ABRUPTO

30.6.05
 


INTENDÊNCIA

Actualizado o EARLY MORNING BLOGS 530.
 


A LER

um dos "poemas da minha vida", Com a Usura de Pound, traduzido por Goulart Nogueira, e transcrito no Quartzo, Feldspato e Mica. Como com muitos outros, foi o Eugénio que mo deu a ler e também tinha a estrelinha (ou asterisco) aqui

COM A USURA
a lã não chega aos mercados
os carneiros não ganham lã com a usura
A usura é uma peste, a usura torna romba a agulha nas mãos da virgem
e embaraça os gestos da fiandeira.
Pietro Lombardo não veio pelo caminho da usura.
Duccio não veio pela usura
Nem Pier della Francesca; Zuan Bellin` também não foi pela usura
nem foi com ela que pintaram «La Calumnia».
Não foi pela usura que veio Angelico; nem Ambrogio Praedis,
Nem veio a igreja talhada em pedra assinada: Adamo me fecit.


e sempre pensei que tinha um verso que vejo agora que não tinha, sobre o ouro que faltaria a Duccio, por causa da usura. Estaria no original? Não sei, nem posso verificar. Seria noutro poema?

Só mais uma nota: penso, também não verifiquei, que este poema como muitos outros, foram publicados na melhor revista quase fascista portuguesa, o Tempo Presente.

*

Ver de Manuel Resende Usura dois, no mesmo Quartzo, Feldspato e Mica. Mas nalgum sítio li, num comentário talvez, a história do ouro. Para quem não saiba o ouro dos quadros de Duccio (e dos outros pintores da época) era mesmo ouro, em folhas finíssimas coladas , por exemplo, para fazer as auréolas dos santos.
 


AR PURO


Ivan Shishkin
 


EARLY MORNING BLOGS 530

Sing Me a Song with Social Significance

I'm tired of moon gons, of star and of June songs,
They simply make me nap.
And ditties romantic drive me nearly frantic,
I think they're all full of pap.
History's making, nations are quaking,
Why sing of stars above?
For while we are waiting, father time's creating
New things to be singing of...

Sing me a song with social significance,
All other tunes are taboo.
I want a ditty with heat in it,
Appealing with feeling and meat in it.
Sing me a song with social significance,
Or you can sing till you're blue,
Let meaning shine from every line
Or I won't love you.

Sing me of wars, sing me of breadlines,
Tell me of front page news,
Sing me of strikes and last minute headlines,
Dress your observations in syncopation.

Sing me a song with social significance,
There's nothing else that will do.
It must get hot with what is what
Or I won't love you.

Sing me a song with social significance,
All other tunes are taboo,
I want a song that's satirical,
And putting the mere into miracle.
Sing me a song with social significance,
Or you can sing till you're blue,
It must be packed with social fact
Or I won't love you.

Sing me of crime and conferences martial,
Tell me of mills and of mines,
Sing me of courts that aren't impartial,
What's to be done with 'em? Tell me in rhythm.

Sing me a song with social significance,
There's nothing else that will do.
It must be dense with common sense
Or I won't love you.


(Harold Rome)

*

Em 1937, Rome escreveu esta canção para um espectáculo musical na Broadway chamado Pins and Needles, representado por filiados no sindicato ILGWU (International Ladies Garment Workers Union). Foi um dos maiores sucessos da Broadway antes da guerra.

Bom dia, nestes tempos de "social significance" sem canções "with social significance"!

*
Nem de propósito, este poema quando pensava exactamente que um dos grandes problemas do nosso tempo é uma enorme ausência de outras metas, outros valores, outros objectivos, que não a satisfação do ego.

Fenómeno aliás bem visível na muito activa blogosfera, espelho do mundo, reflectindo-o em directo e a cores (muitas vezes apenas em diversos tons de cinzento), com implosões, irritações, trocas de insultos ou de apaixonados elogios e até lutas aparentemente fratricidas, evidentes sintomas da falta de outro valor que não o “eu”. Fazem-se grandes discursos, (vazios, se perdermos tempo a lê-los bem) onde começam por erguer um cartaz que diz: Eu sou … de direita, de esquerda, liberal … enfim, um qualquer estandarte. E, vai daí, toca a debitar citações de autores que não leram, ou se leram não perceberam, exibindo erudição e grandiloquência numa tentativa de esmagar o interlocutor e de levar mais um escalpe para a galeria de troféus.

Uns, sentam-se de cartola e charuto. Outros, de manga arregaçada e punho em riste. Envergam identidades alheias e reeditam lutas, batalhas e discussões que já se tiveram, já se perderam e já se ganharam. Já foram. O que não se vê é uma ideia própria, uma análise elaborada e sustentada, uma novidade, um contributo, uma mais valia.

Mas onde realmente se excitam muito (embora também ai inovem pouco) é no ataquezinho pessoal, nas minudências, no insulto fácil e histriónico que nada tem a ver com ideias ou projectos. Porque em tudo se vê um ataque pessoal, um interesse, uma vaidade. Estamos todos mortos por identificar intenções pessoais, pequeninas, direccionadas: ai que isto é para mim! Espera ai que já te digo!

Enfim, um mundo, cuja dimensão não ultrapassa a do nosso próprio ego.

(RM)

29.6.05
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES
APRENDENDO COM IGNAZIO SILONE

"Se quer dizer que em cada época a política tem os seus mistérios, dou-lhe toda a razão. A literatura que tratava a arte da política como uma ciência oculta floresceu na época do absolutismo, quando, devido aos frequentes conflitos entre autoridade civil e religiosa e devido também à decadência da teologia, já não era útil nem cómodo insistir em fazer provir a soberania das mãos de Deus. Não podendo porém substituir a investidura divina por uma investidura popular (…) a autoridade foi levada a envolver-se em mistério.

(…) Gustav Freytag reproduz um dos manuais então em voga sobre os segredos da arte de governar, a Ratio Status, de 1666, e faz dele uma divertida paródia. O jovem considerado apto para as funções de conselheiro de príncipe é introduzido nos aposentos secretos em que são ciosamente conservados os Arcana Status inerentes à sua nova e altíssima função: uniformes de Estado, óculos de Estado, pó para os olhos, etc. Há uns mantos especiais de Estado que conferem a quem os enverga a devida autoridade e reverência e se chamam salus populi, bonum publicum, conservatio religionis, conforme servem para extorquir novos impostos aos súbditos ou para mandar para o exílio e expropriar os opositores, sob o pretexto sempre eficaz de que eles são difusores de doutrinas heréticas. Um outro manto, completamente coçado pelo uso quotidiano, chama-se intentio, boa intenção, e serve para justificar o que quer que seja. Com os óculos de Estado entra-se em pleno ilusionismo: permitem eles ver o que não existe e não ver o que existe, aumentam os factos sem importância e encolhem os acontecimentos graves. Mas actualmente obtêm-se idênticos resultados com encenações mais simples. »

Ignazio Silone, A Escola dos Ditadores. Lisboa, Morais Editora

(enviado por Cristiana Tourais)
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: TIRO NO NAVIO ALMIRANTE... ESPERA-SE



a 3 de Julho. Se tudo correr bem, se chegar lá o navio direito (com o cinematográfico nome de Deep Impact), se o canhão funcionar, se o alvo não se mexer de forma diferente da habitual, se .... Se tudo correr bem para nós e mal para o cometa que leva o tiro, honra seja feita a Ernst Wilhelm Leberecht Tempel que o descobriu, com um fogo de artifício especial.

28.6.05
 


ADEUS

Artigo publicado no "Mil Folhas" do Público, dedicado a Eugénio de Andrade.

Conheci o Eugénio por volta de 1965, tinha ele acabado de escrever o Ostinato Rigore. Mais à frente voltarei a este livro, um marco na obra do Eugénio e, de algum modo, na sua vida. Tinha publicado sobre ele um texto ingénuo e juvenil no jornal do liceu, mas que não enganava no entusiasmo. O Eugénio quis conhecer-me e iniciamos uma longa amizade, entrecortada durante vários anos pelas minhas itinerâncias, e retomada por correspondência nos seus últimos anos de lucidez. A última vez que o encontrei foi depois do seu aniversário, pouco antes de morrer e entrava pelos olhos dentro que iria ser o último encontro. Eu sabia, ele não.

O Eugénio mudou a minha vida muito para além da amizade, porque me “educou”, dando-me a ler e discutindo (mais conversando do que discutindo) o que lia. Por mão dele li A Montanha Mágica, a Morte em Veneza, de Mann, Narciso e Goldmundo de Hesse, as Memórias de Adriano da Marguerite Yourcenar, os Cadernos de Malte de Rilke, muita poesia, Holderlin, Rilke, Novalis, Goethe, nas traduções de Quintela, Lorca, nas do próprio Eugénio, Walt Withman, Eliot, Pound, Apollinaire, Michaux, René Char, Perse, Valery, muitos na colecção dos “Poetes d’Aujourd’hui” da Seghers. Mas não eram só livros, eram também poemas isolados. Poemas individuais, de Cernuda, Vicente Aleixandre, Antonio Machado, as “Coplas por la muerte de su padre” de Jorge Manrique, muita da poesia espanhola que ele amava e o tinha “feito”, “La Complainte” de Rutebeuf, Villon, Shakespeare, enfim, quase tudo. Tudo certo e na altura certa, porque se há coisas que os amadores de palavras sabem é que há alturas certas para ler determinados livros e eles só são os “livros da nossa vida” quando são lidos nessa altura. Depois passa.



Já o contei. Não eram apenas os livros, eram os livros que o próprio Eugénio lera e que deixara marcados com as suas anotações pessoais, os sublinhados; o traço ao lado, umas vezes acrescentado ao sublinhado, aumentando o interesse, outras vezes sem o sublinhando, denotando um interesse menor; o clímax, para a prosa, dos dois traços ao lado como em partes do diálogo em francês de Hans Castorp com Cláudia Chauchat; o asterisco, ou dois ou três, marcando poemas ou linhas de poemas, às vezes, mais raras, um ponto de exclamação ou de interrogação. Os versos do asterisco ficavam sempre, como estes de Sá de Miranda

O sol é grande: caem coa calma as aves,
Do tempo em tal sazão, que sói ser fria.

ou o solitário

Que Farei Quando Tudo Arde?

ou o de Rimbaud

Oisive jeunesse
À tout asservie;
Par délicatesse
J' ai perdu ma vie.

e muitos outros asteriscos ao lado das palavras que ficam “nossas”.

Nesses primeiros anos de amizade, o Eugénio fez as suas antologias sobre o Porto, mais tarde sobre Coimbra, escreveu textos para catálogos dos amigos comuns, o José Rodrigues, o Ângelo, o Armando Alves, publicou pequenas edições quase confidenciais de meia dúzia de poemas, reviu as suas traduções de Lorca. Trabalhei com ele no volume sobre o Porto, o Daqui Houve Nome Portugal, e um pouco em todas as outras coisas, recolhendo a sua bibliografia para uma antologia de ensaios na qual reincidi com um outro texto marcado pelo mesmo entusiasmo juvenil, que não se repete. Mas, nesses anos, escreveu muito pouca poesia.

Quando o conheci, o Eugénio estava convencido de que a sua voz secara. Secara de uso, secara de sede, secara porque as palavras se tinham transformado em grãos de areia e já não fluíam. Mais: ele estava convencido que isso não se devia a uma crise da sua escrita, mas a uma consequência natural do modo como escrevia poesia. Tinha levado tão longe a contenção, o valor único de cada palavra, a perfeição formal do poema – a que Eugénio dava uma grande atenção, ele que era tudo menos repentista – que tinha encontrado a face do silêncio, tinha chegado naturalmente ao silêncio. A crise do Ostinato Rigore era isso, as palavras tinham-se de tal modo incrustado em si mesmas, que não corriam, não voavam, não fluíam como um rio, eram apenas seixos. Eugénio tinha levado tão longe quanto sabia e podia, o seu perfeccionismo formal, o seu “rigor”, nas palavras, que temia que elas só fossem perfeitas assim, sólidas. Encontrava, em Quasímodo e Montale, o mesmo processo, dois autores a que muito se referia quando falava da poética do Ostinato Rigore.

Depois recomeçou de novo a escrever poesia. A música teve nesse retomar da palavra um papel importante. Eugénio participava num ritual periódico de audição dos discos que Manuel Dias da Fonseca, amigo, poeta e melómano, fazia na sua casa de Matosinhos. Lembro-me da surpresa que teve a primeira vez que ouviu a voz de Alfred Deller, a cantar versos de Shakespeare e canções de Purcell, e do gosto por Bach, por Haydn, por Mozart, pelos quartetos de Beethoven. Várias vezes se referiu a Mozart, como seu émulo, mas se se sentia mais próximo de Mozart pelo gosto, reconhecia nos Quartetos uma dimensão trágica que sabia humana, mesmo que em grande parte alheia à sua poesia pagã. As viagens que fez, à Grécia em particular, também o levaram a esse retomar da poesia, assim como a consciência da experiência que se aproximava e que ele mais temia: a da idade.

Pouco a pouco, fomo-nos vendo menos. A política pura e dura dos anos setenta, a distância, alguma desatenção, mais minha do que dele, que várias vezes protestou, até em público, espaçou os nossos encontros. É a vida que é assim, e talvez lhe tenha faltado em momentos em que precisava. Não sei, talvez. Ele, pelo contrário, continuava perto e nunca a sua palavra se afastou de mim, do mesmo encantamento inicial, da surpresa que a grande poesia traz consigo – como é possível escrever assim, ver estas palavras assim, dizer isto assim? Ele sabia como.

Adeus.
 


ERROS, PERIPÉCIAS, ASNEIRAS, DISTRACÇÕES



Alguns apoiantes ferrenhos do governo extinto dos doutores Lopes e Portas desenvolvem uma intensa indústria de caça às trapalhadas do governo actual, para mostrarem não só que há duplicidade nos media – evidência das evidências – mas também similitudes na governação de baixa qualidade. Terminam sempre com ar vingativo: e então o sr. Presidente a estes não dissolve? Para além do masoquismo inerente ao exercício, mostra uma forma muito particular de ressentimento.

Esta enumeração das trapalhadas é uma pura distracção que nunca levará o governo Sócrates a conhecer o mesmo destino do de Santana Lopes, pela simples razão que há uma diferença abissal que separa os dois. O de Sócrates tem uma forte legitimidade eleitoral, formal e real, e não a perdeu, pelo contrário a reforçou, com as medidas de política que tomou. E, por muitas voltas que se dê, erros, peripécias, asneiras, distracções, mesmo quando semelhantes, não vão dar ao mesmo resultado porque não têm a mesma dimensão nem são vistas pelas pessoas isentas como sendo da mesma natureza.

Os erros, peripécias, asneiras, distracções, do governo anterior iam ao coração do poder, directamente aos lugares cimeiros da governação e eram vistos como extensões da identidade e do estilo dos governantes. Mais: eram potenciados na primeira pessoa, por ditos e eventos, que punham em causa a competência do governo na sua condução central, e encontravam todos os dias novas justificações para que a suspeita de incompetência fosse mais do que isso, mas sim uma realidade.

Culminaram na campanha eleitoral negativa, cujos contornos ainda não se conhecem completamente, no culto de personalidade absurdo do “menino guerreiro”, e foram consolidados depois pelo modo como se soube ter sido tratada a questão dos “sobreiros” (refiro-me ao plano político) e matérias como o orçamento de estado. Tudo isto deixou os respectivos partidos mergulhados numa crise de credibilidade, de que só sairão com muita dificuldade, e para a qual a caça às trapalhadas simétricas não traz nenhuma contribuição. Esta atitude aponta mais para a continuidade das trapalhadas originais e mostra um entendimento da política como um jogo de pingue-pongue, infelizmente muito comum no Parlamento.

A crítica a este governo tem muito por onde se fazer, mas tem uma condição sine qua non para ser eficaz e merecer ser ouvida: a de se demarcar das trapalhadas do governo anterior sem ambiguidades, nem desculpas, nem simetrias.
 


“ANTECIPAR” E GANHAR A BATALHA DA COMUNICAÇÃO

Um governo, um político habilidoso, “antecipa”. Antecipa o discurso, as medidas, antecipa o vazio como se estivesse cheio. Quando não se tem nada para “surpreender” ou para dizer de “novo” (outra obrigação comunicacional por cuja falta se é penalizado), ou se corre o risco de ter uma fuga que estrague a surpresa, mais vale “antecipar”.

“Antecipar” dá títulos melhores e dá os títulos que os autores da antecipação desejam. Incontrolados, incontroversos, porque não são confrontados com nenhuma realidade exterior, nenhuma opinião hostil, nenhuma crítica. Títulos bem independentes da realidade que se “antecipa”. Pode-se “antecipar" A e fazer Z, que a “antecipação” é mais poderosa. Um caso típico de “antecipação” foi a legislação sobre nomeações para os cargos políticos, que quando for aplicada já os tem todos nomeados.

Os jornalistas tendem cada vez mais a substituir a notícia pela antecipação, porque a “antecipação” foi só para eles, julgam, e para o seu jornal, julgam, enquanto a notícia pertence a todos. Logo, quando existe a notícia, a realidade daquilo que se antecipou, já tem muito menos interesse, nem “novidade”, nem “surpresa”. Já parece uma nuance e os jornais detestam nuances.

Com excepção de Deus, que pode antecipar o que quiser, e tem o melhor gabinete de relações públicas do universo, há uma regra muito humana que postula que entre o verbo e o acto, há o ruído. A “antecipação” faz parte do ruído.
 


COISAS COMPLICADAS / SCRITTI VENETI


Canaletto
 


EARLY MORNING BLOGS 529 / SCRITTI VENETI

I stood in Venice, on the Bridge of Sighs,
A palace and a prison on each hand:
I saw from out the wave her structures rise
As from the stroke of the enchanter's wand:
A thousand years their cloudy wings expand
Around me, and a dying Glory smiles
O'er the far times, when many a subject land
Looked to the wingéd Lion's marble piles,
Where Venice sate in state, throned on her hundred isles!

She looks a sea Cybele, fresh from ocean,
Rising with her tiara of proud towers
At airy distance, with majestic motion,
A ruler of the waters and their powers:
And such she was--her daughters had their dowers
From spoils of nations, and the exhaustless East
Poured in her lap all gems in sparkling showers:
In purple was she robed, and of her feast
Monarchs partook, and deemed their dignity increased.

In Venice Tasso's echoes are no more,
And silent rows the songless gondolier;
Her palaces are crumbling to the shore,
And music meets not always now the ear:
Those days are gone--but Beauty still is here;
States fall, arts fade--but Nature doth not die,
Nor yet forget how Venice once was dear,
The pleasant place of all festivity,
The revel of the earth, the masque of Italy!


(George Gordon, Lord Byron)

*

Bom dia!

27.6.05
 


COISAS SIMPLES / SCRITTI VENETI


Whistler
 


EARLY MORNING BLOGS 528

Smell!

Oh strong-ridged and deeply hollowed
nose of mine! what will you not be smelling?
What tactless asses we are, you and I, boney nose,
always indiscriminate, always unashamed,
and now it is the souring flowers of the bedraggled
poplars: a festering pulp on the wet earth
beneath them. With what deep thirst
we quicken our desires
to that rank odor of a passing springtime!
Can you not be decent? Can you not reserve your ardors
for something less unlovely? What girl will care
for us, do you think, if we continue in these ways?
Must you taste everything? Must you know everything?
Must you have a part in everything?


(William Carlos Williams)

*

Bom dia!

26.6.05
 


INTENDÊNCIA

Publicada, por gentileza de Nuno Guerreiro, a sua tradução do poema de Ginsberg do EARLY MORNING BLOGS 526.

Actualizados os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO, com novas ligações, e mais bibliografia.
 


AR PURO


Aldro Thompson Hibbard
 


EARLY MORNING BLOGS 527

Éloge et pouvoir de l'absence


Je ne prétends point être là, ni survenir à l'improviste, ni paraître en habits et chair, ni gouverner par le poids visible de ma personne,

Ni répondre aux censeurs, de ma voix ; aux rebelles, d'un oeil implacable ; aux ministres fautifs, d'un geste qui suspendrait les têtes à mes ongles.

Je règne par l'étonnant pouvoir de l'absence. Mes deux cent soixante-dix palais tramés entre eux de galeries opaques s'emplissent seulement de mes traces alternées.

Et des musiques jouent en l'honneur de mon ombre ; des officiers saluent mon siège vide ; mes femmes apprécient mieux l'honneur des nuits où je ne daigne pas.

Égal aux Génies qu'on ne peut récuser puisqu'invisibles, — nulle arme ni poison ne saura venir où m'atteindre.

(V. Segalen)

*

Bom dia!

25.6.05
 


PÁGINAS ESQUECIDAS DO NOSSO PROTECCIONISMO



do Avante! clandestino de 1956.
 


INTENDÊNCIA

Actualizados os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO, com o texto publicado na Sábado da semana passada, uma introdução a um inédito de Cunhal (Carta aos juízes, 19 de Junho de 1950).
 


COISAS SIMPLES


Berenice Abbott
 


EARLY MORNING BLOGS 526

A Supermarket in California


What thoughts I have of you tonight, Walt Whitman, for
I walked down the sidestreets under the trees with a headache
self-conscious looking at the full moon.
In my hungry fatigue, and shopping for images, I went
into the neon fruit supermarket, dreaming of your enumerations!
What peaches and what penumbras! Whole families
shopping at night! Aisles full of husbands! Wives in the
avocados, babies in the tomatoes!--and you, Garcia Lorca, what
were you doing down by the watermelons?

I saw you, Walt Whitman, childless, lonely old grubber,
poking among the meats in the refrigerator and eyeing the grocery
boys.
I heard you asking questions of each: Who killed the
pork chops? What price bananas? Are you my Angel?
I wandered in and out of the brilliant stacks of cans
following you, and followed in my imagination by the store
detective.
We strode down the open corridors together in our
solitary fancy tasting artichokes, possessing every frozen
delicacy, and never passing the cashier.

Where are we going, Walt Whitman? The doors close in
an hour. Which way does your beard point tonight?
(I touch your book and dream of our odyssey in the
supermarket and feel absurd.)
Will we walk all night through solitary streets? The
trees add shade to shade, lights out in the houses, we'll both be
lonely.

Will we stroll dreaming of the lost America of love
past blue automobiles in driveways, home to our silent cottage?
Ah, dear father, graybeard, lonely old courage-teacher,
what America did you have when Charon quit poling his ferry and
you got out on a smoking bank and stood watching the boat
disappear on the black waters of Lethe?


(Allen Ginsberg)

*

Bom dia!

ª

Por gentileza do Nuno Guerreiro da Rua da Judiaria que lá publicou esta tradução:

Um Supermercado na Califórnia (1955)

Que pensamentos teus tenho esta noite, Walt Whitman, porque
caminhei pelas ruas sob as árvores com uma dor de cabeça
auto-consciente olhando para a lua cheia.
Na minha faminta fadiga, e procurando imagens, entrei
no supermercado de frutos de néon, sonhando com as tuas enumerações!
Que pêssegos e que penumbras! Famílias inteiras
fazem compras à noite! Corredores cheios de maridos! Mulheres nos
abacates, bebés nos tomates – e tu, Garcia Lorca, que
fazias tu junto às melancias?

Eu vi-te, Walt Whitman, sem filhos, velho cavador solitário,
apalpando as carnes no frigorífico e olhando os rapazes
do supermercado.
Ouvi-te fazer perguntas a cada um: Quem matou as
costeletas de porco? A como são as bananas? És tu o meu anjo?
Vagueei dentro e fora da brilhante pilha de latas
seguindo-te, e seguido na minha imaginação pelo segurança
da loja.
Caminhámos juntos pelos corredores abertos na nossa
solidão ilustre provando as alcachofras, possuindo todas as delícias
congeladas, sem nunca passar pela caixa.

Onde vamos nós, Walt Whitman? As portas fecham daqui
a uma hora. Em que direcção aponta a tua barba esta noite?
(toco o teu livro e sonho com a nossa odisseia no
supermercado e sinto-me absurdo.)
Caminharemos toda a noite por ruas solitárias? As
árvores juntam sombra a sombras, luzes apagadas nas casas, estaremos ambos
solitários.

Caminharemos sonhando com a América perdida do amor
passando por automóveis azuis à entrada das garagens, em direcção à nossa cabana tranquila?
Ah, querido pai, barba grisalha, velho solitário professor-coragem,
que América tinhas tu quando Caronte deixou de puxar a sua balsa
e tu desceste numa margem fumegante e ficaste a olhar o barco
desaparecendo nas águas negras do Rio do Esquecimento?


(Allen Ginsberg (1926 – 1997), poeta, judeu americano.)


24.6.05
 


COISAS SIMPLES


Maurice de Vlaminck
 


EARLY MORNING BLOGS 525

EPITAFFIO PER BICE DONETTI

con gli occhi alla pioggia e agli elfi della notte,
è là, nel campo quindici a Musocco,
la donna emiliana da me amata
nel tempo triste della giovinezza.
Da poco fu giocata dalla morte
mentre guardava quieta il vento dell'autunno
scrollare i rami dei platani e le foglie
dalla grigia casa di periferia.
Il suo volto è ancora vivo di sorpresa,
come fu certo nell'infanzia, fulminato
per il mangiatore di fuoco alto sul carro.
O tu che passi, spinto da altri morti,
davanti alla fossa undici sessanta,
fermati un minuto a salutare
quella che non si dolse mai dell'uomo
che qui rimane, odiato, coi suoi versi,
uno come tanti, operaio di sogni.

(S. Quasimodo)

*

Bom dia!

23.6.05
 


A LER

este estudo sobre o orçamento comunitário, com conclusões e permissas contestáveis, mas mesmo assim muito útil para conhecer o que se passa.
 


LEMBRANÇA A TEMPO POR CAUSA DO TEMPO

Uma pequena lembrança aos liberais: faz parte da força de uma sociedade livre e activa, como a que os liberais desejam construir, ter... greves. O conflito social não é um fim em si, mas um instrumento legítimo de defesa de interesses, por mais corporativos e egoístas que eles sejam, sem o qual as sociedades deixam de ser democráticas.

Segunda nota: não há greves eficazes sem dor, sem prejuízo, sem vítimas. Faz parte mesmo da possibilidade de eficácia de uma greve, que é o que uma greve pretende. A ideia que as greves só podem existir quando são apenas simbólicas, coloca efectivamente em causa o direito à greve. É natural por isso que os sindicatos as tentem realizar quando atingem ou mais pessoas, ou interesses de grupos, que possam levar governos ou empresas a recuar. O prejuízo social de uma greve – aos “utentes” dos transportes, aos alunos que vão fazer exames, etc – pode e deve ser discutido e utilizado no debate público contra os grevistas, mas não pode ser argumento contra a erosão do direito à greve. A distinção é importante. (*)

A sociedade protege o interesse geral estipulando os “serviços mínimos” que são vitais para o seu funcionamento regular. Mas “mínimos” significa sempre “mínimos”, e o terreno desse mínimo é o que atribuo às funções mínimas do estado: segurança dos cidadãos, defesa nacional, funcionamento regular dos corpos de emergência nos hospitais, bombeiros, etc. Fora disso, os “mínimos” já são máximos. Não tem sentido ser liberal quanto ao Estado e depois entender os “serviços mínimos”, que este tem que garantir numa greve, com uma latitude de obrigações típica de um Estado socialista, ou seja, tudo.

Lembrá-lo não significa estar de acordo nem com os objectivos das greves, nem com a actuação dos sindicatos, muito menos com os dos professores, dos primeiros responsáveis pela situação da nossa educação. Mas isso é outra coisa diferente. Nem sequer significa desacordo com a posição do governo quanto aos objectivos do seu programa que suscitaram a greve.

Só me preocupa que se deite fora o menino com a água do banho e, desde há muito, que a experiência dos socialistas mostra que mudam de políticas 180º, quando lhes convém, passando do maior laxismo para um autoritarismo (**) favorecido pela complacência da oposição (e o acordo silencioso em muitos casos) e pela falta de debate público substituído por modas – e a moda agora é deslegitimar os conflitos sociais.
__________________

(*) Uma nota suplementar: é nestas alturas que se percebe como funcionam as lealdades políticas dos responsáveis pelas Direcções Regionais, constituídas tradicionalmente pelos “boys” dos aparelhos partidários locais e que nestes momentos tendem a ser mais papistas que o papa.

(**) Recordam-se da legislação ultra-permissiva sobre escutas telefónicas do ministro António Costa, atacada depois pelo PS quando do “caso” Casa Pia? Convinha lembrar.

*

A propósito do seu post de 23-06-2005 intitulado "Lembrança a tempo por causa do tempo", faria apenas o seguinte reparo: quando reconhece legitimidade, por exemplo, aos professores para fazerem greve no momento em que ela mais se nota, ou seja, durante a realização de exames, está apenas a esquecer-se de que, ao contrário de outros casos, esta greve produz efeitos que podem prolongar-se excessivamente no tempo. Quando há uma greve de transportes (que afecta sempre muita gente) as pessoas, quer utilizem nesse dia o carro particular, ou os transportes alternativos, ou usem até um dia de férias no emprego, etc., sabem que a greve começa a uma certa hora e termina a uma certa hora e que os efeitos se limitam a esse espaço de tempo. No caso dos exames, não é assim: a nova marcação de todos os exames levaria seguramente a que uma boa parte deles entrasse por Agosto dentro, destruindo por completo as férias de dezenas de milhar de famílias. Não me parece justo que os professores, com um só dia de greve, consigam produzir efeitos na sociedade durante mais de dois meses.

(João Ferreira)
 


INTENDÊNCIA

Para servir de comparação com a "revisão" que hoje faço no Público dos "trabalhos" do Presidente da Comissão, um ano depois, coloquei na VERITAS FILIA TEMPORIS o artigo original de Julho de 2004. Ali se fala claramente da "mais que provável reprovação da Constituição num ou mais referendos" e suas consequências.
 


NATUREZA MORTA MATINAL


De um lado, dois cartazes antigos, um, o maior, dos primeiros anos do Estado Novo promete casas “arejadas

aos trabalhadores que se filiem nos Sindicatos Nacionais; por cima, outro da campanha de Norton de Matos diz Garanti o futuro / contra um sistema / em que todos pagam muito e poucos / recebem pouco.” Ao centro, um prato de damascos, apanhados no cimo da árvore, e outro de flor de tília. Cadeiras. Um vago candeeiro, fios. A manhã.
 


COISAS COMPLICADAS



Joseph Kosuth
 


POBRE PAÍS,

o nosso.

É difícil encontrar melhor exemplo de um processo puramente casuístico, atrapalhado, incompetente, cúmplice nas fraquezas, revelador de puro taticismo, onde políticos dos partidos da governação, PS, PSD, PP, mostram que não se respeitam nem a si próprios, nem aos portugueses que os representam, do que tudo o que se passou com esta “revisão constitucional” para referendar a Constituição europeia. Que tudo isto tenha sido possível como se fosse o mais normal dos processos, onde ninguém se envergonha, ninguém se revolta nos respectivos partidos, é um sinal claro, insisto claro, do grau de degradação a que chegou a actividade política e parlamentar em Portugal.
 


EARLY MORNING BLOGS 524

THANATOS ATHANATOS

Edovremo dunque negarti, Dio
dei tumori, Dio del fiore vivo,
e cominciare con un no all'oscura
pietra «io sono», e consentire alla morte
e su ogni tomba scrivere la sola
nostra certezza: «thànatos athànatos»?
Senza un nome che ricordi i sogni
le lacrime i furori di quest'uomo
sconfitto da domande ancora aperte?
Il nostro dialogo muta; diventa
ora possibile l'assurdo. Là
oltre il fumo di nebbia, dentro gli alberi
vigila la potenza delle foglie,
vero è il fiume che preme sulle rive.
La vita non è sogno. Vero l'uomo
e il suo pianto geloso del silenzio.
Dio del silenzio, apri la solitudine.

(S. Quasimodo)

*

Bom dia!

22.6.05
 


INTENDÊNCIA / CORREIO

Actualizados os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO.

O correio continua irremediavelmente atrasado. As minhas desculpas a todos.
 


A LER

a seguir, a colaborar no // lisbonlab // v.2.

A VER

o jacarandá do Largo do Viriato aqui.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: OS LIVROS QUE NÃO HÁ

A propósito de livros que não podem continuar esgotados e inacessíveis (em português), a lista é seguramente longa. Mas há alguns que procuro em alfarrabistas há muito tempo e não consigo encontrar. São livros que facilmente poderiam ser reeditados e certamente o mereceriam. Falo das Crónicas de Fernão Lopes (na excelente edição da Imprensa Nacional - Casa da Moeda) e do célebre Arquipélago do Goulag, de Aleksandr Solzhenitsyn. O problema poderá estar também nas nossas livrarias? É que procurei há algumas semanas obras de Dickens traduzidas para português e, tirando o Conto de Natal, pouca coisa encontrei.

(Paulo Agostinho)
 


NO MESMO SÍTIO, NA MESMA TREPADEIRA

este ano há dois ninhos. No ano passado, havia também dois ninhos, mas ambos de “verdinhogo” (deve ser verdilhão no falar local). Este ano há dois diferentes: um de “verdinhogo”, no mesmo local exacto onde havia outro no ano passado, e um de pardal. O vento bate com força mas os ninhos nem se mexem: um, do “verdinhogo”, feito de fios vegetais, ervas, muito finos, entrelaçados, com uma pequena cama de algodão no meio; o outro, de pardal, feito com palha e ramos mais grossos, sólido, parece betão. Casas alheias, recatadas, escondidas, habitadas.
 


COISAS COMPLICADAS



Gerhard Richter
 


EARLY MORNING BLOGS 523

Lucinda Matlock


I went to the dances at Chandlerville,
And played snap-out at Winchester.
One time we changed partners,
Driving home in the moonlight of middle June,
And then I found Davis.
We were married and lived together for seventy years,
Enjoying, working, raising the twelve children,
Eight of whom we lost
Ere I had reached the age of sixty.
I spun, I wove, I kept the house, I nursed the sick,
I made the garden, and for holiday
Rambled over the fields where sang the larks,
And by Spoon River gathering many a shell,
And many a flower and medicinal weed--
Shouting to the wooded hills, singing to the green valleys.
At ninety-six I had lived enough, that is all,
And passed to a sweet repose.
What is this I hear of sorrow and weariness,
Anger, discontent and drooping hopes?
Degenerate sons and daughters,
Life is too strong for you--
It takes life to love Life.


(Edgar Lee Masters)

*

Bom dia!

21.6.05
 


EARLY MORNING BLOGS 522

Le roi Alphonse


Certain roi qui régnait sur les rives du Tage,
Et que l'on surnomma le sage ,
Non parcequ'il était prudent,
Mais parcequ'il était savant,
Alphonse, fut surtout un habile astronome.
Il connaissait le ciel bien mieux que son royaume,
Et quittait souvent son conseil
Pour la lune ou pour le soleil.
Un soir qu'il retournait à son observatoire,
Entouré de ses courtisans,
Mes amis, disait-il, enfin j'ai lieu de croire
Qu'avec mes nouveaux instruments
Je verrai cette nuit des hommes dans la lune.
Votre majesté les verra,
Répondait-on ; la chose est même trop commune,
Elle doit voir mieux que cela.
Pendant tous ces discours, un pauvre, dans la rue,
S'approche, en demandant humblement, chapeau bas,
Quelques maravédis : le roi ne l'entend pas,
Et, sans le regarder, son chemin continue.
Le pauvre suit le roi, toujours tendant la main,
Toujours renouvelant sa prière importune ;
Mais, les yeux vers le ciel, le roi, pour tout refrain,
Répétait : je verrai des hommes dans la lune.
Enfin le pauvre le saisit
Par son manteau royal, et gravement lui dit :
Ce n'est pas de là haut, c'est des lieux où nous sommes
Que Dieu vous a fait souverain.
Regardez à vos pieds ; là vous verrez des hommes,
Et des hommes manquant de pain.


(Florian)

*

Bom dia!

20.6.05
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: TEORIA DA RELATIVIDADE

Há muitos anos atrás eu era apenas um ano mais velha do que a Alexandra Lencastre. Não me lembro como o soube, mas tenho a certeza de que o soube. Hoje ao folhear as revista que folheio no cabeleireiro percebi que já era 5 anos mais velha do que ela.

Sem o mesmo rigor, mas com igual convicção, lembro-me de que a Elsa Raposo, dantes, não era muito mais nova do que eu. Hoje, e fazendo fé às revista que leio no cabeleireiro, está com uma diferença de seis anos de mim.

Poderia continuar a dar exemplos, o que tornaria certamente o texto enfadonho. O padrão é sempre o mesmo: eu envelheço mais depressa do que as “celebridades” das revistas que leio no cabeleireiro. Contra esta forma de discriminação nunca ouvi vozes levantarem-se. Nem o BE, nem os Juízes, nem os funcionários públicos, nem o governo. Nem sequer o Professor Marcelo que esta semana fez um pungente desabafo em relação à crónica amoralidade que se vive no país.

Será que tenho de me conformar?

(J.)
 


COISAS COMPLICADAS 2

Depois de ter a página como está em baixo, é difícil acrescentar alguma coisa sem se perder o equilíbrio.
 


COISAS COMPLICADAS


Gerhard Richter
 


EARLY MORNING BLOGS 521

One Art


The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

--Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.


(Elizabeth Bishop)

*

Bom dia!

19.6.05
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: A CAIXA QUE NÃO SE DEVE ABRIR


Pandora e a sua caixa fazem estremecer os anéis de Saturno.
 


INTENDÊNCIA

Actualizados os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO.
 


APAGÃO

A meia dúzia de quilómetros de Lisboa, a electricidade falha com regularidade. Hoje, foram várias horas, porque tudo demora sempre várias horas a arranjar, principalmente aos domingos. A nossa enorme dependência da electricidade aparece nestas alturas, O “apagão” faz disparar os alarmes, arrasta computadores para a miséria, descongela frigoríficos, atrasa o trabalho e semeia o caos. Explicações, desculpas, indemnizações, faltam sempre aos monopólios do estado. Para quê? A culpa é sempre de uma cegonha. Não há competição, não posso desligar a EDP e ligar-me a qualquer outra fonte de “luz”.

18.6.05
 


INTENDÊNCIA

Actualizados os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO.

Actualizada a nota TESTEMUNHOS DA VIOLÊNCIA URBANA / O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES.
 


COISAS SIMPLES


Feodor Tolstoy
 


JORNALISMO DE RECADOS

Este título Veto britânico inviabilizou vitória negocial portuguesa , entre muitas outras peças jornalísticas, (em que se destaca o correspondente em Bruxelas da RTP que organiza as suas intervenções segundo um molde discursivo oficial e oficioso), é puro jornalismo de recados, dados por assessores e alimentado por confidências de governantes, durante os trabalhos, para preparar a opinião pública para considerar um “sucesso” governamental qualquer que seja o resultado

Como não se sabe o que o governo queria à partida, como não se sabe dos dissabores na negociação, se havia plataforma de recuo e qual o ponto de não recuo, caso existisse, este tipo de manipulações resulta sempre. Leia-se a imprensa britânica, alemã ou francesa, para ver como é diferente o modo como se noticiam estes eventos, chegando a denunciar, (como a britânica e alemã faz mais que a francesa), as tentativas dos governos de apresentarem tudo o que acontece como “vitória”.
 


EARLY MORNING BLOGS 520

Rua Duque de Palmela 111


Pelo lado dos lódãos ao fim do dia
depressa se chega agora no verão
à pedra viva do silêncio
onde o pólen das palavras se desprende
e dança dança dança até ao rio.


(Eugénio de Andrade)

*

Uma sala coberta de livros, ao mesmo tempo sala de ler, de escrever, de comer, com uma cozinha incrustada, uma janela para as traseiras, as traseiras do Porto com quintais, na direcção do Douro. Na entrada, para a direita ficava o quarto de banho e o quarto, com janela para a Duque de Palmela, uma rua silenciosa quase sem trânsito, numa parte do Porto perdida do centro, mesmo estando perto do centro. Cinco minutos até S. Lázaro, donde se partia para o resto do mundo, pelos Poveiros, pela Batalha, pelas Fontainhas, pelo Padrão. Uma dispensa cheia de livros, no caminho à esquerda. Um desenho de Jean Cocteau no corredor, onde, na assinatura e na fluidez do traço, se percebia que o Eugénio tinha ido ali buscar, na sua juventude, a assinatura. O seu “Eugénio”, depois o seu “E.” estavam no Cocteau. O asterisco com que marcava nos livros as passagens que mais o interessavam ou entusiasmavam, vinha do Cocteau.
Esta foi sempre a sua verdadeira casa.

Bom dia!

17.6.05
 


O QUE HÁ DE BOM NOS BLOGUES

numa altura em que a blogosfera não está brilhante, são pequenas reportagens como a do Santo António na Bica no O Céu sobre Lisboa, ou as fotos do Porto na Cidade Surpreendente.
 


INTENDÊNCIA

Actualizadas as notas TRIBULAÇÕES DE UM IGNORANTE, NOTAS BREVES SOBRE OS ÚLTIMOS DIAS (1º série) e A LER.
 


TESTEMUNHOS DA VIOLÊNCIA URBANA / O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

Já o disse na Quadratura e repito-o aqui: a comunicação social, em particular a televisão, falhou completamente na sua missão sobre o que se passou em Carcavelos. Valia a pena fazer um trabalho de jornalismo colectivo tentando não só repor os factos, mas também confronta-los com as “notícias” e seus responsáveis. Tudo isto é demasiado sério, teve demasiadas repercussões, para que fique tudo na mesma. Por seu lado, a forma como o debate político se apossou de forma imediata dos acontecimentos, confrontando-se as habituais teses securitárias ou laxistas na interpretação do que aconteceu, sem cuidar de saber o que aconteceu, torna ainda mais difícil um esclarecimento fundamental para se tirarem conclusões.

Alguns leitores do Abrupto enviaram textos testemunhais e comentários sobre a violência urbana e os acontecimentos de Carcavelos. São bem-vindos, para ajudar a interpretar. São testemunhos, com todas as vantagens e os inconvenientes dos testemunhos, mas ajudam-nos a entender não só factos como percepções sobre os factos. É que esta matéria é das mais graves que se possa imaginar nos dias de hoje porque corrói a nossa vida colectiva.

*
Ouvi ontem no programa 'Quadratura do Circulo' as suas observações ao já apelidado 'arrastão' de Carcavelos. Claro que penso ser impossível quantificar os ditos 500 indivíduos, mas baixá-los para 40 ou 50 é completamente excessivo. Moro muito perto da zona, conheço gente que lá estava, e posso-lhe garantir que era um numero muito expressivo de garotos, normalmente 'capitaneados' por um mais velho e dados os relatos de testemunhas insuspeitas, a movimentação era coerente e deliberadamente dispersa para melhor confundir as pessoas, o que pressupõe alguma preparação prévia e alguma comunicação entre os grupos, esses sim de 40 a 50 miudos.

Não vale a pena abordar as já tão decantadas razões sociais ou de prevenção. O que me preocupa, é se não estaremos perante um movimento com motivações políticas, do tipo do que assolou a América nos anos 60. Como sabe, uma pequena elite bem politizada pode com facilidade aproveitar-se destes pequenos gangs, utilizando os mais variados pretextos identitários, tornando-os verdadeiros operacionais, mesmo que eles não estejam conscientes da sua utilização política.

(JM)
*

O que aconteceu em Carcavelos é grave, gravíssimo, mas na verdade só o é porque apareceu na televisão.Confude-se cada vez mais a realidade com a televisão.A maior parte da realidade não aparece na televisão.

Tenho uma loja de conveniencia na Av da Liberdade. No dia das marchas era para estar aberta até às duas da manhã. Fechou à uma, tendo os empregados fingido que sairam pelas traseiras, pois um gang armado de pistola preparava-se para a assaltar. Isto passa-se na Av da Liberdade no centro de Lisboa.Com milhares de pessoas na rua. Um comerciante pode ser roubado todos os dias que não acontece nada aos ladrões. É permitido roubar.

Um amigo meu tinha varios supermercados nos arredores de Lisboa. Um na charneca da Caparica foi assalto 5 vezes num ano , um delas à mão armada as outras enfiaram um carro pela montra dentro Em Santo Antonio dos Cavaleiros onde ele tinha outra loja , era assaltado todos os dias por gangs. O gerente era espancado regularmente.No Monte do Estoril,onde ele tinha outra loja, foi assaltado à mão armada tendo a espigarda de um dos assaltantes diparado acidentalmente um segundo depois de ter estado apontada à cabeça de uma caixeira. Ele vendeu os supermercados e agora joga na bolsa...È mais seguro...Assim só perde dinheiro.

Quando um gang entra numa loja não há nada a fazer a não ser tentar ser amigo deles. Estamos em cima de um barril de pólvora, o que aconteceu em Carcavelos não acontece mais vezes porque a rapaziada dos gangs ainda não percebeu bem o poder que realmente têm. Podem, na realidade fazer o que lhes apetecer. Ainda não houve bairros saqueados porque ainda não se lembraram disso. Mas qualquer dia lembram-se. E daí até à «justiça popular» é um instante. Se o Estado não toma conta disto rapidamente podemos estar nas vésperas de um massacre.

(FM)
*
Então agora deu em "postar" testemunhos da irmandade branca?
É claro que existe um problema na sociedade portuguesa com os imigrantes e não só com os de ascendencia africana. E se quiser ser justo (assim como a sua luta pelo não a esta constituição europeia se baseia no principio da igualdade entre paises) e imparcial, deveria postar ou tentar ouvir a "voz" dos africanos, ucranianos, moldavos que sofrem na pele todos os dias a exclusão que se manifesta em empregos onde o patrao não paga e nada lhe acontece ate a sua exclusao que se manifesta em meras situações sociais.

Diz o sr. JC no seu post que teme que se esteja a repetir o ue aconteceu na America, mas esse senhor teme que as pessoas lutem por uma igualdade de oportunidades? Esse senhor sabe o que eram os negros na America nessa altura?Este post é mero populismo.

E vejo que apoia a manifestaçao da Frente nacional. Porque o seu silencio quanto a isso e compremetedor.

(Antonio Rosa)


*
RAZÃO teve Pacheco Pereira quando, na «Quadratura do Círculo», verberou a actuação da Comunicação Social na cobertura dos acontecimentos de Carcavelos. De facto, de 2000 indivíduos passou-se rapidamente para 500, depois para 400, e a breve trecho para apenas 50. E ontem mesmo (e sem humor), «A CAPITAL» garantia que, afinal, não sucedeu nada.

Por via das dúvidas, leia-se o que disse a Direcção Nacional da PSP e se encontra transcrito aqui. Mas, mais saboroso do que o conteúdo dessa notícia, ainda é o respectivo título - da autoria de um lírico anónimo: SÓ 50 ROUBARAM E AGREDIRAM

Ora este «SÓ» vale bem um prémio! Não de poesia, claro (pois esse pertence, por direito, a António Nobre), mas de ridículo.

(Carlos Medina Ribeiro)
 


CORINO DE ANDRADE



É pena que se tenha esquecido nestes dias, ou pouco lembrado, a morte deste homem. Da mesma geração de Cunhal, foi um grande médico e uma personalidade que marcou todos os que com ele trabalharam. E os seus doentes, da "doença dos pezinhos" que ele descobriu. Ou aqui ou nos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO (Corino era um opositor tenaz do regime de Salazar) tentarei remediar a falta.
 


NOTAS BREVES SOBRE OS ÚLTIMOS DIAS (Continuação)

Em Portugal, há verdadeiros entusiastas de combater imaginariamente as batalhas já travadas, decididas, vencidas ou perdidas, conforme os casos. Agora, a propósito das mortes recentes, há toda uma repetição dos combates de 1975, como se eles não estivessem também já decididos. Em 1975, já se sabe quem “ganhou”, quem “perdeu”, quem contribuiu para ganhar, por aí adiante. Não vale a pena continuar a espadeirar para o ar, como se estivéssemos em 24 de Novembro de 1975. Não estamos, felizmente, mas por mérito dos da altura, não dos de agora. E não são os da altura que se ouvem agora proclamar vitórias e proclamar fúrias no vazio.

*

Estas sagas do “ganhador” / “perdedor” são demasiado yuppies para o meu gosto.

*

Para além disso, na história, só há perdedores. É só deixar passar o tempo. Às vezes nem muito.


(Continua)

Foram actualizadas as notas anteriores.
 


OS LIVROS DA SÁBADO

UM LIVRO QUE NÃO PODE CONTINUAR ESGOTADO E INACESSÍVEL


O livro de Silva Marques O PCP visto por Dentro – Relatos da Clandestinidade, editado pelo Expresso em 1976, foi a primeira memória portuguesa de um antigo militante comunista sobre os seus anos de clandestinidade como funcionário do PCP. Quando foi publicado era um livro de grande coragem, sem precedente numa memorialística quase sempre heróica e apologética, relatando com humor e precisão, os mecanismos internos da clandestinidade, incluindo cenas típicas que nunca em Portugal tinham visto letra de forma, como a cena em que Silva Marques é expulso por Carlos Brito. Era uma análise fina, sociológica e psicológica, muito atenta à diferença entre as palavras e a realidade, e ao valor da nomeação, de chamar nomes às coisas como se elas mudassem por isso, que está no coração do mundo comunista. Por que é que nos temos de tratar por “amigos” e não por “camaradas”, perguntava o jovem funcionário Silva Marques? Na resposta está, como em todas as coisas deste mundo claustrofóbico e impregnado tanto de dedicação como de cegueira, toda uma visão do mundo.

Resumindo e concluindo: o livro de Silva Marques permanece, quase trinta anos depois, a melhor memória do interior comunista jamais publicada em Portugal e um livro de leitura agradável e que prende o seu leitor. Não se percebe que continue esgotado e inacessível.

(Este texto foi escrito antes da morte de Cunhal. A completa ausência do livro de Silva Marques nos documentários televisivos, preparados com muita antecedência, é mais um sinal da memória curta da comunicação social. Memória curta, ou seja, ignorância.)
 


A LER

o Bombyx Mori, o bicho da seda, onde se encontra boa seda como esta:

"Momento neon-realista

Um jornalista da TVI, no meio da multidão, entrevista um popular (de uma certa idade) no funeral de Álvaro Cunhal:

Então o senhor o que veio cá fazer?
Eu sou um dos esteiros, um dos filhos dos homens que nunca foram meninos…
[bruscamente] O senhor é de Lisboa?
Não, sou de Alhandra.
Onde é que isso fica? [não perguntou, mas pela cara não faltou muito]"


e a excelente série Frases que impõem respeito e muito mais.

*
Sou eu o jornalista da TVI, é verdade que estava "no meio da multidão", entrevistei "um popular" ( a expressão é sua, foi certamente contagiado por outros jornalistas, eu não a uso), estava no velório e não no funeral de Álvaro Cunhal.

Até aqui, menos mal. Agora o resto...

Bruscamente??

- "O popular" contou, emocionado, que era um dos "homens que nunca foram meninos" para quem Soeiro Pereira Gomes escreveu "Esteiros" ( e continuou contando, sem reticências e interrupções; não digo mais, se viu)

- A seguir fiz-lhe outra pergunta ( longa, não lhe digo qual, se viu)

- Só então perguntei-lhe de onde era ( isso viu, como terá visto os autocarros que chegaram a Lisboa para o velório e funeral de Álvaro Cunhal)


Onde é que isso fica? [não perguntou, mas pela cara não faltou muito]"

- Não perguntei (isso sabe)

- Pela cara não faltou muito?Pela cara? Pela cara?


Bom, eu pela sua cara ( de uma certa idade mas que aparece muito mais no neón da televisão do que a minha) nunca diria que o senhor é desonesto e escreve, no Abrupto, usando das técnicas de um jornalista de tablóide. Como não faço generalizações, digo apenas que, desta vez, sim.

(Pedro Moreira)

NOTA: Pedro Moreira devia ler com mais atenção e reparar que o texto não é de minha autoria, mas citado. Não tem importância. Retrata um estilo.
 


COISAS SIMPLES


Feodor Tolstoy
 


NOTAS BREVES SOBRE OS ÚLTIMOS DIAS


Alguém diz (e pelos vistos ninguém disse, mesmo estando tudo ligado por auricular) aos senhores e senhoras jornalistas (da SIC e da RTP) que repetiam à saciedade que “agora iam cantar a Internacional Socialista”, que não existe nenhuma canção revolucionária chamada “Internacional Socialista”, mas sim a “A Internacional”, uma velha música já centenária e que é suposto ser de cultura geral conhecer?

*

De igual modo, alguém diz a uma senhora jornalista (da RTP?) que não se está de “pulso erguido”, mas sim de punho erguido, e que punho e pulso são partes diferentes do corpo e que, a não ser que se seja amputado, não se “ergue o pulso” sem erguer a mão?

Adenda: ver Microfone Cego em Alice Vem Jantar.

*

Uma das tendências da comunicação social dos tempos recentes é a obtenção de opiniões de pessoas que são académicos de profissão sobre matérias estritamente políticas enquanto académicos. Esta prática era já comum na área da economia ou da ecologia, onde o político quase que desapareceu, e hoje alastra para todos os domínios, mesmo os da política “pura”, com a crescente audição de “politólogos”, que o que fazem é emitir opiniões políticas como quaisquer outras.

A ideia que preside a essas consultas é a mesma que leva os políticos a, sempre que há uma matéria difícil, fazer-se substituir na decisão por comissões “de especialistas”, de “peritos”, e insere-se no pressuposto que é possível haver uma voz técnica que possa, em nome desse conhecimento técnico, definir uma solução política. Na prática, é mais um dos sintomas da recusa da política e das suas responsabilidades e da prestação de contas correlativa, muito forte num país que herdou do salazarismo o ódio ao político e a paixão do consenso por cima da luta política.

A voz do conhecimento, da técnica, da ciência, tem o seu lugar na decisão ou opinião política, mas não é da mesma natureza dessa decisão, nem pode ser colocada no lugar dela. É importante conhecer as qualificações profissionais de quem omite opinião, e a qualidade de historiador ou cientista político são relevantes, como a de empresário ou economista igualmente o são quando se trata de opiniões que correspondem a um domínio do saber ou da actividade profissional. Mas isso não as torna outra coisa diferente de opiniões políticas, de cidadãos, no espaço público, nem lhes dá uma legitimidade acrescida enquanto opiniões de natureza política. O resultado desta confusão está patente no exemplo de hoje da Capital, igual pela sua natureza a muitos outros (Eleições autárquicas - Para os especialistas em ciência política, a ausência de coligações e a transferência de votos do eleitorado de esquerda beneficiam PS. Divisão da direita ajuda candidatura de Carrilho). O resultado ou são truísmos (a transposição de um resultado académico ipsis verbis para uma afirmação de carácter político raras vezes resulta noutra coisa) ou são puras opiniões políticas, a que o estatuto académico dá uma aura de isenção e intangibilidade que confunde o debate público.

(Continua)

*

Também houve outras "engraçadas" (tristes, mas que dão vontade de rir):

1 - Jornalista pergunta: Então o PCP vai continuar a ser comunista?

resposta: Claro !

Pergunta: e Marxista-Leninista?

Resposta: É ideologia comunista !!!!

2 - Ouvia-se o Hino Nacional e diz o jornalista: Canta-se agora o Avante!

3- Entram agora no crematório !

(Pedro Castaño)
 


EARLY MORNING BLOGS 519

Sê paciente; espera
que a palavra amadureça
e se desprenda como um fruto
ao passar o vento que a mereça.


(Eugénio de Andrade)

*

Bom dia!
 


O SÍTIO DO NÃO SUSPENSO

Seria certamente mais fácil encontrar vontade política para uma negociação minimalista de um novo tratado do que ultrapassar as consequências políticas dos “nãos” já dados e as hipóteses muito prováveis dos outros “nãos” que não chegaram a ser dados. O adiamento não é sensato, nem eficaz. É uma medida típica do modo como a União está hoje. Adia-se tudo. É uma medida que prolonga o défice democrático actual. Com medo do “não”, foge-se do voto. A insistência num documento morto, e morto pelo voto, é irrealista e denota muita arrogância. É uma medida de cegueira, que hipoteca o realismo dos pequenos passos à sobrevivência da carreira política dos responsáveis por um “grande passo” para o abismo e que não querem admitir que erraram. Todas as ambiguidades de antes, continuam.

Adiado o referendo, cujo objecto deixou de se saber qual é, o SÍTIO DO NÃO é suspenso até que de novo a questão se coloque. Permanecerá em linha, aberto o seu sistema de comentários e eventualmente, sempre que se justifique comentar qualquer facto ou decisão que condicione o referendo português, voltará à vida.

Se a União tivesse bom senso, prudência e resolvesse sair do caminho utópico, arrogante, desigual e não democrático onde se meteu e de onde parece não saber sair, podia até ser que renascesse como SÍTIO DO SIM. Provavelmente terá que continuar como está, o lugar do “não”, e voltar de novo ao trabalho na altura própria.

Mas renascerá em melhores condições. Com a equipa dos voluntários que se ofereceram. Com o sucesso dos seus mil comentários, em tão pouco espaço de tempo. Com a força de ter contribuído para um debate que muitos não quiseram travar, e que só o “não” obrigou e conseguiu. Cumpriu a sua missão. Para já.

15.6.05
 


EARLY MORNING BLOGS 518

O sal da língua


Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.

Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?

Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar,
para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.

Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.

Elas são a casa, o sal da língua.


(Eugénio de Andrade)

*

Bom dia!

14.6.05
 


INACEITÁVEL

Eu não me importo com a utilização jornalística dos dados e das interpretações contidos nos meus livros sobre Cunhal. É normal que isso aconteça e mais vale que se utilizem informações que foram verificadas, do que a lista habitual de imprecisões e erros. Para além disso, os factos são os factos e pertencem a todos e não são propriedade de ninguém. Mas já é inaceitável, para não dizer outra coisa, trabalhos jornalísticos de todo o tipo, feitos quase exclusivamente a partir dos livros, a que se acrescenta um ou outro depoimento, e às vezes nem isso, seguindo estritamente a interpretação e nalguns casos as palavras e afirmações, sem pelo menos os citar, ou nomear como fonte. Isso é inaceitável e pouco honesto.
 


APRENDENDO COM EÇA DE QUEIRÓS

Depois considera o derradeiro pecado, negríssimo. Tu fundas, com o teu novo jornal, uma nova escola de intolerância. Em torno de ti, do teu partido, dos teus amigos, ergues um muro de pedra miúda e bem cimentada: dentro desse murozinho, onde plantas a tua bandeirola com o costumado lema de «imparcialidade, desinteresse, etc.», só haverá, segundo Bento e o seu jornal, inteligência, dignidade, saber, energia, civismo; para além desse muro, segundo o jornal de Bento, só haverá necessariamente sandice, vileza, inércia, egoísmo, traficância! É a disciplina de partido (e para te agradar, entendo partido, no seu sentido mais amplo, abrangendo a literatura, a filosofia, etc.) que te impõe fatalmente esta divertida separação das virtudes e dos vícios. Desde que penetras na batalha, nunca poderás admitir que a razão ou a justiça ou a utilidade se encontrem do lado daqueles contra quem descarregas, pela manhã, a tua metralha silvante de adjectivos e verbos – porque então a decência, se não já a consciência, te forçariam a saltar o muro e desertar para esses justos. Tens de sustentar que eles são maléficos, desarrazoados, velhacos, e vastamente merecem o chumbo com que os traspassas. Das solas dos pés até aos teus raros cabelos, meu Bento, desde logo te atolas na intolerância! Toda a ideia que se eleve, para além do muro, a condenarás como funesta, sem exame, só porque apareceu dez braças adiante, do lado dos outros, que são os réprobos, e não do lado dos teus, que são os eleitos.

Realizam esses outros uma obra? Bento não poupará prosa nem músculo para que ela pereça: e se por entre as pedras que lhe atira, casualmente entrevê nela certa beleza ou certa utilidade, mais furiosamente apressa a sua demolição, porque seria mortificante para os seus amigos que alguma coisa de útil ou de belo nascesse dos seus inimigos – e vivesse. Nos homens que vagam para além do teu muro, tu só verás pecadores; e quando entre eles reconhecesses S. Francisco de Assis distribuindo aos pobres os derradeiros ceitis da Porciúncula, taparias a face para que tanta santidade te não amolecesse, e gritarias mais sanhudamente: «Lá anda aquele malandro a esbanjar com os vadios o dinheiro que roubou!»

Assim tu serás no teu jornal. E, em torno de ti, os que o compram e o adoptam lentamente e moralmente se fazem à tua imagem. Todo o jornal destila intolerância, como um alambique destila álcool, e cada manhã a multidão se envenena aos goles com esse veneno capcioso. É pela acção do jornal que se azedam todos os velhos conflitos do mundo – e que as almas, desevangelizadas, se tornam mais rebeldes à indulgência. A sociabilidade incessantemente amacia e arredonda as divergências humanas, como um rio arredonda e alisa todos os seixos que nele rolam: e a humanidade, que uma longa cultura e a velhice tem tornado docemente sociável, tenderia a uma suprema pacificação – se cada manhã o jornal não avivasse os ódios de princípios, de classes, de raças, e, com os seus gritos, os acirrasse como se acirram mastins até que se enfureçam e mordam.

O jornal exerce hoje todas as funções malignas do defunto Satanás, de quem herdou a ubiquidade; e é não só o Pai da Mentira, mas o Pai da Discórdia. É ele que por um lado inflama as exigências mais vorazes – e por outro fornece pedra e cal às resistências mais iníquas. Vê tu quando se alastra uma greve, ou quando entre duas nações bruscamente se chocam interesses, ou quando, na ordem espiritual, do s credos se confrontam em hostilidade: o instinto primeiro dos homens, que o abuso da civilização material tem amolecido e desmarcializado, é murmurar «paz! juízo!» e estenderem as mãos uns para os outros, naquele gesto hereditário que funda os pactos. Mas surge logo o jornal, irritado como a Fúria antiga, que os separa, e lhes sopra na alma a intransigência, e os empurra à batalha, e enche o ar de tumulto e de pó.

O jornal matou na Terra a paz. E não só atiça as questões já dormentes como borralhos de lareira, até que delas salte novamente uma chama furiosa – mas inventa dissensões novas, como esse anti-semitismo nascente, que repetirá, antes que o século finde, as anacrónicas e brutas perseguições medievais. Depois é o jornal...
 


TRIBULAÇÕES DE UM IGNORANTE

Que viu a notícia de última hora no Público Norton de Matos apresentado por uma época no Setúbal e que se convenceu, na sua absoluta ignorância, que era do velho general republicano que se falava. Não percebia o título, mas enfim há muitas notícias de que não se percebe o título. Até pensei que era uma peça de teatro.E depois sai-me um treinador de futebol de uma coisa chamada Vitória de Setúbal…

*
Eu percebo que não esteja a par dessas questões do futebol , que deste senhor Norton não saiba nada. Mas há aí outra questão... É que eu, além de ser do Porto - Gaia , mais exactamente, e de ser um adepto não muito "ferrenho" - que isso nunca achei justificável- do Porto ( F.C.) - já viví uns anos em Setúbal. E em muitas outras terras deste país ( prof. de mochila às costas por vários anos ). Só que nestas terras as equipas de futebol são um forte lugar e apoio da identidade das gentes , por mais insignificantes que sejam . Até, aqui, o Avintes e o Oliveira do Douro o são, naturalmente , apesar da forte concorrência dos "grandes"...
Assim, achei muito infeliz sobretudo quando diz ..que é.treinador "de uma coisa chamada Vitória de Setúbal ". Já agora acrescento que " a coisa " , caso não saiba foi este ano o Campeão Nacional, ganhando na final contra o Benfica. Outra "coisa" que vem alimentar o "ego" por algum tempo dos homens do Sado, nestas terras tão "carentes" de auto-estima e valorização...
Compreendo que isto possa ser levado para aspectos negativos do chamado "bairrismo", etc., mas acho que esta nota é importante. O mesmo diria se estivessemos falando do Braga, do Leixões ou do Guimarães ou até das Columbófilas que , não sei ainda explicar , tanta gente teima em manter activas.

(José A. Casanova)
*
No entanto neste seu artigo de opinião, julgo que foi um bocado longe demais. Sei que infelizmente se dá demasiada importância ao futebol, que ele comanda as noticias, as conversas e até as próprias vidas das pessoas.
Sei que às vezes não estamos minimamente interessado que A ou B tenham jogado, ou perdido ou que este ou aquele jogador foi negociado por valores que são um autentico atentado à dignidade de pessoas que trabalham várias horas todos os dias e que sobrevivem com o salário mínimo nacional. Mas apesar disso, julgo que foi infeliz na expressão “E depois sai-me um treinador de futebol de uma coisa chamada Vitória de Setúbal…”

Então o Vitória de Setúbal é uma coisa? Um clube de bairro não é uma coisa mesmo quando tem apenas meia dúzia de associados, quanto mais um clube com décadas de existência, vencedor de algumas taças de Portugal e que nos vai representar este ano nas competições europeias.

Por favor sr Pacheco Pereira, lá que não goste de futebol tudo bem, e até percebo, mas tenha algum respeito pelas pessoas que gostam e se apaixonaram pela modalidade, e pelo clube que devido à sua dimensão já muito fez pela promoção da cidade e desenvolvimento desportivo de jovens nas mais diversas modalidades.

(Rui Rodrigues)
*
Quando pela primeira vez li o post "TRIBULAÇÕES DE UM IGNORANTE" pensei para com os meus botões: o que é preocupante não é que Pacheco Pereira pense que uma notícia sobre o novo treinador do Setúbal diga respeito a um velho general republicano da oposição a Salazar. O que é preocupante é que para a esmagadora maioria dos portugueses uma notícia sobre o general Norton de Matos seria tomada como uma notícia sobre o novo treinador do Setúbal.
Afinal a coisa ainda é pior. Está instalada a revolta, porque Pacheco Pereira disse que essa coisa que é o clube de futebol de Setúbal era isso mesmo, uma coisa.
Estranha coisa esta a que ainda chamamos Portugal.

(António Cardoso da Conceição)
 


INTENDÊNCIA

Em actualização os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO e o SÍTIO DO NÃO.
 


A LER

Perez Metelo, "Vão-se embora, já saíram todos!" , Diário de Notícias, 14/6/2005
 


COISAS COMPLICADAS


nas mãos de S. Jerónimo, pintado por Masaccio.
 


EARLY MORNING BLOGS 517

Sê tu a palavra


1.
Sê tu a palavra,
branca rosa brava.

2.
Só o desejo é matinal.

3.
Poupar o coração
é permitir à morte
coroar-se de alegria.

4.
Morre
de ter ousado
na água amar o fogo.

5.
Beber-te a sede e partir
- eu sou de tão longe.

6.
Da chama à espada
o caminho é solitário.

7.
Que me quereis,
se me não dais
o que é tão meu?


(Eugénio de Andrade)

*

Bom dia!
 


O QUE NÃO SE PODIA TRADUZIR

O Eugénio considerava este poema de Antonio Machado o exemplo da impossibilidade da tradução:

La plaza tiene una torre

La plaza tiene una torre,
la torre tiene un balcón,
el balcón tiene una dama,
la dama una blanca flor.

Ha pasado un caballero.
¿Quién sabe por quién pasó?
Y se ha llevado la plaza,
con su torre y su balcón,
con su balcón y su dama,
su dama y su blanca flor.
 


OS MEUS LIVROS QUE SÃO DO EUGÉNIO

No meio da confusão das vidas fiquei com algumas coisas do Eugénio e ele minhas. Nem ele as quis recuperar, nem eu. Ele pode-as recuperar sempre, eu dou-lhe as minhas.

Em cada livro está o seu nome, a bela assinatura “Eugénio” que ele usava há mais tempo, antes de se reduzir ao “E” que parecia um épsilon. Poucas assinaturas têm a ligeireza e a beleza desta, em que o nome se lança a partir da primeira letra, com uma força e elegância rara. Quem conhece a sua poesia, percebe na assinatura o mesmo movimento da sua voz, quase partida do nada e lançando-se para a frente de forma arrojada, voando, para se perder no “o” final, separado do resto do nome. Ponto final. Parece árabe escrito ao contrário, da esquerda para a direita.

Num Rilke francês, num Apollinaire, num Thomas Mann, num…

13.6.05
 


MANIFESTAÇÃO

Tenho poucas dúvidas que o funeral de Álvaro Cunhal vai ser a maior manifestação comunista das últimas décadas na Europa. Não em Portugal, mas na Europa.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: HOJE


(Foto de RM)

Música, levai-me:

Onde estão as barcas?
Onde são as ilhas?

(Eugénio de Andrade)
 


ELO

Entre Eugénio e Álvaro Cunhal: Eugénio tinha em muita consideração o facto da sua poesia ser lida nas prisões políticas. Disse-me mais do que uma vez, antes do 25 de Abril, que soubera com muito gosto que os seus livros circulavam nas prisões. Atribuía esse facto, que lhe teria sido comunicado numa carta ou numa mensagem com origem em Peniche ou em Caxias, ao carácter solar, pagão, erótico, dos seus versos, uma boa companhia para as sombras da cadeia e para as privações afectivas de quem deixou de ter vida livre.
 


A CEIFEIRA NOCTURNA

Passou, rápida, levando a sua ração de vivos.

Levou o Eugénio, meu amigo do coração, que conheci quando, depois do Ostinato Rigore, sentia uma crise na sua poesia. As palavras tinham chegado a tal estado de depuração que Eugénio não sabia como iria conseguir escrever mais. Achava que tinha gasto as palavras, as suas palavras, o seu dizer, a sua limpidez, o seu rio interior. Falámos muitas vezes dessa usura, em longos passeios que começavam em S. Lázaro e iam mais longe que Masssarelos, junto ao rio, passando nas noites mais tépidas pelas carcaças dos barcos que faziam, num passado já antigo, a faina fluvial do Douro. Uma noite comparou-se a esses barcos meio enterrados no lodo, cinzento sobre cinzento, na pouca luz de então. Foi a música, pela música, pela música de camera, a música que era tão contida como as suas palavras obstinadas e rigorosas, pelos quartetos de Beethoven e Haydn, que se libertou para escrever de novo. Ele ouvia nos quartetos a mesma luta entre uma contenção terminal, em que as palavras se tornavam nós, e depois via-as soltarem-se na voz da música, voando para o ar, sem perder rigor, nem obstinação, mas falando. Falando com ele, falando connosco. Foi essa fala que encontrava na música que o fez de novo escrever, até que a música lhe faltou e o traiu.

Levou Álvaro Cunhal, a quem tenho dedicado muito do meu tempo, sobre o qual escrevi já mais mil e quinhentas páginas e me preparo para acrescentar muitas mais. Tinha estado a escrever sobre ele, na hora em que morreu, sem saber que morria. Terminava o capítulo em que descrevia a sua chegada a Peniche em 1956, após o longo isolamento da Penitenciária, e o misto de sentimentos entre quem começava a perceber que não iria ser tão cedo (ou em qualquer dia) libertado, embora já tivesse cumprido a pena a que fora condenado, e a alegria de reencontrar os seus camaradas mesmo na prisão. Nesse capítulo falo numa das várias formas de violência moral que a ditadura tinha, agora felizmente inexistentes porque não vivemos em ditadura, mas infelizmente também esquecidas e ignoradas. Era uma coisa tão simples e tão dramática como isto: os presos sujeito a medidas de segurança, um artificio jurídico obra de grandes juristas e professores de direito, para entregar à PIDE o controle do tempo de prisão – Cunhal, por exemplo terminou a pena em Janeiro de 1956 e só saiu da prisão porque fugiu em Janeiro de 1960 – tinham que demonstrar que não tinham “perigosidade” para poderem ser libertados. Isso significava para um comunista ter que declarar uma qualquer forma de abjuração dos suas ideias, garantir que nunca mais fazia política e se afastava do partido. Cunhal era todos os anos colocado perante esse dilema, continuar na prisão eternamente, ou abjurar frente à PIDE. Que era um verdadeiro dilema moral, um fio da navalha que cortava pelo carácter e pela personalidade, revela-se nas respostas angustiadas que deu repetidamente. Estas violências que não eram físicas mostram a face iníqua de um regime com que muita gente hoje se mostra complacente.
 


À MEMÓRIA, DA MEMÓRIA

AS AMORAS


O meu país sabe a amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.


(Eugénio de Andrade)
 


EARLY MORNING BLOGS 516

Édit funéraire


Moi l'Empereur ordonne ma sépulture : cette montagne hospitalière, le champ qu'elle entoure est heureux. Le vent et l'eau dans les veines de la terre et les plaines du vent sont propices ici. Ce tombeau agréable sera le mien.

o

Barrez donc la vallée entière d'une arche quintuple : tout ce qui passe est ennobli.

Étendez la longue allée honorifique : — des bêtes ; des monstres ; des hommes.

Levez là-bas le haut fort crénelé. Percez le trou solide au plein du mont.

Ma demeure est forte. J'y pénètre. M'y voici. Et refermez la porte, et maçonnez l'espace devant elle. Murez le chemin aux vivants.

o

Je suis sans désir de retour, sans regrets, sans hâte et sans haleine. Je n'étouffe pas. Je ne gémis point. Je règne avec douceur et mon palais noir est plaisant.

Certes la mort est plaisante et noble et douce. La mort est fort habitable. J'habite dans la mort et m'y complais.

o

Cependant, laissez vivre, là, ce petit village paysan. Je veux humer la fumée qu'ils allument dans le soir.

Et j'écouterai des paroles.

(Victor Segalen)

*

Bom dia!

12.6.05
 


INTENDÊNCIA

Actualizados os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO e o SÍTIO DO NÃO.

Actualizada a nota DAS DUAS, UMA e OS CINQUENTA MOMENTOS POLÍTICOS MAIS IMPORTANTES DEPOIS DO 25 DE ABRIL (1974-2005).
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: O MESMO FIM DE TARDE


O mesmo crepúsculo, o mesmo lento desaparecer do Sol, a mesma noite antiquíssima e lustral. Em Marte, por cima das paredes da cratera Gusev.
 


EARLY MORNING BLOGS 515

"Cuando se proclamó que la Biblioteca abarcaba todos los libros, la primera impresión fue de extravagante felicidad. Todos los hombres se sintieron señores de un tesoro intacto y secreto. No había problema personal o mundial cuya elocuente solución no existiera: en algún hexágono. El universo estaba justificado, el universo bruscamente usurpó las dimensiones ilimitadas de la esperanza. En aquel tiempo se habló mucho de las Vindicaciones: libros de apología y de profecía, que para siempre vindicaban los actos de cada hombre del universo y guardaban arcanos prodigiosos para su porvenir. Miles de codiciosos abandonaron el dulce hexágono natal y se lanzaron escaleras arriba, urgidos por el vano propósito de encontrar su Vindicación. Esos peregrinos disputaban en los corredores estrechos, proferían oscuras maldiciones, se estrangulaban en las escaleras divinas, arrojaban los libros engañosos al fondo de los túneles, morían despeñados por los hombres de regiones remotas. Otros se enloquecieron... Las Vindicaciones existen (yo he visto dos que se refieren a personas del porvenir, a personas acaso no imaginarias) pero los buscadores no recordaban que la posibilidad de que un hombre encuentre la suya, o alguna pérfida variación de la suya, es computable en cero."

(Jorge Luis Borges)

*

Bom dia!
 


AR PURO


M. Svabinsky

11.6.05
 


DAS DUAS, UMA

Ou a polícia está completamente cega quanto ao que se passa em certos bairros de Lisboa e não tem um informador sequer que a previna de algo que mobilizou quinhentas pessoas, ou seja que milhares souberam com antecedência; ou toda esta história está mal contada e não são quinhentos, nem foi combinado, e alguma coisa aconteceu na praia que não aparece nos jornais. Há uma terceira hipótese que me parece tão absurda que a recuso: a polícia sabia e não fez nada.

O ministro tem muitas explicações a dar e depressa.

*
Sobre o seu post «Das duas uma» e lendo o DN, parece de facto que a história não foi bem contada, pelo menos nas televisões:

«O pânico gerou-se ontem ao início da tarde na praia de Carcavelos, quando centenas de indivíduos, em bandos, começaram de repente a assaltar e a agredir os banhistas. [...] Os distúrbios terão tido início quando uma bando roubou um fio de ouro a um imigrante de Leste, espancando-o, contou ao DN Bruno Marques, um dos banhistas presentes no local. Esta situação foi testemunhada pela responsável de um café da zona, que logo fechou o estabelecimento e chamou a polícia. O tempo de chegada das forças de segurança, ainda que curto, foi suficiente para que, como que por simpatia, outros bandos que ali tomavam banhos de sol aproveitassem a oportunidade para tentar a sua sorte. Gerou-se, então, o caos. Várias crianças perderam-se dos pais, com os bandos a assaltarem quem estivesse mais a jeito, agredindo os que ofereciam resistência.
Nada fazia prever que aquela onda de violência surgisse tão de repente. De acordo com fonte policial, os bandos eram banhistas que, aliás, são frequentadores habituais daquela praia. "Reagiram por simpatia ao verificarem a oportunidade", contou. Não houve, portanto, nenhum assalto organizado à praia, nem qualquer estratégia concertada entre gangs. "A pólvora estava lá e bastou que alguém acendesse o rastilho", explicou o interlocutor do DN.»

De facto, é "interessante" que nenhuma televisão, nas reportagens que vi, tenha colocado ênfase à aparente espontaneidade do "arrastão". E mais: que não houve assalto organizado...

(Miguel Marujo)
 


OS CINQUENTA MOMENTOS POLÍTICOS MAIS IMPORTANTES DEPOIS DO 25 DE ABRIL (1974-2005)

1. O primeiro 1º de Maio, o respirar inicial da liberdade, mas também o sinal das ambiguidades de uma mudança que continha em si mesma várias “revoluções”, nem todas democráticas. Responsáveis: os “capitães de Abril” (1 de Maio de 1974).

2. Criação dos partidos democráticos depois do 25 de Abril: a estruturação do PS na legalidade, a criação do PPD e do CDS nos meses de Maio a Julho de 1974. Responsáveis: Mário Soares, Tito de Morais e Ramos da Costa no PS; Sá Carneiro, Balsemão e Magalhães Mota no PPD, Freitas do Amaral e Amaro da Costa no CDS.

3. Decisão do PCP de se opor à manifestação da "maioria silenciosa” de 28 de Setembro, dando início ao chamado “Processo revolucionário em curso” (PREC) (no mês de Setembro de 1974).

4. Discurso de Salgado Zenha no Pavilhão dos Desportos contra a “unicidade sindical” (16 Janeiro 1975). O discurso de Zenha foi o primeiro sinal público da resistência do PS à constituição de organizações frentistas pelos comunistas que detivessem a hegemonia do espaço partidário (MDP) e sindical (Intersindical).

5. Legalização do divórcio nos casamentos religiosos com a alteração da Concordata. Responsável: Salgado Zenha (15 de Fevereiro de 1975).

6. Golpe e contra-golpe do 11 de Março. Responsáveis: Spínola e a ala militar ligada ao PCP no MFA (11 de Março de 1975).

7. Nacionalizações a seguir ao 11 de Março. Responsável: ala militar ligada ao PCP no MFA. Das chamadas “conquistas da Revolução” – nacionalizações, reforma agrária e controle operário – a terceira nunca existiu de facto, a segunda deixou uma marca profunda no Alentejo, a primeira moldou o destino da economia e da sociedade portuguesa até aos dias de hoje.

8. Eleições para a Assembleia Constituinte que deram vitória aos partidos que se opunham ao PREC (25 de Abril de 1975). A vitória eleitoral do PS e do PSD, o fracasso do MDP, do PCP e do “voto em branco no MFA” reforçou a legitimidade da componente democrática no PREC.

9. Incêndios e destruições das sedes do PCP no Centro e Norte do país (a partir de fins de Maio de 1975). A resistência ao PREC fora de Lisboa e Porto, e em particular no Centro e Norte, radicalizada num anticomunismo “orgânico” e em organizações clandestinas como o ELP, revelou uma componente social e política distinta da do PS, em que a Igreja e as “bases” do PPD tiveram um papel.

10. Comício da Fonte Luminosa em Lisboa, ponto alto da resistência ao PREC dos socialistas (19 de Julho de 1975). Três sub-factos poderiam ser incluídos neste movimento: as sequelas do assalto ao jornal República (19 de Maio), o “documento dos nove”, (discutido entre os militares em Julho e divulgado a 9 de Agosto) e o debate entre Soares e Cunhal, um raro momento mediático no PREC do “olhe que não, olhe que não (6 de Novembro de 1975).

11. Independência de Angola a 11 de Novembro que marcou o efectivo fim do império colonial e "retorno" dos portugueses de África (anos de 1975-7), assim como o início da guerra civil e da intervenção estrangeira (cubana e sul-africana), cujas sequelas duraram mais de 25 anos e muitos milhares de mortos. Em nenhuma outra antiga colónia o processo foi tão sangrento, mas o padrão da acção dos antigos movimentos nacionalistas foi semelhante.

12. O 25 de Novembro, fim da expressão militar do PREC (25 de Novembro de 1975). O crescendo para o 25 de Novembro deu-se essencialmente no verão “quente”, onde avultaram os incidentes ligados à constituição da FUR, um raro momento de hegemonia da extrema-esquerda sobre o PCP, a pretexto do “documento do COPCON, e o cerco á Assembleia Constituinte a 12 de Novembro.

13. Declarações de Melo Antunes impedindo a ilegalização do PCP depois do 25 de Novembro (26 de Novembro). Ao fazê-las Melo Antunes impediu uma deriva autoritária do 25 de Novembro que seria inevitável caso se tentasse forçar o PCP de novo à clandestinidade.

14. Aprovação da Constituição em 25 de Abril de 1976 que garantia os direitos fundamentais de uma democracia, mas mantinha na sua parte económica e em muitos outros aspectos a linguagem e o adquirido do PREC. Uma das suas consequências duradouras foi a criação das Autonomias regionais na Madeira e nos Açores.

15. Acção de Sottomayor Cardia no Ministério da Educação, o primeiro dos ministros a tentar sair do “estilo” do PREC (1976-7).

16. A Lei Barreto, o início da “contra-reforma agrária”, o primeiro momento legislativo contra uma “conquista da revolução”. Responsável: António Barreto (1977).

17. Vitória da AD demonstrando a possibilidade de alternância democrática à hegemonia do PS. (Dezembro 1979). Responsáveis: Sá Carneiro e Freitas do Amaral, apoiados por Amaro da Costa, Ribeiro Telles, António Barreto e Medeiros Ferreira.

18. Morte acidental (ou assassinato) de Sá Carneiro (4 de Dezembro 1980).

19. Fim do Conselho da Revolução na revisão constitucional de 1982. Acabou assim o último resquício de uma legitimidade “revolucionária” alheia ao processo democrático.

20. “Bloco central” em que PS e PSD dividiram o estado, os cargos públicos, as áreas de influência, os gestores públicos, criando um establishment de poder que ainda hoje é prevalecente (1983-5). A resistência no PSD ao “Bloco central” abriu caminho às carreiras políticas de Marcelo, Santana Lopes, Júdice, Durão Barroso, e Cavaco Silva, a única com sucesso até hoje.

21. Desmantelamento das FP 25 de Abril e prisão dos seus responsáveis (1984-5). As FP 25 de Abril foram uma manifestação tardia do ciclo de terrorismo político europeu dos anos 70, moldado pela nostalgia do PREC. Responsáveis pela criação da organização Otelo Saraiva de Carvalho, apoiado por uma ala do antigo PRP-BR; e no seu desmantelamento Rui Machete, Mário Soares, Martinho de Almeida Cruz e vários agentes da PJ.

22. “Apertar do cinto” obrigado pelo FMI, numa situação de quase ruptura das finanças públicas (1983-5). Este período de austeridade ia acabando prematuramente com a carreira política de Soares assente nas suas ambições presidenciais. Responsáveis: Ernâni Lopes e Mário Soares.

23. A criação do PRD, o partido de iniciativa presidencial que dividiu o eleitorado socialista e facilitou a futura vitória de Cavaco Silva. A criação do PRD foi o único e fugaz momento de “fluidez” do nosso sistema partidário. Responsável: Ramalho Eanes (25 de Fevereiro de 1985).

24. Primeira volta das eleições presidenciais de 1985-6 em que Mário Soares acaba com o “pintasilguismo” e com as últimas tentativas de um “socialismo” anti-soarista sob a égide do PCP. (26 de Janeiro de 1986). A eleição de Soares como primeiro Presidente civil da democracia numa segunda volta, “esquerda versus direita”, foi, depois da alternância da AD, o segundo momento de estabilização interior da democracia depois do PREC.

25. Congresso do PSD da Figueira da Foz em que Cavaco Silva vence João Salgueiro (Maio de 1985). Cavaco, que Soares dizia “desconhecer”, representou o primeiro dirigente da democracia portuguesa que chegava ao poder fora da resistência contra Salazar e ao PREC e com uma formação dominantemente económica em vez de jurídica.

26. Entrada de Portugal na UE, como garantia da democracia política e oportunidade de desenvolvimento. Os portugueses passaram a medir e a medir-se pela Europa. Responsáveis: Mário Soares, Rui Machete, Ernâni Lopes (1 de Janeiro de 1986).

27. Dissolução da Assembleia da República depois da aprovação da moção de censura do PRD, um acto político que se revelou, para os partidos que a apoiaram e patrocinaram, suicidário. Responsáveis: Ramalho Eanes, Hermínio Martinho, Victor Constâncio (3 de Abril de 1987).

28. Maioria absoluta de Cavaco Silva, uma verdadeira subversão de um sistema eleitoral construído para obrigar a governos de coligação, abrindo caminho a um ciclo de governabilidade sem passado até então e sem futuro até 2005 (19 de Julho de 1987).

29. O influxo de vultuosos fundos comunitários, parcialmente desperdiçados no Fundo Social Europeu, mas permitindo importantes obras infraestruturais que mudaram a face do país. Iniciou-se o ciclo do betão. Responsável: Cavaco Silva, seguido por António Guterres. (1986 até hoje).

30. Introdução do IVA, a mais efectiva modernização do sistema fiscal desde o 25 de Abril (1986).

31. Privatização do espaço televisivo e da comunicação social escrita do estado. Criação da SIC e da TVI. Responsável: Cavaco Silva.(1987)

32. A criação do Independente um projecto jornalístico orientado para criar um populismo de direita contra o PSD. Responsável: Paulo Portas (1988).

33. Revisão económica da Constituição permitindo finalmente a existência de uma plena economia de mercado e as privatizações. O PS que tinha bloqueado mudanças na parte económica da Constituição finalmente cedeu ao PSD (1989).

34. O massacre de Santa Cruz em Timor-Leste e todo o processo subsequente de luta pela autodeterminação de Timor-Leste (12 de Novembro de 1991).

35. A primeira Presidência portuguesa da UE. Nunca até então a alta administração pública portuguesa tinha conhecido uma prova tão dura. Responsável: Cavaco Silva (1992).

36. O bloqueio da Ponte 25 de Abril sintetizou as novas condições da acção política com um novo e agressivo panorama mediático muito mais eficaz do que os mecanismos tradicionais de oposição (1994).

38. O “tabu”, a decisão de Cavaco Silva de não se candidatar às eleições legislativas seguintes, representando o fim do “cavaquismo” enquanto experiência de governação (1995).

36. Criação do PP contra o CDS, dando expressão partidária ao populismo de direita e à acção unipessoal de Paulo Portas. Responsáveis: Manuel Monteiro e Paulo Portas. O processo completa-se com o acesso de Portas á liderança do PP (1998).

39. A Expo, a realização urbana de grande dimensão mudando a face oriental de Lisboa e levando ao clímax o ciclo de grandes obras dos anos do “cavaquismo” (1998).

40. Vitória do “não” no "Referendo sobre a instituição em Concreto das Regiões Administrativas”, acabando com as pressões para uma nova organização política do território continental. Responsáveis: pela derrota, António Guterres, pela vitória, Marcelo Rebelo de Sousa, Mário Soares, Cavaco Silva entre outros (8 de Novembro de 1998).


41. Criação do Rendimento Mínimo Garantido, o mais significativo alargamento do “estado social” na última década. Responsáveis: António Guterres, Ferro Rodrigues (1996).

42. Referendo sobre o Aborto dá um pequena e inesperada minoria de “nãos”, contrariando o sentido da votação parlamentar e congelando politicamente por vários anos a questão do aborto (Junho de 1998).

43. Adesão ao euro, principal manifestação da decisão estratégica de manter Portugal no chamado “pelotão da frente”, ou seja no grupo mais avançado da EU, abrindo caminho à questão do défice suscitada pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento (1 de Janeiro de 1999).

44. Devolução de Macau à plena soberania chinesa, terminando assim o último acto do império colonial português e o último El-Dorado de todas as fortunas fáceis no “ultramar” (20 de Dezembro de 1999).

45. Demissão de António Guterres, após a derrota do PS nas eleições autárquicas, abrindo uma longa crise no PS de que só quatro anos depois vem a recuperar (Dezembro de 2001).

46. Processo Casa Pia: depois do processo Emáudio, é o primeiro grande processo-crime que envolve importantes dirigentes políticos e figuras públicas, ainda inconclusivo (2002 até hoje)

47. Saída de Durão Barroso para a Presidência da UE após a derrota do PSD-PP nas eleições europeias, entregando o poder no partido a Santana Lopes e criando as condições para a dissolução da Assembleia (Junho 2004).

48. Campanha eleitoral do PS entre João Soares, Manuel Alegre e José Sócrates, a primeira campanha para uma liderança partidária feita mais para fora do que para dentro de um partido político. O precedente foi o Congresso do PSD de 1995 que opôs Durão Barroso e Fernando Nogueira (Setembro 2004) .

49. Dissolução da Assembleia da República e fim do governo Santana Lopes - Paulo Portas, a primeira vez que uma dissolução é realizada com argumentos de incompetência do Primeiro-ministro. Responsável: Jorge Sampaio (Novembro 2004).

50. Maioria absoluta do PS, abrindo o primeiro ciclo de governabilidade em condições de estabilidade do PS. Responsável: José Sócrates (20 de Fevereiro de 2005).

[NOTAS : Esta lista teve origem no Abrupto onde conheceu três versões, alteradas e acrescentadas pelos leitores e pelas críticas e sugestões de outros blogues. Nesse sentido, sendo de minha responsabilidade individual, é também uma obra colectiva. Foi posteriormente publicada em dois artigos no Público. Esta é a versão final ainda incompleta da lista das contribuições, e das ligações que o texto do jornal não permitia fazer.

Em relação à versão do Público há apenas a correcção de um lapso grave pela omissão e por atingir uma personalidade política que tem sido vítima de tentativas de “revisão” da história: a inclusão do nome de Freitas do Amaral na dupla responsável pela AD.]
*
Concordo o mais possível consigo quando bate na falta de rigor, para não dizer na mais desavergonhada manipulação, habitual nos nossos jornalistas.
Por isso muito surpreendido fiquei ao ler na sua lista dos acontecimentos mais relevantes da história recente o seguinte:

40. Vitória do “não” no "Referendo sobre a instituição em Concreto das Regiões Administrativas”, acabando com as pressões para uma nova organização política do território continental. Responsáveis: pela derrota, António Guterres, pela vitória, Marcelo Rebelo de Sousa, Mário Soares, Cavaco Silva entre outros (8 de Novembro de 1998).

42. Referendo sobre o Aborto dá um pequena e inesperada minoria de “nãos”, contrariando o sentido da votação parlamentar e congelando politicamente por vários anos a questão do aborto (Junho de 1998).

Desculpe, mas a votação de ambos foi assim tão diferente? Foi assim tão diferente a participação dos eleitores nos dois referendos? Acaso o resultado de um foi vinculativo e o do outro não? E que é isso de dizer que o «Referendo sobre o Aborto d[eu] um pequena e inesperada minoria de “nãos”»? Minoria? Mas o «não» não obteve mais de 50%?

Lamento que a sua posição relativamente à liberalização do aborto o leve a proceder como qualquer jornalista do Público...

(fbp)
 


OS LIVROS DA SÁBADO

LER ARISTÓTELES

A edição pela Imprensa Nacional das Obras Completas de Aristóteles, de responsabilidade de uma equipa coordenada por António Pedro Mesquita, é uma boa excepção e um bom exemplo. Exemplo de edição e exemplo de trabalho universitário, academicamente rigoroso, mas voltado para fora, para a pessoa comum que é amadora do saber e que passa a ter os textos de Aristóteles traduzidos em português dos nossos dias.

É sintoma dos tempos de incultura generalizada que vivemos, que pareça bizarro falar aqui de Aristóteles, um filosofo cujo nome ainda é razoavelmente conhecido, mas cuja obra é muito menos lida do que a de Platão no ensino secundário. Bom, em bom rigor, considerar que a de Platão é lida é um exagero… Voltemos a Aristóteles com um argumento yuppie: Aristóteles é um filósofo “vencedor” na nossa cultura e mesmo que não o conheçamos está por detrás de muita coisa a que nos habituamos e já não lhe atribuímos a autoria. Na “competição” intelectual que atravessou a Idade Média, mediada em particular pela Igreja e pelo seu grande Doutor, Tomás de Aquino, foi Aristóteles que passou para a escolástica e através dela para muito do “modo” de pensar dos nossos dias. De passagem, diga-se que os portugueses foram bons discípulos.

Para o leitor comum, vejam-se, por exemplo, alguns textos “menores” como os que se encontram em Os Económicos. De que se trata? De economia? É controverso que os gregos entendessem a palavra como hoje a usamos. Aristóteles fala da “arte de administrar uma casa” e uma cidade (polis) e dá bons conselhos às “esposas”. Mas, na listagem de casos e observações “económicas” encontramos muita coisa que directamente diz respeito à “economia política”, e às relações sociais e humanas que a determinam.

Também na leitura de Aristóteles se aplicam os conselhos económicos imemoriais, recordados por um líbio perguntado sobre qual era o melhor estrume para os cavalos e que respondeu:”as pegadas do amo”.
 


INTENDÊNCIA

Em actualização o SÍTIO DO NÃO.
 


COISAS COMPLICADAS


Fachada do Pavilhão espanhol na Bienal de Veneza, 2005
 


EARLY MORNING BLOGS 514

Canción del pirata

Con diez cañones por banda,
viento en popa, a toda vela,
no corta el mar, sino vuela
un velero bergantín.
Bajel pirata que llaman,
por su bravura, el Temido,
en todo mar conocido
del uno al otro confín.

La luna en el mar rïela,
en la lona gime el viento,
y alza en blando movimiento
olas de plata y azul;
y va el capitán pirata,
cantando alegre en la popa,
Asia a un lado, al otro Europa,
y allá a su frente Stambul:

«Navega, velero mío,
sin temor,
que ni enemigo navío
ni tormenta, ni bonanza
tu rumbo a torcer alcanza,
ni a sujetar tu valor.

Veinte presas
hemos hecho
a despecho
del inglés,
y han rendido
sus pendones
cien naciones
a mis pies.

Que es mi barco mi tesoro,
que es mi dios la libertad,
mi ley, la fuerza y el viento,
mi única patria, la mar.

Allá muevan feroz guerra
ciegos reyes
por un palmo más de tierra;
que yo aquí tengo por mío
cuanto abarca el mar bravío,
a quien nadie impuso leyes.

Y no hay playa,
sea cualquiera,
ni bandera
de esplendor,
que no sienta
mi derecho
y dé pecho
a mi valor.

Que es mi barco mi tesoro,
que es mi dios la libertad,
mi ley, la fuerza y el viento,
mi única patria, la mar.

A la voz de «¡barco viene!»
es de ver
cómo vira y se previene
a todo trapo escapar;
Que yo soy el rey del mar,
y mi furia es de temer.

En las presas
yo divido
lo cogido
por igual;
sólo quiero
por riqueza
la belleza
sin rival.

Que es mi barco mi tesoro,
que es mi dios la libertad,
mi ley, la fuerza y el viento,
mi única patria, la mar.

¡Sentenciado estoy a muerte!
Yo me río;
no me abandone la suerte,
y al mismo que me condena,
colgaré de alguna entena,
quizá en su propio navío.
Y si caigo,
¿qué es la vida?
Por perdida
ya la di,
cuando el yugo
del esclavo,
como un bravo,
sacudí.

Que es mi barco mi tesoro,
que es mi dios la libertad,
mi ley, la fuerza y el viento,
mi única patria, la mar.

Son mi música mejor
aquilones,
el estrépito y temblor
de los cables sacudidos,
del negro mar los bramidos
y el rugir de mis cañones.

Y del trueno
al son violento,
y del viento
al rebramar,
yo me duermo
sosegado,
arrullado
por el mar.

Que es mi barco mi tesoro,
que es mi dios la libertad,
mi ley, la fuerza y el viento,
mi única patria, la mar.»

(Espronceda)

*

Eu sei que já coloquei o pirata aqui uma vez, mas foi o que me apeteceu hoje. Bom dia!

9.6.05
 


SATORI

Nem telefone, nem computador, nem correio.
Palavras, palavras, papel, letras, cidades, milhares de quilometros para cima, para baixo, para o meio.

8.6.05
 


VOLTO

em breve.
Estou outra vez feito de judeu errante.

6.6.05
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: DIREITOS DE PASSAGEM.

Actualizado o SÍTIO DO NÃO.
 


EARLY MORNING BLOGS 513

"La Biblioteca existe ab aeterno. De esa verdad cuyo colorario inmediato es la eternidad futura del mundo, ninguna mente razonable puede dudar. El hombre, el imperfecto bibliotecario, puede ser obra del azar o de los demiurgos malévolos; el universo, con su elegante dotación de anaqueles, de tomos enigmáticos, de infatigables escaleras para el viajero y de letrinas para el bibliotecario sentado, sólo puede ser obra de un dios. Para percibir la distancia que hay entre lo divino y lo humano, basta comparar estos rudos símbolos trémulos que mi falible mano garabatea en la tapa de un libro, con las letras orgánicas del interior: puntuales, delicadas, negrísimas, inimitablemente simétricas."

(Jorge Luis Borges)

*

Bom dia!

5.6.05
 


AR PURO


A. Bierstadt
 


EARLY MORNING BLOGS 512

Sagesse I - XX


L'ennemi se déguise en l'Ennui
Et me dit : " À quoi bon, pauvre dupe ? "
Moi je passe et me moque de lui.
L'ennemi se déguise en la Chair Et me dit :
" Bah, retrousse une jupe ! Moi j'écarte le conseil amer.

L'ennemi se transforme en un Ange
De lumière et dit : " Qu'est ton effort
À côté des tributs de louange
Et de Foi dus au Père céleste ?
Ton Amour va-t-il jusqu'à la mort ? "
Je réponds : " L'Espérance me reste. "

Comme c'est le vieux logicien,
Il a fait bientôt de me réduire
À ne plus vouloir répliquer rien.
Mais sachant qui c'est, épouvanté
De ne plus sentir les mondes luire,
Je prierai pour de l'humilité.


(Paul Verlaine)

*

Bom dia!

4.6.05
 


PARA O PS: UMA LIÇÃO QUE JÁ DEVIA ESTAR HÁ MUITO APRENDIDA

mas que ninguém aprende: a de que quando se abre a porta ao tratamento demagógico e sem seriedade da questão dos vencimentos e regalias dos políticos, apanha-se sempre por tabela. O PS, o governo socialista, ao usar o fim das reformas vitalícias como “lubrificante” populista das suas medidas de austeridade apanha de través com a sua própria demagogia. Merece-o.

A única forma séria de tratar a questão da remuneração dos detentores de cargos políticos é acabar com as regalias infamantes, ao mesmo tempo que se aumentam os vencimentos seguindo critérios de equilíbrio com os altos cargos da função pública com os quais, em termos de uma visão do estado e da democracia, devem ter uma hierarquia lógica. Como nunca ninguém tem coragem para o fazer, somam-se as medidas demagógicas cujo único resultado é a cada vez maior degradação do exercício de funções politicas.
 


OS LIVROS DA SÁBADO

OS POEMAS DA MINHA VIDA


Vale a pena falar de livros no meio desta barbárie futebolística, destas horas e horas monocórdicas de ruído televisivo, sinal da nossa miséria e pobreza de espírito? Vale, no sentido do poema de O’Neill que Mário Soares escolheu para ler na publicidade televisiva à colecção “Os Poemas da Minha Vida”, distribuídos com o Público:

História da Moral

Você tem-me cavalgado,
Seu safado!
Você tem-me cavalgado,
Mas nem por isso me pôs
A pensar como você.

Que uma coisa pensa o cavalo;
outra quem está a montá-lo.


O mérito desta colecção (em que, declaro já o meu conflito de interesses, também irei colaborar) é o de através dos poemas da “vida” de cada um, nós os lermos, aos poemas, e à “vida” de quem os escolheu. Vale mesmo a pena, porque pouca coisa reflecte mais a percepção que cada um tem de si próprio, ou o retrato público que desenha de si mesmo, do que os poemas que escolhe para serem da “sua vida”, mesmo quando não o foram. Principalmente quando não o foram.
 


AR PURO


Robert Campin, mestre de Flemalle
 


APRENDENDO COM EÇA DE QUEIRÓS

Depois considera o derradeiro pecado, negríssimo. Tu fundas, com o teu novo jornal, uma nova escola de intolerância. Em torno de ti, do teu partido, dos teus amigos, ergues um muro de pedra miúda e bem cimentada: dentro desse murozinho, onde plantas a tua bandeirola com o costumado lema de «imparcialidade, desinteresse, etc.», só haverá, segundo Bento e o seu jornal, inteligência, dignidade, saber, energia, civismo; para além desse muro, segundo o jornal de Bento, só haverá necessariamente sandice, vileza, inércia, egoísmo, traficância! É a disciplina de partido (e para te agradar, entendo partido, no seu sentido mais amplo, abrangendo a literatura, a filosofia, etc.) que te impõe fatalmente esta divertida separação das virtudes e dos vícios. Desde que penetras na batalha, nunca poderás admitir que a razão ou a justiça ou a utilidade se encontrem do lado daqueles contra quem descarregas, pela manhã, a tua metralha silvante de adjectivos e verbos – porque então a decência, se não já a consciência, te forçariam a saltar o muro e desertar para esses justos. Tens de sustentar que eles são maléficos, desarrazoados, velhacos, e vastamente merecem o chumbo com que os traspassas. Das solas dos pés até aos teus raros cabelos, meu Bento, desde logo te atolas na intolerância! Toda a ideia que se eleve, para além do muro, a condenarás como funesta, sem exame, só porque apareceu dez braças adiante, do lado dos outros, que são os réprobos, e não do lado dos teus, que são os eleitos.

Realizam esses outros uma obra? Bento não poupará prosa nem músculo para que ela pereça: e se por entre as pedras que lhe atira, casualmente entrevê nela certa beleza ou certa utilidade, mais furiosamente apressa a sua demolição, porque seria mortificante para os seus amigos que alguma coisa de útil ou de belo nascesse dos seus inimigos – e vivesse. Nos homens que vagam para além do teu muro, tu só verás pecadores; e quando entre eles reconhecesses S. Francisco de Assis distribuindo aos pobres os derradeiros ceitis da Porciúncula, taparias a face para que tanta santidade te não amolecesse, e gritarias mais sanhudamente: «Lá anda aquele malandro a esbanjar com os vadios o dinheiro que roubou!»
 


EARLY MORNING BLOGS 511

Sunday Night in Santa Rosa


The carnival is over. The high tents,
the palaces of light, are folded flat
and trucked away. A three-time loser yanks
the Wheel of Fortune off the wall. Mice
pick through the garbage by the popcorn stand.
A drunken giant falls asleep beside
the juggler, and the Dog-Faced Boy sneaks off
to join the Serpent Lady for the night.
Wind sweeps ticket stubs along the walk.
The Dead Man loads his coffin on a truck.
Off in a trailer by the parking lot
the radio predicts tomorrow's weather
while a clown stares in a dressing mirror,
takes out a box, and peels away his face.


(Dana Gioia)

*

Bom dia!
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: DIREITOS DE PASSAGEM

Acabei agora de receber a factura da PT. Então não é que me estão a cobrar uma Taxa de 0,25% sobre a incidência dos serviços e telecomunicações fixas dizendo que é TAXA MUNICIPAL DIREITOS DE PASSAGEM. A importância até nem é muita mas entendo que é um abuso
Depois na folha seguinte lá vem a explicação
A Taxa Municipal de Direitos de Passagem (Lei nº 5/2004, de 19/02) é fixada por cada Município e incide sobre os serviços de telecomunicações fixas.O valor cobrado reverte totalmente a favor do Município, estando a PT Comunicações legalmente vinculada a incluir a taxa na factura.
Começo por estranhar que sendo a Lei de 19/2 de 2004 só este mês esta taxa tenha sido cobrada pela 1ª vez sem qualquer informação.
Depois fico sem saber se esta taxa era para a PT pagar ao Município ou apenas está a servir de intermediária de um serviço que o Município não me presta.
Terceiro, pela mesma ordem de idéias, qualquer dia é a EDP a cobrar uma taxa semelhante.
Quarto, uma vez que os postes telefónicos passam em propriedades particulares, poderão os donos desses terrenos solicitarem à Pt ou ao Município uma taxa equivalente de passagem? Por outro lado atendendo a que na frontaria do meu prédio passam várias linhas telefónicas para servir os meus vizinhos, posso eu exigir que me pagam também um direito de passagem por passarem naquilo que é meu?
Então para que serve a Contribuição Autárquica que eu pago anualmente?
Então para que serve a Assinatura Mensal que eu pago à PT ?
Isto é demais.

Fitas Custódio

*

A propósito da TMDP, de referir que a lei 5/2004 é um belo exemplo de inoquidade legislativa, para além de ser um documento profundamente dúbio e mal redigido.
A ideia até é compreensível: responsabilizar a PT (finalmente) pelas suas intervenções no solo (nomeadamente as obras que fazem sem que seja necessária licença, comunicação ou articulação com os Municípios), através de uma taxa a entregar aos Municípios, calculada sobre o valor da sua facturação em cada Concelho.
Vários problemas se levantam: a taxa deve ser acrescida à factura normal (isto é, penalizando os consumidores) ou, antes, calculada sobre a factura, sem que se acresça um cêntimo ao valor da factura? A lei determina que o valor da taxa seja indicado na factura, mas a título de informação ou como item a somar aos valores?
E isto, que é elementar, não fica claro na lei. Daí que sejam imensas as dúvidas dos Municípios a este propósito, sem que alguma instituição (ANACOM, etc) saiba esclarecer o que quer que seja.
O Município onde resido (e trabalho) optou por não determinar qualquer taxa sem que seja cabalmente esclarecido o método de cobrança da TMDP. Mas com isto, o problema de fundo (regular as intervenções de empresas ditas "públicas" nos Concelhos) nem sequer chega a ser frontalmente abordado. Antes se cria uma taxa sem que seja definido concretamente quem a paga. É o Estado que temos.

Rui Coutinho (Paços de Ferreira)

3.6.05
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: PICCOLO DIAVOLO

A ver absolutamente.
 


EARLY MORNING BLOGS 510

Le vierge, le vivace ...


Le vierge, le vivace et le bel aujourd'hui
Va-t-il nous déchirer avec un coup d'aile ivre
Ce lac dur oublié que hante sous le givre
Le transparent glacier des vols qui n'ont pas fui !

Un cygne d'autrefois se souvient que c'est lui
Magnifique mais qui sans espoir se délivre
Pour n'avoir pas chanté la région où vivre
Quand du stérile hiver a resplendi l'ennui.

Tout son col secouera cette blanche agonie
Par l'espace infligée à l'oiseau qui le nie,
Mais non l'horreur du sol où le plumage est pris.

Fantôme qu'à ce lieu son pur éclat assigne,
Il s'immobilise au songe froid de mépris
Que vêt parmi l'exil inutile le Cygne.


(S. Mallarmé)

*

Bom dia!

2.6.05
 


APRENDENDO COM EÇA DE QUEIRÓS

"O jornal estende sobre o mundo as suas duas folhas, salpicadas de preto, como aquelas duas asas com que os iconografistas do século XV representavam a Luxúria ou a Gula: e o mundo todo se arremessa para o jornal, se quer agachar sob as duas asas que o levem à gloríola, lhe espalhem o nome pelo ar sonoro. E é por essa gloríola que os homens se perdem, e as mulheres se aviltam, e os políticos desmancham a ordem do Estado, e os artistas rebolam na extravagância estética, e os sábios alardeiam teorias mirabolantes, e de todos os cantos, em todos os géneros, surge a horda ululante dos charlatães... (Como me vim tornando altiloquente e roncante!... Mas é a verdade, meu Bento! Vê quantos preferem ser injuriados a serem ignorados! (Homenzinhos de letras, poetisas, dentistas, etc.) O próprio mal apetece sofregamente as sete linhas que o maldizem. Para aparecerem no jornal, há assassinos que assassinam. Até o velho instinto da conservação cede ao novo instinto da notoriedade: e existe tal maganão, que ante um funeral convertido em apoteose pela abundância das coroas, dos coches e dos prantos oratórios, lambe os beiços, pensativo, e deseja ser o morto.

Neste Verão, uma manhã, muito cedo, entrei numa taverna de Montmartre a comprar fósforos. Rente ao balcão de zinco, diante de dois copos de vinho branco, um meliante, que pelas ventas chatas, o bigode hirsuto e pendente, o barrete de pele de lontra, parecia (e era) um huno, um sobrevivente das hordas de Alarico, – gritava triunfalmente para outro vadio imberbe e lívido, a quem arremessara um jornal: É verdade, em todas as letras, o meu nome todo! Na segunda coluna, logo em cima, onde diz: «Ontem um infame e ignóbil bandido...» Sou eu! O nome todo! E espalhou lentamente em redor um olhar que triunfava. Eis aí, como agora se diz tão alambicadamente, um «estado de alma»! "
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: AS REVOLUÇÕES NOS CÉUS EM CIMA





esmagam as pequenas turbulências das terras em baixo.

Eta Carinae, uma estrela do Sul, brilhando em glória no meio das convulsões e a Terra vista de Marte. Sim, aquela pequena pinta no canto superior esquerdo. Nós.
 


CONTINUA O DÉFICE DEMOCRÁTICO - O QUE SIGNIFICA O ACORDO DE REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reparem como perante a indiferença geral de quase todos, incluindo a comunicação social habitualmente agressiva nas minudências, mas acomodada face aos “consensos”, na Assembleia da República, PS, PSD e PP, aprovaram um caminho referendário para a Constituição Europeia impregnado de má fé, de desconfiança do voto dos portugueses e de desprezo pelo debate e esclarecimento democrático.

1. Sigo o Público de hoje:

De acordo com o texto final levado à reunião, a que o PÚBLICO teve acesso, passará a existir transitoriamente, o artigo 294-A onde se lê: "1. O disposto no número 3 do artigo 115º não prejudica a possibilidade de convocação e efectivação de referendo sobre a aprovação pela Assembleia da República do tratado que estabelece uma Constituição para a Europa ou de suas alterações. 2. O disposto no número 7 do artigo 115º não prejudica a convocação e efectivação de referendo previsto no número anterior em simultâneo com a realização de eleições gerais para os órgãos de poder local."

Aqui está: “referendo (…) em simultâneo com a realização de eleições gerais para os órgãos de poder local”. Porquê? Ninguém se dá ao trabalho de explicar. O referendo não tem pressa nenhuma, pode ser realizado durante 2006. Se se pretender, com o falso argumento dos custos, fazê-lo em simultâneo, podia ser feito com as eleições presidenciais, muito mais adaptadas a um debate europeu. Mas a razão desta escolha apressada é só uma: fazer um voto de contrabando, sem debate – faltam três meses, sendo que um mês é de férias, o que dá sempre dois meses de silly season – e com participação fictícia, a que se seguirá uma proclamação urbi et orbi dos seus resultados como validando no seu “sim” esmagador tudo: a Constituição, a política europeia dos “consensos”, o bom aluno, tudo.

Não sei porquê mas suspeito que se o "não" começar a crescer nas sondagens portuguesas – e já é um milagre que ele sequer exista neste ambiente de silêncio respeitoso que cá se vive em relação a tudo que venha da União – o entusiasmo com o referendo diminua na razão directa com a diminuição do voto de cruz.
 


AR PURO


Rembrandt
 


A JACTÂNCIA DOS DIRIGENTES EUROPEUS RESPONSÁVEIS POR ESTE PROCESSO CONSTITUCIONAL 2

É interessante ouvir todos os que foram responsáveis pelo processo que levou a esta Constituição e gerou os “nãos” a mostrarem-se agora derrotistas, apocalípticos e pessimistas ao extremo, sugerindo que a Europa está “morta” ou “moribunda”. Não é a Europa, mas a condução política da União de que foram responsáveis que está “moribunda”, é a combinação de puro oportunismo pragmático que não ousa dizer o seu nome, no fundo o verdadeiro egoísmo nacional que bloqueou quase todas as políticas europeias, com a engenharia utópica desligada da realidade com que queriam fugir para a frente. Agora que falhou, – como tinha irremediavelmente que falhar e houve quem o dissesse a tempo – ,confundem-se com a Europa como se não houvesse outros caminhos. Sem eles claro. Sem Chirac, sem Giscard, sem Schröder, sem os mil e um parceiros menores belgas, sem Barroso, sem a burocracia que gasta milhões em propaganda para nos condicionar politicamente a não exercer um controlo democrático eficaz sobre “Bruxelas”.
 


EARLY MORNING BLOGS 509

Beneath Speech



—She lay very still, looking up at the undersides of words.

Pink was pink all the way through, like any organ might be,
plucked from the body and held quiet on a little tray—

Night was a starry dish. One side convex, one side concave.

This must be like winter for fish, she thought,
and all the nouns went seamless as ice and slightly opaque.

If she put out her tongue, she might stay there forever.

In the air, the smell of snow like bits of speech—may I
have a little word?, she wondered, because or so to cover me—


(Mary Ann Samyn)

*

Bom dia!
 


A IDEIA DE UM REFERENDO EUROPEU SIMULTÂNEO

mostra os perigos do actual processo europeu para a igualdade das nações na União. Como é que se contabilizavam os votos? Em termos nacionais ou europeus? Com base na demografia? Se fosse assim então estava verdadeiramente fundado um novo estado europeu, dominado pelos países com maior população. Mesmo que os resultados fossem contabilizados nacionalmente, o efeito da demografia numa opção comum de sim ou não gerariam uma deslegitimação dos resultados nacionais minoritários, que já se verifica em embrião no debate actual quando se argumenta que já “aprovaram” o tratado “tantos” milhões de europeus, esquecendo as especificidades nacionais.

Um referendo simultâneo europeu não pode ser comparado às eleições para o Parlamento Europeu, dada que a variedade das situações políticas nacionais impede um efeito de homogeneidade, embora já se verifique em embrião o efeito demográfico quando se agrupam os votos em termos de “partidos políticos europeus”, o PPE e PSE.
 


A JACTÂNCIA DOS DIRIGENTES EUROPEUS RESPONSÁVEIS POR ESTE PROCESSO CONSTITUCIONAL

Revela-se no beco sem saída em que se colocaram ao nunca verdadeiramente admitirem que pudesse haver “nãos” nos referendos. Nunca lhes passou pela cabeça, e por isso ficaram sem alternativas, que quando um documento é colocado à votação, pode receber dos eleitores um sim ou um não. A sua arrogância e imprevidência, agora sob a forma da cegueira de quererem continuar para a frente como se nada tivesse acontecido, é bem mais perigosa para o futuro da União do que os "nãos" franceses e holandeses.

1.6.05
 


APRENDENDO COM EÇA DE QUEIRÓS

Este é o primeiro pecado, bem negro. Considera agora outro, mais negro. Pelo jornal, e pela reportagem que será a sua função e a sua força, tu desenvolverás, no teu tempo e na tua terra, todos os males da vaidade! A reportagem, bem sei, é uma útil abastecedora da história. Decerto importou saber se era adunco, ou chato o nariz de Cleópatra, pois que do feitio desse nariz dependeram, durante algum tempo, de Filipe a Actium, os destinos do universo. E quantos mais detalhes a esfuracadora bisbilhotice dos repórteres revelar sobre o sr. Renan, e os seus móveis, e a sua roupa branca, tantos mais elementos positivos possuirá o século XX: para reconstruir com segurança a personalidade do autor das «Origens do Cristianismo», e, através dela, compreender a obra. Mas, como a reportagem hoje se exerce, menos sobre os que influem nos negócios do mundo ou nas direcções do pensamento, do que, como diz a Bíblia, sobre toda a «sorte e condições de gente vã», desde os jóqueis até aos assassinos, a sua indiscriminada publicidade concorre pouco para a documentação da história, e muito, prodigiosamente, escandalosamente, para a propagação das vaidades!

O jornal. é com efeito o fole incansável que assopra a vaidade humana, lhe irrita e lhe espalha a chama. De todos os tempos é ela, a vaidade do homem! já sobre ela gemeu o gemebundo Salomão, e por ela se perdeu Alcibíades, talvez o 100 maior dos Gregos. Incontestavelmente, porém, meu Bento, nunca a vaidade foi, como no nosso danado século XIX, o motor ofegante do pensamento e da conduta. Nestes estados de civilização, ruidosos e ocos, tudo deriva da vaidade, tudo tende à vaidade. E a forma nova da vaidade para o civilizado consiste em ter o seu rico nome impresso no jornal, a sua rica pessoa comentada no jornal! «Vir no jornal!» eis hoje a impaciente aspiração e a recompensa suprema! Nos regimes aristocráticos o esforço era obter, se não já o favor, ao menos o sorriso do Príncipe. Nas nossas democracias a ânsia da maioria dos mortais é alcançar em sete linhas o louvor do jornal. Para se conquistarem essas sete linhas benditas, os homens praticam todas as acções – mesmo as boas. Mesmo as boas, meu Bento!

O «nosso generoso amigo Z...» só manda os cem mil réis à creche, para que a gazeta exalte os cem mil réis de Z..., nosso amigo generoso. Nem é mesmo necessário que as sete linhas contenham muito mel e muito incenso: basta que ponham o nome em evidência, bem negro, nessa tinta cujo brilho é mais apetecido que o vê lho nimbo de ouro do tempo das santidades. E não há classe que não ande devorada por esta fome mórbida do reclamo. Ela é tão roedora nos seres de exterioridade e de mundanidade, como naqueles que só pareciam amar na vida, como a sua forma melhor, a quietação e o silêncio...
 


GRANDES CAPAS


De Roberto Araújo, 1937

© José Pacheco Pereira
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