de Coimbra é a do turista acidental que encalha num sítio que dizem ser o "centro da cidade" e que visto o centro viu tudo.
De facto o basófias e companhia são deprimentes. Mas há mais cidade!
Ouvi dizer que o Sena propunha como as duas mais importantes medidas pós queda do regime a extinção da PIDE-DGS e da Universidade de Coimbra! Provavelmente nunca disse nada disso mas a idéia tinha boas raízes. O problema é que o mundo mudou e as cidades com o mundo. Com certeza o que procura não está onde procura e o que lhe é devolvido na procura não é Coimbra é Portugal!

1. Livrarias
Não vejo grande diferença entre Coimbra e Lisboa ( não estou a falar de alfarrabistas). O panorama é de uma mediocridade confrangedora. Com a FNAC prevista para abrir a 26 deste mês menor a distância.

2. Universidade
Tem centros de excelência reconhecidos por avaliadores internacionais. Tem maus cursos e bons cursos. É demasiado grande e diversificada para ser boa ou má. Está à nossa medida. Entretanto o Salazar já morreu.

3. Vida cultural
Medíocre. Qualquer cidade francesa com o mesmo número de habitantes produz 10 vezes mais cultura que Coimbra. Assim como qualquer capital europeia que se preze produz 10 vezes mais cultura que Lisboa. Sobre a chamada área metropolitana do Porto não convém falar. Obviamente o 10 é um número como outro qualquer e o conceito de produção cultural é aquele que se quiser.

4. Iniciativas da sociedade civil: clubes; ongs; centros de convívio. Tudo muito mau. O costume em Portugal. Existe a televisão.

5. Capas e batinas.
Teve sorte em vê-las. Vivo cá e só as lobrigo nas festas académicas. A pavarosa Queima, a ridícula Latada, etc. Trata-se de folclore cretino. Existe em muitas cidades do mundo dito civilizado.

(Alberto Costa)

*

Não querendo abusar da sua paciência, e mesmo sabendo que não quererá transformar o assunto num diálogo entre os seus leitores, não queria deixar de informar, com referência ao comentário do senhor Paulo Agostinho, que pelo menos numa das três livrarias da Bertrand em Coimbra (uma delas, a maior do pais, segundo penso), encontrará concerteza o Evelyn Waugh, o Goethe e o Dickens, alguns deles em edições estrangeiras, não só da Penguin. Isto, supondo, razoavelmente, que os livros indicados no site da própria Bertrand também se vendem nas suas lojas de Coimbra. Mas posso estar enganado e numa próxima oportunidade irei confirmar.

(António Maçarico, Coimbra)

*

Uma nota que seria injusto não fazer. Coimbra possui uma excelente livraria especializada em Banda Desenhada, que está a entrar no mundo virtual e da venda online . Chama-se Dr Kartoon e aí encontram-se muitas publicações estrangeiras (inevitavelmente, já que pouco se deve publicar em português no campo da BD).

Paulo Agostinho
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(13 de Abril de 2006)


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Excelente ideia do Kontratempos: sugestões para desburocratizar a partir de casos reais. Por exemplo, a obtenção do ISSN.

*

Mário Bettencourt Resendes, "Tempo de ressurreição" , no Diário de Notícias sobre uma prática que falta na nossa imprensa: os obitários de qualidade.
 


RETRATOS DO TRABALHO NA NAZARÉ, PORTUGAL


Vendendo amendoins no Sítio, Nazaré, Abril 2006.

(António Ferreira de Sousa)
 


EM BREVE

a animada discussão dos leitores do Abrupto sobre Coimbra, suscitada pela nota LENDO O LE MONDE DIPLOMATIQUE, JUNTO AO MONDEGO, NUM DIA CINZENTO, AO LADO DO BARCO "BASÓFIAS", continuará aqui em cima.
 


COISAS DA SÁBADO : OS PRÓXIMOS TRÊS ANOS: TEMPESTADE OU BONANÇA?


Olhando para os próximos três anos a primeira impressão de uma pessoa que viva dentro daquilo que se chama agenda mediática é a de uma acalmia anormal no plano político. O governo está confortável na sua maioria absoluta e o estilo autoritário do Primeiro-ministro dá o quanto de confiança necessário, fazendo a propaganda o resto; o Presidente está lá, sólido e previsível, garantindo um módico de equilíbrio para o sistema e impedindo abusos; a oposição está confinada ao seu deserto árido, com lideranças que todos consideram a prazo, mas que ninguém quer substituir por reserva e má fé. Tudo explodirá um pouco, ou talvez quase nada, daqui a dois – três anos na febre das novas eleições, não faltando quem ache que essas eleições manterão tudo como está.

Este olhar é comum naquelas pessoas que são politizadas, acompanham a vida pública com atenção, lêem o Expresso no fim-de-semana, discutem política, são da classe média na maioria dos casos e de meia-idade. Este é o país a que pertence a maioria dos produtores e consumidores activos de informação em Portugal.

E no entanto… No entanto, a aparente acalmia política só pode ser aparente, a não ser que o mundo de palavras, intenções e anúncios a que assistimos seja puramente fantasmático, o que também é só por si uma receita para a perturbação. Tomemos ou não o governo a sério, os resultados sociais só podem ser os mesmos: os próximos três anos só podem ser anos de grande conflitualidade, e é impossível que essa conflitualidade não passe para a política.

Tomemos as reformas que o governo anuncia pelo seu valor facial. Elas significam desemprego, despedimentos e desqualificações na função pública, racionalização de serviços, encerramento de instituições regionalizadas, aumento do custo de vida, mais impostos, menos salários, mais precariedade, pobreza e mediania, onde já não há pobreza absoluta. As expectativas que já são baixas irão ser ainda mais baixas. Se as reformas são para ser reformas, são para equilibrar o orçamento, diminuir as despesas, aumentar as receitas, racionalizar o estado, só podem ter este caminho no túnel, para haver luz no fim de um túnel que não se sabe bem que tamanho tem. Se nada disto acontecer, a crise continuará a agravar-se e fora dos sectores privilegiados pelo estado, os mesmos efeitos se farão sentir.

Por isso convém não tomar como adquirida a paz pública e o sossego político. A não ser se já estivermos todos mortos sem dar por isso, o que também não é impossível de acontecer.
 


RETRATOS DO TRABALHO EM BANGKOK, TAILÂNDIA


Vendendo amendoins em Bangkok (2004).

(José Fernandes Santos)
 


EARLY MORNING BLOGS 755

QUASI UN MADRIGALE

Il girasole piega a occidente
e già precipita il giorno nel suo
occhio in rovina e l'aria dell'estate
s'addensa e già curva le foglie e il fumo
dei cantieri. S'allontana con scorrere
secco di nubi e stridere di fulmini
quest'ultimo gioco del cielo. Ancora,
e da anni, cara, ci ferma il mutarsi
degli alberi stretti dentro la cerchia
dei Navigli. Ma è sempre il nostro giorno
e sempre quel sole che se ne va
con il filo del suo raggio affettuoso.

Non ho più ricordi, non voglio ricordare;
la memoria risale dalla morte,
la vita è senza fine. Ogni giorno
è nostro. Uno si fermerà per sempre,
e tu con me, quando ci sembri tardi.
Qui sull'argine del canale, i piedi
in altalena, come di fanciulli,
guardiamo l'acqua, i primi rami dentro
il suo colore verde che s'oscura.
E l'uomo che in silenzio s'avvicina
non nasconde un coltello fra le mani,
ma un fiore di geranio.

(Salvatore Quasimodo)

*

Bom dia!

12.4.06
 


EARLY MORNING BLOGS 754

Trees


They stand in parks and graveyards and gardens.
Some of them are taller than department stores,
yet they do not draw attention to themselves.

You will be fitting a heated towel rail one day
and see, through the louvre window,
a shoal of olive-green fish changing direction
in the air that swims above the little gardens.

Or you will wake at your aunt's cottage,
your sleep broken by a coal train on the empty hill
as the oaks roar in the wind off the channel.

Your kindness to animals, your skill at the clarinet,
these are accidental things.
We lost this game a long way back.
Look at you. You're reading poetry.
Outside the spring air is thick
with the seeds of their children.


(Mark Haddon)

*

Bom dia!

11.4.06
 


RETRATOS DO TRABALHO EM ILHA GRANDE, BRASIL


Trabalho em Ilha Grande (Brasil), Março de 2006

(Ana Mouta)
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota LENDO O LE MONDE DIPLOMATIQUE, JUNTO AO MONDEGO, NUM DIA CINZENTO, AO LADO DO BARCO "BASÓFIAS".
 


BIBLIOFILIA: MAIS LIVROS, MENOS TEMPO

http://images.amazon.com/images/P/039457589X.01.LZZZZZZZ.jpg http://www.nybooks.com/shop/product-file/19/atim4819/product.jpg


Nancy Milford, Savage Beauty: The Life of Edna St. Vincent Millay

Carol Mavor, Pleasures Taken: Performances of Sexuality and Loss in Victorian Photographs

Patrick Leigh Fermor, On Foot to Constantinople: From the Hook of Holland to the Middle Danube
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: OS PORTUGUESES SÃO DEUSES

Ouvido algures no Ribatejo:

"-Entao eles já andam a pedir para declarar a criaçao?
-Andem, andem...
-E vais declarar?
-Eu nao. Para quê? A minha criaçao tá toda fechada."

Às vezes lembro-me do filme "Il Gattopardo" a propósito de nós, portugueses. Lembro-me sobretudo da cena em que o conde de Salina explica os sicilianos a um emissário de Roma. Recorda uma visita de soldados ingleses à ilha que, embora admirados com a sua beleza, ficaram pasmados com a miséria endémica. O conde ter-lhes-á respondido que os sicilianos nao se preocupavam com o seu estado - os sicilianos eram deuses, tao simplesmente. Às vezes creio também que nós, portugueses, somos deuses, alheios a esses ingleses, de que lemos no jornal e até elogiamos, mas que secretamente desprezamos.

(Pedro Oliveira)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)

(11 de Abril de 2006)


__________________________

Poucas coisas fazem tanto sentido como a de se ser americano e manifestar-se a favor da legalização dos emigrantes. Notícias nos blogues das grandes manifestações a favor dos emigrantes nos EUA.

*

Em vez das absurdas queixas contra o imperialismo anglo-saxónico, a boa maneira dos franceses responderem ao Google: um motor de busca que analisa o conjunto da obra do filósofo Lévinas, incluindo os textos ainda protegidos pelo direito de autor. Na página do Institut d'études lévinassiennes.

*

Um crítico, neste caso uma crítica, Michiko Kakutani, do New York Times, analisada por um crítico, Ben Yagoda no Slate. E Yagoda não é nada meigo:
"The voice this reader would really like to hear in Michiko Kakutani's reviews is not a mock-Holly Golightly voice or the enervated (or prissy) voice of an enshrined critic, but Kakutani's own. Here's a modest suggestion on how to start: Just once, instead of describing what "the reader" expects, thinks, or does, she might try using the word "I."
 


EARLY MORNING PICTURE


Guimarães pela manhã.

(Gil Coelho)
 


EARLY MORNING BLOGS 753

Laméntase Manzanares de tener tan gran puente


Habla el río

¡Quítenme aquesta puente que me mata,
señores regidores de la villa;
miren que me ha quebrado una costilla;
que aunque me viene grande me maltrata!

De bola en bola tanto se dilata,
que no la alcanza a ver mi verde orilla;
mejor es que la lleven a Sevilla,
si cabe en el camino de la Plata.

Pereciendo de sed en el estío,
es falsa la causal y el argumento
de que en las tempestades tengo brío.

Pues yo con la mitad estoy contento,
tráiganle sus mercedes otro río
que le sirva de huésped de aposento.


(Lope de Vega)

*

Bom dia!

10.4.06
 


TEMPOS COMUNICACIONAIS E PROPAGANDA - DEMONSTRAÇÕES


Já se viu muita coisa, mas uma tomada de posse da direcção da Polícia Judiciária marcada para coincidir com os telejornais das 8, devidamente transmitida em directo pela RTP, ainda não tinha acontecido.
 


TEMPOS COMUNICACIONAIS E PROPAGANDA



O intervalo que passa entre o anúncio das medidas do governo e a sua execução efectiva e impacto real, favorece o efeito propagandístico. O que “passa” nas sessões de anúncio, cuidadosamente preparadas por especialistas de relações públicas e assessores de comunicação, onde toda a mensagem é controlada sem contraditório e sem ruído, são as intenções, e as “intenções” são muitas vezes consensuais e de aplaudir, pelo que o efeito é positivo. Este tempo comunicacional dos anúncios é prime time, tempo nobre. Quando se começa a perceber a diferença entre as “intenções” e a realidade, o tempo comunicacional é já bem mais pobre do o do seu anúncio e a mensagem muito menos eficaz até porque muitas vezes já nem sequer está no centro da agenda política.

Se se quiser agora e reler, à luz do que já se sabe, e que já se pôde estudar o SIMPLEX ou o PRACE, e se começa a perceber quais os investimentos que vão ser concretizados, ou a realidade do Plano Tecnológico, ou analisar o primeiro resultado de 6% na política orçamental à luz do relatório Constâncio sobre o défice, quem achará que a agenda mediática actual comporta essas questões? Ninguém, porque as questões já são “velhas”.

O governo está a usar e a abusar deste efeito, mas talvez deva dizer-se que ele só é eficaz pela combinação de dois processos: um, a oposição passar a ser credível, logo a fazer-se ouvir em tempo útil (o que não mudará de um dia para o outro) reforçando a vigilância parlamentar; e outro, a comunicação social deixar de simplesmente incorporar os termos das sessões de anúncio, fazendo uma cobertura “transparente”, que mantém intacta a intenção propagandística. Está mais do que na altura de começar a haver mais distanciação crítica, até para que se perceba o que o governo faz bem e o que não faz e é só propaganda.
 


RETRATOS DO TRABALHO EM MUMBAI, ÍNDIA


Lavandaria manual a céu aberto em Mumbai.

(José Santos)
 


LENDO O LE MONDE DIPLOMATIQUE, JUNTO AO MONDEGO, NUM DIA CINZENTO, AO LADO DO BARCO "BASÓFIAS"

Tudo isto me parece um pouco sinistro, mas encaixa muito bem. Os artigos sobre a defunta lei do CPE, a começar pelo editorial de Ramonet, dão o tom às aguas. À minha volta fala-se brasileiro, língua dos empregados de restaurante em Portugal, produto da globalização. À minha frente, umas jovens senhoras, de grandes anéis de casadas, uma das quais é dona de uma boutique, mostram umas às outras um produto novo: uns colares gigantescos de madeira, iguais a milhares de outros, mas com uns "elefantezinhos" e uns "coraçõezinhos" dependurados (elas falam em diminutivos). "São bons para a tua loja". Susto e pavor.

Ramonet fala em aumentativos. Ele acha que a França, sua sociedade, sua economia, e sua cultura são gloriosas e que agora a "direita" e o "liberalismo" a rebaixam no seu valor. Toda esta conversa de "declínio" e "crise" da França é uma cedência ao "inimigo", diz Ramonet, ou seja ao imperialismo americano e o liberalismo económico anglo-saxónico. Pobre Villepin, que eu conheci Ministro dos Negócios Estrangeiros, sempre com o mesmo ar enfadado, com a arrogância da pequena nobreza rural perante um mundo que não fosse galo-franco-francês, agora passado para o "inimigo", que ele mais que tudo desprezava. Apanhado na sua própria medicina, com a esquerda alter-mundialista do Le Monde Deplomatique a agitar a tricolor.

Coimbra por trás. Sempre achei que devia haver algo de muito errado numa cidade em que os estudantes gostam de andar vestidos à padre. Passam alguns, negros e poeirentos. Uma cidade cujas livrarias na baixa são inimagináveis de provincianas, escuras, mal abastecidas, quase sem livros estrangeiros. Apenas o Direito é rei e senhor, tudo o resto leva à pergunta: como pode uma cidade universitária ter livrarias assim? Tudo triste, baço, esquecido da "modernidade" como agora se diz. Mal por mal, prefiro ver as notícias necrológicas ainda coladas nas paredes como nas aldeias e vilas do Norte. É certo que me parecem ser feitas já em computador e impressas a laser ou jacto de tinta, e depois prosaicamente copiadas. Algures ainda devem ser feitas em tipo de chumbo, apertado nas caixas a cordel, e com os filetes para ocupar espaço. Província pura, o que em si não é mal nenhum, não fosse ser esta a terra da "Lusa Atenas".

*
O "Sempre achei" demonstra o preconceito, claro. Imagino o projecto matinal: "Deixa-me cá ver e ouvir algo que ilustre o que eu à partida já decidi escrever."

Eu por mim sempre achei que a análise de uma cidade exige mais do que percorrer 50 metros de rua. Suponho mesmo que, qualquer que seja a cidade no mundo, e qualquer que seja o preconceito que sobre ela se tenha, existem nessa cidade 50 metros de rua que ilustram o preconceito.

(João Filipe Queiró, Coimbra)

*

É curioso que o leitor João Filipe Queiró reage contra a afirmação mas não a nega. Apenas diz que corresponde a uns metros de rua. Basta ir a Coimbra e ver, andar por aquelas ruas, a maior parte sujas, as lojas antigas, passadas, incluindo – o que é grave na cidade berço da nossa Universidade – as livrarias. Coimbra vive à sombra do que já foi. É aliás muito português... Infelizmente JPP tem razão. Mais valia não ter, mas tem.

(Rui Esperança)

*

Disto tudo, ocorre-me uma coisa: porque será que só os portugueses chamam "língua brasileira" à língua que os brasileiros falam? Os brasileiros sabem bem que falam português. Nunca vi nenhum inglês fazer questão de dizer que os americanos falam uma qualquer "American language". Porque será que nós gostamos tanto de, com uma pontinha de desprezo, dizer que os brasileiros falam "brasileiro"?

(António Franco)

*

Estou exactamente a ver o percurso do JPP. E não foi muito longe, de facto. Mas poderia ter andado duzentos, trezentos metros, que encontrava o mesmo cenário. É a habitual romagem ao pitoresco que se encontra em qualquer guia de viagens e que pode durar mais ou menos, conforme o tempo disponível. Normalmente retratam um mundo em extinção e é bem verdade que frequentemente já levamos esse mundo na cabeça . A Baixa de Coimbra (e a baixinha), por razões comuns a tantas outras cidades europeias, é já quase uma sombra do que foi. Já quase ninguém “vai” à Baixa. Pelo contrário, “passa-se” na Baixa para ir apanhar os transportes para a periferia, da mesma forma que se passa na Rua Augusta para ir apanhar o cacilheiro para a outra banda. E o JPP, assim como falou das capas dos estudantes, poderia ter falado nas duas ou três “tricanas” que todos os dias ainda lavam a roupa no rio, ali mesmo, muito perto daquelas duas senhoras também tão castiças, à sua maneira. Não há falta de livrarias em Coimbra, muito bem fornecidas.. Simplesmente, não passa pela cabeça de nenhum turista (acidental, ou não), percorrer a cidade à procura delas. Eu próprio, numa cidade estranha, nunca o faria. Ou estão perto do local de desembarque, ou não estão. Se estiver muito interessado, e gostar de coisas de livros, entro nelas e vejo o que por lá existe. Se não estiver interessado, limito-me a verificar o arranjo e o stock das montras. Mas nunca tinha pensado na questão dos anúncios de necrologia. Bem visto.

(António Maçarico, Coimbra)

*

Coimbra, pela sua intrínseca ligação à universidade, espelha bem o bloqueio da sociedade portuguesa que subsistiu (e procura subsistir) com base nas corporações, neste caso a universidade, para as quais a competitividade e o confronto com a realidade eram factos irrelevantes. Mas antes pelo contrário, seria a realidade a ter de se adaptar à ficção - o que, a não ser em períodos curtos e sempre com resultados desastrosos, não é, diz-nos o simples senso comum, de todo possível. Ora com a globalização quem é que não está mais interessado em frequentar um curso, um mestrado ou um doutoramento numa universidade britânica ou norte americana ? Será que é o provincianismo que leva os estudantes portugueses a tentar cursar nas universidades estrangeiras ou será também aqui uma mera questão de senso comum: eu ganho mais dinheiro se tirar o curso numa universidade que seja reconhecida internacionalmente.

(Manuel Cortes)

*

O que escreveu sobre Coimbra (e especificamente sobre as livrarias em Coimbra) podia ser também a descrição de Lisboa. Claro que há mais livrarias e claro que existem pérolas esquecidas na baixa, habitadas por senhores nobres que parecem esquecidos do tempo que passa lá fora (o que talvez seja a razão de tanto prazer quando os visitamos), mas na realidade, tirando estas livrarias e alfarrabistas que vivem do hábito, o que há mais?
Quando vamos a uma livraria “universitária”, o que é que encontramos? Um deserto. Os livros estrangeiros são praticamente inexistentes, com excepção do Stiglitz e outros livros de economia básicos, para dar a impressão de ser uma livraria moderna e “cosmopolita”. Não se trata de dizer que só o que não está em português é que é bom, mas antes que aquilo que se escreve noutras línguas é muito mais (e melhor) do que aquilo que é possível traduzir para a língua materna.
O retrato das livrarias em Portugal é a revelação de um país que vive apenas consigo próprio, culpando-se de tudo e, na ausência de “concorrência” ou comparação, se acha natural e paradoxalmente o melhor. O retrato do provincianismo luso é também esta incapacidade de nos medirmos realisticamente com o resto do mundo, e o panorama das nossas livrarias é um espelho disso mesmo.

(João Lopes)

*

Compartilho o seu lamento sobre as livrarias de Coimbra, com maior pesar da minha parte porque nela vivo. Há muito que sonho com uma Fnac nesta cidade. Julgo que esse 'sonho', em breve, será uma realidade. As livrarias tradicionais (por falta de espaço ou de compradores?) não investem nos livros estrangeiros, tirando as colecções da penguin. Provavelmente porque não podem competir com a Internet (por exemplo, comprei mais livros no amazon do que em livrarias de Coimbra, nos últimos anos). Mas até poderíamos conviver serenamente com a ausência de livros em língua estrangeira se as editoras fizessem, como se faz em Espanha, traduções sérias e em grande escala, abrangendo a literatura, as ciências, a História, a poesia,a política... Infelizmente isso não acontece. Onde estão as traduções dos escritos que deram a Churchill o Nobel da literatura? Onde estão os 'clássicos' de Dickens? E Goethe? E Evelyn Waugh? Mesmo obras fundamentais da nossa cultura, escritas em português, se encontram esgotadas há várias décadas, impossibilitando a sua aquisição sem o recurso aos alfarrabistas.
Quanto aos estudantes universitários, estes, em geral, não compram livros, tiram fotocópias de livros. Uns fazem-no por falta de dinheiro (os livros são caros) ou porque não valorizam o livro em si, apenas o olham como um objecto de trabalho, um instrumento para atingir a nota positiva. Outros recorrem às fotocópias porque não encontram o livro à venda. E o vício instala-se.

(Paulo Agostinho)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(10 de Abril de 2006)


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Certeiro e duríssimo, o artigo "Medíocre, mesmo mau!" de Graça Franco no Público (sem ligação) de hoje, contra a política orçamental do governo.Uma contribuição para a diminuição da "treta", que cada vez mais abunda no engolir indiscriminado da propaganda governamental:
"Vamos falar verdade: o défice de 6 por cento conseguido pelo actual Governo em 2005 não é um bom resultado. É, na melhor das hipóteses, um resultado medíocre que, conjugado com o escandaloso agravamento do rácio da dívida pública em mais de cinco pontos percentuais num único ano (passando de um limiar abaixo de 60 por cento em 2004 para uma previsão de quase 69 por cento este ano), só pode ser entendido como um mau resultado. O efeito do galopar da dívida está já à vista: em 2006, de acordo com os números enviados a Bruxelas na semana passada, o Governo espera gastar, em juros, tanto quanto em investimento, perto de 4,4 mil milhões de euros. Em rigor, os números de 2005 só não são péssimos porque o nosso desejo de que "resulte" o trabalho desta equipa para bem do país é tão grande que risca o pessimismo da análise económica."
*

Mais uma razão para contestar as quotas, erradamente chamadas da "paridade", e mais uma razão para contestar a hegemonia masculina na política: os géneros lêem diferente. Os homens são escapistas, as mulheres apaixonadas, diz um inquérito do Guardian, sobre os livros preferidos por sexo:
"The results are strikingly different, with almost no overlap between men's and women's taste. On the whole, men preferred books by dead white men: only one book by a woman, Harper Lee, appears in the list of the top 20 novels with which men most identify.

Women, by contrast, most frequently cited works by Charlotte and Emily Brontë, Margaret Atwood, George Eliot and Jane Austen. They also named a "much richer and more diverse" set of novels than men, according to Prof Jardine. There was a much broader mix between contemporary and classic works and between male and female authors.

"We found that men do not regard books as a constant companion to their life's journey, as consolers or guides, as women do," said Prof Jardine. "They read novels a bit like they read photography manuals." Women readers used much-loved books to support them through difficult times and emotional turbulence, and tended to employ them as metaphorical guides to behaviour, or as support and inspiration."
*
Ainda a propósito do inquérito divulgado no The Guardian sobre os diferentes gostos ficcionais dos sexos, parece-me interessante, mas duvidosa, esta conclusão de Lisa Jardine relativamente ao mercado livreiro e aos prémios literários:

Prof Jardine said that the research suggested that the literary world was run by the wrong people. "What I find extraordinary is the hold the male cultural establishment has over book prizes like the Booker, for instance, and in deciding what is the best. This is completely at odds with their lack of interest in fiction....

"On the whole, men between the ages of 20 and 50 do not read fiction. This should have some impact on the book trade. There was a moment when car manufacturers realised that it was women who bought the family car, and the whole industry changed. We need fiction publishers - many of whom are women - to go through the same kind of recognition," Prof Jardine said.

A este respeito, partilho das reservas que algumas autoras já mostraram face às conclusões algo apressadas do inquérito:

The psychotherapist Susie Orbach professed surprise at the final list - "Where are the young women?" - but said women's continuing weakness for the happy ending with a wedding wasn't a shock: "There is still all of this longing in our psychology. We want these lovely redemptive romantic endings, to be seen and understood, but within the confines of femininity."

Julie Birchill questioned the value of any poll about women's literature: "I think if people had been hooked up to lie detectors the winner would have been Jackie Collins."


Influenciadas talvez pelos preconceitos académicos em relação à literatura light, as autoras do inquérito não referem uma parcela muito significativa - com grandes sucessos de vendas - do mercado livreiro dirigido ao público feminino, a chamada "chick lit" dos diários de Bridget Jones & Cia (que tem entre nós "primas" distantes nas Margaridas Rebelos Pintos e respectiva prole). E, como parece sugerir Orbach, estas jovens autoras, apesar do verniz de (pós?)modernidade, acabam por reproduzir e promover ad nauseam os velhos clichés femininos do final feliz, do "Príncipe Encantado", e da mulher que, feitas as contas, o que mais teme na vida é ficar velha e sozinha. Isto levaria decerto a outras conclusões ainda mais inquietantes e reveladoras...

(Daniela Kato)
 


EARLY MORNING BLOGS 752

Dice la razón: Busquemos
la verdad.
Y el corazón: Vanidad.
La verdad ya la tenemos.
La razón: ¡Ay, quién alcanza
la verdad!
El corazón: Vanidad.
La verdad es la esperanza.
Dice la razón: Tú mientes.
Y contesta el corazón:
Quien miente eres tú, razón.
que dices lo que no sientes.
La razón: Jamás podremos
entendernos, corazón.
El corazón: Lo veremos.


(Antonio Machado)

*

Bom dia!
 


AGUSTINA BESSA-LUIS
FAMA E SEGREDO NA HISTÓRIA DE PORTUGAL


Eu cresci na secreta dependência moral do afonsismo. Meu tio-avô, Joaquim Bessa de Carvalho, teve uma vida prestigiosa na Baía, onde casou. Prosperou com uma frota para comércio de fruta, nesse tempo a laranja; mandada para Inglaterra, grande consumidora de compota. Os abastados negociantes da laranja, espécie de irmandade laica comungante dos princípios maçónicos, não se distinguiam pela cultura. Daí que meu tio-avô, ao enriquecer, se voltasse para as coisas que não teve tempo de aprimorar: os livros e o que neles estava escrito. Foi um dos sócios fundadores do Gabinete Português de Leitura, do que fui informada da primeira vez que fui à Baía.

Meu tio Joaquim, com nome impresso nas Enciclopédias, era um homem severo, de poucas graças. De resto, na família, os homens tinham fama de perigosos, ainda que amáveis quando lhes parecia. Meu tio Joaquim casou as filhas com doutores; o filho foi deputado na primeira República, e ele morreu de repente na sua chácara de Vila-Meã que mais parecia a datcha dum escritor russo, sem escritor.

Desde criança que eu ouvia o nome de Afonso Costa pronunciado com emoção e louvor. E a República pairava como um lábaro por cima do candelabro da sala de jantar de oito braços, estilo holandês mas de madeira de castanho. Afonso Costa, se não era o ídolo, era o que mais se parecia com um dos desses lares, ao lado do bengaleiro, à entrada. Falar de Afonso Costa era proibido como era proibido falar de Yavé na fé dos judeus. No meio do seu silencioso e quase fanático afonsismo, meu pai teve uma ideia genial: mandou-me educar pelas doroteias.

“Quem matou o Sidónio foram as mulheres”, dizia-se, com essa suficiência que têm as senhoras à hora do chá de antigamente. O Sidónio enchia a imaginação das mulheres que, como se sabe, tem lugar para tudo.

Afonso Costa e Sidónio faziam o contraponto de duas posições políticas ou de duas paixões politizadas. O primeiro foi odiado pelas medidas caudalosas de reacções profundas que tomou. O segundo foi amado pela erotização das massas que se julgaram ameaçadas pela revolução. Sidónio Pais inaugura no círculo do P.N.R. (Partido Nacional Republicano) uma medida chave que é o culto da personalidade. O P.N.R. era um partido criado por uma cimeira forte para apoiar uma figura capaz de mover as massas pela sua aura de iluminado. O que, em toda a Europa carente de todos os bens materiais e de cultura, iria dar frutos envenenados. Sidónio defendia um programa de governo presidencialista, no qual o presidente podia dissolver o Parlamento, tendo para isso nas mãos um poder, na sua essência, ilimitado. Egas Moniz avisou Sidónio Pais dos perigos que ele corria contribuindo para o colapso do P.N.R. A população estava do seu lado mas, excluindo as cidades de Lisboa e Porto, o país era um deserto de moral política e em que a propaganda a favor da nacionalidade, como preconizava António José de Almeida, não era prioritária. Por enquanto, o poder estava nas mãos de Afonso Costa. Só ele mantinha a calma tendo o Conselho de Ministros perdido o sangue frio quando a guerra com a Alemanha parecia iminente, dado o pacto luso-britânico. A guerra não era desejada na opinião de Brito Camacho; e, sobretudo, se Londres não apoiasse a intervenção de Portugal, ao menos a honra estaria salva. Brito Camacho tinha uma lucidez aguda e às vezes até cínica. Era ele quem dizia: “Não bulas na barriga ao macho enquanto come”, aludindo aos interesses obscuros que se geravam em volta duma guerra lucrativa para alguns. O movimento monárquico era irrequieto e, para mais, germanófilo e, em consequência, castelhano. “Antes Afonso XIII que Afonso Costa”, era um grito em surdina, mas que era ouvido nos círculos monárquicos.

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O fetiche tinha sido encontrado, o silêncio fora accionado e tanto os germanófilos, como os católicos e os monárquicos agruparam-se em volta de Sidónio Pais. A sua figura, a natural elegância que a farda favorecia, atraiu-lhe as boas graças das mulheres. O regime ditatorial que atribuíram a Sidónio não estaria naquilo que não passou dum breve culto da personalidade. A sua morte favorecia a República, era o que se podia supor. Mas sobretudo favorecia aquilo que já estava na forja, uma ditadura. Pelo que é indecifrável aquele assassinato no Rossio a que não faltou um toque maquiavélico a que tanto a grande política como a pequena política não são estranhas.

Afonso Costa definia-se pela grande política, vinculada às grandes questões, a defesa, a conservação das estruturas económico-sociais. Os seus rasgos elementares mas derivados duma oposição cerrada, desacreditaram-no como homem e como político. O provincianismo que se respira nos ares da pequena política, em que as questões parciais e as lutas de partidos enfermam da ambição de serem elementos indispensáveis da grande política, tornam Afonso Costa um refugiado da República. Foi julgado como homem desonesto, mas não como homem político em profundidade, ou seja, que, cumpra ou não com os seus compromissos, fale à sociedade que pretende e deseja transformar.

Sidónio Pais morre, se não heroicamente, então digamos como a mola duma máquina que atingiu o limite da sua duração. Para ganhar eleições, como se queria, mobilizando um eleitorado cada vez mais desgastado pela República radical, era preciso controlar o Governo; mas aqui interveio a personalidade de Sidónio (que cedo ou tarde acaba por se manifestar no decurso dos objectivos políticos mais genuínos) quando ele pensou criar um partido único de massas. Não teve êxito, era o princípio do partido único que o espírito castrense aprova, mas Sidónio era muito popular e, como Presidente da República, o fetichismo triunfava. Ele era um homem de acção, ou parecia ser, porque a sofreguidão da felicidade cria os seus próprios mitos. Quis fazer o que faz um homem tímido a quem oferecem a glória mais do que o êxito: quis conhecer os portugueses, apertar-lhes a mão e visitar os doentes nos hospitais. Ignorou um dos princípios fundamentais do poder — defender-se da missão histórica e guardar a distância entre dirigentes e dirigidos. O seu porte militar foi, por muitos anos, um atributo indispensável para se assumir a Presidência.

O fraco de Sidónio Pais era o de querer fazer da sua ambição um charme. Ora, ou há ambição, ou charme. Sidónio rodeou-se de gente nova a quem a própria infusão erótica da juventude fazia parecer optimismo. Duma hora para a outra, o favor dos jovens cai no esquecimento e eles próprios não se reconhecem no que amaram tão sinceramente. Chamaram a Sidónio “homem honrado”, o que é sempre um perigo para quem julga que a honestidade faz votos. Quem vota ou é um transgressor, pequeno ou médio, ou está para o ser. A transgressão é óleo da máquina política; faz com que esta role melhor, sem parecer que depende da lei da gravidade.

O que em Afonso Costa era arrogância, que serve no Parlamento, em Sidónio Pais era coragem, que depende da sugestão ou experiência das trincheiras. A coragem requer perseverança, o que faltou a Afonso Costa quando se exilou para Paris com o pretexto de que em Portugal um rapaz de doze anos andava armado. Mas a coragem pode conter um pouco de terror, como creio ter acontecido com a viagem de Sidónio ao Norte e a sua convicção de ter de fazer algo necessário ou algo que esperavam dele. O contrário era perder os seus galões e o significado dado à sua política-paixão.

A fórmula de Léon Blum “O poder é tentador. Mas só a oposição é confortável”, parece ter estado no pensamento de Afonso Costa. Concebe-se plenamente que, em dado momento, preferiu criar as bases duma oposição, a usufruir o poder que é, afinal de contas, mais cedo ou mais tarde “uma norma”. Como chefe do executivo, Afonso Costa estava contrafeito e Sidónio era naturalmente adequado. Mataram-no precipitadamente porque defendia a neutralidade. É evidente que no plano das definições Afonso Costa era um jacobino. Aplicava o absolutismo à soberania popular, sendo o seu dom da palavra uma forma de execução sumária. Nem por um momento deve ter dado atenção a Sidónio Pais senão para garantir as relações de força que tinha que ter em conta para mover os interesses económicos ao seu alcance. A sua paixão não era a política nem o que dela advém, mas os interesses económicos, aquilo com que se lucra ou se perde, o preço, em suma. Ele vinha duma província solitária, franzina na sua produção, trabalhosa e com pouca margem de rendimento. Ao mesmo tempo, propunha ao país ideias demasiado avançadas para o seu grau de instrução. Para o povo as medidas tomadas de rompante por Afonso Costa, ou eram heresias ou então significavam privilégios para os mais ricos ou os mais astutos. Atribuíam a Afonso Costa uma fortuna de nababo e dizia-se que tinha na serra um palácio; não passava dum chalé à moda suíça, como convinha, achava ele, a uma paisagem de neve.

© Guerra &Paz editores, Agustina Bessa-Luís. Reprodução Interdita.


9.4.06
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(9 de Abril de 2006)


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Monumentos, túmulos, lápides. No nove de Abril:



Fotos tiradas quando das cerimónias de 9 de abril de 2005 (Jorge Novo)
Já ninguém se lembra porque existem tantos Largos 9 de Abril por cidades e vilas portuguesas?

Em La Couture, pequena comuna do Departamento do Pas de Calais, há um monumento, construído salvo erro em 1927, por subscrição pública portuguesa, em mármore ou pedra branca, onde pontifica a frase ; "Le Portugal reconnu à la France Immortelle". Nas imediações morreram mihares de militares portugueses, quando o Corpo Expedicionário Português ficou exposto a um ataque alemão, após uma retirada das forças britânicas que guarneceram o flanco, sepultados no cemitério de Richebourg.

Em toda aquela região por esta altura do ano é possivel passear entre campos floridos de papoilas e deparar com cemitérios tão diversos como os das forças ANZAC, os batalhões canadianos ou até um cemitério hindu. Igualmente numerosos, mas não identificados por qualquer símbolo ou sem a nacionalidade nomeada são os cemitérios de militares derrotados,

(Jorge Lobo de Mesquita)
 


RETRATOS DO TRABALHO EM NOVA IORQUE, EUA


Três policias à civil no Battery Park (NY) algemam alguns vendedores ilegais (contei 5) e toda a gente circula quase sem se aperceber do facto. Tive de usar a teleobjectiva para não dar nas vistas. (Setembro 2004).

(José Santos)
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota FAZER OPOSIÇÃO (1).
 


EARLY MORNING BLOGS 751

Voz numa pedra


Não adoro o passado
não sou três vezes mestre
não combinei nada com as furnas
não é para isso que eu cá ando
decerto vi Osíris porém chamava-se ele nessa altura Luiz
decerto fui com Isis mas disse-lhe eu que me chamava João
nenhuma nenhuma palavra está completa
nem mesmo em alemão que as tem tão grandes
assim também eu nunca te direi o que sei
a não ser pelo arco em flecha negro e azul do vento

Não digo como o outro: sei que não sei nada
sei muito bem que soube sempre umas coisas
que isso pesa
que lanço os turbilhões e vejo o arco íris
acreditando ser ele o agente supremo
do coração do mundo
vaso de liberdade expurgada do menstruo
rosa viva diante dos nossos olhos
Ainda longe longe essa cidade futura
onde «a poesia não mais ritmará a acção
porque caminhará adiante dela»
Os pregadores de morte vão acabar?
Os segadores do amor vão acabar?
A tortura dos olhos vai acabar?
Passa-me então aquele canivete
porque há imenso que começar a podar
passa não me olhas como se olha um bruxo
detentor do milagre da verdade
a machadada e o propósito de não sacrificar-se
não construirão ao sol coisa nenhuma
nada está escrito afinal


(Jorge de Sena)

*

Bom dia!
 


AGUSTINA BESSA-LUÍS
FAMA E SEGREDO NA HISTÓRIA DE PORTUGAL

O rei é uma pessoa bondosa, um pouco fútil, o que na realeza se traduz nalguma insolência. Quando da visita do Kaiser a Portugal, ao vê-lo aproximar-se, D. Carlos teria dito: “Lá vem o gajo!”, o que é sintomático duma personalidade desinibida ou até que se diverte com a informalidade. Usa da realeza como dum objecto que só a ele diz respeito, intocável por qualquer coisa de estranho — os outros. Daí a sua simpatia por João Franco, o ditador. João Franco assumira como plebeu o que o rei não se propõe como aristocrata. Será o rei um falso aristocrata a quem a tirania, no fundo, lhe agrada? Há em D. Carlos uma exasperação que contraria a sua índole bonacheirona, de artista de domingo, de soberano por desporto. O povo conhecia-lhe os defeitos, mantendo-se à distância para não ser vítima deles.

Se D. Carlos tivesse demitido João Franco, pelo menos acabaria em paz o seu reinado e depois dele que viesse o dilúvio. Mas a questão é que o rei fizera um pacto com a fatalidade. Ele estava cansado de ser rei, de ser marido, de amar os filhos seus herdeiros ou mais seus herdeiros do que filhos. Há um suicídio encoberto na teimosia de D. Carlos em ir de Vila Viçosa para Lisboa onde entra em carruagem aberta. Ele que já não aparece a cavalo pela cidade e sem guardas. Encontra no presidente de conselho, o quê? A mão que o há-de empurrar para o abismo, e de que ele precisa para se precipitar. Há quem veja o golpe de Estado como uma coisa certa; e diz de João Franco: “É mais fácil suicidar-se do que deixar de ser o que sempre foi”. É isto que o rei admira e talvez inveja. A inveja é um sentimento de frustração. Aparece em qualquer área da sociedade e muito especialmente entre a gente culta e estimada para a glória.

Quando Guerra Junqueiro publica o livro Pátria ninguém quer ver o seu conteúdo. É um panfleto arrasador, é uma execução em regra do regime, é um grito cujo eco não se extinguirá mais. Só vêem um folheto de propaganda no que é uma labareda que chega às nuvens. Guerra Junqueiro era subsidiado e pago pelo sentido republicano do Porto, onde a propaganda era mais activa. A linguagem do poeta tinha a ressonância dum campo de manobras. João Franco, quando soube do triunfo da lista democrática, teria dito: “Republicanos, o quê? Esses diabos ainda vivem?”. Entre esses diabos, estava Afonso Costa, um advogado de Viseu, que depois se tornou na áspide do jardim das delícias que se pretendia ser Portugal.

Não sabemos ainda hoje se Afonso Costa foi um tribuno digno de melhor campo revolucionário, se foi um homem de acção que estaria bem à cabeça dum regime sério. Mas que seriedade podia haver num regime em que o rei troçava mais do que governava? É de Saint-Just a revelação: “Um regime que troça tem tendência para a tirania”.

Nós não sabemos como era João Franco na intimidade. Sem esse dado que se tornou vital para conhecer a profundidade dos factos (e que se tornou disponível exactamente a partir duma nova concepção planetária do homem) não podemos avaliar os actos das pessoas. Os actos e as vontades, e a soma de responsabilidade que lhes é atribuída.

…………………………………………………………………

O rei dizia que vivia numa monarquia sem monárquicos. Como hoje se pode dizer que vivemos numa democracia sem democratas. Bento Carqueja, uns bons trinta anos depois do regicídio, lembrou que as instituições políticas estavam mais ou menos divorciadas da Nação ou a Nação alheada da sua vida política. D. Carlos e o príncipe herdeiro são abatidos no Terreiro do Paço sob o olhar duma corte cega e a obstinação dum governo farto de ter de dar explicações das suas razões. Não há razões sem paixões e estas nem sempre são demonstráveis. Não se leva ao Parlamento um frio de adaga que entrou no coração graças a uma palavra imprudente. A cedência absoluta do rei perante o seu ministro não se pode condenar, nem aprovar, porque pertence aos mistérios das relações humanas. Não se pode demonstrar que uma Constituição é digna de aprovação em todos os sentidos. Benjamim Franklin chamou ”o menos mau dos sistemas” à Constituição submetida ao Congresso de Filadélfia. Porque um certo número de homens reunidos para dar testemunho do seu saber, dão também testemunho dos seus preconceitos, as suas paixões, os seus erros de opinião, os seus interesses locais e a sua visão pessoal dos factos. “Duma tal assembleia pode-se tirar um resultado perfeito?”

E, no entanto, governa-se como se quisessem atribuir à própria acção do governo, um resultado perfeito. E, por efeito duma soma de desconfortos interiores, a massa dos homens que, no fundo, estão alheios aos enigmas do governo para não serem devorados por ele, de repente abatem-no. Latino Coelho via assim a revolução: “um precipício, no fundo do qual está o usurário, oferecendo uma bolsa ao mendigo glorioso”. Para um romântico, não se pode pedir melhor.

Há uma pergunta sem resposta feita pelo Dr. Lopes de Oliveira no II volume da História do Regime Republicano em Portugal. “O rei, se não trazia armas na mão — ignoro-o — tinha ao seu lado quem as manejasse… A sua guarda despreveniu-se?” Nessa mesma manhã de 2 de Janeiro, consta que o rei fora prevenido para não sair de Vila Viçosa e que ignorou o conselho. João Franco não parece perturbado com o desenlace trágico da sua política; e quando a duquesa de Palmela lhe diz, no Paço, — “Mas isto assim é o fim da Monarquia, não é, João Franco?”, ele responde: “O da Monarquia e da minha vida política”.

O pacto cumpre-se; com a morte do rei ele retira-se; com a sua morte, D. Carlos abdicaria. É simples, tem a simplicidade da tragédia. Não é a rainha D. Amélia nos seus crepes de luto, nem o príncipe imberbe e assustado, com as pétalas do ramo nos ombros, as flores do ramo com que a mãe lhe salva a vida, que são o índice da tragédia. São as palavras de João Franco: “Acaba-se tudo e eu também…” O significado da vida política, a de ambos, dele e do rei, terminou. Dois homens ligados pelo poder, a intriga, o desprezo pelas razões que invocam, a amizade selada pela causa pública e, no entanto, pronta a perder o seu instável equilíbrio.

Havia muitos espias (num café, o Martinho, por exemplo, podiam-se contar mais de cem), os passos dos suspeitos e até dos insuspeitos, eram seguidos, vigiados, anotados em cifra. E o rei é assassinado à luz do dia, como se se tratasse dum cumprimento da morte e não das balas dum assassino. Houve quem se aproximasse do cadáver do Buíça, e beijasse a mão que pendia do tabuleiro, na Morgue, e a beijasse. O Buíça ficou como um desses heróis de quem não se fala, desconhecido e recordado a medo. Quando lhe contaram o plano para matar o rei, ele disse, com uma espécie de sensualidade brutal: “Agora que eu tinha em vistas uma rapariga…” Pensava casar-se e ter filhos; é surpreendido por aquele contratempo que lhe pede o melhor das suas forças, numa caçada à presa real, um acto terrível mas que o transtorna de felicidade. Matar o rei é arrastar a coroa dele e, por um momento, coroar-se a si próprio com ela.

Guerra Junqueiro, do alto da sua pequena estatura, da sua combinação de paixão política e ferocidade poética, declama: “O atentado foi obra única de dois homens. E, contudo, as balas de morte partiram da nação”. Ele diz “única”, sublinhando, porque sabe que o Buíça e o Costa foram os sequazes, os servidores dum processo que nunca ficou esclarecido. Era a revolução o que se queria evitar, e matar o rei consistia num golpe que paralisasse a revolução? Seria aprovado o golpe de Estado, aprovado por altas personalidades do partido monárquico. Mas o rei não aceitou pactuar; estava talvez possuído duma cólera contra os seus cortesãos, os mais dedicados, os mais leais e que o iam trair a qualquer momento, para assegurar uma vida tranquila com as suas esposas moralistas e as amantes dispendiosas.

© Guerra &Paz editores, Agustina Bessa-Luís. Reprodução Interdita.

8.4.06
 


RETRATOS DO TRABALHO EM FARO, PORTUGAL


Dança Contemporânea.
Depois dos ensaios o espectáculo no palco do Teatro Municipal de Faro pela Companhia Lisboa Ballet Contemporâneo, (uma companhia não subsidiada).


(Telmo Martins)
 


RETRATOS DO TRABALHO EM BRUXELAS, BÉLGICA


Varredor, Bruxelas.

(Filipe Pinto da Silva)
 


INTENDÊNCIA

Actualizadas as notas FAZER OPOSIÇÃO (1) e NUNCA É TARDE PARA APRENDER: HOMENS, NAVIOS E SOCIEDADE.
 


A PROVA DOS BLOGUES: AGUSTINA LIDA PELOS LEITORES DO ABRUPTO



Agora que o Abrupto entrou na historicidade pela mão de Agustina Bessa-Luís, com a prosa escorreita e encantatória a que nos habitou, não resisto, a propósito, enviar-lhe este texto respigado d'O Popular n.º IX, de 1825, respeitando a ortografia do vintismo.

(João Boaventura)

Roma he mui dócil para se conformar com as circunstancias. Quando a Mãe de Affonso Henriques se queixou ao Papa da prisão que seu filho lhe havia feito, o sancto Padre mandou o Bispo de Coimbra, então em Roma, que viesse a Portugal e ordenasse a Elo Rei que soltasse a Mãe e se emendasse; e no caso de desobediência pozesse Interdicto em todo o Reino: Assim foi, porque El Rei não fez caso do mandato do Papa. O Bispo fulminou o Interdicto e fugio, mas El Rei foi immediatamente a Sé e mandou aos cónegos que elegessem Bispo, e como elles recusassem lancô-os fora, e encontrando na Claustra hum negro que era clérigo, chamado Soleima, o ordenou Bispo e como tal fez que elle logo dissesse Missa. Sabendo o Papa deste facto mandou um Cardeal ao Reino para ensinar a fé a El Rei, que ele tinha por herege, e fazelo emendar de seus erros. El Rei recebe-o bem, mas diselhe que não precisava delle para nada, que se recolhesse e no outro dia falarião; o Cardeal chamou de noute os clérigos, excomungou o Reino e o Rei, e partio: El Rei soube do caso de madrugada, montou-se a cavalo e foi em sua seguida, encontro-o perto de Poiares, e agarrando-o pelo cabeção, tirando da espada assim o cumprimentou – Da qua a cabeça traidor.- Os da sua comitiva intercederão, e El Rei contentou-se em o trazer a Coimbra, aonde lhe fez desmanchar o que havia feito e prometter, que dentro em 4 mezes viria letra de Roma para o Reino nunca mais ser excomungado, tomando lhe em reféns um sobrinho, para cumprimento da promessa. Quando o Cardeal se apresentou ao Sancto Padre, elle o reprehendeo, por haver prometido o que somente a Sancta Sé podia dar; então o Cardeal lhe tornou:

“Santo Padre eu não digo letra, mas se a Cadeira de S. Pedro fora minha lha deixara e dera de boamente, por escapar de suas mãos; que se vôs vireis vós hum cavalleiro tam forte e espantoso como aquelle Rei, e vos tivera huma mão no cabeção, e a outra alçada para vos cortar a cabeça, e seu cavallo não menos alvoroçado hora com huma mão ora com outra cavando a terra, parecendo que que já vos fazia a cova, vôs déreis a letra e o Papado: por isso me não deveis culpar”. O Papa concedeo a letra e o Cardeal mando-a antes dos quatro mezes.


(O Popular, n.º IX, 1825)

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(...) Confesso que foi a referência de Augustina a D.João II que me atirou ao teclado. D.João é o modelo de monarca exemplar da época preconizado por Maquiavel. É um rei que, apoiado na burguesia, como o fundador da dinastia, se torna absoluto a pulso e ferro! Muito havia a fazer, depois de um reinado como o de D.Afonso V! Que o digam o duque de Bragança e o de Viseu! É D.João, o "burguês", o impulsionador decisivo da expansão que sujava as mãos a comer sardinha "mui boa e mui barata!" Se Portugal desempenhou um papel de relevância na história deve-o a este rei! Como a da união das coroas ibéricas teria sido diferente caso seu filho D.Afonso não tivesse tido aquele acidente em alfarrobeira... "Morrio El Hombre" terá dito a rainha Isabel de Castela aquando da morte dele.

Não sei até que ponto os mestres de D. Sebastião, (como os de D.Afonso V) principalmente os irmãos Câmara, terão ou não modelado a sua personalidade. Sabe-se é que desde o início, o seu reinado é uma corrida para o abismo. Para além de ter frequentes paragens, acessos de cólera senil (principalmente quando era contrariado), e um orgulho encarniçadamente invejoso (não foi só D.Duarte que foi bem maltratado, veja-se D.Luís de Meneses, o herói da índia, e D. António Prior do Crato) o que mais impressiona é o mundo de fadas e Quixotes em que se movia. Atente-se nas cartas que existem escritas dele... Uma compilação, um emaranhado de pensamentos pretensiosos, confusos e muitas vezes contraditórios entre si. A saga da sua correspondência com os embaixadores é fascinante. Os avanços e recuos em vários contratos de casamento negociados ao mesmo e em vários tempos ou para adiar eternamente a questão matrimonial ou para garantir "tropas, biscoitos, dinheiro e munições". Emociona, de facto, a grande dedicação dele à causa Portuguesa, ainda para mais sabendo que é loucura... Tivesse sido outra que não a do Velho do Restelo...

Vejam-se as descrições da riqueza dos ornamentos da fidalgia portuguesa a embarcar em Lisboa rumo ao Norte de África. Parecia um desfile, uma procissão, uma festa (aliás parece que foram encontradas centenas de guitarras entre os despojos portugueses). Parece que se empenharam valentemente. Pior ficaram depois com os resgates que tiveram de pagar. Penso que a questão dos "assomos de pedantaria" naquela época ainda não eram predominantemente burgueses... Os novos fidalgos, os que o rodeavam eram apenas os que o bajulavam, ou os que em determinadas ocasiões conseguiram ainda ser mais loucos e temerários do que ele (sim, não era a primeira vez que D.Sebastião iria pisar solo Africano!).

Vou passar por cima de prolongadas referências à falta de disciplina, organização e efectivo comando no exército. Em vésperas da batalha, quando alguns fidalgos se atrevem a sugerir timidamente a D.Sebastião que esperasse ao menos um dia para dar batalha, mantivesse aquela favorável posição onde o exército acampou até porque havia informações que Almelique estaria a morrer. (isto depois de: 1) ter arranjado um fraco pretexto para guerrar Almelique, 2) ter forçado inutilmente o exército a uma aventura por terra onde esteve prestes a sucumbir de fome antes mesmo de chegar a combater). Ainda assim se ouviam vozes bajuladoras a gritar «Avante! Avante, senhor, que tudo é nosso!». Pois claro, nem D.Sebastião queria ganhar a batalha a um rei morto! (Almelique, a propósito morreu na sua tenda durante a batalha).

O que mais impressiona é a apatia da elite de então. A maior parte dos fidalgos tinham plena consciência da loucura do rei, do abismo para onde caminhava e arrastando o reino com ele... "Pois se assim é Pai Nosso pelo Rei, pelo Reino e Pelos Vassalos", faço minhas as palavras do barão de Alvito. Não sei se, juntamente com a descrição do embarque, se poderá fazer outro paralelismo com os tempos actuais. Bom, talvez seja melhor não falar disso... Ah! Estivesse este rei rodeado de práticos burgueses com menos interesses a defender...

Mais interessante ainda é o relato dos preliminares da batalha, das lançadas que deu em vários fidalgos, do quanto se enfureceu em "trabalhos de sargento" (porque num pelotão faltavam dois ou estavam a mais dois homens, ou porque o seu apurado sentido notou alguma outra qualquer imperfeição) e da ordem expressa que deu para só se acometer ao seu sinal. Uma paragem do rei ainda fez perder a vida a alguns homens estácticos graças às balas dos inimigos que já assobiavam. Que o diga Alexandre Moreira a descer do cavalo de espada em punho. "Sejam todos testemunhas de como me apeio a morrer porque hoje não é dia de outra coisa!" Quando o "rei-sargento" (fosse ele um Frederico I...) dá ordem para o exército avançar, dá-a só a uma parte do exército, esquece-se de outra, do lado de lá, onde os homens continuavam estáticos a tombar mas obedecendo às ordens do rei. Bom, os exemplos do discernimento aristocrático de D.Sebastião são tantos que teria de encher mais umas páginas. Já me alonguei demasiado. Deixo apenas as supostas palavras de D.Felipe II quando terminou o encontro em Guadalupe com o sobrinho (por acaso, devido aos orgulhosos arrebiques deste, o encontro até podia ter acabado bem pior...): "vaya en hora buena, que si venciere, buen yerno tendremos; y si fuere vencido, buen reyno nos vendrá".

(Francisco Felizol)
 


RETRATOS DO TRABALHO EM MATO GROSSO DO SUL, BRASIL


Carvoaria a céu aberto no Mato Grosso do Sul, Brasil, 2001.

(Américo Oliveira)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(8 de Abril de 2006)


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A comunicação social tem escassa memória, mas deviam obrigar os jornalistas a consultarem os arquivos. A propósito do financiamento das campanhas eleitorais internas dos partidos, que são tema do Diário de Notícias de hoje, incluindo um editorial, talvez devessem lembrar que esta questão foi por mim suscitada, há mais de uma década, nas terceiras eleições em que concorri para a Distrital de Lisboa do PSD (as duas primeiras ganhei, a terceira perdi miseravelmente), tendo divulgado os financiamentos (um leilão de gravuras, esculturas e desenhos que eram meus), apresentado contas detalhadas e divulgado o destino do dinheiro que sobrou. Vem nos jornais da época, mas já foi no século passado.

Como também foi no século passado que, pela primeira vez, uma Distrital do PSD fez controlar as suas contas por revisores oficiais de contas, e deixado essas contas com os documentos em apoio e o parecer sobre elas. Isto tudo numa altura em que não havia qualquer precedente para estas práticas, que aliás, apesar de divulgadas, nunca mereceram qualquer atenção especial da comunicação social, bastante mais interessada na cozinha partidária interna. O mesmo aconteceu com outras iniciativas que tomei como a aprovação de uma moção em Assembleia Distrital considerando incompatível a presença, nas listas a apresentar às vereações, de pessoas envolvidas directamente na urbanização e construção civil nas Câmaras a que concorriam, e outra defendendo que não se devia aceitar pelouros para manter a autonomia da oposição municipal, etc.

Nenhuma destas iniciativas foi bem vista no interior do partido, todas provocaram conflitos com pessoas bem concretas, com secções do partido, com interesses de há muito instalados, e nenhuma teve qualquer continuidade depois de ter saído da Distrital. Mas, como quem não se sente não é filho de boa gente, pelo menos lembro-as para memória futura. Muitas vezes me pergunto se valeu a pena.
 


EARLY MORNING BLOGS 750

Owed to New York


Vulgar of manner, overfed,
Overdressed and underbred,
Heartless, Godless, hell's delight,
Rude by day and lewd by night;
Bedwarfed the man, o'ergrown the brute,
Ruled by boss and prostitute:
Purple-robed and pauper-clad,
Raving, rotting, money-mad;
A squirming herd in Mammon's mesh,
A wilderness of human flesh;
Crazed by avarice, lust and rum,
New York, thy name's "Delirium."


(Byron Rufus Newton)

*

Bom dia!
 


AGUSTINA BESSA-LUÍS
FAMA E SEGREDO NA HISTÓRIA DE PORTUGAL


Há em Filipe II uma obstinação comovida para obter as coisas que ama. Gosta do luxo e de parecer bem, porque isso afirma a sua dignidade. Não creio que fosse homem de grande estatura, a este respeito calam-se os que descrevem os seus atributos e traços de família. Mas, como quem se enfada de não ter crescido, punha no vestir grande apuro e devia dar uma impressão de graça e compostura. Porque com a gravidade da atitude andava decerto uma fraqueza pelo que é belo, as flores e as mulheres. A sua terceira mulher, a francesa, filha de Catarina de Médicis, desmaia ao vê-lo, tão severo é o retrato que lhe fizeram do monarca. No retrato de Sanchez Coelho, que está no museu do Imperador, em Berlim, nota-se bem que Filipe II era de estatura menos que mediana, com os longos braços de D. Manuel que lhe chegavam quase aos joelhos. Mas é um homem belo, com os traços finos da mãe e que pela compostura retraída e orgulhosa procura compensar a altura que lhe falta. No retrato de Hans Eworth, que devia ser um pintor de pouco talento, dá para perceber a pequenez do rei que se encontra de pé junto de Maria Tudor, sua segunda esposa, que está sentada talvez para não demonstrar que é mais alta que o marido. O embaixador veneziano, Michele Suriano, quando Filipe II tem já trinta e três anos e se casa com Isabel de Valois, que tem dezasseis, diz: “Ainda que não seja alto, está muito bem formado e proporcionado, e veste com apuro e tanto gosto que não se pode ver coisa mais perfeita”. No entanto, é dum orgulho tão frio que chega a ser desabrido.

É este parecer, tão reiterado que se tem por natureza cruel, o que primeiro impressiona. Daí que o primeiro encontro com a Valois dê ocasião a anedotas maliciosas. Como aquela em que, vendo a jovem princesa a olhar para ele com atenção, lhe pergunta duramente: “Que está a olhar? Para os meus cabelos brancos?”

Não contou com a educação à francesa, mais livre e desenfadada do que a das mulheres da corte espanhola, rígidas e sem brilho. Catarina de Médicis teme pela saúde da filha, que não sai nem pratica desporto, além de que gosta mais de dormir do que de mover-se. O regime da corte espanhola não é propício a um bem-estar. Adoece e sangram-na, porque os médicos pouco mais sabem fazer. Catarina manda-lhe remédios aconselhados pela sua privança de doutores e curandeiros. Começa aqui a lenda negra de Filipe II, atribuem-lhe crimes do filho D. Carlos que é desequilibrado e doente. A juventude da madrasta e enteado favorece as intrigas, mas é de crer que o rei não esteja muito a par desses enredos de antecâmara. Também não terá muita paciência para a esposa, limita-se a deixá-la à vontade, muda a corte de Toledo para Madrid. Agradando-lhe livra-se de a aturar. Mas Isabel, iniciada cedo demais na vida conjugal, ou por compleição doentia, ou ainda porque estranha o país, a corte e o clima, e até a religião, cai enferma. Recobra a saúde, graças talvez à sua pouca idade para se deixar vencer por desastres do corpo e da alma.

Dá à luz uma menina, Isabel Clara Eugénia, que acabará por ser a luz dos olhos do pai, a sua aia, a sua enfermeira e que ele casa com o austríaco, que ele sabe não lhe dará filhos. O amor que lhe tem, o medo de que ela acabe em desastre de parto, como a mãe, com a má compleição das de Avis para ter filhos, dita-lhe a precaução extraordinária e obcecada. Ainda que Filipe II diga que gostava de ter um filho (D. Carlos é a vergonha do seu sangue e da corte inteira), alegra-se com o nascimento da princesa e ensaia mesmo tê-la nos braços como uma boneca. É duma ingenuidade tocante quando não se propõe ser rei de todas as Espanhas.

Morre-lhe a mulher, Isabel de Valois, e definitivamente Filipe II parece estar livre dessa teia de casamentos em que foi envolvido desde os seus dezasseis anos. D. Carlos morre também depois dum processo escabroso que envolve alta traição e do qual o pai sai maltratado na honra e no coração. Não se sabe se Isabel de Valois, primeiro prometida a D. Carlos, desempenhou algum papel naquele drama que o rei conduz com a sua frieza habitual que dá azo a que o tomem por desalmado. Não o é. É simplesmente tímido nos momentos graves e os homens acobardam-no. Até o pobre D. Carlos, encarcerado, no auge do desespero, tragando um anel para se suicidar, é usado para ser criada a lenda régia. Filipe II será para a História, feita por embaixadores e partidos que pagam a espiões de más contas e más informações, um tirano acabado.

Ele ama as mulheres, sente-se protegido com elas, vive com elas num limbo que chega ao incesto mas nunca à desonestidade confessada. A bela D. Joana, que chegaram a querer casar com o sobrinho meio louco, não se separa nunca do soberano. Foram sempre muito unidos, muito íntimos; e tanto que houve suspeita de amores entre eles, e Carlos V mandou que lhes separassem as casas. O rei vê nela a figura da mãe ou simplesmente lhe agrada aquele atalho que conduz à infância perdida onde tudo era no feminino, festas e alegrias, caprichos e virtudes.

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Era Filipe II, como diz Gregório Marañon, “um bom menino, mas pouco inteligente”? A prova de que era bom é que era sempre enganado pelas mulheres e pelos confidentes, pelos amigos. E as lágrimas cujas nódoas ficaram nas cartas que escrevia às filhas. Os ditos que lhe atribuem, com humor de improviso, decerto não eram dele porque não o vemos rápido no replicar nem engenhoso na crítica. Catarina de Médicis que foi sua sogra, tinha mais firmeza no deliberar. Estava quase na hora da morte e reagiu como uma rainha à notícia do assassinato do duque de Guise: “Às coisas feitas devem-se tomar medidas”. Verdade seja dita, nenhum poder está preparado para os grandes acontecimentos. Filipe II, de quem Torneron, um cronista francês, diz que ele não admitia nenhum punhal senão na sua própria mão, escusando assim Deus de qualquer responsabilidade na política. Mas não é totalmente verdade. O rei, hesitante e pacífico, aproveitava as situações mas não as provocava.

© Guerra &Paz editores, Agustina Bessa-Luís. Reprodução Interdita.

7.4.06
 


AGUSTINA BESSA-LUÍS
FAMA E SEGREDO NA HISTÓRIA DE PORTUGAL



Aos catorze anos D. Sebastião era vaidoso como o pote da leiteira de Gil Vicente. Era inteligente, vivo, confuso, como toda a criança malcriada mas recebida com tolerância porque responde pela sobrevivência dum povo. É difícil, para quem não foi nascido e criado na integridade cavalheiresca da monarquia, avaliar desse acatamento solene perante a majestade dum soberano. D. Sebastião era o rei, reconhecido e sagrado. Há um sabor de traição num simples desacordo até de etiqueta. Um fidalgo morre sem acusar de injustiça o seu rei. Morre inocente mas não vence o escrúpulo de deixar nome de inimigo do rei.

Hoje, com o manual da psiquiatria muito conferenciado num século de debates entre o normal e o patológico, é mais fácil percorrer os caminhos da História e trazer à luz os seus personagens. D. Sebastião foi tratado como um enfezado capitão de delírios e de toscas ambições; ou então como o seu oposto, um rei em tudo distinto, arrebatado pelos ideais colhidos nas memórias doutros Césares. Não faltou quem o equiparasse aos grandes de Roma e lhe pusesse na mão o ceptro duma rainha destinada a ser garantia da civilização. Nem uma coisa nem outra. D. Sebastião foi vítima do que se chama uma situação vital mal suportada com origem possivelmente num facto que se interiorizou até ao delírio, por exemplo, o afastamento da mãe aos quatro meses de idade e que ele nunca mais viu. D. Joana era de feitio seco e mal encarado, isso nós sabemos. A sua ambição diminuía os sentimentos de família para dar prioridade aos interesses do Império. Isso é comum nos clãs que se tornam poderosos, ainda mais pela força tentaculosa do dinheiro e da religião.

Mas, sobretudo, a compleição genética de D. Sebastião é importante e vai além de todas as condições emocionais desde a infância até à puberdade. Ele é um maníaco destinado a uma ensombração de ideias que resultarão na perda do reino. A sua incapacidade de atenção faz dele um aluno que pode ter um período brilhante em que a linguagem é rápida e imaginativa, seguida de prolixidade na desorganização do pensamento com propósitos desordenados. A expansão do humor com a convicção de tudo conseguir, pode alternar com uma agressividade exasperada. Como a que D. Sebastião manifesta a sua avó D. Catarina, dando aso a que ela se sinta mal e perca os sentidos. Um sintoma advertido pelos médicos é o da regulação térmica. D. Sebastião é acometido de frio intenso, é preciso cobri-lo e aquecê-lo, o que dá origem a ditos irónicos, como o de tratarem o seu casamento com frieza.

Esta é uma obsessão da família carnal e política. A saúde do príncipe parece não dar cuidados de maior, com excepção das perdas nocturnas e uretrite crónica cuja causa pode muito bem ser mais secreta do que se aventura. O estado de frustração do rei é manifesto e Alcácer-Quibir regista o seu clima mais alto. A crise pode manifestar-se na criança de alguns meses separada de sua mãe durante um largo período. A sua avidez afectiva pode tomar um carácter agressivo em relação ao meio envolvente. Não é de afastar em D. Sebastião um conteúdo homossexual, o que constituiria uma perturbação profunda vinculada ao ideal do eu narcísico. O esforço que D. Sebastião faz para corresponder às expectativas do reino, esforço físico e moral que o leva a usar da caça e dos exercícios de campanha desmesuradamente, chega a ser comovente. É um jovem bem constituído mas cujo conflito interior está na base duma tristeza que iria ser-lhe fatal. Nada há que o possa salvar; e ao país, com ele.
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Eu sempre disse que os grandes mestres não são próprios para educar. Porque o seu exemplo acabrunha quem não tem ânimo ainda para entender a grandeza. D. Sebastião lia as proezas de Carlos V com tal despeito que se tomou da obsessão de lhe merecer o parentesco e o destino. A impressão que dá é a dum bom aluno de artes que não lhe competiam, como a da guerra. O facto é que se prepara para a batalha e procede na mesma batalha duma maneira desordenada; sobressai o tipo neurótico, e, apesar da extravagância do seu comportamento, apesar da sua técnica do imaginário e de fingimento, ele não deixa de se adaptar à realidade. O rei compreende que a morte está presente e que não lhe pode escapar. A famosa frase “morrer, mas devagar” que, a ser autêntica é uma das mais belas que se podem proferir num momento em que o delírio atinge o seu auge, o delírio da morte, pode pertencer ao plano do célebre conto do rei vai nu. Gracián conta a história com muita fantasia e redobrado malabarismo de palavras. Parece D. Sebastião aquele caso de tecedores de maravilhas que se propuseram bordar um pano com que ele um dia se cobrisse. Ao longo das jornadas do trabalho, que na verdade não era nenhum, o rei mandou o criado, o aio e o mordomo, ver como corria a tarefa. E todos, com medo de o desiludir ou de alguma maneira o desenganar, contavam maravilha do trabalho dos burlões. E o próprio rei quando lhe mostraram o trabalho feito, admirou-se do que não via. E vestiu-se de nada e o povo de nada o aplaudiu. Até que um rapaz, de poucas artes e menos educação, gritou dentre a multidão: “O rei vai nu!”. Pois D. Sebastião, é como o dito rei, vestido de tela invisível; adornado de coisa nenhuma, aparecido sem nada se ver.

Depois de tudo, entre muitas exéquias e rituais da cristandade, não havia grande fé em Portugal. O duque de Alba faz uma advertência sobre a jornada de Alcácer-Quibir e parece que tece no tear o tal pano invisível: “Como se pode persuadir o que já é, e deve ser visto, e como pode ser visto o que não foi, nem é visto, e muito menos por razão, e com razão entendido, e alcançado”. É uma resposta enigmática mas suficientemente clara para se perceber que ele não tem esperança, nem no rei, nem na batalha, nem nos favores do Céu. Para ele, D. Sebastião é inteligente para louco e não cuida em pôr o ânimo abaixo da razão, como o cristão à europeia deve fazer. Entretanto, D. Sebastião endivida-se, compra biscoito, pólvora e tudo o que possa dar-lhe garantia de vencer a guerra. Recruta um contingente fornecido pelo príncipe de Orange, composto por alemães, holandeses, e valões, e que trazem com eles as mulheres, os filhos e as amantes, o que causa espanto em Lisboa ao saber-se que eram calvinistas e luteranos. “Ponderei serem hereges tão bons cristãos, que ajudem à guerra contra os mouros, mais que os cristãos, a quem convinha mais o bom efeito desta guerra, que aos hereges”, escreve o rei a Cristóvão de Moura, um português da confiança de Filipe II e que foi o testamenteiro de D. Joana, a mãe de D. Sebastião. Filipe II não gostou da heresia do sobrinho, mas um reino vale bem uma falha de catecismo. Não deixava de dar boas palavras a D. Sebastião, mas não se distrai em dificultar a aventura feita a peso de ouro e com promessas impossíveis de cumprir. O rei está tão obstinado que trata sem respeito os velhos fidalgos e só se fia dos jovens da sua idade, os do seu bando. A vaidade, a sua mania de merecer todo o aplauso e todo o prémio do mérito que os aduladores lhe conferiam, faz com que ande arredio de Lisboa ou começa a ser menos estimado. Num torneio a pé, na Primavera de 1570, combateu com o alferes-mor D. Luís de Menezes; saltou-lhe a espada da mão mas foi-lhe dado o prémio pela graça com que levantou a espada do chão. As pessoas avisadas e prudentes, e com qualquer direito hereditário a resistir ao olho cobiçoso de Filipe II, estavam perplexas e varadas de desgosto. D. Duarte, filho do infante D. Duarte e presumível pretendente ao trono por morte de D. Sebastião, morreu com trinta e cinco anos, dizia-se que minado pelas ofensas que o rei lhe tinha infligido. D. Duarte fora um dos presumíveis maridos da infanta D. Maria mas, tendo ela recusado melhores partidos, não era de crer que aceitasse tal casamento. O ânimo que até ali mostrara, de entranhado orgulho, não fazia prever isso.

O que se verifica na dinastia de Avis, é esse assomo de pedantaria, traço mais burguês do que fidalgo e que vem de longe, com o espírito negociante de D. João II.

“Tem os impérios seus altos e baixos; crescem com o valor no seu auge, conservam-se numa mediania que basta para não decaírem, ainda que mais monarquias perecessem por falta de valor do que por excesso.” Este pensamento de Gracián podia ser dedicado a todos os grandes do mundo. Aquilo de “oponho um rei a todos os passados; proponho um rei a todos os futuros”, parece convir a D. Sebastião. Só que ele não foi um rei do passado nem um rei do futuro.

© Guerra &Paz editores, Agustina Bessa-Luís. Reprodução Interdita.

6.4.06
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: TÉTIS DE MUITO PERTO


A cratera central chama-se Penélope. Que mantos tecerá ao frio? Ou olhará para Saturno, o pai universal, e interpretará as cores?
 


FAZER OPOSIÇÃO (1)



Haver uma oposição eficaz é o melhor sintoma da boa saúde democrática e um dos factores cruciais para assegurar uma boa governação. É mais importante do que o consenso ou os "pactos de regime", que uma boa oposição não põe em causa, mas integra numa política alternativa, não na morte do contraditório. Esta é uma realidade que, nos palácios de Belém e de S. Bento, não pode ser meramente tolerada, como se tolera uma irritação que nunca desaparece, ou uma inevitabilidade incómoda, mas deve ser percebida como fundamental, tanto mais que há uma maioria absoluta a controlar.

Fazer uma boa oposição é em primeiro lugar... tarefa da oposição. Ora confunde-se cada vez mais a dificuldade que esta tem em fazer oposição eficaz, fruto de muitos factores, nos quais se inclui também a sua própria incompetência, com a impossibilidade de haver oposição eficaz nos próximos três anos. Engano puro - não faltam oportunidades, nem exigência de vigilância e crítica ao Governo PS. Não faltam - bem pelo contrário, abundam as razões, o que é preciso é que a oposição mude nos seus métodos, processos e objectivos para ser eficaz.

Comecemos pelo método para chegar à substância. Hoje há uma condição prévia, fundamental, urgente: o PSD e o CDS precisam desesperadamente de estudar. Corrijo a frase: o PSD e o CDS precisam desesperadamente de estudar para produzir políticas. Políticas sérias, informadas, consistentes e diferentes, em vez do lastro de posições, semiposições, posições na oposição e práticas governativas em contradição, afirmações demagógicas, pragmatismos necessários e oportunismos absolutos, que fazem o reportório partidário. O rastro que têm atrás de si os partidos que se alternam no poder, e que transformou o pragmatismo inevitável da governação num oportunismo puramente táctico, é péssimo. Já era de há muito desadequado e criticável - hoje, é um sintoma gritante da crise dos partidos em Portugal, que tem como efeitos o puro linguarejar táctico que se ouve todos os dias no Parlamento e nas declarações, que nada acrescenta, só introduz ruído. E só faz ruído porque esse linguarejar revela na sua essência apenas uma vontade de contraditório, do contra, sem coerência, sem consistência, sem interesse. E, para além do cansaço do "politiquês", para qualquer observador distanciado revela uma muito grande ignorância sobre o Portugal de hoje, os seus problemas, a sua realidade económica e social

Como o "politiquês" é um código árido de comunicação entre políticos de segunda, tende a ser muito conservador e a manter fórmulas que remetem para uma concepção do país que já tem pouco que ver com a realidade. O "politiquês" é uma corruptela de um Portugal "conhecido" apenas dos artigos de jornais, de reuniões partidárias e jantares-comícios, de graçolas e bocas de conversa de café e de corredor, por gente que não lê e não estuda. A única coisa que actualiza os praticantes do "politiquês é verem o professor Marcelo todas as semanas, que lhes dá uma certa lubrificação discursiva e argumentativa, que sozinhos nunca teriam.

Contrariamente ao que pensam os próceres da direita do dr. Portas e da esquerda do dr. Louçã, a questão não é ideológica, ou pelo menos, não é essencialmente ideológica, nem sequer de "centrão" versus dicotomia esquerda/direita. O mundo puro das ideologias soçobrou quando a sociedade moldada pela Revolução Francesa e pela Revolução Industrial, que lhes tinha dado origem, se defrontou com pequenos problemas como a revolução da informação, a bomba termonuclear, o terrorismo apocalíptico, a crise do Estado-providência, a mediatização do espaço público, a "cultura de massas", o consumismo, etc. Hoje, ideologias globais, que ofereçam interpretações globais e coerentes para todos os problemas, leituras sistémicas baseadas em tradições do passado (como é a esquerda e a direita), não servem a não ser para os órfãos identitários, uma forma típica de conservadorismo. O problema é para já regressar a formas de piecemeal reformism, no sentido popperiano, de uma política mais modesta, mais experimental, menos de engenharia social e mais de pequenas intervenções numa realidade que tem outras leis e outras regras que é suposto conhecer a fundo. Ora uma condição fundamental para fazer este tipo de políticas é estudar, discutir, confrontar e produzir orientações, linhas de acção que se avaliem pela prática e não pela obsessão pela abstracção. E, durante ou depois, medir essas políticas com os interesses, as ideias, as "partes" que dividem numa democracia as pessoas.

Os partidos portugueses dão pouca importância ao estudo da realidade, e à formulação de orientações conhecidas, escritas, programáticas, porque isso contraria o tacticismo pragmático. Os partidos precisam de fazer uma considerável reconversão de recursos internos, abandonando ou reduzindo as tarefas partidárias de aparelho antigas, sobrevivências do tempo em que os partidos faziam o seu próprio marketing, publicidade, previsões eleitorais, etc., para outro tipo de organização mais voltada para a criação de think tanks, produção de documentos de orientação, todo um esforço de estudo, análise e produção de política que a complexidade dos problemas exige.

Os partidos precisam de virar uma parte importante da sua actividade interna das funções burocráticas, elas próprias tão cheias de funcionários recrutados por protecções e amiguismo, para um novo tipo de voluntariado político, a quem o partido deve dar meios, gastando aí recursos que hoje esbanja mantendo um número de funcionários excessivo, empregues em tarefas quase fictícias.

Não estou a dizer que os partidos devam ser dirigidos por académicos e professores, na sequência de uma tendência nefasta que já existe no sistema político e comunicacional de achar que as opiniões académicas de "peritos", de "sábios", estão à margem e acima da política. Precisamos é de políticas que incorporem a maior quantidade de saber possível, que sejam produzidas por cidadãos que usem os seus conhecimentos a favor de uma ideia de "bem público", que conheçam melhor o seu país, estudem os problemas e sejam capazes de ouvir e de pensar sem ser com o "politiquês" pavloviano que se usa hoje em Portugal.

Comece a oposição por fazer este trabalho de casa, logo a seguir verá como é fácil avançar com um programa próprio e autónomo, que nenhum exercício de "ocupação do espaço político", como se diz que o eng. Sócrates está a fazer, pode diminuir.

(Continua)

(No Público.)

*
Também me parece óbvio que só através de uma análise com um mínimo de profundidade dos problemas do país e de uma subsequente definição de políticas pode a oposição começar a ganhar credibilidade e legitimidade – e, sobretudo, evitar erros e abusos por parte de um governo de maioria absoluta.

Parece-me que isto ainda não aconteceu em Portugal devido a uma combinação de dois factores. O primeiro é que preparar políticas com alguma seriedade é um trabalho árduo e de médio/longo-prazo, o que muitas vezes não é compatível com a natureza imediatista das agendas políticas e da comunicação social. O segundo factor, talvez mais importante, é que se presume que quaisquer políticas que venham a ser preparadas e anunciadas serão inevitavelmente “impopulares” junto de alguns sectores da opinião pública, algo que seria imediatamente explorado pelos outros partidos. Daqui resulta que fazer um trabalho de casa com algum rigor tenha, pelo menos no curto-prazo, muitos mais custos que benefícios.

Claro que, por outro lado, querer governar sem se saber que políticas devem ser prosseguidas e como devem ser implementadas é algo difícil de explicar, a não ser à luz da procura do poder pelo poder. No entanto, nem a opinião pública nem a comunicação social se insurgem contra a pobreza do debate de políticas, até nas alturas críticas das campanhas eleitorais. E, assim sendo, parece ser dificil romper este equilíbrio de superficialidade na condução dos assuntos públicos que leva a tanto desperdício para Portugal.

(Pedro Silva Martins)

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O partido que deve ser a face mais visível da oposição em Portugal é o PSD. Mas basta ver ou ouvir os debates da Assembleia da República e, percebe-se nitidamente que quem sobressai mais no papel de oposição são os extremos, Bloco de Esquerda e CDS-PP. Será que o PSD não estará refém deste "centrão", que o acabou por absorver? Poderão partidos tão carreiristas, estatistas e aparelhistas como são o PS e o PSD, colocar em prática uma oposição com menos de politica de merceeiro, antes de profundidade e de estudo da nova realidade social emergente? E preocupada com novas causas... terrorismo, alterações climáticas, ecologia, trabalho ou emprego, reformas ou fundos de reforma, escolaridade ou literacia, etc.

O facto de termos uma classe politica tão presa à herança de Abril, não constituirá também um constrangimento, para uma verdadeira revolução do modo de fazer politica, não olhando a realidade, a partir da velha dicotomia esquerda-direita, desta perspectiva tão ideologicamente maniqueísta, mas tão substancialmente desadequada ao mundo contemporâneo. Pelo que vejo da classe política, tão cedo, não auguro coragem para empreender essa viragem sócio-cultural (...)

E os jornalistas, comentadores políticos, analistas políticos, estarão preparados para viver e trabalhar sem esta almofada, consubstanciada, nesta divisão simplista da sociedade actual, esquerda-direita, preto-branco... não será predominante uma grande faixa cinzenta (o "centrão")! Nas noites de eleições só ouço falar nas vitórias ou derrotas, da esquerda e da direita. Será que isto é sério por parte daqueles que deveriam ser estudiosos do fenómeno político, ou será apenas cómodo e simplista?

Esperemos, no entanto, que seja possível uma politica com mais substância e com muitos menos jogos florais!

(Helder Barros)
*

Concordo em absoluto com as ideias expressas, mas surge uma questão: como estudar dossiês e apresentar políticas alternativas credíveis, fruto de muito estudo e reflexão, se os partidos, nomeadamente o PSD e o PS, têm afastado intencionalmente as pessoas qualificadas?

(Carlos Manuel Serra)

*

(...) há cerca de cinco anos que vivo no Reino Unido e que tenho tido oportunidade de acompanhar a maneira como se preparam políticas por aqui. Como sabe, o contraste com Portugal é absoluto: entre muitos outros exemplos, os partidos apresentam claramente as suas prioridades (educação, saúde, impostos, burocracia, Europa, etc); caso queiram gastar mais numa área, explicam de onde vem esse dinheiro (impostos, divida, cortes em outras áreas). Quaisquer incoerências são imediatamente apontadas pelos jornalistas ou pelos vários “think tanks” que existem espalhados pelo país.

Ao mesmo tempo, a “evidence-based policy” é o método por excelência para o desenvolvimento de melhorias incrementais nos serviços públicos: conhecer as experiências de outros países, adaptá-las ao Reino Unido, desenvolver projectos piloto, avaliá-los com rigor, disseminar os resultados com transparência, e alargar os projectos ou discontinuá-los, dependendo do seu sucesso. É todo um pragmatismo na condução dos assuntos públicos que infelizmente ainda nem sequer se vislumbra em Portugal.

(Pedro Silva Martins)
 


RETRATOS DO TRABALHO NO GERÊS, PORTUGAL


Guardar vacas, Serra do Gerês, 2006.

(António Ferreira de Sousa)
 


NUNCA É TARDE PARA APRENDER: HOMENS, NAVIOS E SOCIEDADE

In Which we Serve (Sangue Suor e Lágrimas, que existe numa colecção de DVD portuguesa, os "Clássicos do Cinema") de David Lean e Noel Coward é um típico filme de propaganda de guerra. Feito a partir da história do HMS Torrin, um contratorpedeiro inglês afundado ao largo de Creta pela aviação alemã, é uma apologia da Marinha de Guerra, com os tripulantes a brindarem ao navio na ceia de Natal, a gritarem do salva vidas "Hip, hip hurrah!!" quando ele se afunda, terminando na cena final com um "God bless our ships and all who sail on them". Numa ilha, admiram-se os marinheiros, e numa ilha sitiada, como estava Inglaterra em 1942, a Marinha era então o único ramo das forças armadas em que a supremacia inglesa face aos alemães era incontestável. Até aqui, o que se espera.

Film stillMas quando se vê o filme hoje, para além dos anacronismos, como um encarregado dos estaleiros a dirigir os operários de colete e gravata, o que é mais interessante é o retrato não intencional da rígida estratificação social inglesa. Mostrando as famílias do comandante, dos oficiais e dos marinheiros, entra-se em mundos totalmente diferentes, estratificados e estanques, e isso é a marca típica de Noel Coward que escreveu o guião e interpreta o comandante. Vivem diferente, em sítios diferentes, falam de forma diferente e cada um sabe as suas distâncias. Não se misturam. Quando o comandante e um marinheiro, cada um com as suas mulheres, se encontram num comboio (que, como o navio, força um terreno comum), o marinheiro levanta-se para o cumprimentar numa carruagem de terceira classe, enquanto na cena imediatamente a seguir, o comandante aparece na carruagem-restaurante, numa mesa servida com porcelana e talheres de prata. Sempre dois mundos. Um stiff upper lip, outro moldado pelas paixões humanas, os marinheiros riem-se, embebedam-se, choram. Noel Coward nada.

Em plena guerra e num momento muito difícil, o cimento que une os ingleses é o combate, personificado no filme pelo navio, metáfora do presente, mas também do passado, metáfora da Grã-Bretanha. Mas dentro do navio e fora dele o sistema de convenções permanece intacto. O comandante sabe de cor todos os nomes da sua tripulação, de que tem que cuidar até ao limite da sua vida, mas entre ele e os seus marinheiros há deferência e respeito, há hierarquia (e não só a da patente), e ordem, militar e social. A classe dirigente inglesa sente solitária o peso de todas as responsabilidades, e nisso é inexcedível. É capaz de colocar, de um dia para o outro, meninos estragados pela vida e que pouco mais sabem do que disparar aos faisões na Escócia, a mostrar a mais absoluta coragem atirados de paraquedas para as montanhas dos Balcãs, ou a dar o exemplo na primeira linha de um assalto de infantaria na Flandres. Mas o mundo deles vai junto, como acontecia com os oficiais que levavam o mordomo atrás com as malas.

Nenhum americano ou francês poderia fazer este filme sem que aparecessem dois sentimentos que estragariam completamente a fleuma de Coward: os americanos não deixariam de retratar a pulsão democrática para cima, a escada das "oportunidades" e os franceses não deixariam de ridicularizar os seus nobres, ambas atitudes comuns nos filmes da década de trinta.

*
Não se "dispara" aos faisões, "atira-se" aos faisões (ou caça-se faisões, sem "aos"). E não na Escócia: faisões e perdizes é mais no Sul. Na Escócia, a caça de penas por excelência (em oposição à caça de pêlo e grossa, lebres, coelhos, veados) é o grouse (em rigor, red grouse, Lagopus Lagopus Scoticus), o supra-sumo da caça porque exclusivo da Escócia e impossível de criar em cativeiro, portanto exclusivamente bravo.

Não que isto faça qualquer diferença aos seus comentários sobre o filme, mas, aprender por aprender ...

(Frederico Pinheiro de Melo)

*

Outro belo exemplo que os britânicos nos dão é a maneira como são recordados e homenageados aqueles que lutaram pelo seu país. Na mais pequena vila ou aldeia há um monumento aos mortos em combate. Erigidos, na sua maioria, após a I Grande Guerra (1914-18) continuam ainda hoje, quase 100 anos depois, a ter flores frescas que associações e cidadãos anónimos lá vão depositar.

(José Machado)
 


A PROVA DOS BLOGUES: AGUSTINA LIDA PELOS LEITORES DO ABRUPTO




Devo confessar, antes de mais, que nunca fui particular apreciadora de Agustina Bessa Luís, mas o que acho formidável neste projecto de "blogopublicação" é o facto de permitir (suscitar, até) a interactividade com os leitores "comuns". Claro que os leitores do suporte tradicional, em papel, também podem escrever à editora e ao autor, e apresentar os seus comentários. Mas há, necessariamente, um grande desfasamento temporal, e esses comentários ficarão, na maior parte dos casos, entre o seu autor e o destinatário.

Com esta "blogopublicação" o livro fica com uma dimensão muito mais ampla, em benefício dos leitores. Mas também, creio eu, em benefício da autora, que pode ir vendo, "em directo", as reacções à sua obra (e até aproveitar as correcções de lapsos feitas por leitores mais atentos...)

(Madalena Ferreira Åhman, Gotemburgo)

*

Este tipo de histórias fazem com que gerações de historiadores tenham que lutar a pulso contra mitos. Conversa corrida, estilo leve e ligeiro, erros atrás de erros alternando com mitificações que não têm maneira nenhuma de ser provadas. O Fernando que casou em segundas núpcias com D. Teresa era Transtâmara?... Tinha ideia que era Fernão Peres de Trava, e foi isso que li em toda a parte. O retrato mais conhecido do Infante D. Henrique é de Grão Vasco?...Não tinha nada essa ideia.

Vou esperar para ver. Como ainda sofro com os mitos criados por Oliveira Martins, tremo com estas experiências que se anunciam sempre despretensiosas. E esta coisa de querer desvendar segredos piora tudo.

(Henrique Jorge)
 


RETRATOS DO TRABALHO EM GUIMARÃES, PORTUGAL


Barba e cabelo, Guimarães, Abril 2006.

(António Ferreira de Sousa)
 


EARLY MORNING BLOGS 749

"Never Apologize, Never Explain"


On the contrary, always apologize and explain,
in the terror-white veracity, down to the essence bone,
tenaciously follow the long road. Be
capable and Voltairean, discreet of form and substance, tell it
like it is, don't gloss over
in silent splendor.

Give the unattractive facts. But they won't be
that insipid (arrears of heavenly bodies).
And if you have to polish up
the contemptible gaff, give it all you've got—seriously,
don't swindle and pretend the sky
didn't fall in.

But dole out the mathematics, saviors of the gut.
Inching without propaganda the longhand
of dream. Even insult the host who
just wanted to play the game. Apologize in sample color,
if you loved something, say it. If kept
under your hat,

let the fallacies represent you.
From whatever Acropolis of stress, bat with
that genuine non-expurgation, the angel of bottomless pits.
Versatility and science; right the wrongs you know,
and do it with wholeheartedness. In fundamentals
so brash, or like a glass


of water.


(Jane Mayhall )

*

Bom dia!
 


AGUSTINA BESSA-LUÍS
FAMA E SEGREDO NA HISTÓRIA DE PORTUGAL



Não é do meu entendimento e obrigação adiantar alguma coisa à História de Portugal, já escrita e comentada por pessoas doutoradas para isso. No que me aparento com os cronistas é na tentação de romancear e meter diálogos fictícios onde só se ajustam secos relatos. A História faz-se com as vozes do povo e conveniências de cortesãos. Estes muitas vezes ignoram o que se passa fora das paredes do paço, tão entretidos andam a compor e descompor os factos para seu proveito e não para sua erudição.

Elevado ao trono de Portugal, mais pelos rogos da plebe do que por sua vontade, o Mestre de Avis (que tinha boa índole, e isto faz bons parceiros) desistiu de ir para Inglaterra onde tinha aliados, mais notoriamente João de Gaunt, duque de Lencastre, quarto filho de Eduardo III. Tendo feito um segundo casamento com Constança, filha de D. Pedro de Castela, cultivou a ilusão de ser rei de Espanha, e era tratado por Monseigneur d’Espagne. A língua oficial era o francês, ou seja, o anglo-normando que depois se fixou no idioma próprio consagrado pela escrita.

D. João I tinha trinta e seis anos e o lugar assegurado no reino. Iam ficando longe as suas indecisas cogitações dos vinte e cinco anos, quando o casamento com D. Leonor parecia ser solução para as incertezas da sucessão e da paz com os castelhanos. As pretensões do duque de Lencastre ao trono de Espanha contavam com as diligências diplomáticas de Portugal, o que era demorado. Os tratados comerciais entre os dois países firmavam-se desde o reinado de D. Fernando que, segundo os ingleses, não era muito persistente na sua aliança.

Em 1386 João de Gaunt decidiu-se a ir reclamar a coroa de Castela, com o seu exército e levando com ele a família em toda a pompa: Constança, a filha de D. Pedro o Cruel, assassinado pelo irmão Henrique, Filipa já com vinte e seis anos e prestável para ser moeda de troca num casamento vantajoso; Catarina, sua meia-irmã, as bastardas Blanche e Joana e Catarina Swinford, aia e amante “en titre”. Era uma comitiva imponente que alegrou a piedosa Santiago, fazendo ressoar os sinos compostelanos.

O rei D. João trocava presentes com o duque de Lencastre e a mulher; além de oferecer belas hacaneias e panos de rás. O tratado que se seguiu, depois de três meses de preliminares, era o de combaterem juntos o rei de Castela, pelo que D. João receberia D. Filipa como esposa. Os preparativos da guerra eram bem conduzidos pelos estrategas, o duque de Lencastre estava satisfeito com o que diziam do futuro genro (o melhor rei que Portugal tivera em cem anos), mas quanto ao compromisso de casamento não se adiantava nada.

É verdade que o Mestre esperava de Roma a dispensa das ordens religiosas que recebera, para assim poder casar. No entanto, não mostrava entusiasmo pela noiva, a tranquila e paciente Filipa.

Era uma rapariga alta, de olhos azuis e modos aristocráticos, decerto empenhada numa severidade que fosse em contradição com a corte pouco moral do seu pai. As humilhações que sofrera ao ter de suportar a amante do duque e depois a madrasta espanhola, deram como resultado um comportamento puritano e uma experiência de sensibilidade ofendida. Tinha já um passado de desilusões, prometida a vários príncipes estrangeiros mas cujo casamento com ela tinha sido gorado. Estava no limiar da desgraça da mulher da corte, que era a obscuridade pela falta de preço, de herança e de manipulações políticas. E, de súbito, aparecia-lhe aquele rei de bom feitio, tanto físico como moral, que a tirava do convento e do anonimato e que lhe daria filhos. Filipa devia gostar dos filhos antes de os ver gerados. É a única notícia que temos na História duma mulher cuja gravidez é desaconselhada pelos médicos que aconselham o aborto; e ela recusa-se, levando a termo a prenhez e nascendo D. Fernando, chamado o Santo, dessa escolha amorável. Como não havia de ser ele destinado ao sofrimento de cativo?

Foi D. Filipa uma mãe de grandiosas virtudes; uma dessas pérolas que não se encontram senão num raro momento de triunfo do coração sobre a bestialidade humana. E também D. João, se bem que não fosse apaixonado, foi decerto um marido amável. Sem dúvida que ele estava grato a Inglaterra, onde pensara refugiar-se depois que o duque de Cambridge influíra para o tirar da prisão. Os projectos da guerra com Espanha não eram aprovados pelo Parlamento e o duque de Lencastre, em 1382, era tão pouco respeitável que não pôde sequer conseguir um empréstimo reembolsável para pagar o seu corpo expedicionário. Os mercadores de Londres não acharam interesse em serem seus fiadores e o projecto do duque ficou suspenso. Numa época em que a lentidão das comunicações faz supor que tudo fosse conforme a esse vagar, surpreendem-nos as rápidas mudanças na História. D. Leonor dá à luz um filho que, ao que se propala, é sufocado nos braços da ama porque suposto adulterino. Mas não vinha essa criança trazer mais desacordos no já tão dilacerado corpo do país? D. Leonor, acusada de traição, é encerrada no mosteiro de Tordesilhas, donde saiu para ir viver em Valladolid, cidade principal e capital do reino. Atribuiu-se-lhe um derradeiro amante, Zoilo Iñiquez, e uma filha. A história deixa-a tranquila, decerto gozando uma fortuna quantiosa, e não tão pobre como se quer brindar o insucesso. O que acontecia num ano, nesse tempo, dava para encher uma biblioteca.

E, com a família, João Gaunt trouxe uma aura de prestígio e de festa que deu ao Porto o gosto de cerimonial com consequências populares. O arcebispo de Braga já tinha casado os noivos por procuração, em Compostela. Mas foi no Porto que se celebraram as núpcias religiosas. D. Filipa estava hospedada no paço episcopal e decerto esperava com curiosidade e esperança, que é uma forma de submissão, a chegada do Mestre de Avis, agora rei jurado de Portugal. D. João, sem pressa, apresentou-se num cavalo branco, como os noivos da lenda. Pegou-lhe na mão, beijou-a, e beijou as outras damas, e despediu-se, partindo para o teatro da guerra que se estendia por terra e mar. A vitória de Aljubarrota não favorecia a aliança do duque de Lencastre com D. João I. Os planos políticos eram substituídos por acordos matrimoniais. João de Gaunt cede das suas aspirações a rei de Espanha, em troca do casamento da filha Catarina com o príncipe herdeiro de Castela. João de Avis cai gravemente doente e receia-se pela sua morte. A campanha bélica da Inglaterra não trouxera senão desaires e prejuízos e, quando as negociações começaram, Portugal ficava de parte. Quando o duque de Lencastre desembarca na Gasconha, a aliança com Portugal estava ameaçada. Contudo, um novo elo foi forjado, o casamento de D. João com D. Filipa. Feitas as contas, ninguém ganhava, e quatro anos de guerras, de empréstimos, de ruína mal encoberta por festejos e exultação falsa, deixavam o caminho aberto para a paz. A paz, “mãe de todos os vícios, comadre de todas as corrupções”, como diziam os pregadores mais audaciosos, franciscanos, ao que julgo.

A corte de D. Filipa era na sua maioria inglesa. O chanceler era um padre inglês; o mordomo-mor era também inglês. As damas tinham a carnação leitosa que tanto contrastava com a beleza morena das portuguesas. Foi este tipo ibérico que herdou a única filha de D. Filipa, Isabel, a que foi mulher do duque de Borgonha e mãe de Carlos o Temerário. Pode-se dizer que com a sua glória começa aqui a índole depressiva dos Avis e tantos mistérios encobre na História que patrocinam e fazem brilhar. Aqueles a quem Camões chamou a Ínclita Geração, os filhos de D. Filipa de Lencastre e o rei D. João I, pode-se dizer que deram ao país o significado da civilização em curso. Com eles, a Idade Média ficava convertida a um mau sonho de atrocidades trazidas pelos ventos da guerra. Na verdade, eles são filhos da rainha e ela educou-os para outros deveres que não eram os da intriga, da vingança, do desejo de poder. Outras luzes vinham com D. Filipa. A corte tornou-se discreta, instruída, dedicada a objectivos grandiosos mas nem por isso aventureiros.

No entanto, nessa família culta e criada para altos valores, pairava uma sombra que nenhum cronista descobriu; que só talvez um preceptor arguto descreve no mais íntimo do seu pensamento. Era uma gente estranha.

Os homens, quatro rapazes, eram altos, apurados no vestir, leitores assíduos de obras extremadas da vulgaridade. A única filha, D. Isabel, era mais do tipo meridional. Baixa, ou mediana, de cor trigueira. A escritora Rose Macaulay, ainda que sem a cristalização nos códigos e vestígios históricos existentes nos arquivos, foi uma observadora fiável nas suas pesquisas. Não se demora em dar provas do que diz, mas nem por isso a consideramos ligeira nos seus estudos. Os ingleses têm um sentido de humor que alterna com o sentido prático. “Henrique, a julgar pelos seus retratos, podia ser um fidalgo inglês da província”, diz. Justamente Henrique não tem ar de provinciano, a julgar pelo retrato mais famoso que lhe é atribuído, o de Grão Vasco. Talvez seja ele, talvez não. O que nós vemos é um homem coberto com um grande chapéu donde pende um véu e que o distingue dos outros personagens. Foi uma escolha dele próprio, pois era bastante preocupado no vestir. Trata-se dum chapéu de corte. Quanto a ser loiro e alto, isso não eram apenas características inglesas. Pedro I de Castela era alto e loiro, enérgico e com vocação marinheira. Mesmo ajoelhado, na estátua que está no Museu Arqueológico Nacional de Madrid, vê-se que tem um porte majestoso e que era formoso. Pedro I era primo de D. Pedro, o da Dona Inês de Castro e teve uma história amorosa quase tão acidentada como o seu parente português. Foi ele quem primeiro em Espanha deu um sentido marítimo ao seu reinado. Alto, loiro e marinheiro podiam ser atributos peninsulares.

No entanto, parece haver na Ínclita Geração um elemento furtivo que lhes determina a vocação e um certo movimento interior para o êxtase.

© Guerra &Paz editores, Agustina Bessa-Luís. Reprodução Interdita.

5.4.06
 


O QUE É QUE SABEMOS SOBRE ANGOLA?
Angola / Republica de Angola - flag / bandeira

Agora que o Primeiro-ministro mais a sua comitiva estão em Angola, e o país aparece nos telejornais, o que é que verdadeiramente sabemos sobre a situação angolana no pós-guerra? A pergunta tem sentido porque, pelo menos os órgãos de comunicação social públicos, têm correspondentes permanentes em Angola. Que reportagens de fundo, sobre a política, a sociedade, a economia angolana, foram feitas para aproveitar a viagem governamental, fornecendo-nos informação independente, crítica, distanciada dos interesses que geram todos os silêncios sobre Angola? Não vi nenhuma. Esperava, na tradição da independência dos órgãos de comunicação, que nos dissessem porque razão não há eleições em Angola, como é que está a UNITA e o MPLA, o que se passa com a corrupção, o que é que aconteceu na recente tentativa de "golpe de estado"... tanta coisa para saber sobre Angola e nada. Nada, apenas uns comentários sobre as empresas portuguesas, sobre a crescente importância dos chineses, e pouco mais.

Existe auto-censura quanto a Angola e uma interiorização pela comunicação social da agenda dos interesses e dos negócios, com considerável indiferença quanto ao resto: situação social, miséria, corrupção da classe dirigente, riqueza e ostentação, democracia, violência. Angola é um caso típico de uma coligação de silêncios, da fragilidade do nosso jornalismo.

*

Ver Adufe.

 


A PROVA DOS BLOGUES: AGUSTINA LIDA PELOS LEITORES DO ABRUPTO



Confesso que hesito entre considerar o texto de Agustina Bessa Luis como um exercício literário de base histórica, ou um texto histórico com aspirações literárias. Em todo o caso, lidos alguns comentários de leitores atentos do Abrupto (...), julgo conveniente esclarecer algo relacionado com a seguinte passagem:

«Em primeiro lugar, facto que não se pode desdizer nem ocultar, D. Afonso nasceu estropiado. Era uma criança formosa e bem constituída, mas sofria duma anomalia, hoje operável, mas que no tempo era absolutamente incurável. Tinha as pernas coladas a partir dos joelhos, o que o tornava incapaz para o exercício das armas e montar a cavalo. Chegado aos cinco anos, esgotados decerto todos os tratamentos, aquele que reivindicara o lugar do seu aio, Egas Moniz, teve como solução encomendar a criança à protecção do Céu. No que foi atendido de maneira miraculosa. O menino apareceu escorreito e disposto a uma vida de agitação e conquista. A criança raquítica, embora bela e prendada de muitas graças, deu lugar a um guerreiro como não houve outro na nossa História. Dá para pensar que Egas Moniz o fez substituir por um dos seus próprios filhos ou filho dalgum rico-homem de pendão e caldeira, como se dizia.»

Esta informação aparece, pela primeira vez, num texto do início do Século XV, a chamada "Crónica de Portugal de 1419", que há quem atribua a Fernão Lopes. Usando uma linguagem actual, tal crónica, como qualquer outra deste período, é mais «literária» do que «histórica», facto que, acrescentado à época tardia em que foi redigida, dissipa quaisquer dúvidas quanto à historicidade do milagre. De resto, nas crónicas mais antigas, o aio de Afonso Henriques é Soeiro Mendes (possivelmente o da Maia), e não Egas Moniz, o que, também por si, coloca entraves a algumas interpretações ou hipóteses de Agustina - hipóteses e interpretações, de resto, tradicionais.

(Filipe Alves Moreira)

*

Alertar a Sr.ª Dª Agustina Bessa Luís que o texto contém um erro:


… Data em que D. Afonso Henriques entra a fazer-lhe guerra, teria ele vinte e dois anos. E, se nascido em 1106, trinta e quatro anos, o que parece pouco de acreditar. D. Teresa parece apaixonada e decidida a casar com o conde D. Fernando de Trastâmara, o que precipita a discórdia entre mãe e filho…

De facto se nascido em 1106, 22 anos (em 1128). Se nascido em 1094, 34 anos…(em 1128).

(Francisco Marques)

*

Parece-me criticável a utilização pela autora do termo "Espanha", associado por toda a gente ao actual estado politico espanhol, numa altura em que este estado ainda estava muito longe de existir. Poderá dizer-me que nessa altura era esse o nome dado à península ibérica, o que é verdade. Contudo, este texto foi escrito no século XXI para leitores do século XXI, a esmagadora maioria dos quais (eu diria 99%), quando ler "Espanha" vai achar que se está a referir ao estado espanhol que, julgaram eles, já então existiria.

(Henrique Oliveira)
 


RETRATOS DO TRABALHO EM LISBOA, PORTUGAL


Dança Contemporânea. Ensaios preparatórios de um bailado.

(Telmo Martins)
 


AGUSTINA BESSA-LUÍS
FAMA E SEGREDO NA HISTÓRIA DE PORTUGAL

Há quem afirme que Afonso Henriques era um bastardo de Egas Moniz, seu pai verdadeiro. As deduções em volta deste boato são bastante significativas, pondo de parte favores dos santos e dos cronistas. Já do conde D. Henrique, que foi pai presumido de D. Afonso, a naturalidade é controversa. Uns dizem-no neto do conde Roberto de Borgonha; outros fazem-no proceder do rei da Hungria que seria o pai do dito D. Henrique, vindo a Espanha decerto em busca de glória e de fortuna. Em 1080 já estavam em Espanha três príncipes franceses, ao que parece na escolta da rainha D. Mafalda, mulher do rei D. Afonso, o sexto. Quando o conde D. Henrique entrou em Espanha o Governo de Portugal estava repartido por vários senhores, ditos cônsules; e as terras entre Douro e Mondego, mais aproximadas a mouros e suas companhias, eram governadas por um capitão chamado Sisnando. Foi do próprio D. Fernando de Castela que recebeu o senhorio de Coimbra e de todos os castelos e cidades em volta: Lamego até ao mar, o Rio Douro até aos limites na posse dos cristãos. O rei D. Afonso, passando a reinar por morte de D. Fernando, veio a confirmar todos os poderes de Sisnando, mais militar do que religioso, embora fosse suposto bispo de Iria. Era muito estimado dos mouros em Sevilha, onde vivia antes da conquista de Coimbra. No foral que D. Afonso, o sexto, deu a Coimbra, louva o capitão Sisnando como povoador e engrandecedor da cidade. Mercê da sua boa aliança com os mouros e passado entendimento sevilhano, Sisnando fez um governo pacífico e justo. No ano de 1080 mandou fazer a igreja de S. Martinho e seria decerto o mais importante dos senhores do estado de Coimbra. Uma profusão de casas aparentadas entre si, com títulos e grandeza de fundadores de conventos e igrejas, estendia-se pelas terras de Braga e Coimbra e constituía o quadro senhorial que o conde D. Henrique encontrou quando da sua entrada em Portugal. Em 13 de Fevereiro de 1095 o conde estava já casado com D. Teresa, filha do Rei D. Afonso. Tudo o que se pode averiguar dos factos históricos desses tempos é-nos oferecido por datas de escrituras, doações, batalhas e casamentos. O que importa realçar são as contradições que vêm a lume na multiplicidade dos papéis escritos. Confrontando datas, pode-se concluir que antes do fim do ano de 1094 o Conde D. Henrique não tinha senhorio em Portugal nem era casado.

O primeiro obstáculo ao senhorio de Portugal pelo casal D. Henrique e D. Teresa (Portugal foi-lhe dado em dote, antes disso na posse do conde D. Raimundo) foi levantado pela data de nascimento de D. Afonso Henriques, apontada para o ano de 1106 e não de 1094. O conde D. Henrique, seu pai, seria então homem maduro e, segundo as leis da longevidade, entrado em decrepitude, pelo que a teoria de o príncipe não ser seu filho tomou alento na continuidade da História.

Em primeiro lugar, facto que não se pode desdizer nem ocultar, D. Afonso nasceu estropiado. Era uma criança formosa e bem constituída, mas sofria duma anomalia, hoje operável, mas que no tempo era absolutamente incurável. Tinha as pernas coladas a partir dos joelhos, o que o tornava incapaz para o exercício das armas e montar a cavalo. Chegado aos cinco anos, esgotados decerto todos os tratamentos, aquele que reivindicara o lugar do seu aio, Egas Moniz, teve como solução encomendar a criança à protecção do Céu. No que foi atendido de maneira miraculosa. O menino apareceu escorreito e disposto a uma vida de agitação e conquista. A criança raquítica, embora bela e prendada de muitas graças, deu lugar a um guerreiro como não houve outro na nossa História. Dá para pensar que Egas Moniz o fez substituir por um dos seus próprios filhos ou filho dalgum rico-homem de pendão e caldeira, como se dizia.

Egas Moniz, de apelido o Gasto, casou com D. Toda Alboazar, de nome algo suspeito de arábico. A alcunha de Gasto seria antes Gasco, porque este Egas Moniz era filho de Moninha Viegas, capitão da Gasconha. Na Foz do Douro, digamos que nos penhascos do Porto, teve este grandes batalhas com os mouros. Egas Moniz, o Gasco, foi bisavô de Egas Moniz, o redentor do triste príncipe ao seu cuidado.

Esteve D. Teresa como rainha de Portugal dezasseis anos, depois da morte do conde D. Henrique. Ela sim, foi soberana, por contratos com sua irmã e doações de terras que afiançavam a paz. A D. Henrique nunca se reconheceu o título de rei, mas sua mulher, tornada à solteiria e com idade para se ver coroada e protegida de novos amores, deu em ser majestade e não súbdita até ao ano de 1128. Data em que D. Afonso Henriques entra a fazer-lhe guerra, teria ele vinte e dois anos. E, se nascido em 1106, trinta e quatro anos, o que parece pouco de acreditar. D. Teresa parece apaixonada e decidida a casar com o conde D. Fernando de Trastâmara, o que precipita a discórdia entre mãe e filho. É uma guerra ao estilo troiano, arrebatada e sensual. Salazar perguntava o que se há-de fazer dum país que começou com um filho a pôr a ferros a própria mãe. Candura extrema, que é a de acreditar que as ambições humanas não devoram o horror, para o fazer parecer santo. Enfim, o Trastâmara era uma realidade que puxava para Castela; e quem não há muito dela ganhara a liberdade, opunha-se a voltar aos preitos de vassalagem. Fosse ou não filho de D. Teresa, D. Afonso, no testamento de Múnio Viegas, pai de Egas Moniz (outro, diverso do aio), consta que no ano de 1128 já D. Afonso Henriques era senhor de Portugal. Até ao princípio desse mesmo ano parecia haver harmonia, mas as coisas precipitaram-se com a ideia do casamento; casamento nunca constado mas de certo modo provado, por exemplo, numa escritura de 1121 em que a presença de ambos é declarada. Mas causas mais graves há, um conluio entre os dois, como no texto de concórdia entre o bispo de Coimbra e o do Porto, o célebre D. Hugo, celebrada a cinco de Abril de 1122. Ambos assinam no livro da Sé de Coimbra, seguindo-se a rubrica dos senhores, “in praesentia Regina Tarasiae et Comitis Donni Fernandi, et Baronum Portugallensium”. Isto basta para testemunhar o casamento.

Quando D. Afonso Henriques desfere o golpe da sua ira é possivelmente quando Fernando de Trastâmara se arroga direito sobre o reino e a sucessão. Em 1131 há já uma filha; “Ego Comes Ferdinandus Paes filius Comitis Petri una cum filia mea nata de Regina D. Tereixa conf.”.

Mas a ambiguidade da situação persiste, e são várias as provas e contraprovas dessa união. Para que a cólera de D. Afonso Henriques se levante tão devastadora, chegando a perseguir a mãe como uma ré de alta traição, é preciso que alguma coisa ameace o príncipe e ponha em causa o seu reinado.

Há portanto uma filha do segundo casamento. Que projectos se desenrolam na falsa harmonia do Paço? Se D. Afonso Henriques não é de facto o filho de D. Teresa, se há testemunhas duma cabala que vai até ao crime, é preciso tomar medidas, e medidas profundamente arriscadas, impetuosas e até brutais. Sabemos que D. Afonso Henriques é um líder e que um líder não é um cavalheiro. E D. Teresa também não é muito escrupulosa em coisas de lealdade, porque os tempos não aconselhavam o coração senão para servir a vontade. A vontade era reinar. O efeito duma grandeza que cria a subordinação e a lisonja é fatal para a sensibilidade. Além do mais, Dona Teresa, como bastarda dum soberano, devia conjugar a avidez do poder absoluto com o direito de corrigir a genealogia. Nada se sabe da sua fisionomia, mas há a cópia duma litografia de Guglielmi, no livro de F. Fonseca Benevides Rainhas de Portugal, Lisboa 1878, que a mostra de bom parecer, possivelmente alta, de olhos negros e sobrancelhas marcadas e longas, como era próprio dos povos mediterrânicos. Bela, morena e voluntariosa, do tipo que se diria mouro; o que sugere talvez um cruzamento com uma princesa dos arraiais dum desses aliados dos cristãos com quem estes tinham episodicamente contratos de campanhas. Mas isso, o senhor Guglielmi é que sabe e fazemos fé nele.

Há prova de que D. Teresa, depois da morte do marido que a ultrapassava em muito na idade, foi senhora de Portugal até ao ano de 1127. Depois disso tudo mudou. Como filha do rei de Leão, ela tinha apoio e respeito. D. Afonso Henriques demorava a pedir-lhe contas da sua herança porque a tinha por segura e não lhe convinha abrir a cortina sobre o caso da sua deformidade de nascença e a maneira como foi curada. O povo podia confundir-se com o milagre, mas os homens de conselho, entre os quais bispos e abades, podiam mostrar desengano quanto à santidade do acontecimento de Carcare, onde se dera o prodígio. Alguma coisa sucedeu para que as relações entre mãe e filho fossem quebradas.

Sabemos que tinha nascido uma criança, uma menina, do casamento de D. Teresa com o conde de Trastâmara. Essa sim, era do seu sangue e da sua carne. É de crer que, com o andar dos anos, dezasseis de reinado absoluto, D. Teresa e o marido se propusessem dar à filha o direito de sucessão. O negócio de família decorrera no maior segredo e o conde D. Fernando tinha por seu lado o Fernandes de Trava, seu pai e praticamente toda a nobreza da Galiza. Mas Portugal tinha em sua defesa toda uma ala de capitães e gente de guerra que já se manifestara com êxito e valor quando da vinda do rei mouro Brasimi disposto a chegar às portas de Coimbra e conquistar a cidade. Percebe-se que a contínua acometida dos mouros trouxesse em cuidado Egas Moniz e o afastasse da sua quinta de Resende onde decorria a vida do infante miraculado. Alexandre Herculano põe-nos de sobreaviso sobre “os fundadores de antigas monarquias cuja vida foi desde o berço povoada de maravilhas e milagres pela tradição popular”. Mas temos que considerar a intenção dos poderes a quem convinha instaurar uma tradição, para assim melhor iludir e governar. Também é Alexandre Herculano quem afirma: “o amor cego da rainha por um homem alheio à província”, e aqui demonstra mais índole de romancista do que prudência de historiador. Não se pode assegurar a inclinação de D. Teresa pelo conde Fernão Peres, quando o que estava em jogo era a independência de Portugal e a sua soberania absoluta como rainha. Com a morte de D. Urraca sua irmã, crescem as suas ambições quanto ao senhorio do Condado Portucalense que nada mais era até então senão um campo de recontros entre fronteiros e mouros. O sentimento da nacionalidade emergia duma revolta de sete séculos, e não é sem motivo que D. Afonso Henriques foi chamado o Viriato cristão. Em D. Teresa esse sentimento não deixou de estar presente num coração onde batia o amor da mulher, mas também o desejo de se afirmar como soberana. O certo é que, depois da morte de D. Teresa, expulsa pelo filho, senão que aprisionada, o conde D. Fernando Trastâmara (ou Peres, como diz Herculano) numa exaração de doação de terras que ele faz à sé de Coimbra, tem para com sua mulher, ou amante, palavras de respeito e de emoção profunda. D. Teresa morre no primeiro de Novembro de 1130. Dia de Finados, já por si carregado de solenidade. Não tendo um reino, tem uma coroa de flores no reino dos morto.

…………………………………………………………………………………………………………………

Nos princípios de 1127, tendo D. Afonso ainda alguma boa paz com a sua mãe D. Teresa, lavrava já a conspiração contra o rei de Leão e mais directamente contra a influência do conde Fernão de Trastâmara. A corte do falecido D. Henrique era fiel ao seu herdeiro directo, pelo que a sucessão parecia assegurada. D. Afonso VII, primo de D. Afonso, decerto avisado dos conluios portugueses para proclamarem um rei próprio, invadiu Portugal, em princípio com sucesso. Pôs cerco a Guimarães e obteve, com as forças que superavam as dos portugueses, uma declaração de vassalagem da parte de D. Afonso. Egas Moniz deu de penhor a sua palavra de que se cumpriria o tratado. Afonso VII levantou o cerco e retirou-se, fiado na honra de fidalgo que era Egas Moniz. Mas as coisas desandaram em franca hostilidade entre mãe e filho e, no ano seguinte, rebentava a revolução que teve desfecho na batalha de S. Mamede. É de supor que a vinda de Afonso VII com intuitos de confirmar os seus direitos sobre o condado portucalense, se devesse a uma queixa de sua tia D. Teresa, a qual não estaria em Guimarães, mas refugiada na corte de Leão. Em Guimarães decorriam as conspirações, talvez não completamente votadas pelo fiel Egas Moniz porque receoso de ver debatida a legitimidade do seu pupilo infante. Devia ser esta carta com que jogava D. Teresa. Egas Moniz apressou-se a selar um pacto com Afonso VII, não por lealdade mas por prudência.

Todavia, D. Afonso Henriques, na verdura da mocidade e irado pela demora da sua nomeação como senhor do seu território, declarou guerra a D. Teresa, pouco interessado se o fazia ou não segundo as regras da cavalaria. D. Teresa devia estar fora das terras de Portugal e ele ocupava o castelo de Guimarães com os seus fiéis. A oportunidade era preciosa e ele lançou-se para S. Mamede onde teve, primeiro, fraco sucesso. Foi ao ver que ele saía derrotado que Egas Moniz, mandando ao ar o seu juramento, o foi ajudar, obtendo a vitória.

Não cabe, neste interregno entre a vinda de Afonso VII e a batalha de S. Mamede, pouco mais do que um recontro de forças rivais, o episódio de Egas Moniz com a corda ao pescoço e a família descalça, para resgatar a sua palavra perante Afonso VII. Decerto isto pertence à lenda que se formou logo a partir do milagre de Cárquere. A verdade é que, aio ou pai verdadeiro de D. Afonso Henriques, ele o tinha criado para rei nos lugares de Resende, junto com aqueles que seriam os validos mais próximos e os guerreiros mais esforçados na nova corte portuguesa. Uma nota arrepiante fica no rodapé da História. Que foi feito da criança aleijada que Egas Moniz levou nos braços, arrebatando-o à sua ama D. Ausenda? Ama de leite, dizem os papéis, o que parece contraditório com os costumes de criação dum príncipe. Lembramos o episódio da dama de França, a quem a aia dum filho seu deu de mamar porque ela tinha fome e a mãe estava ausente. A mãe fez com que o menino vomitasse o leite, porque, não sendo parte do sangue nobre, podia para sempre infectar o infante de vícios plebeus.

É de crer que a tal ama de leite de D. Afonso fosse Ausenda Dias, mulher de Gosendo Alves a quem D. Teresa, em 1116, fez a doação da vila de Góis. Ela estaria na posse de segredos que a História não pode remover dos seus escombros. Tendo nascido D. Afonso por volta de 1110, é possível que a doação registada em nome de Ausenda Dias e seu marido Gosendo Alves tivesse o intuito de pagar serviços prestados, entre os quais a criação da criança misteriosa que Egas Moniz levou do castelo de Guimarães poucos dias depois de nascer.

É altura de citar Alexandre Herculano na sua melhor interpretação de romancista: “Há muitas vezes na História, ao lado dos factos públicos, outros sucedidos nas trevas, os quais, frequentemente, são a causa verdadeira daqueles, e que os explicariam se fossem revelados”.

Pré-publicação de uma edição da “Guerra & Paz”

© Guerra &Paz editores, Agustina Bessa-Luís. Reprodução Interdita.


4.4.06
 


RETRATOS DO TRABALHO EM LISBOA, PORTUGAL


A montar e ajustar a aparelhagem acústica para um apresentação de música da Eslovénia no C.C.Colombo.

(José Santos)
 


O ÚLTIMO LIVRO DE AGUSTINA BESSA-LUÍS SERÁ PRÉ-PUBLICADO NO ABRUPTO

(Comunicado conjunto Abrupto / “Guerra & Paz Editores”)

Pela primeira vez em Portugal, um blogue, o Abrupto, de José Pacheco Pereira, vai fazer a pré-publicação de um livro – a última obra de Agustina Bessa-Luís, Fama e Segredo da História de Portugal, que será publicada integralmente em papel pela “Guerra & Paz Editores”.

A pré-publicação inicia-se amanhã, 4ª, dia 5. Diariamente, até 2ª, dia 10, o Abrupto publicará excertos de uma das 12 histórias da “Fama e Segredo”, de Agustina, acompanhada de imagens referentes a esse capítulo.

O acontecimento é seguramente inédito em Portugal, não se conhecendo ao nível da edição tradicional, registo de iniciativa semelhante noutros países europeus. Apenas sob a forma de acesso pago se realizaram experiências deste tipo, principalmente nos EUA.

Substituindo-se às tradicionais práticas de pré-publicação em jornais ou revistas, este evento inaugura um modelo de divulgação qualitativamente diferente que pode revolucionar a estratégia de comunicação das editoras portuguesas e reconhece aos blogues o papel acrescido no espaço público que hoje têm.

Para o Abrupto, de José Pacheco Pereira, é uma iniciativa coerente com a concepção que desde início o enformou: um blogue de autor, pessoal e intransmissível, aberto a curiosidades e interesses muito diversos. A publicação de um texto de uma grande escritora portuguesa, que os leitores do Abrupto vão poder conhecer numa parte significativa, sem qualquer custo, honra o blogue e é consistente com a sua orientação desde sempre.

Para a “Guerra & Paz”, esta iniciativa é um claro reconhecimento da importância que as novas formas de comunicação ganharam nas nossas sociedades de informação. Segundo Manuel S. Fonseca, “fascina-nos não só a grande liberdade e acessibilidade desta comunicação, mas também o grau de afectividade que ela exprime. A admiração de Pacheco Pereira por Agustina e o seu interesse pela iconografia do livro justificaram a nossa escolha. E o apoio do Abrupto ao livro vai ter um efeito mediático superior ao que obteríamos com outros meios. Para já não falar no prestígio e na audácia do gesto.”

A “Guerra & Paz” apresentará o livro na Fundação Gulbenkian, às 17:30 de 2ª, 10 de Abril, data em que o livro estará também à disposição nas livrarias.

O Abrupto e “Guerra & Paz Editores

*

O primeiro texto de Agustina, intitulado AFONSO HENRIQUES E D. TERESA, sairá no Abrupto amanhã de manhã.
 


RETRATOS DO TRABALHO EM LISBOA, PORTUGAL


Pintando o futuro HardRock Café.

(Jose Santos)
 


EARLY MORNING BLOGS 748

MAÑANA LENTA


Mañana lenta,
cielo azul,
campo verde
tierra vinariega.
Y tú, mañana, que me llevas.
carreta
demasiado lenta,
carreta demasiado llena
de mi hierba nueva,
temblorosa y fresca,
que ha de llegar —sin darme cuenta—
seca.

(Dámaso Alonso)

*

Bom dia!

3.4.06
 


A PATRULHA DA PRIMAVERA

chega, por rígida ordem. Andorinhas, flores, folhas, besouros, borboletas.
 


RETRATOS DO TRABALHO EM LISBOA, PORTUGAL

Desenhar o chão. Lisboa, claro, na Rua Augusta, 1 de Abril.

(Mário Furtado)
 


NUNCA É TARDE PARA APRENDER: PARA ENCERRAR, FACTÓIDES

Henry Hitchings, Defining the World (The Extraordinary Story of Dr. Johnson's Dictionary)

Henry Hitchings Defining the World (The Extraordinary Story of Dr. Johnson's Dictionary) Entre as palavras que Hitchings considera que mudaram completamente o seu sentido desde a sua inclusão no Dicionário no século XVIII, uma "calculus - the stone in the bladder", permanece com o mesmo sentido em português, "cálculo renal"; outra "paraphernalia - goods in the wife's disposal" ganhou sentido irónico; e "orgasm - sudden vehemence" não me parece tão mudada de sentido, mesmo tendo em conta que o Dr. Johnson era um homem púdico e excluiu do seu livro as palavras que considerava inconvenientes ("fuck" e "cunt" só entraram nos dicionários ingleses nos anos sessenta do século XX...).

O Dicionário ainda recentemente foi usado para interpretar o sentido da palavra "declaração" em "declaração de guerra" (a propósito dos ataques à Jugoslávia na Presidência Clinton), considerando-se que ele oferecia a melhor interpretação do léxico jurídico da Constituição Americana.

O Dicionário mostra o impacto de uma nova bebida, o café, referido trinta vezes. O hábito turco, importado de Veneza, devia fazer uma diferença com os milhares de tabernas londrinas onde corria a genebra. Johnson define "coffeehouse - " a house of entertainment where coffee is sold, and the guests are supplied with newspapers". "Entertainment", nota Hitchings, era conversa, conversa de café.

Johnson e os seus fantasmas: ensaio sobre "procrastination".

"X is a letter which, though found in Saxon words, begins no word in the English language" dizia Johnson, aliás erradamente. Mas os seus comentários sobre letras são interessantes: por exemplo, "R" era a "letra canina" como aqui .

Johnson era contra o uso de parêntesis. (FIM)

*
(...) a palavra «calculus», tem grande importância em Matemática. A sua evolução nos países de língua inglesa, com ênfase no uso matemático, pode ser vista aqui.

(José Carlos Santos)
 


NUNCA É TARDE PARA APRENDER: BIBLIA ABIBLIA

Henry Hitchings, Defining the World (The Extraordinary Story of Dr. Johnson's Dictionary)

itle page of  A dictionary of the English language



Charles Lamb chamava a livros como os Dicionários, biblia abiblia, livros que não são para ler. A expressão grega acabou por fazer caminho e ter dois sentidos: livros que contêm outros livros dentro, e livros que não vale a pena ler. O sentido pejorativo tem-se tornado dominante, embora o uso da expressão permaneça raro e obscuro. Quem é que lê Dicionários ou Enciclopédias? Um grupo muito especial de leitores, entre os quais Aldous Huxley, Malcolm X e Gabriel Garcia Márquez. Suspeito que também Jorge Luis Borges. Robert Browning que leu o Dicionário de Johnson para se preparar para a vida literária, como um trabalho de casa. Alguns autistas, alguns profissionais de concursos de perguntas e respostas. Não é uma actividade muito apreciada: Huxley era gozado pelos seus amigos que diziam que se sabia sempre que volume da Enciclopedia Britannica estava a ler.

 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(2 de Abril de 2006)


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No Kontratempos de Tiago Barbosa Ribeiro, palavras sábias:
REDUCIONISMOS. A simplificação de um mundo complexo é um dos problemas do debate político que temos. As dicotomias paradigmáticas estruturam em demasia o pensamento, impedindo-o de pensar. Casos concretos. À esquerda, alguma esquerda reduz o CPE a direitos/não-direitos e a situação no Iraque a ocupação/não-ocupação. À direita, alguma direita reduz o aborto a vida/não-vida e a liberdade económica a Estado/não-Estado. Assim, é difícil.
*

Paredes electrónicas de Nova Iorque:

 


EARLY MORNING BLOGS 747

La Figlia Che Piange (The Weeping Girl)


Stand on the highest pavement of the stair -
Lean on a garden urn -
Weave, weave the sunlight in your hair -
Clasp your flowers to you with a pained suprise -
Fling them to the ground and turn
With a fugitive resentment in your eyes:
But weave, weave the sunlight in your hair.

So I would have had him leave,
So I would have had her stand and grieve,
So he would have left
As the soul leaves the body torn and bruised,
As the mind deserts the body it has used.
I should find
Some way incomparably light and deft,
Some way we both should understand,
Simple and faithless as a smile and a shake of the hand.

She turned away, but with the autumn weather
Compelled my imagination many days,
Many days and many hours:
Her hair over her arms and her arms full of flowers.
And I wonder how they should have been together!
I should have lost a gesture and a pose.
Sometimes these cogitations still amaze
The troubled midnight, and the noon's repose.


(T. S. Eliot)

*

Bom dia!

2.4.06
 


BIBLIOFILIA: LIVROS SOBRE LIVROS


Phyllis Dain, The New York Public Library (A Universe of Knowledge)

Lawrence Goldstone / Nancy Goldstone, Slightly Chipped: Footnotes in Booklore

A. J. Jacobs, The Know-It-All : One Man's Humble Quest to Become the Smartest Person in the World
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:INTERIORIDADES.
 


RETRATOS DO TRABALHO EM BAIKONUR, CAZAQUISTÃO


Baikonur, Cazaquistão, este é um dos muitos retratos do trabalho e da vida no então cosmódromo secreto.

(Rui C. Barbosa)
 


NUNCA É TARDE PARA APRENDER: ERUDIÇÃO, MELANCOLIA E INDOLÊNCIA

Henry Hitchings, Defining the World (The Extraordinary Story of Dr. Johnson's Dictionary)

Henry Hitchings Defining the World (The Extraordinary Story of Dr. Johnson's Dictionary) Em pleno trabalho no seu Dicionário, já atrasado e apenas com as letras A-C prontas (e já tinha ido mais longe do que o nosso dicionário da Academia, o grande não o pequeno, que ficou só na letra A, de A a Azuverte) e com aquele fastio que às vezes dá a meio de uma obra complexa, Johnson deixou-se envolver por essa estranha condição, a melancolia. A melancolia teve no século XVII o seu grande clássico, Robert Burton, mas o Dr. Johnson foi um praticante desse "estado de alma" que, muito justamente, os seus contemporâneos consideravam uma doença, "a kind of madness in which the mind is always fixed in one subject". Um dos vários retratos que Reynolds fez de Johnson dá bem essa dimensão obsessiva, mostrando-o não como clássico e repousado leitor, em que a leitura é um lenitivo para o espírito, mas como um leitor compulsivo, devorando fisicamente o livro, sem distanciação. Conheço muito poucos retratos de leitura que sejam deste tipo e Reynolds só o pode ter feito porque Johnson era mesmo assim.

O Dr. Johnson também pensava que a sua melancolia era uma doença, uma forma de loucura: "I inherited a vile melancholy from my father, which has made me mad all my life, at least not sober." Mas há um aspecto da melancolia de Johnson muito próprio, o seu pavor pela indolência, o medo de ser preguiçoso no seu trabalho. É difícil que um homem como Johnson que, quer como leitor, quer como autor, e em particular como autor de uma obra como o Dicionário que lhe exigia um esforço e concentração enormes, pudesse ter dúvidas sobre a sua dedicação ao trabalho. É certo que ele fazia uma correlação entre a ocupação e o combate á melancolia, dizendo ao seu biografo que "employment, sir, and hardships, prevent melancholy", e escrevendo que "melancholy, indeed, should be diverted by every means but drinking", mas há mais do que parece à primeira vista nesta obsessão com a indolência. É exactamente pelo tipo de trabalho erudito a que ele se dedica, pelo facto do Dicionário ser uma obra que resulta directamente dum imenso volume de leituras, e que a sua "escrita" tem exigências de completude incontornáveis - não é suposto faltarem palavras básicas (como ao nosso pequeno dicionário da Academia falta "robalo" e "hipertexto", entre muitas outras) - que a dimensão do trabalho por fazer convoca o risco da indolência todos os dias. É que fazer um Dicionário é "a kind of madness in which the mind is always fixed in one subject".

*
Mesmo nos dias de hoje em que a psiquiatria se afirma como uma disciplina científica os chamados "males da alma" continuam a ser olhados com apreensão e estão consistentemente "sob suspeita". Como tal considerá-los doenças é sempre conveniente: primeiro porque os torna excepção e desvio, e depois porque pressupõe tratamento e cura. Se hoje não se morre de amor como no século XIX, nem se sofre da melancolia do século XVIII, sofre-se por exemplo de depressão: uma conveniente etiqueta que se aplica a, e correndo o risco de generalizando nem sempre ser precisa, variados estados de alma que fujam à esperada felicidade que a nossa sociedade consumista e imediatista põe ao nosso dispor 24 horas por dia. Assim, um luto mais prolongado do que o velho ditado "a vida continua" prevê, uma mudança de nível de vida menos bem aceite, uma traição dolorosa que fere lá onde não se sabia que podia ferir, encontram rápida, discretamente e sob patrocínio de todos os bons amigos, alívio e promessa de dias melhores no Prozac e no Xanax. "... (It) should be diverted by every means but drinking". Como agora.

(J. )
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(2 de Abril de 2006)


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A ler "Valentes críticos" e textos adjacentes de Fernando Venâncio no Aspirina B.

*

No Astronomy Picture of Today , a mensagem enviada, em 1999, aos nossos vizinhos cósmicos. Estamos ainda à espera da resposta, mas, mesmo à velocidade da luz, a casa deles é capaz de ser um pouco longe.

See Explanation.  Clicking on the picture will download  the highest resolution version available.

*

Sursum corda!
Corações solitários, já existe um Google Romance onde podem "search for love"... Mas só no dia 1 de Abril.

*

Foram ou não destruídos livros, feito um auto de fé, atiradas Bíblias antigas à cara dos polícias, queimados manuscritos, durante a ocupação da Sorbonne pelos manifestantes contra a lei do emprego juvenil? Discussão no Figaro, discutida por sua vez no La république des livres.

*

Retratos do bairro de Chelsea, NY, onde as galerias de arte coexistem com garagens e oficinas de reparação de automóveis. As oficinas voltam-se para fora, as galerias para dentro. As galerias têm quase todas o mesmo modelo de arquitectura, muito aço e ferro pintado de cinzento, largas paredes brancas, padrões de design tão semelhantes que, vista uma, todas são iguais. Uma menina ou duas à entrada, sentada em frente a um laptop. Uma pequena pilha de postais anunciando a exposição, e no fundo, por detrás da menina, uma estante com alguns livros de arte e dossiers. Uma folha de plástico com os títulos das obras, e, raramente, os preços. Tudo tão estandardizado, como muitas das "obras" que são expostas. Pelo menos aqui a imaginação não abunda. As excepções ficam para depois.

Há, no entanto, uma diferença: os tectos. Comecemos pois pelos tectos:





 


EARLY MORNING BLOGS 746

The Results Of Thought


Acquaintance; companion;
One dear brilliant woman;
The best-endowed, the elect,
All by their youth undone,
All, all, by that inhuman
Bitter glory wrecked.

But I have straightened out
Ruin, wreck and wrack;
I toiled long years and at length
Came to so deep a thought
I can summon back
All their wholesome strength.

What images are these
That turn dull-eyed away,
Or Shift Time's filthy load,
Straighten aged knees,
Hesitate or stay?
What heads shake or nod?


(William Butler Yeats)

*

Bom dia!

1.4.06
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: DIMENSÕES E FANTASIAS



Mais mil, menos mil...Mais um exemplo de rigor jornalístico à portuguesa. O Público tem uma notícia na sua edição online onde se pode ler : Seis mil iniciaram manifestação em Lisboa por melhores condições laborais. Neste momento em que decorre o comício no Rossio, observo da janela onde me encontro um magote de indívidos que escutam o discurso de Carvalho da Silva que dificilmente ultrapassá um milhar. Onde é que estão os outros 5000? Perderam-se no caminho entre a Praça do Chile e o Rossio, ou não passará tudo isto de uma singela mentira do primeiro de Abril?

(F. Caetano)
 


LENDO / VENDO /OUVINDO
(BLOGUES, JORNAIS, TELEVISÕES, IMAGENS, SONS, PAPÉIS, PAREDES)
(1 de Abril de 2006)


__________________________


Ruas americanas. Spring fever.



*

A marcação da agenda mediática pelos blogues é cada vez mais importante, queira-se ou não. Começa a haver um claro mecanismo de sinergias entre os blogues e outros meios: jornais e revistas em papel, emissões de rádio, publicação de livros, programação cultural, colóquios e sessões de debate, iniciativas culturais e políticas. Este caminho não tem retorno, quem o segue anda em frente. É natural que essa agenda não se manifeste para já com a mesma importância em todas as áreas, mas, em áreas criticas do espaço público, começa a impor-se cada vez mais. Entre essas áreas tem relevo a própria comunicação social, que cada vez mais recruta nos blogues, e o “espaço cultural” mais mediatizado, incluindo a edição, a animação cultural, os eventos, como agora se diz.

Há dois exemplos actuais típicos: a polémica sobre a providência cautelar ao livro de João Pedro George, que ecoa o impacto de um seu texto no Esplanar; e, com origem no mesmo blogue e amplificado por um debate na blogosfera, a questão do amiguismo na crítica literária. O debate na Casa Fernando Pessoa (relatado no Público de hoje) é típico deste papel dos blogues. Organizado por Francisco José Viegas, que trouxe para a programação da Casa o mundo dos blogues de que ele próprio faz parte, o seu tema era o do debate de há dois meses na blogosfera, e os seus intervenientes eram identificados em linha pelos blogues que escreviam. Mais significativo ainda: o ambiente na sala, como refere o Público, “fez a temperatura ferver na Casa Fernando Pessoa”, o que também é típico dos blogues e já não se usava há muito no mundo da “cultura”.

ADENDA: outro aspecto interessante deste novo mundo é poder-se ler o relato do que aconteceu na Casa Fernando Pessoa a muitas vozes. Uma delas, a de Eduardo Pitta, que estava na mesa do debate, acrescenta esta muito interessante nota "social" que só confirma o que se diz acima:
"Numa sala a abarrotar, encontrei Isabel Coutinho, editora do Mil Folhas, Carla Hilário de Almeida Quevedo, do Bomba Inteligente, Gustavo Rubim, João Pereira Coutinho, Isabel Goulão, do Miss Pearls, Miguel Real, Luís Carmelo, do Miniscente, João Rodrigues, editor da Dom Quixote, Ana Madureira, do gabinete da ministra da Cultura, Maria do Rosário Pedreira e Ana Pereirinha, respectivamente editora e editora-adjunta da QuidNovi, o jornalista Rui Lagartinho (facção pró-Margarida), Ana Cláudia Vicente, do Quatro Caminhos, e se me esqueço de alguém é sem intenção. O Francisco, a Anick e o Ricardo, como sempre, anfitriões atentos. O vinho não sei se era bom, não provei."
 


EARLY MORNING BLOGS 745

Le chat

Je souhaite dans ma maison :
Une femme ayant sa raison,
Un chat passant parmi les livres,
Des amis en toute saison
Sans lesquels je ne peux pas vivre.


(Guillaume Apollinaire)

*

Bom dia!
 


BIBLIOFILIA: AMERICANA

http://images-jp.amazon.com/images/P/0060566779.09.LZZZZZZZ.jpg [0-671-86742-3Lincoln at Gettysburg the Words That Remade Americaby Garry Wills]

Thomas Frank, What's The Matter With Kansas? How Conservatives Won The Heart Of America

Anthony Bianco, Ghosts Of 42nd Street: A History Of America's Most Infamous Block

Garry Wills, Lincoln at Gettysburg the Words That Remade America

© José Pacheco Pereira
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