ABRUPTO |
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31.5.05
NOTAS A DESENVOLVER PARA UM ARGUMENTÁRIO DO “NÃO”
Os defensores da Constituição têm que explicar por que razão o que classificam de uma mera simplificação dos tratados se chama uma Constituição. Os defensores da Constituição têm que explicar por que razão aquilo que foi pedido, - uma mera simplificação dos tratados mais uma devolução de poderes aos parlamentos nacionais –, resultou no seu oposto: num tratado muito mais complicado e com menos poderes para os parlamentos nacionais. Os defensores da Constituição têm que explicar para que país é que esta Constituição foi escrita porque a Europa não é um país. Os defensores da Constituição têm que explicar a sua necessidade em geral para a União e a necessidade de várias das suas soluções particulares para resolver problemas para os quais não bastavam os tratados anteriores. Quando se vota na Constituição não se vota só na Constituição. Não é legítimo reduzir um documento político desta dimensão e alcance apenas ao seu texto, ignorando olimpicamente o contexto. O contexto primeiro e depois o texto é o que se deve discutir para decidir o “sim” e o “não”. Sem o contexto o texto é na sua maior parte proclamatório e irrelevante, não acrescenta nada ao que já existe nos tratados anteriores. O que sobra dessa irrelevância é por seu lado relevantíssimo porque introduz lógicas de funcionamento da União que não são neutras em relação ao que existe e definem e consolidam e inovam tendências e formas de funcionamento da União muito diferentes das anteriores. Mas, mesmo a parte do texto irrelevante, colocada no contexto, ganha outro significado. Por isso, não é de aceitar a mera discussão asséptica do texto constitucional sem a sua interpretação política linha a linha com tudo o que tem sido a União e a política dos estados nacionais que mais tem contribuído para o seu modus operandi. É por isso que não há verdadeiramente “questões internas” nacionais que não possam ser chamadas ao debate da Constituição. É aliás assim que tem sido feita a discussão pelos defensores do “sim” que não se coíbem de a discutir na base de uma interpretação contextual (por exemplo a questão do “número de telefone da Europa”), ao mesmo tempo que pretendem obrigar os defensores do “não” a não ir mais longe do que a discussão abstracta do texto, repetindo sempre que “isso” (quase tudo) nada tem a ver com a Constituição. (Continua)
APRENDENDO COM EÇA DE QUEIRÓS
"E quem nos tem enraizado estes hábitos de. desoladora leviandade? O jornal – o jornal, que oferece cada manhã, desde a crónica até aos anúncios, uma massa espumante de juízos ligeiros, improvisados na véspera, à meia-noite, entre o silvar do gás e o fervilhar das chalaças, por excelentes rapazes que rompem pela redacção, agarram uma tira de papel, e, sem tirar mesmo o chapéu, decidem com dois rabiscos da pena sobre todas as coisas da Terra e do Céu. Que se trate de uma revolução do Estado, da solidez de um banco, de uma mágica, ou de um descarrilamento, o rabisco da pena, com um traço, esparrinha e julga. Nenhum estudo, nenhum documento, nenhuma certeza. Ainda este domingo, meu Bento, um alto jornal de Paris, comentando a situação económica e política de Portugal, afirmava, e com um aprumado saber, que «em Lisboa os filhos das mais ilustres famílias da aristocracia se empregam como carregadores da Alfândega, e ao fim de cada mês mandam receber as soldadas pelos seus Lacaios»! Que dizes tu aos herdeiros das casas históricas de Portugal, carregando pipas de azeite no cais da Alfândega, e conservando criados de farda para lhes ir receber o salário? Estas pipas, estes fidalgos, estes lacaios dos carregadores, formam uma deliciosa e quimérica Alfândega que é menos das Mil e Uma Noites, que das Mil e Uma Asneiras. Pois assim o ensinou um jornal considerável, rico, bem provido de enciclopédias, de mapas, de estatísticas, de telefones, de telégrafos, com uma redacção muito erudita, pinguemente remunerada, que conhece a Europa, pertence à Academia das Ciências Morais e Sociais, e legisla no Senado! E tu, Bento, no teu jornal, fornecido também de enciclopédias e de telefones, vais com pena sacudida lançar sobre a França e sobre a China, e sobre o desventuroso universo que se torna assunto e propriedade tua, juízos tão sólidos e comprovados como os que aquela bendita gazeta arquivou definitivamente acerca da nossa Alfândega e da nossa fidalguia..."
UMA NOTA SUPLEMENTAR SOBRE A DISPLICÊNCIA
A displicência é uma das filhas dilectas do relativismo moral e político. Não se pode atacar o relativismo e cultivar a displicência porque isso é pecado. Vem na Bíblia, para os seus cultores apologéticos. É a acedia, a incarnação filosófica da “preguiça”, uma forma de indiferença moral. Dava no ennui para os franceses e no spleen para os britânicos. Aquilo de que fugia o nosso Henrique de Souselas, o que “bocejava” em todo o lado pelo imenso tédio que tudo lhe provocava, e que vai para as terras da Morgadinha. É capaz de ser muita areia para algumas camionetas. Mas também está no Spectator, é preciso é lê-lo a montante e a jusante, para os lados, um bocado mais. Aqui fica, pois, uma verdadeira nota arrogante e para além disso com um plebeísmo – horror! – sobre camionetas e areia.
O MAL DA DISPLICÊNCIA
Se se faz o debate é porque se faz o debate, se não se faz o debate é porque não se faz o debate. Se se faz o debate, nunca é esclarecedor, falta sempre alguma coisa, nunca chegam os argumentos, tudo é mau e triste, todos são brutos e feios e porcos. Ninguém é um gentleman inglês, como nós somos, de manhã, ao espelho. Se se discute nunca é por gosto, ou dedicação a uma ideia ou causa, nunca é para esclarecer ou contraditar ou convencer, nunca é por interesse intelectual, é só para ganhar votos, para ter protagonismo, para servir obscuros interesses, por vaidade ou por ignorância presumida, para ajustar contas, ou qualquer sinistra agenda escondida. Ou se é xenófobo, ou racista, ou populista, ou reaccionário, ou revolucionário, ou torcionário, ou “bushista”, ou “lepenista”, ou fascista, ou comunista, ou partidário da “tripa” versus o “coração”, ou medroso ou ignorante. É-se sempre interessado, interesseiro. Sempre, é-se sempre incoerente em qualquer minudência verbal. Por cima e ao lado, é que se está bem, nem com o sim, nem com o não, sempre à espera de alguém que nos esclareça definitivamente, de algum trabalho alheio que nos ilumine na preguiça, ou pior ainda, já com posição tomada, seja pelo partido, seja pelo grupo, seja pela tribo, seja pela confraria dos cumprimentos mútuos, mas, mantendo a reserva mental e a má fé necessária para castigar o vulgo, e o vulgo são todos aqueles que não são gentlemen ingleses como nós somos, e em particular, essa espécie ainda mais perigosa, daqueles que sabem o que é um gentleman inglês e sabem como nós estamos bem longe de o ser.
APRENDENDO COM EÇA DE QUEIRÓS
"Um inglês, com quem outrora jornadeei pela Ásia, varão douto, colaborador de revistas, sócio de Academias,considerava os franceses todos, desde os senadores até aos varredores, como «porcos e ladrões...». Porquê, meu Bento? Porque em casa de seu sogro houvera um escudeiro, vagamente oriundo de Dijon, que não mudava de colarinho e surripiava os charutos. Este inglês ilustra magistralmente a formação escandalosa das nossas generalizações."
EARLY MORNING BLOGS 508
El instante ¿Dónde estarán los siglos, dónde el sueño de espadas que los tártaros soñaron, dónde los fuertes muros que allanaron, dónde el Arbol de Adán y el otro Leño? El presente está solo. La memoria erige el tiempo. Sucesión y engaño es la rutina del reloj. El año no es menos vano que la vana historia. Entre el alba y la noche hay un abismo de agonías, de luces, de cuidados; el rostro que se mira en los gastados espejos de la noche no es el mismo. El hoy fugaz es tenue y es eterno; otro Cielo no esperes, ni otro Infierno. (Jorge Luis Borges) * Bom dia! 30.5.05
AFINAL HÁ LENDAS URBANAS QUE SÃO VERDADEIRAS 14 SINAIS DA POLÍTICA EM ERAS VIOLENTAS 2 As histórias que estes livros e brochuras contam são todas exemplares da violência que atravessou o século XX. As duas brochuras são propaganda alemã do tempo da guerra editada em português. Uma, é uma resenha do trabalho alemão nos "ersatz", produtos industriais inventados para substituir matérias-primas a que os alemães não tinham acesso durante o conflito. O livro tem no fim uma série de páginas de publicidade comercial de empresas alemãs ligadas a este esforço que incluem a AEG, a Krebs, a gigante química e farmacêutica Merck, a Siemens, as fábricas de vidros de Jena. Entre os produtos-"ersatz" estavam a baquelite, lãs de celulose, borracha sintética, vidro "Plexi", ligas cerâmicas e de alumínio e zinco. A Vida Continua! refere uma história bem mais trágica, até porque data de 1944: as destruições das cidades alemãs no fim da guerra. Na contra-capa interior uma citação de Hitler "as centenas de milhar daqueles que por acção das bombas perderam os seus haveres são a guarda avançada da vingança." O "forçado", uma típica edição anticomunista do início da guerra fria, contendo o "verdadeiro depoimento do cardeal Mindszenty", o cardeal hungaro que foi feito prisioneiro pelos comunistas. A edição portuguesa é de 1949.
APRENDENDO COM EÇA DE QUEIRÓS
"A tua ideia de fundar um jornal é daninha e execrável. Lançando, e em formato rico, com telegramas e crónicas, uma outra «dessas folhas impressas que aparecem todas as manhãs», como diz tão assustada e pudicamente o arcebispo de Paris, tu vais concorrer para que no teu tempo e na tua terra se aligeirem mais os juízos ligeiros, se exacerbe mais a vaidade, e se endureça mais a intolerância. juízos ligeiros, vaidade, intolerância – eis três negros pecados sociais que, moralmente, matam uma sociedade! E tu alegremente te preparas para os atiçar. Inconsciente como uma peste, espalhas sobre is almas a morte. já decerto o Diabo está atirando mais brasa para debaixo da caldeira de pez em que, depois do julgamento, recozerás e ganirás, meu Bento e meu réprobo! Não penses que, moralista amargo, exagero, como qualquer S. João Crisóstomo. Considera antes como foi incontestavelmente a Imprensa, que, com a sua maneira superficial, leviana e atabalhoada de tudo afirmar, de tudo julgar, mais enraizou no nosso tempo o funesto hábito dos juízos ligeiros. Em todos os séculos decerto se improvisaram estouvadamente opiniões: o Grego era inconsiderado e gárrulo, já Moisés, no longo deserto, sofria com o murmurar variável dos Hebreus; mas nunca, como no nosso século apressado, essa improvisação impudente se tornou a operação natural do entendimento. Com excepção de alguns filósofos escravizados pelo método, e de alguns devotos roídos pelo escrúpulo, todos nós hoje nos desabituamos, ou antes nos desembaraçamos alegremente, do penoso trabalho de verificar. É com impressões fluidas que formamos as nossas maciças conclusões. Para julgar em política o facto mais complexo, largamente nos contentamos com um boato, mal escutado a uma esquina, numa manhã de vento. Para apreciar em literatura o livro mais profundo, atulhado de ideias novas, que o amor de extensos anos fortemente encadeou – apenas nos basta folhear aqui e além uma página, através do fumo escurecedor do charuto. Principalmente para condenar, a nossa ligeireza é fulminante. Com que soberana facilidade declaramos «Este é uma besta! Aquele é um maroto!» Para proclamar «É um génio!» ou «É um santo!» oferecemos uma reSistência mais considerada. Mas ainda assim, quando uma boa digestão ou a macia luz de um céu de Maio nos inclinam à benevolência, também concedemos bizarramente, e só com lançar um olhar distraído sobre o eleito, a coroa ou a auréola, e aí empurramos para a popularidade um maganão enfeitado de louros ou nimbado de raios. Assim passamos o nosso bendito dia a estampar rótulos definitivos no dorso dos homens e das coisas. Não há acção individual ou colectiva, personalidade ou obra humana, sobre que não estejamos prontos a promulgar rotundamente uma opinião bojuda. E a opinião tem sempre, e apenas, por base aquele pequenino lado do facto, do homem, da obra, que perpassou num relance ante os nossos olhos escorregadios e fortuitos. Por um gesto julgamos um carácter: por um carácter avaliamos um povo. " OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: UM BRILHOZINHO NOS OLHOS Titã e Rea Todos eles, todos eles, malvados, sedutores, malandros, aturdidos, admirados, impudicos, envergonhados, apanhados, exibicionistas, têm este brilhozinho nos olhos, uma claridade que se mostra, um fragmento de luz, para nos intrigar. COISAS SIMPLES / GRANDES CAPAS
EARLY MORNING BLOG 507
De nada se sabe La luna ignora que es tranquila y clara Y ni siquiera sabe que es la luna; La arena, que es la arena. No habrá una Cosa que sepa que su forma es rara. Las piezas de marfil son tan ajenas Al abstracto ajedrez como la mano Que las rige. Quizá el destino humano De breves dichas y de largas penas Es instrumento de otro. Lo ignoramos; Darle nombre de Dios no nos ayuda. Vanos también son el temor, la duda Y la trunca plegaria que iniciamos. ¿Qué arco habrá arrojado esta saeta que soy? ¿Qué cumbre puede ser la meta? (Jorge Luis Borges) * Bom dia!
ESQUERDA / DIREITA
O referendo francês é mais um exemplo da esterilidade em querer pensar tudo em termos da dicotomia esquerda / direita. Acrescento-o a uma já longa lista de questões, de issues que mostram o esgotamento heurístico do dualismo reducionista.
HÁ QUEM NÃO APRENDA NADA
Esta insistência em “continuar” com a Constituição contra tudo e contra todos, afirmada por Jean-Claude Juncker., Durão Barroso e Freitas do Amaral, mostra a cegueira e a falta de espírito democrático (e na vez dele, espírito burocrático) com que se pretende impor uma solução indesejada. Por um lado, não querem perder a face, por outro, não sabem sair do sarilho em que se meteram. Mas o que mais falta é bom senso, porque qualquer pessoa que pense percebe logo que esta é uma atitude que só aprofundará a crise para que empurraram a Europa. Alguém pensa que sem a França, a Holanda e o Reino Unido, pelo menos, é possível haver uma União Europeia assente nesta Constituição?
TEMOS DIREITO A VOTAR “NÃO” OU NÃO PODEMOS?
Reproduzo aqui o que escrevi há mais de um mês sobre o referendo francês. Não preciso de mudar uma linha. Como os dinamarqueses, os irlandeses e os suecos no passado, os franceses não podem votar “não” em matérias europeias. Como os portugueses num futuro próximo, também lhes vai ser descrito o apocalipse que cairá sobre eles se votarem “não”. A Europa é muito democrática, mas só se lhe pode dizer “sim”, nunca “não”, e os cidadãos dos países europeus tem o nefasto hábito de o fazer ou de então ficar em casa em massa, deixando “sins” mirrados e perplexos. O vilipêndio dos que querem votar “não” começa antes de votarem. O voto “sim” é sempre o iluminado, o progressista, o que aposta no futuro, o dos que não tem medo. O “não” nunca é um “não” ao modo como está a ser construída a Europa, é sempre uma mesquinha soma de pequenos interesses corporativos e nacionais, sempre uma manifestação de vistas curtas da política interna de cada país, sempre menor. Não tenho nenhuma simpatia política e ideológica pelas razões que levam muitos franceses a votar “não” à Constituição europeia porque não querem abrir o seu mercado à competição e à mão-de-obra de serviços mais baratos permitido pela directiva Bolkestein. Os franceses querem sempre “excepções”, na cultura e no “social”. Apoiados por tudo o que é esquerda europeia que entende, e bem, que o “modelo social europeu” assenta na closed shop, mobilizaram-se para combater aquilo que chamam a “deriva neo-liberal” da Europa, personificada no Frankenstein-Bolkestein e no nosso pobre José Manuel Barroso, apanhado no tiro cruzado. Mas não é isso que é democrático, votar sim ou não conforme entendemos que uma lei ou directiva nos atinge e afecta? E não é um sofisma pretender que o voto nobre nos “princípios” da Constituição está “acima” moral e politicamente das políticas que dela decorrem e que ela, com todo o seu upgrade dos poderes burocráticos, potencia? (De A LAGARTIXA E O JACARÉ, na Sábado, Abril 2005) 29.5.05
NADA SERÁ COMO DANTES...
...se se confirmarem os resultados franceses. Está aberto o caminho a repensar-se a União de forma diferente da dos últimos anos, mais democrática, mais solidária, menos ambiciosa e mais prudente. Melhor para todos os europeus, melhor para a Europa. (Continua no SÍTIO DO NÃO.) COISAS COMPLICADAS
Giotto, A expulsão dos demónios de Arezzo
EARLY MORNING BLOGS 506
Le jeune homme et le vieillard De grâce, apprenez-moi comment l'on fait fortune, Demandait à son père un jeune ambitieux. Il est, dit le vieillard, un chemin glorieux, C'est de se rendre utile à la cause commune, De prodiguer ses jours, ses veilles, ses talents, Au service de la patrie. - Oh ! Trop pénible est cette vie, Je veux des moyens moins brillants. - Il en est de plus sûrs, l'intrigue... -elle est trop vile, Sans vice et sans travail je voudrais m'enrichir. - Eh bien ! Sois un simple imbécile, J'en ai vu beaucoup réussir. (Florian) * Bom dia! 28.5.05
GRANDES CAPAS
A FEIRA DO LIVRO NO PORTO
Triste, mais triste, mais baça. Com uma circulação interior pouco fluída, - a saída está escondida -, com uma luz acinzentada, sem alfarrabistas, a única coisa que pode justificar visitar-se mais do que uma Feira do Livro. Isto de não haver alfarrabistas parece-me mais um sinal dos mesquinhos conflitos entre sectores no mercado livreiro, que se esquecem que para chamar o maior número de pessoas às Feiras é preciso diversificar a oferta.Nas bancas, o estado actual da edição portuguesa: pilhas e pilhas de lixo editorial, com capas berrantes e inuendos sexuais, para cobrir literatura light. As poucas coisas boas, na maré do lixo, nem chegam às livrarias pelo também deprimente estado da distribuição e pelas políticas de espaço escasso das próprias livrarias que o dão aos sucessos "leves". Não está brilhante. ª Quanto à Feira do livro em si, concordo com «triste» e concordo com «baça», mas não com «mais triste» e «mais baça», pois mantém o mesmo aspecto há vários anos. É agradável, por outro lado, constatar que há editoras que remam contra a maré, tais como, por exemplo, as Edições Caixotim e a Cavalo de Ferro. Por outro lado, aconteceu algo este ano que me divertiu e que me fez lembrar as minhas idas à Feira do Livro nos anos oitenta. Naquele tempo, encontrava à venda todos os anos um livro chamado «A grande catástrofe de 1983», de Boris Cristoff.
EARLY MORNING BLOGS 505
Le rossignol et le prince Un jeune prince, avec son gouverneur, Se promenait dans un bocage, Et s'ennuyait suivant l'usage ; C'est le profit de la grandeur. Un rossignol chantait sous le feuillage : Le prince l'aperçoit, et le trouve charmant ; Et, comme il était prince, il veut dans le moment L'attraper et le mettre en cage. Mais pour le prendre il fait du bruit, Et l'oiseau fuit. Pourquoi donc, dit alors son altesse en colère, Le plus aimable des oiseaux Se tient-il dans les bois, farouche et solitaire, Tandis que mon palais est rempli de moineaux ? C'est, lui dit le mentor, afin de vous instruire De ce qu'un jour vous devez éprouver : Les sots savent tous se produire ; Le mérite se cache, il faut l'aller trouver. (Florian) * Bom dia! 27.5.05
EARLY MORNING BLOGS 504
La fable et la vérité La vérité, toute nue, Sortit un jour de son puits. Ses attraits par le temps étaient un peu détruits ; Jeune et vieux fuyaient à sa vue. La pauvre vérité restait là morfondue, Sans trouver un asile où pouvoir habiter. à ses yeux vient se présenter La fable, richement vêtue, Portant plumes et diamants, La plupart faux, mais très brillants. Eh ! Vous voilà ! Bon jour, dit-elle : Que faites-vous ici seule sur un chemin ? La vérité répond : vous le voyez, je gèle ; Aux passants je demande en vain De me donner une retraite, Je leur fais peur à tous : hélas ! Je le vois bien, Vieille femme n'obtient plus rien. Vous êtes pourtant ma cadette, Dit la fable, et, sans vanité, Partout je suis fort bien reçue : Mais aussi, dame vérité, Pourquoi vous montrer toute nue ? Cela n'est pas adroit : tenez, arrangeons-nous ; Qu'un même intérêt nous rassemble : Venez sous mon manteau, nous marcherons ensemble. Chez le sage, à cause de vous, Je ne serai point rebutée ; à cause de moi, chez les fous Vous ne serez point maltraitée : Servant, par ce moyen, chacun selon son goût, Grâce à votre raison, et grâce à ma folie, Vous verrez, ma sœur, que partout Nous passerons de compagnie. (Florian) * Bom dia! 26.5.05
A CONSTITUIÇÃO QUE NUNCA TEM NADA A VER COM AS RAZÕES PELAS QUAIS SE LHE DIZ “NÃO”
São estas pequenas coisas, que passam desapercebidas, que manipulam a opinião pública: no noticiário da 2, a pretexto das manifestações dos agricultores e vinhateiros franceses que apelavam ao “não”, a jornalista-locutora diz que o “não” cresce em França “por coisas que nada têm a ver com a Constituição Europeia”, um juízo de valor não uma notícia. “Por coisas que nada têm a ver com a Constituição Europeia”? Esta agora! Então a Constituição não tem a ver com tudo? Então o governo da Europa, as suas políticas e os seus efeitos, nada têm a ver com o texto constitucional? A descrição da Constituição pelos seus defensores oscila, ao sabor das circunstâncias, entre um angelismo absoluto – a Constituição nada tem a ver com a UE tal como ela é de facto, nem com as políticas europeias – ou como um upgrade político salvífico da UE que dará uma nova dimensão a todas as políticas europeias. Não, as “coisas que nada têm a ver com a Constituição Europeia”, não são mesmo nenhumas, todas têm a ver, por muito que isso custe aos que queriam que os europeus votassem no texto de um documento puramente angélico, uma nuvem benfazeja, pairando no mundo jurídico das regras abstractas, escritas pelos Melhores em nome do Bem. (Colocado igualmente no SÍTIO DO NÃO.)
INTENDÊNCIA
Mais entradas na bibliografia dos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO e actualização do SÍTIO DO NÃO. Publicada no Público uma nova versão de OS CINQUENTA MOMENTOS POLÍTICOS MAIS IMPORTANTES DEPOIS DO 25 DE ABRIL de que saiu a 1ª PARTE (1974-1985), com a seguinte nota : "Esta lista teve origem no Abrupto onde conheceu três versões, alteradas e acrescentadas pelos leitores e pelas críticas e sugestões de outros blogues. Nesse sentido, sendo de minha responsabilidade individual, é também uma obra colectiva. No Abrupto sairá, posteriormente à sua publicação no Público, a versão final com a lista das contribuições, e as ligações que o texto do jornal não permite fazer." O que será feito depois da 2ª PARTE. GRANDES CAPAS
EARLY MORNING BLOGS 503
Lines on Retirement, after Reading Lear for Richard Pacholski Avoid storms. And retirement parties. You can’t trust the sweetnesses your friends will offer, when they really want your office, which they’ll redecorate. Beware the still untested pension plan. Keep your keys. Ask for more troops than you think you’ll need. Listen more to fools and less to colleagues. Love your youngest child the most, regardless. Back to storms: dress warm, take a friend, don’t eat the grass, don’t stand near tall trees, and keep the yelling down—the winds won’t listen, and no one will see you in the dark. It’s too hard to hear you over all the thunder. But you’re not Lear, except that we can’t stop you from what you’ve planned to do. In the end, no one leaves the stage in character—we never see the feather, the mirror held to our lips. So don’t wait for skies to crack with sun. Feel the storm’s sweet sting invade you to the skin, the strange, sore comforts of the wind. Embrace your children’s ragged praise and that of friends. Go ahead, take it off, take it all off. Run naked into tempests. Weave flowers into your hair. Bellow at cataracts. If you dare, scream at the gods. Babble as if you thought words could save. Drink rain like cold beer. So much better than making theories. We’d all come with you, laughing, if we could. (David Wright) * Bom dia! 25.5.05
GRANDES CAPAS Grande capa, grande livro necessário para os dias de hoje. Talvez acrescentar "fabricar um blogue", no capítulo da Solarine, insecticidas e espelhos...
INTENDÊNCIA
Actualizados os ESTUDOS SOBRE COMUNISMO e a sua eterna bilbiografia. Actualizado o SÍTIO DO NÃO com mais "nãos" e "sins". Chamo a atenção para este texto O "NÃO" DE MICHEL ONFRAY. Colocado no VERITAS FILIA TEMPORIS o artigo que escrevi há uma semana no Público, agora sem ligações, sobre as manobras do défice ATENÇÃO: OPERAÇÃO DE PROPAGANDA EM CURSO. Ufa, já chega!
EARLY MORNING BLOGS 502
This Is Just To Say I have eaten the plums that were in the icebox and which you were probably saving for breakfast Forgive me they were delicious so sweet and so cold (William Carlos Williams) * Bom dia! * Rui Amaral chamou a atenção para uma tradução no Quartzo, Feldspato & Mica de João Luís Barreto Guimarães e ainda inédita fora da rede. ERA SÓ PARA DIZER Eu comi as ameixas que estavam no frigorifico as quais estavas provavelmente a guardar para o pequeno almoço Perdoa-me estavam deliciosas tão doces e tão frias 24.5.05
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES AR PURO E FUTEBOLÂNDIA Penso que o Abrupto (...) vai gostar de fazer saber ao país que não se vive só de futebol, nestes dias... o João Garcia é um alpinista português que, no passado Sábado, subiu ao 4º cume mais alto do Mundo (Lhotse, 8516m). Foi o primeiro português que pisou o Everest em 1999, facto que lhe deu a notoriedade actual porque sofreu um grave acidente e também porque nele perdeu o seu melhor amigo. Como no passado Sábado tudo correu bem e o João não teve acidente nenhum, foi notícia ontem, no jornal da SIC, durante 2 minutos, e ninguém festejou coisa nenhuma, a não ser a família e os amigos dele! Este homem já subiu seis dos catorze cumes mais altos do Mundo, o que é notável se pensarmos que até hoje apenas doze criaturas foram capazes de o fazer... Quando se vai à lua e a mais uma série de lugares, o que é que isto tem de especial? Estes catorze cumes têm altitudes superiores a oito mil metros, onde a parca oxigenação do cérebro luta com a racionalidade necessária para não cometer nenhum erro. Erros, descuidos ou cálculos imperfeitos pagam-se com a vida! A uma altitude em que é preciso inspirar oito vezes para conseguir dar um passo... é caso para dizer que temos um héroi nacional! Um requinte: quando subiu ao Everest, juntou-se a uma pequena elite de aproximadamente oitenta pessoas que o conseguiram fazer sem recurso a oxigénio artificial, entre os aproximadamente 2 milhares de pessoas que já lá foram. (...) Nunca terei seguramente capacidade para entender o que é que motiva o João a desafiar a morte repetidamente, mas fico orgulhosa por saber que há um homem que leva Portugal ao topo do Mundo, a troco de algo que só ele entende. Acredito que o caro JPP também esteja orgulhoso do João Garcia, um herói nacional genuíno, só comparável aos nossos navegadores quinhentistas... que, por ares não antes respirados e mais do que permite a força humana, em lugares remotos conseguiu marcar, a presença do grande Portugal! Portugal queixa-se de tudo. Depois comemora tudo. E volta tudo ao habitual queixume.... O João não é comemorado, mas não se queixa. E volta a planear a nova subida, para levar Portugal ao tecto do Mundo. Mais factos e opiniões no site do jornal Público e no blogue que alguns amigos dele iniciaram há uns dias, para lhe dar leitura de cabeçeira quando ele chegar ao aeroporto da Portela e, mais uma vez, ser um notável desconhecido! (Sofia Pereira) OS LIVROS DA SÁBADO A DIOGNETO Em 1436, Tomaz de Arezzo, um monge italiano que estava a estudar grego em Bizâncio, comprou peixe num mercado. Bizâncio estava nos seus últimos anos “gregos” antes de ser ocupada pelo sultão e os seus turcos. Quando chegou a casa verificou que o embrulho do peixe era um manuscrito muito antigo que ele não conhecia. Voltou a correr para o mercado e comprou as folhas que sobravam e se destinavam a embrulhar mais peixe. Tinha recuperado uma compilação de obras atribuídas a S. Justino, um filosofo do século II que se tinha convertido à nova religião e se tornara no primeiro apologista do cristianismo. Entre elas vinha uma que era completamente desconhecida e de autor anónimo, uma carta a um tal Diogneto, um pagão culto e curioso que mostrava interesse em saber: “Qual é esse Deus no qual confiam e como o veneram, para que todos eles desdenhem o mundo, desprezem a morte, e não considerem os deuses que os gregos reconhecem, nem observem a crença dos judeus; que tipo de amor é esse que eles têm uns para com os outros; e, finalmente, por que esta nova estirpe ou género de vida apareceu agora e não antes. “ O anónimo apologista começa assim a resposta: “Aprovo este teu desejo e peço a Deus, o qual preside tanto o nosso falar como o nosso ouvir, que me conceda dizer de tal modo que, ao escutar, te tornes melhor; e assim, ao escutares, não se arrependa aquele que falou.” (*) A livraria Alcalá, que tem uma notável colecção de documentos cristãos primitivos, publicou o breve texto do século II numa edição bilingue anotada e comentada por Isidro Pereira Lamelas. Não se assustem com o carácter erudito da edição, porque vale a pena mergulharem na voz original do cristianismo, quando ela era ainda fresca e pura e “falava”, por cima das diferenças, com um pagão de boa vontade e crente nos seus deuses. Em poucos textos como este se percebe a força e o impacto que a nova religião, vinda do judaísmo, teve no mundo clássico greco-latino. (*) Uso uma tradução diferente porque no momento em que escrevo não tenho o “meu” Diogneto ao lado. 23.5.05
OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: OS ANÉIS VISTOS COM OUTROS OLHOS
Cada vez olhando melhor, de mais perto e com outra luz.
FUTEBOLÂNDIA
Estamos assim, pobretes mas alegretes. Arruaceiros e épicos. A televisão pública dá o exemplo: depois de vinte minutos de não-notícia (a parte informativa do futebol não dava num país civilizado mais de dois ou três minutos), lá se lembrou que havia uma coisa chamada défice. Inebriados pela habituação, os telespectadores devem ter ido a correr para a SIC e a TVI. A TVI titulava a "Festa dos Heróis" e ao lado a palavra "balneário". Os "heróis", já não me lembra o que significava esta palavra antes da instauração do regime da Futebolândia, eram uns homens em trajos menores aos saltos e muita intimidade corporal. A SIC passou a falar do défice dez minutos depois, a TVI ainda estava aos saltos. * Hoje de manhã, quando vinha trabalhar – a ouvir o rádio do carro, como habitualmente - dei por mim a matutar nas duas grandes notícias, o défice e a bola. AR PURO
John Ruskin, Cascade de la folie
EARLY MORNING BLOGS 501
Break of Day Stay, O sweet, and do not rise ; The light that shines comes from thine eyes ; The day breaks not, it is my heart, Because that you and I must part. Stay, or else my joys will die, And perish in their infancy. (John Donne) * Bom dia! 22.5.05
PORTUGAL,O REINO DA FUTEBOLÂNDIA
(Em directo na TVI) Com a delicadeza de estilo, respeito cívico, espírito desportivo, bons costumes, e fino linguajar que o caracteriza.
POR QUE RAZÃO OS GOVERNANTES E A INTELLIGENTSIA FRANCESA SE DÃO MAL COM O GOOGLE
No Le Monde de hoje mais uma evidente explicação das razões porque as consultas de endereços no Google fornecem tão poucos resultados franceses. Se eu procurar um blogue, um software (logiciel na terminologia da Commission générale de terminologie et de néologie) para blogues, procuro em blog, weblog, blogue ou "bloc-notes"? Ne dites plus jamais blog mais bloc-notes Ne dites plus jamais blog ! La Commission générale de terminologie et de néologie a publié au Journal officiel du 20 mai un avis établissant une liste de termes et d'expressions destinés à supplanter les anglicismes sur Internet. Ainsi, "bloc-notes", que l'on pourra accepter sous sa forme abrégée "bloc", désignera "un site sur la Toile, souvent personnel, présentant en ordre chronologique de courts articles ou notes, généralement accompagnés de liens vers d'autres sites", soit un blog. D'autres expressions anglo-saxonnes familières aux internautes ont désormais leur équivalent en français. La commission propose de traduire un "hoax" (une fausse information) par un "canular". Le "worm", ce logiciel malicieux qui se transmet par le Réseau et perturbe le fonctionnement des systèmes, devient logiquement un "ver". Quant au "splash screen", qui s'affiche à l'écran pendant le chargement d'un fichier, d'un programme ou d'un logiciel, il faudra dorénavant dire "fenêtre d'attente".
EARLY MORNING BLOGS 500
Perdre le Midi quotidien Perdre le Midi quotidien ; traverser des cours, des arches, des ponts ; tenter les chemins bifurqués ; m'essouffler aux marches, aux rampes, aux escalades ; Éviter la stèle précise ; contourner les murs usuels ; trébucher ingénument parmi ces rochers factices ; sauter ce ravin ; m'attarder en ce jardin ; revenir parfois en arrière, Et par un lacis réversible égarer enfin le quadruple sens des Points du Ciel. * Tout cela, – amis, parents, familiers et femmes, – tout cela, pour tromper aussi vos chères poursuites ; pour oublier quel coin de l'horizon carré vous recèle, Quel sentier vous ramène, quelle amitié vous guide, quelles bontés menacent, quels transports vont éclater. * Mais, perçant la porte en forme de cercle parfait ; débouchant ailleurs : (au beau milieu du lac en forme de cercle parfait, cet abri fermé, circulaire, au beau milieu du lac, et de tout,) Tout confondre, de l'orient d'amour à l'occident héroïque, du midi face au Prince au nord trop amical, – pour atteindre l'autre, le cinquième, centre et Milieu. Qui est moi. (Victor Segalen) * Bom dia! 21.5.05
A VER / LER
A Cidade Surpreendente, um blogue surpreendente com as cores do Porto e só lá no Alto se sabe como são difíceis de ver e mostrar. Uma serpente negra na Astronomy Picture of the Day.
MORREU PAUL RICOEUR
para que se recorde, agora que entrou para a "memória" que tão bem compreendeu. A ler o artigo sobre Ricoeur na Stanford Encyclopedia of Philosophy. AFINAL HÁ LENDAS URBANAS QUE SÃO VERDADEIRAS 13 SINAIS DA POLÍTICA EM ERAS VIOLENTAS Polícia Portuguesa era a revista oficial da PSP e, como a capa com os velhos sinaleiros de cabeça de giz (tempus edax rerum, mais uma vez) mostra, uma típica revista corporativa do Estado Novo. Este número tem no entanto um reclame da Mercedes que me recordou um velho conhecido meu e de muitos manifestantes antes do 25 de Abril, o carro de água. Antes do 25 de Abril, o carro de água era a menos assustadora realidade do vendaval repressivo que era atirado para cima dos manifestantes. As manifestações duravam meia dúzia de minutos e pouco mais eram do que ajuntamentos breves. Logo a seguir, vinha a polícia de choque a bater, nalguns casos com cães, depois a PIDE fazia prisões selectivas, e por fim o carro da água varria o que sobrava nos passeios. Os passeios eram um elemento fundamental nas manifestações porque era o engrossar dos ajuntamentos nos passeios que era preliminar ao breve acto de ir para o meio da rua. Para além disso, muita gente que não queria arriscar-se a manifestar, mas entendia que lá devia estar, andava lentamente pelos passeios. Uma última nota sobre o carro de água: eu e mais gente íamos para as manifestações com o "traje" apropriado, ou seja, roupa que se podia estragar. A polícia misturava tinta azul ou azul de metileno na água do carro com o duplo objectivo punitivo de sujar a roupa com uma tinta resistente à lavagem e identificar os manifestantes.
EARLY MORNING BLOGS 499
EL ESCUCHADOR (GUSTAVO ADOLFO BÉCQUER) Mueve el viento. Mueve el velo quedo. Mueve el aire. Mueve el arce. Vase. Luz sin habla. Voz callada. Clara. Sombra justa. Suena muda. Luna. Y él la escucha. (Vicente Aleixandre) * Bom dia! 20.5.05
OS LIVROS DA SÁBADO GOSTAR DE PORTUGAL Gostar de Portugal de uma forma escorreita, escrever sobre Portugal de muito próximo, ter de Portugal uma intimidade feita de andar a pé pelas suas terras, observar, desenhar, anotar foi o que fez durante a sua vida Fernando Galhano. O livro Páginas de Cultura e Arte, antologia dos artigos e desenhos publicados no Comércio do Porto nos anos sessenta e editados pela Caixotim, é um excelente retrato desse gosto, tão raro entre nós. O que impressiona nos textos e desenhos de Fernando Galhano é a sua elegância e leveza estética, o fluir do olhar com rigor sobre coisas que já não iremos mais ver: uma rapariga a moer o cereal para preparar umas papas numa aldeia serrana, uma cozinha rural, uma trovoada no rio Douro, um rio que quem o conhece tem medo dele, fragmentos de um Portugal que é hoje o “país estrangeiro” do nosso passado. Galhano fazia parte de um pequeno grupo de portugueses que transformaram esse gosto em estudo, em literatura e arte, e que sem eles, não existiria para nós. O salazarismo pretendeu apropriar-se desta movimento de recolha das coisas pátrias para o elevar a uma apologia do mundo rural e marítimo, que pouco mais era do que uma apologia da pobreza. Mas esta geração de homens – Ernesto Veiga de Oliveira, Benjamim Pereira, Jorge Dias, Orlando Ribeiro, a equipa de Keil do Amaral coligiu a Arquitectura Popular Portuguesa, Lopes Graça e Giacometti, e alguns outros - sobreviveu a essa apropriação ideológica do seu trabalho. Politicamente eram muito diferentes, havia comunistas e gente próxima do regime salazarista, mas olhavam para Portugal de uma forma que podemos reconhecer não só como nossa, mas também como nos fazendo falta hoje, quando a destruição acelerada da paisagem e do habitat já está em grande parte consumada. Um Portugal que já estava a acabar no seu tempo foi assim salvo in extremis para a nossa memória. Eles ouviram por nós os últimos velhos que ainda cantavam uma última canção tradicional antes da rádio e televisão impregnarem os ouvidos, fotografaram as velhas casas, palheiros e espigueiros, os utensílios de trabalho, recolheram as lendas, os provérbios, as práticas culturais e de trabalho de lavradores, pastores e pescadores, caminharam por caminhos que nós, criminosamente, estamos a fazer com que vão dar a parte nenhuma. * Escrevo-lhe para retificar um nome saído neste seu post, a saber, Benjamim Pereira era e é, por que está vivo e de boa saúde, um etnógrafo do famigerado e brilhante grupo de Jorge Dias, e não Benjamim Ribeiro, como consta.[corrigido] Recomendo o livro Etnografias Portuguesas (1870-1970). Cultura Popular e Identidade Nacional de João Leal publicado na colecção da Dom Quixote, Portugal de Perto, que aborda o trabalho deste grupo de etnógrafos bem como o tema da arquitectura desde Raul Lino ao trabalho de Keil do Amaral, entre outros assuntos. (Sérgio Alves) AFINAL HÁ LENDAS URBANAS QUE SÃO VERDADEIRAS 12 QUANDO O MUNDO TINHA ORDEM E OS MAUS ERAM MESMO MAUS Numa altura em que mais umas toneladas chegam (uma e meia presumo), estas capas de livros de "maus".
EARLY MORNING BLOGS 498
Why It Often Rains in the Movies Because so much consequential thinking happens in the rain. A steady mist to recall departures, a bitter downpour for betrayal. As if the first thing a man wants to do when he learns his wife is sleeping with his best friend, and has been for years, the very first thing is not to make a drink, and drink it, and make another, but to walk outside into bad weather. It's true that the way we look doesn't always reveal our feelings. Which is a problem for the movies. And why somebody has to smash a mirror, for example, to show he's angry and full of self-hate, whereas actual people rarely do this. And rarely sit on benches in the pouring rain to weep. Is he wondering why he didn't see it long ago? Is he wondering if in fact he did, and lied to himself? And perhaps she also saw the many ways he'd allowed himself to be deceived. In this city it will rain all night. So the three of them return to their houses, and the wife and her lover go upstairs to bed while the husband takes a small black pistol from a drawer, turns it over in his hands, then puts it back. Thus demonstrating his inability to respond to passion with passion. But we don't want him to shoot his wife, or his friend, or himself. And we've begun to suspect that none of this is going to work out, that we'll leave the theater feeling vaguely cheated, just as the movie, turning away from the husband's sorrow, leaves him to be a man who must continue, day after day, to walk outside into the rain, outside and back again, since now there can be nowhere in this world for him to rest. (Lawrence Raab) * Bom dia! 19.5.05
CONTRA O VOTO "BOM" E O VOTO "MAU"
Os votos num referendo, no caso que agora nos interessa no referendo europeu, são necessariamente transversais. Admito que as decisões partidárias a favor do “sim” afectem muitos militantes e eleitores e que estes votem em concordância. É aliás para potenciar este efeito que se escolheu fazer o referendo europeu acoplado às eleições autárquicas que desfavorecem o debate, e não nas presidenciais que o potenciavam. Mas há muito voto solto e livre e muita gente votará apenas pelas razões do “sim” e do “não”. Os partidários do “sim” têm sistematicamente desvalorizado aquilo que consideram só existir do lado do “não”: uma convergência de votações por motivos muito diversos, alguns que parecem pouco recomendáveis. Mas esta chantagem política que atribui ao “sim” uma limpidez política e moral superior ao “não” tem que ser liminarmente recusada. O voto “sim” como o voto “não” tem clarezas e ambiguidades, mas depois do debate, se houver debate contra o falso consenso, os votos valem o mesmo. O meu voto “não” misturar-se-á com outros “nãos” diferentes dos meus, alguns dos quais são por razões que recuso. Eu pessoalmente não me reconheço nas razões do PCP e do BE para votarem não, nem nas de grupos nacionalistas da direita radical para votarem no mesmo sentido. Entendo que o debate deve ter outras componentes e outros intervenientes e não ficar preso aos dilemas da visão “social” de comunistas e bloquistas e do soberanismo extremado dos nacionalistas. Mas isso não me condiciona, nem me impede de discutir todas as razões com todos, desde que sejam dados argumentos e não imprecações. Se desejo que um número significativo de “nãos” se expresse eu aceito o princípio básico que em democracia e nas urnas os votos são exactamente iguais e exactamente oriundos do mesmo acto de liberdade. E mais: darão um sinal político mais inequívoco do que as razões que os justificaram a montante e a jusante – e esse sinal é que assim, com esta Constituição, toda a agenda que gravita à sua volta, e as suas consequências, não se constrói uma Europa de paz, progresso material e liberdade. O “sim” não garante que assim seja, o “não” ajuda a que se volte para trás da insensatez imprudente dos últimos anos e se faça melhor e diferente. (Nota colocada também no SÍTIO DO NÃO.)
EARLY MORNING BLOGS 497
WHEN HALF THE TIME THEY DON'T KNOW THEMSELVES... Old cathedrals, old markets, good and firm things And old streets, one always feels intercepted As they walk quickly past, no nonsense, cabbages And turnips, the way they get put into songs: One needn't feel offended Or shut out just because the slow purpose Under it is evident, Because someone is simply there. Yet it's a relief to look up To the moist, imprecise sky, Thrashing about in loneliness, Inconsolable... There has to be a heart to this. The words are there already. Just because the river looks like it's flowing backwards Doesn't mean that motion doesn't mean something, That it's incorrect as a metaphor. And the way stones sink, So gracefully, Doesn't rob them of the dignity Of their cantankerous gravity. They are what they are and what they seem. Maybe our not getting closer to them Puts some kind of shine on us We didn't consent to, As though we were someone's car: Large, animated, calm. (John Ashbery) * Bom dia! 18.5.05
ESTÁ NA HORA DE ORGANIZAR O MOVIMENTO DO “NÃO” 2
Há um conjunto de blogues e de co-autores de blogues que são a favor do “não” à Constituição Europeia. Não têm as mesmas razões, nem os mesmos argumentos, mas o movimento do “não” tem que ser agregador, não sectário e ter fronteiras largas. A sugestão que faço é criar-se um blogue do “não” para que todos contribuam começando um debate organizado, mesmo que o façam duplicando aí as notas que originalmente publicam nos seus sítios. Para facilitar criei um blogue SÍTIO DO NÃO como sugestão. Não posso, no entanto, garantir aí mais do que colaboração, nunca a gestão solitária do sítio para que não tenho disponibilidade de tempo. Entregarei a casa e as chaves a quem queira seriamente tratar do assunto, ou encerrá-lo-ei caso apareça melhor iniciativa com o mesmo fim.
ESTÁ NA HORA DE ORGANIZAR O MOVIMENTO DO “NÃO”
Todos aqueles que querem votar “não” e não se revêem no “não” do PCP e do BE à Constituição Europeia, de que estão à espera para organizar um movimento que explique as suas razões aos portugueses? Ou o derrotismo face à gigantesca coligação do “sim”, com todos os partidos e todos os meios, já impera? Os partidários do “sim” usam toda a sua força institucional. O Presidente da República já anda em campanha pelo “sim” nas escolas, mostrando que nesta matéria não se importa de ser presidente só de uma parte dos portugueses. Sócrates, Vitorino, Cavaco, Marcelo, Marques Mendes e Portas virão defender o “sim”. O dinheiro da Comissão e do Parlamento Europeu já flui para encartes, artigos, panfletos e colóquios com os pódios ou as audiências cuidadosamente equilibrados para se parecer que se debate, quando não se debate, ou, quando se debate, não haver exposição pública dos argumentos do “não”. Está na hora de se exigir à rádio e à televisão públicas um acesso igual aos defensores do "sim" e do "não", como é suposto numa democracia. Senão tudo será, como já é, prudente, sottovoce, regrado e controlado para que o “sim” ganhe pela porta de trás, sub-reptício, a reboque de umas eleições autárquicas em que, está-se mesmo a ver, a questão europeia vai ser muito discutida. Está pois na altura de criar um movimento, um fórum de debate público, um ajuntamento, seja lá o que for, para explicar porque razão se deve pensar duas vezes antes de assinar de cruz um tratado cujas implicações podem ser trágicas para quem deseja uma Europa unida mas uma Europa de nações e não uma híbrida construção transnacional, pouco democrática, subordinada a um directório franco-alemão e a uma burocracia internacional que funciona, como todas as burocracias, para aumentar o seu poder.
EARLY MORNING BLOGS 496
anyone lived in a pretty how town anyone lived in a pretty how town (with up so floating many bells down) spring summer autumn winter he sang his didn't he danced his did Women and men(both little and small) cared for anyone not at all they sowed their isn't they reaped their same sun moon stars rain children guessed(but only a few and down they forgot as up they grew autumn winter spring summer) that noone loved him more by more when by now and tree by leaf she laughed his joy she cried his grief bird by snow and stir by still anyone's any was all to her someones married their everyones laughed their cryings and did their dance (sleep wake hope and then)they said their nevers they slept their dream stars rain sun moon (and only the snow can begin to explain how children are apt to forget to remember with up so floating many bells down) one day anyone died i guess (and noone stooped to kiss his face) busy folk buried them side by side little by little and was by was all by all and deep by deep and more by more they dream their sleep noone and anyone earth by april wish by spirit and if by yes. Women and men(both dong and ding) summer autumn winter spring reaped their sowing and went their came sun moon stars rain (e.e.cummings) * Bom dia! POBRE PAÍS , O NOSSO COMEÇOU A FESTA Já se começou a perceber como o governo Sócrates vai actuar: está em curso uma operação de propaganda e condicionamento a propósito do número do défice, destinada a abrir caminho a medidas que não tocam no essencial da despesa pública aumentando mais uma vez a carga fiscal; tomou-se mais uma medida típica do nosso mundo de redomas proteccionistas selectivas, a inspecção às lojas chinesas (quantos restaurantes portugueses ficariam abertos se houvesse uma massiva inspecção sanitária?); e avançou-se com uma medida perigosa, a nacionalização de parte de uma empresa estrangeira, oferecendo ao estado uma fábrica de comboios, enviando um preocupante sinal aos investidores estrangeiros e abrindo uma nova frente de despesismo. Começou a festa, o mau governo. 17.5.05
AR PURO
Galáxia M51 fotografada pelo telescópio espacial Hubble. Para perder a respiração, mesmo com o ar puro, ver aqui em todo o ESPLENDOR,
EARLY MORNING BLOGS 495
Meaningful Love What the bad news was became apparent too late for us to do anything good about it. I was offered no urgent dreaming, didn't need a name or anything. Everything was taken care of. In the medium-size city of my awareness voles are building colossi. The blue room is over there. He put out no feelers. The day was all as one to him. Some days he never leaves his room and those are the best days, by far. There were morose gardens farther down the slope, anthills that looked like they belonged there. The sausages were undercooked, the wine too cold, the bread molten. Who said to bring sweaters? The climate's not that dependable. The Atlantic crawled slowly to the left pinning a message on the unbound golden hair of sleeping maidens, a ruse for next time, where fire and water are rampant in the streets, the gate closed—no visitors today or any evident heartbeat. I got rid of the book of fairy tales, pawned my old car, bought a ticket to the funhouse, found myself back here at six o'clock, pondering "possible side effects." There was no harm in loving then, no certain good either. But love was loving servants or bosses. No straight road issuing from it. Leaves around the door are penciled losses. Twenty years to fix it. Asters bloom one way or another. (John Ashbery) * Bom dia! 16.5.05
OS LIVROS DA SÁBADO O CAMINHO DA “CAMINHO” Quem gosta de livros sabe que a Caminho é uma das melhores editoras portuguesas. Ligada ao PCP, funcionando no seu início como braço civil das Edições Avante!, publicando para os agnósticos e os incréus mais daquilo que a casa mãe publicava para os fiéis, a Caminho nem por isso deixou de “caminhar” para aquilo que é hoje: não apenas uma boa editora, mas uma excelente editora. Dominante em muitas áreas da edição, como o livro infantil e juvenil, a Caminho iniciou uma variante portuguesa de livros de arte muito semelhante no formato e ilustração a uma idêntica colecção da Taschen, numa série dirigida por Bernardo Pinto de Almeida e Armando Alves. Na colecção saíram já três volumes, sobre Almada, António Carneiro e Alvarez, e como os dois últimos são menos conhecidos do grande público, podem e devem funcionar como descobertas para um Portugal desconhecido. Veja-se, como aperitivo ao mundo genial de Alvarez, o moinho da capa do seu livro. É verdade que Alvarez era meio galego e que aquela paisagem não é portuguesa, mas basta para se perceber como o mundo icónico da pintura fica mais complexo se lhe somarmos coisas como este moinho ou o “Nocturno de Leça” de António Carneiro. Vale a pena. (Entretanto saíram mais volumes.) FORMAS DE SENSIBILIDADE ANTIGAS
AMOR FILIAL AFINAL HÁ LENDAS URBANAS QUE SÃO VERDADEIRAS 10 DO CAOS PARA A ORDEM O PROGRESSO AVANÇA! Ordem e progresso. Livros deitados para se acamarem, amansarem, disciplinarem. Depois serão colocados em pé, pressionados uns contra os outros, numa gaiola em forma de estante, para se socializarem pelo convívio próximo. Estes ainda não se socializam vendo televisão, embora haja lá uma Escrava Isaura, e várias Gabrielas, 007s , E Tudo o Vento Levou. Quem é que disse que uma biblioteca (pública, a Widener acho eu ) respirava de dia e inspirava de noite, com os livros a sairem da estante e a serem devolvidos como o moléculas de ar? Não sei. Esta para já só respira pó.
EARLY MORNING BLOGS 494
UNE TÊTE SORT DU MUR J'ai l'habitude, le soir, bien avant d'y être poussé par la fatigue, d'éteindre la lumière. Après quelques minutes d'hésitation et de surprise, pendant lesquelles J'espère peut-être pouvoir m'adresser à un être, ou qu'un être viendra à moi, je vois une tête énorme de près de deux mètres de surface qui, aussitôt formée, fonce sur les obstacles qui la séparent du grand air. D'entre les débris du mur troué par sa force, elle apparaît à l'extérieur (je la sens plus que je ne la vois) toute blessée elle-même et portant les traces d'un douloureux effort. Elle vient avec l'obscurité, régulièrement depuis des mois. Si je comprends bien, c'est ma solitude qui à présent me pèse, dont j'aspire subconsciemment à sortir, sans savoir encore comment, et que J'exprime de la sorte, y trouvant, surtout au plus fort des coups, une grande satisfaction. Cette tête vit, naturellement. Elle possède sa vie. Elle se jette ainsi des milliers de fois à travers plafonds et fenêtres, à toute vitesse et avec l'obstination d'une bielle. Pauvre tête ! Mais pour sortir vraiment de la solitude on doit être moins violent, moins énervé, et ne pas avoir une âme à se contenter d'un spectacle. Parfois, non seulement elle, mais moi-même, avec un corps fluide et dur que je me sens, bien différent du mien, infiniment plus mobile, souple et inattaquable, je fonce à mon tour avec impétuosité et sans répit, sur portes et murs. J'adore me lancer de plein fouet sur l'armoire à glace. Je frappe, je frappe, je frappe, j'éventre, j'ai des satisfactions surhumaines, je dépasse sans effort la rage et l'élan des grands carnivores et des oiseaux de proie, J'ai un emportement audelà des comparaisons. Ensuite, pourtant, à la réflexion, je suis bien surpris, je suis de plus en plus surpris qu'après tant de coups, l'armoire à glace ne se soit pas encore fêlée, que le bois n'ait pas eu même un grincement. (Henri Michaux) * Bom dia! 15.5.05
MAIS CAPAS DE TRIER PARA LIVROS DE KASTNER (O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES) (Enviadas por monika kietzmann.)
EARLY MORNING BLOGS 493
Porch Swing in September The porch swing hangs fixed in a morning sun that bleaches its gray slats, its flowered cushion whose flowers have faded, like those of summer, and a small brown spider has hung out her web on a line between porch post and chain so that no one may swing without breaking it. She is saying it’s time that the swinging were done with, time that the creaking and pinging and popping that sang through the ceiling were past, time now for the soft vibrations of moths, the wasp tapping each board for an entrance, the cool dewdrops to brush from her work every morning, one world at a time. (Ted Koose) * Bom dia! 14.5.05
INTENDÊNCIA
Continua a ser completada a bibliografia dos ESTUDOS SOBRE COMUNISMO. Actualizada a nota GRANDES NOMES. AFINAL HÁ LENDAS URBANAS QUE SÃO VERDADEIRAS 9
VULCANOLOGIA EMÍLIO NUM QUADRO DE CHIRICO Esta belíssima capa de Walter Trier, que veio com a edição alemã, tem um ambiente que parece o dos quadros de Chirico. Que se entendesse que dava uma capa apelativa para um livro de literatura juvenil diz alguma coisa sobre a qualidade das edições da época. A edição portuguesa é de 1932. Trier era um convicto opositor de Hitler que saiu da Alemanha e emigrou para Inglaterra, onde trabalhou como desenhador e participou na propaganda anti-nazi. Foi depois para os EUA e para o Canadá. Walt Disney convidou-o a fazer desenhos animados, mas ele recusou. Hoje está quase esquecido. UM LIVRO REALMENTE ÚTIL Na capa dá-se o melhor exemplo: "Rende-te! Rends-toi! Do you render! Bendieren Sie sich! (Rendiren Zi zixe!)". Mesmo assim, com este arremedo de transcrição fonética para o alemão. Estamos a ver o nosso soldadinho da I Guerra na Flandres a berrar ao boche "Rendiren Zi zixe!" e ele a obedecer. UM SALGARI VINTAGE Edição de 1938. HOMENS: UM CRIMINOSO, UM INOCENTE, E UM CONDENADO Não sei se o 411 estava inocente, nem onde é que o Adolfo Coelho, uma espécie de jornalista do Crime da época, foi buscar o boxeur ou o cadastrado que posa com a metralhadora, mas como se vê as queixas contra a justiça são já antigas e produzem abundante literatura. COISAS COMPLICADAS Ícone russo do século XIV 1 Sucedeu que, quando o SENHOR estava para elevar a Elias num redemoinho ao céu, Elias partiu de Gilgal com Eliseu. 2 E disse Elias a Eliseu: Fica-te aqui, porque o SENHOR me enviou a Betel. Porém Eliseu disse: Vive o SENHOR, e vive a tua alma, que não te deixarei. E assim foram a Betel. 3 Então os filhos dos profetas que estavam em Betel saíram ao encontro de Eliseu, e lhe disseram: Sabes que o SENHOR hoje tomará o teu senhor por sobre a tua cabeça? E ele disse: Também eu bem o sei; calai-vos. 4 E Elias lhe disse: Eliseu, fica-te aqui, porque o SENHOR me enviou a Jericó. Porém ele disse: Vive o SENHOR, e vive a tua alma, que não te deixarei. E assim foram a Jericó. 5 Então os filhos dos profetas que estavam em Jericó se chegaram a Eliseu, e lhe disseram: Sabes que o SENHOR hoje tomará o teu senhor por sobre a tua cabeça? E ele disse: Também eu bem o sei; calai-vos. 6 E Elias disse: Fica-te aqui, porque o SENHOR me enviou ao Jordão. Mas ele disse: Vive o SENHOR, e vive a tua alma, que não te deixarei. E assim ambos foram juntos. 7 E foram cinquenta homens dos filhos dos profetas, e pararam defronte deles, de longe: e assim ambos pararam junto ao Jordão. 8 Então Elias tomou a sua capa e a dobrou, e feriu as águas, as quais se dividiram para os dois lados; e passaram ambos em seco. 9 Sucedeu que, havendo eles passado, Elias disse a Eliseu: Pede-me o que queres que te faça, antes que seja tomado de ti. E disse Eliseu: Peço-te que haja porção dobrada de teu espírito sobre mim. 10 E disse: Coisa difícil pediste; se me vires quando for tomado de ti, assim se te fará, porém, se não, não se fará. 11 E sucedeu que, indo eles andando e falando, eis que um carro de fogo, com cavalos de fogo, os separou um do outro; e Elias subiu ao céu num redemoinho. 12 O que vendo Eliseu, clamou: Meu pai, meu pai, carros de Israel, e seus cavaleiros! E nunca mais o viu; e, pegando as suas vestes, rasgou-as em duas partes. 13 Também levantou a capa de Elias, que dele caíra; e, voltando-se, parou à margem do Jordão. 14 E tomou a capa de Elias, que dele caíra, e feriu as águas, e disse: Onde está o SENHOR Deus de Elias? Quando feriu as águas elas se dividiram de um ao outro lado; e Eliseu passou. 15 Vendo-o, pois, os filhos dos profetas que estavam defronte em Jericó, disseram: O espírito de Elias repousa sobre Eliseu. E vieram-lhe ao encontro, e se prostraram diante dele em terra. (Biblía, Reis, Cap.2) GRANDES NOMES: O DIREITO DO MAIS FORTE À LIBERDADE / O MEDO CORRÓI A ALMA / LAGRIMAS AMARGAS DE PETRA VON KANT G. Proença sugeriu como um grande nome As Lagrimas Amargas de Petra von Kant (Die bitteren Tränen der Petra von Kant) filme de Rainer Werner Fassbinder, e eu acrescento O amor é mais frio que a morte (Liebe ist kälter als der Tod) e, em particular, o título português de "Faustrecht der Freiheit", O Direito do Mais Forte à Liberdade, e O Medo Corrói a Alma (Angst essen Seele auf). * Se a evocação de títulos também pode contribuir para reavivar memórias de Fassbinder, sugiro-lhe mais dois: Liebe ist kälter als der Tod/O Amor é Mais Frio que a Morte e Warnung vor einer heilingen Nutte/Cuidado Com Aquela Puta Sagrada. Mas já agora também o de uma outra importante obra do "jovem cinema alemão", Die Artisten in der Zirkuskuppel: Ratlos/Os Artistas sob a Cupúla de Circo - Perplexos de Alexander Kluge.
EARLY MORNING BLOGS 492
Rough Country Give me a landscape made of obstacles, of steep hills and jutting glacial rock, where the low-running streams are quick to flood the grassy fields and bottomlands. A place no engineers can master–where the roads must twist like tendrils up the mountainside on narrow cliffs where boulders block the way. Where tall black trunks of lightning-scalded pine push through the tangled woods to make a roost for hawks and swarming crows. And sharp inclines where twisting through the thorn-thick underbrush, scratched and exhausted, one turns suddenly to find an unexpected waterfall, not half a mile from the nearest road, a spot so hard to reach that no one comes– a hiding place, a shrine for dragonflies and nesting jays, a sign that there is still one piece of property that won't be owned. (Dana Gioia) * Bom dia!
VER A NOITE
Amena, como há muito não estava. Os luzeiros brilham devidamente, a lua ainda está pequena, Zéfiro voltou. 13.5.05
AFINAL HÁ LENDAS URBANAS QUE SÃO VERDADEIRAS 8
MAIS MULHERES: A MÃE, A DE CORAÇÃO DE BARRO, A ASSASSINA E A TOUTINEGRA E A QUE PASSA OS LIVROS DA SÁBADO Para além do texto completo dos artigos da Sábado que coloco no VERITAS FILIA TEMPORIS, passarei a reproduzir no Abrupto as notas sobre livros. Esta é a da semana passada, a actual é sobre o livro de Fernando Galhano Páginas de Cultura e Arte. EU SOU SUSPEITO porque sou amigo do Vasco Graça Moura, mas que o último livro de poemas que publicou, Laocoonte, Rimas Várias, Andamentos Graves é um magnifico livro, é. Eu sou ainda mais suspeito porque alguns desses poemas foram publicados inéditos no Abrupto, e porque conheço noutros a “biografia” que lhe está por detrás. Também vivi a mesma Bruxelas, do regresso a casa à noite…Mas eu não suspeito de mim, sei que não sou propriamente partidário do amiguismo na crítica, e que o livro é magnifico, é. Depois, dentro do livro, eu sou também suspeito de gostar daquele movimento entre falas e autorias, que caminha de um poema para outro, e um é de Horácio em latim e Graça Moura em português que soa a latim que soa a português, outro é uma tradução, mais à frente uma versão, mais à frente uma citação. O poema de Blake do tigre, “brilho em brasa”, caminha assim entre palavras dele e nossas. Eu sou suspeito de gostar de ler um livro assim porque acho que este é o cerne da poesia ocidental, uma conversa interior entre textos, uma “alta” conversa mas mesmo assim uma conversa, de corpo para corpo, de tempestade para tempestade, de música para música, de verso para verso, de palavras para palavras, de emoções para emoções. Um dos poemas fala disso, do mundo que já coube e que já não cabe na poesia, mas fala na voz de um “fabro” como Dante chamava a Arnaut Daniel e Eliot a Pound. E o Vasco está no cerne dessa tradição central do “fabro”, a mais clássica de todas, da poesia que se ergue como uma fábrica de palavras, em que os sentimentos são fortes porque são domados por disciplinas antigas como os decassílabos, para não serem vulgares, sendo, como humanamente são, vulgaríssimos.
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Brise marine La chair est triste, hélas ! et j'ai lu tous les livres. Fuir ! là-bas fuir ! Je sens que des oiseaux sont ivres D'être parmi l'écume inconnue et les cieux ! Rien, ni les vieux jardins reflétés par les yeux Ne retiendra ce cœur qui dans la mer se trempe Ô nuits ! ni la clarté déserte de ma lampe Sur le vide papier que la blancheur défend Et ni la jeune femme allaitant son enfant. Je partirai ! Steamer balançant ta mâture, Lève l'ancre pour une exotique nature ! Un Ennui, désolé par les cruels espoirs, Croit encore à l'adieu suprême des mouchoirs ! Et, peut-être, les mâts, invitant les orages Sont-ils de ceux qu'un vent penche sur les naufrages Perdus, sans mâts, sans mâts, ni fertiles îlots... Mais, ô mon cœur, entends le chant des matelots ! (Mallarmé) * Bom dia! 12.5.05
AFINAL HÁ LENDAS URBANAS QUE SÃO VERDADEIRAS 7 FOTOGRAFIAS DE GUERRA Os livros caminham de maneiras misteriosas. Este, desenterrado da pilha, é um album de fotografias intitulado Siege, uma obra célebre do fotógrafo e cineasta Julien Bryan. São fotografias do blitzkrieg alemão na Polónia, no início da guerra, que ele testemunhou. Mas há mais: o livro tem uma dedicatória de Bryan, datada de Lima em Outubro de 1940, a R. Henry Norweb que foi diplomata e depois embaixador em Portugal em 1944-5. A minha perplexidade inicial - como é que este livro foi parar ao Ribatejo - foi resolvida pela dedicatória.
A MÃO DO FINADO QUE NÃO É DE DUMAS MAS DE ALFREDO POSSOLO HOGAN
"O que me leva a escrever-lhe é a reprodução da capa de “A Mão do Finado”, livro a que se refere como “um Dumas sinistro”. Não conheço a edição reproduzida na imagem. Eu tenho uma da Lello, em 2 volumes, integrada na colecção das obras de Alexandre Dumas. Não sei se lhe estou a dar alguma novidade, mas este livro tem uma história curiosa, que me levou mesmo, em tempos, a propor a sua inclusão na colecção de clássicos da literatura Juvenil que o PÚBLICO lançou. É que a obra não é da autoria de Alexandre Dumas, mas sim de um português chamado Alfredo Possolo Hogan, que nasceu em Lisboa em 1830, e morreu na mesma cidade, muito novo, em 1865. Era empregado dos Correios e publicou várias novelas, entre as quais “A Mão do Finado”, que apresentou como continuação de “O Conde de Monte-Cristo”, de Dumas pai. Não sei que informação virá na edição cuja capa o “Abrupto” reproduz. A da Lello dá o livro como sendo de Dumas, sem fazer qualquer referência a Possolo Hogan. O mais curioso, no entanto, é que o livro foi depois traduzido e editado em França e na Alemanha (e talvez noutros países)." (luís miguel queirós)
INTENDÊNCIA
Actualizada a última INTENDÊNCIA... Actualizada COISAS SIMPLES / GRANDES CAPAS com uma pequena biografia de Marques Gastão, feita por sua filha Ana Marques Gastão. Em breve mais notícias sobre as toneladas de papel em forma de livro, de que estão a chegar mais neste momento.
LIVROS NO ESTADO LÍQUIDO
Os livros chegam em contentores assim e são descarregados em cestos de vindima. Não vale a pena fazer de outra maneira. Lá dentro são despejados como se fossem uvas para um lagar. É a primeira vez que vejo livros a comportarem-se no estado líquido. Ou será a cornucópia da abundância? Ou a caixa de Pandora? (Onde é que eu já ouvi isto?. Depois fica um monte tipo cofre-forte do Tio Patinhas. Por fim, a inevitável Ordem e o inefável Progresso chegam, e os livros começam a ser amontoados como deve ser em caixas para perderem qualquer veleidade de atitude, ou andarem a distribuir folhas por tudo quanto é sítio. Terror! Começou a chover. * O reverso da medalha ou outra medalha no Rato de Livraria. AFINAL HÁ LENDAS URBANAS QUE SÃO VERDADEIRAS 5 MULHERES: A CEGUINHA, A PERVERSA, A ADÚLTERA E A SEVERA Detalhe da ADÚLTERA MEMÓRIAS DE BIBLIOTECAS (O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES) A biblioteca municipal de Sintra, antes de mudar para o actual Palacete Mantero, na Estefânia, estava instalada no Palácio Valenças, na descida de S.Pedro, a entrar na Vila, um pouco antes do actual Museu do Brinquedo. Antes da direcção iluminista do (Prof.) Vítor Serrão, que esquartejou os elegantes salões do rés-do-chão para poder prestar um serviço em condições à população escolar do Secundário que ia aumentando inexoravelmente a partir final dos anos 70, a Biblioteca era mais uma biblioteca de casa particular abastada ou de clube inglês, de atmosfera tranquila, e pequeno terraço com mobília de palhinha, que os serviços municipalizados de apoio à leitura em que se tornou. As funcionárias, com a elegância e o porte de secretárias dum 5º piso do MI5, acharam-me simpático, ou talvez as tivesse impressionado favoravelmente a minha precoce sofreguidão por novos livros, sempre novos livros. A verdade é que deixaram de me acompanhar à Sala Principal, onde estavam os armários de rede de galinheiro com um enorme espólio. Davam-me a chave e eu deambulava, abrindo e fechando o acesso às estantes, até perfazer o meu resgate. Havia uma política de só deixar sair para leitura um máximo de três livros, e apenas por uma semana. No final do Verão, quando as visitas à Biblioteca se tinham tornado tri-semanais e as funcionárias se convenceram que eu lia mesmo o que levava e que trazia os livros sem falta, aceitaram uma excepção. Levei para casa, no início de Outubro do ano de 1970 dos meus catorze anos, a “A La Recherche du Temps Perdu”, em 15 volumes cartonados. Só os devolvi, em bloco, passados meses. Estou seguro que o Tio Marcel teria gostado de se sentar numa cadeira de palhinha, no terraço de canto, do primeiro andar do Palácio Valenças, a ler uma edição amarelecida e perfumada de mofo pelos nevoeiros da Serra. (J.T.P.) COISAS SIMPLES
Morandi
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XXXV. Les Fenêtres Celui qui regarde du dehors à travers une fenêtre ouverte, ne voit jamais autant de choses que celui qui regarde une fenêtre fermée. Il n'est pas d'objet plus profond, plus mystérieux, plus fécond, plus ténébreux, plus éblouissant qu'une fenêtre éclairée d'une chandelle. Ce qu'on peut voir au soleil est toujours moins intéressant que ce qui se passe derrière une vitre. Dans ce trou noir ou lumineux vit la vie, rêve la vie, souffre la vie. Par-delà des vagues de toits, j'aperçois une femme mûre, ridée déjà, pauvre, toujours penchée sur quelque chose, et qui ne sort jamais. Avec son visage, avec son vêtement, avec son geste, avec presque rien, j'ai refait l'histoire de cette femme, ou plutôt sa légende, et quelquefois je me la raconte à moi-même en pleurant. Si c'eût été un pauvre vieux homme, j'aurais refait la sienne tout aussi aisément. Et je me couche, fier d'avoir vécu et souffert dans d'autres que moi-même. Peut-être me direz-vous: "Es-tu sûr que cette légende soit la vraie?" Qu'importe ce que peut être la réalité placée hors de moi, si elle m'a aidé à vivre, à sentir que je suis et ce que je suis? (C. Baudelaire) * Bom dia! 11.5.05
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XLVI. Perte d'auréole "Eh! quoi! vous ici, mon cher? Vous, dans un mauvais lieu! vous, le buveur de quintessences! vous, le mangeur d'ambrosie! En vérité, il y a là de quoi me surprendre. - Mon cher, vous connaissez ma terreur des chevaux et des voitures. Tout à l'heure, comme je traversais le boulevard, en grande hâte, et que je sautillais dans la boue, à travers ce chaos mouvant où la mort arrive au galop de tous les côtés à la fois, mon auréole, dans un mouvement brusque, a glissé de ma tête dans la fange du macadam. Je n'ai pas eu le courage de la ramasser. J'ai jugé moins désagréable de perdre mes insignes que de me faire rompre les os. Et puis, me suis-je dit, à quelque chose malheur est bon. Je puis maintenant me promener incognito, faire des actions basses, et me livrer à la crapule, comme les simples mortels. Et me voici, tout semblable à vous, comme vous voyez! - Vous devriez au moins faire afficher cette auréole, ou la faire réclamer par le commissaire. - Ma foi! non. Je me trouve bien ici. Vous seul, vous m'avez reconnu. D'ailleurs la dignité m'ennuie. Ensuite je pense avec joie que quelque mauvais poète la ramassera et s'en coiffera impudemment. Faire un heureux, quelle jouissance! et surtout un heureux qui me fera rire! Pensez à X, ou à Z! Hein! comme ce sera drôle!" (C. Baudelaire) * Bom dia 10.5.05
APRENDENDO COM JORGE LUIS BORGES
"La Biblioteca existe ab aeterno. De esa verdad cuyo colorario inmediato es la eternidad futura del mundo, ninguna mente razonable puede dudar. El hombre, el imperfecto bibliotecario, puede ser obra del azar o de los demiurgos malévolos; el universo, con su elegante dotación de anaqueles, de tomos enigmáticos, de infatigables escaleras para el viajero y de letrinas para el bibliotecario sentado, sólo puede ser obra de un dios. Para percibir la distancia que hay entre lo divino y lo humano, basta comparar estos rudos símbolos trémulos que mi falible mano garabatea en la tapa de un libro, con las letras orgánicas del interior: puntuales, delicadas, negrísimas, inimitablemente simétricas." BIBLIOFILIA: ENTUSIASMOS O meu último entusiasmo, não apenas gosto, mas entusiasmo, por um livro português de não ficção foi para a publicação da correspondência Óscar Lopes – António José Saraiva. Fiz tudo para lhe fazer propaganda, no Abrupto, em artigos, na televisão. O livro já saiu em 2ª edição, corrigindo-se um defeito da primeira, a falta de um índice onomástico.Agora tenho outro, que para um velho leitor temperado pelas estações, como se diria na loura Albion, já não é mau. Esse entusiasmo é a edição dos artigos publicados por Fernando Galhano, nos anos sessenta no Comércio do Porto, onde aliás fiz, in illo tempore , crítica literária, semana sim, semana não com Óscar Lopes, (estão a ver como o mundo é pequeno …). Chama-se Páginas de Cultura e Arte, é editado pela Caixotim, e vale a pena exigir à livraria mais perto que o mande vir, dado que a distribuição é errática. É tudo bom, os textos, os desenhos, o que lá está dentro. Uma nota mais detalhada vai ser publicada na Sábado.
INTENDÊNCIA
Retomo a bibliografia dos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO. Actualizada nota PRÍNCIPIOS BÁSICOS PARA SE PERCEBER PORTUGAL. Não estão esquecidos OS CINQUENTA MOMENTOS ... e a identificação dos textos anónimos. É apenas falta de tempo. E já agora uma precisão. Eu não disse ao Público: "sou muito crítico em relação ao blogues cujos autores não se identificam. Nenhuma coisa que lá se diz me merece credibilidade", mas sim, "Nos blogues políticos ou de opinião política, sou muito crítico em relação ao blogues cujos autores não se identificam. Nenhuma coisa que lá se diz me merece credibilidade.». E acrescentei: "nada tenho contra o anonimato nos blogues pessoais ou intimistas". A frase foi truncada e tornada absoluta, ou seja, falsa como expressão da minha opinião. Mas vale mesmo a pena estar a fazer estes esclarecimentos? Duvido, porque quem se mete por aí não faz outra coisa. * Aprecio a distinção que faz entre blogs políticos e blogs pessoais, em relação ao anonimato. Os blogs anónimos possibilitam um acto de imortalidade que me fascina: se o blogger dispuser de um sistema informático que lhe permita automatizar as actualizações da sua página (o que é relativamente fácil, para quem tenha alguns conhecimentos de informática), pode continuar a publicar regularmente os seus textos, largos anos depois de ter morrido (desde que assegure previamente o pagamento do serviço onde aloja a sua página), sem que ninguém o saiba. COISAS SIMPLES / GRANDES CAPAS * Jornalista e escritor, Marques Gastão nasceu a 30 de Abril de 1914, em Lisboa e morreu a 29 de Novembro de 1995. Iniciou a sua vida profissional no «Diário de Lisboa» e no «Século», tendo colaborado em grande parte dos jornais portugueses e fundado, em 1943, o Gabinete de Imprensa do Aeroporto de Lisboa que funcionou sob a sua direcção até 1962 , e de onde viria a ser expulso. Chefiará, entretanto, a redacção da ex-Emissora Nacional. Em 1969, passa a dirigir os Serviços de Imprensa da Fundação Calouste Gulbenkian, onde desempenhará as funções de director-adjunto do Serviço da Presidência. Tem vários livros de entrevistas publicados, entre os quais «As Portas do Mundo», «Figuras do Meu Tempo», «Os Homens do Mundo Falaram», «O México, Grande Nação», «Pedras do Sonho», «Diálogos com Escritores e Artistas Portugueses» e «Relações Culturais Luso-Brasileiras». Entrevistou personalidades como Sartre, Françoise Sagan, André Maurois, Alberto Moravia, Stephen Spender, Giovanni Papini, Graham Greene, Tennessee Williams, Aldous Huxley, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Cecília Meireles, Diego Rivera e os Papas João XXIII e Paulo VI. São ainda muitas as suas colectâneas de reportagens, de «As Confissões que me Fizeram» à série «Carnet do Repórter». Da sua vasta obra como ficcionista, no domínio do romance, do conto e da novela, destacam-se «Três Vidas»; «Porta Maior», «O Dia Já Nasceu Noite» ; «Avalanche», «Ânfora de Pérolas», «Destroços», «Suykim», «A Voz de Eleonora e «Maria da Luz sem Olhos». Na área da investigação histórica, escreveu «São João de Deus, Sua Vida e Sua Obra», «Algumas Notas sobre Frei Domingos Luís Vieira» e «O Casamento da Infanta D. Leonor com o Imperador Frederico III da Alemanha» (inédito). Traduziu autores como Malaparte ou Moravia. Deixou, inédito, um diário. (Ana Marques Gastão) EARLY MORNING BLOGS 488 The Secret Work Nadezhda Mandelstam has told the story. In Strunino, after her husband's arrest, working the night shift in a textile factory, she runs, sleepless and distraught, among the machines, chanting his forbidden poems to herself to preserve them. And so for twenty-five years in Perm, in Moscow, in Voronezh, Leningrad, Ulyanovsk, Samatikha... A man with chills hugs himself, rejoicing in his fever. She, the frozen century's daugher, rejoices in her secret, hugs to herself the prophet hiding in her breath, the infant she keeps close, safe, swaddled, speaking. She covers over, makes him smaller, safer, no bigger than a seed, a spark—search where they will, they will not find him here, yet here he is, a little voice praying, an enormous voice prophesying, this live coal held on her tongue burning behind clenched teeth. To herself, in herself, over and over, what must not be said aloud, not written down, not whispered in corners or left to be smelled out clotting at the ends of broken phrases ...the poems of Mandelstam going out in Siberia's night. (Irving Feldman) * Bom dia! 9.5.05
AR PURO
(O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES) Tirada da aldeia no sopé do glaciar Franz-Josef, Nova Zelândia. Fotografia de João Amaral. SCRITTI VENETI O poder em Veneza é cuidadosamente partilhado. O doge manda, mas num sistema de controlos complexos que permitem sempre aos patrícios-mercadores, os verdadeiros donos de Veneza, o controle último sobre tudo. Quando um doge, Martino Faliero (Marin Falier) que sucedeu a Andrea Dandolo no início da segunda metade do século XIV, quis romper com estes mecanismos e fazer uma “revolução popular”, a justiça do Conselho dos Dez caiu-lhe em cima. O doge era já um septuagenário e mostrava-se particularmente irritado com as violências dos jovens aristocratas, que incluíam alguns insultos à sua mulher, e espancamentos a cidadãos comuns da Republica. Participa então numa conjura para acabar com o poder da aristocracia e construir uma aliança entre ele, que seria Príncipe, e o “povo”, em particular os trabalhadores do Arsenal que constituíam um corpo paramilitar temível. Porém Veneza é Veneza e todos falam demais, e todos denunciam todos e em breve o Conselho dos Dez toma conhecimento da conjura e aborta-a. Denunciado o doge, foi julgado e condenado à morte em 17 de Abril de 1355. Numa cena simbólica o seu corno , o chapéu ducal em formato de um solitário corno, foi-lhe tirado da cabeça, e decapitado na escadaria dos Gigantes. A execução foi anunciada da loggia do Palácio e a cabeça seguiu para exposição pública. O dia passou a ser feriado. Nunca mais nenhum doge “traiu” a Sereníssima. O Conselho dos Dez, como Estaline, preparou-se para manipular a memória, tirando o seu Trotsky da fotografia. Mas os venezianos eram uns meninos de coro comparados com o mestre georgiano. O local do seu retrato na sala do Grande Conselho foi inicialmente coberto com um pano escuro. Mais tarde, quando do incêndio do palácio destruiu a sala, Tintoretto e os seus discípulos tornaram a pintar os retratos. Não apagaram de todo a memória do doge traidor. Lá está até hoje o pano negro, agora pintado, dizendo: “HIC EST LOCUS MARINI FALETRI DECAPITATI PRO CRIMINIBUS” (“este é o lugar de Marini Faletri decapitado pelos seus crimes”). (Do texto "Olhares sobre Veneza") COISAS COMPLICADAS
EARLY MORNING BLOGS 487 In a Country My love and I are inventing a country, which we can already see taking shape, as if wheels were passing through yellow mud. But there is a prob- lem: if we put a river in the country, it will thaw and begin flooding. If we put the river on the bor- der, there will be trouble. If we forget about the river, there will be no way out. There is already a sky over that country, waiting for clouds or smoke. Birds have flown into it, too. Each evening more trees fill with their eyes, and what they see we can never erase. One day it was snowing heavily, and again we were lying in bed, watching our country: we could make out the wide river for the first time, blue and moving. We seemed to be getting closer; we saw our wheel tracks leading into it and curving out of sight behind us. It looked like the land we had left, some smoke in the distance, but I wasn't sure. There were birds calling. The creaking of our wheels. And as we entered that country, it felt as if someone was touching our bare shoulders, lightly, for the last time. (Larry Levis) * Bom dia! 8.5.05
AFINAL HÁ LENDAS URBANAS QUE SÃO VERDADEIRAS 4
LITERATURA POPULAR LITERATURA DE GUERRA OUTRA LITERATURA LIVROS ÚTEIS Manobras necessárias a um automóvel para fazer uma curva mais estreita, do L'Art de Bien Conduire Une Automobile. o que sobrou dos DOIS ANOS OBJECTOS EM EXTINÇÃO
PRÍNCIPIOS BÁSICOS PARA SE PERCEBER PORTUGAL
(Dedicado à navegação do Mar Salgado) É muito pequeno. É bastante pobre. É muito periférico. Somos todos primos uns dos outros, logo a democracia é difícil. Os bens são escassos, a competição pelos bens é muita. Dada a escassez dos bens, a inveja está muito socializada. A ignorância é muita. A abundância da ignorância acentua nas novas gerações a tendência adâmica de pensarem que o mundo começa com eles. Efeitos do adamismo : o número de pessoas que pensam estar a arrombar portas, que já estão abertas há muito, é elevado. O alarido que fazem ao passarem pelas portas abertas é inversamente proporcional à resistência das portas. A preguiça é muita e é induzida pelos critérios de mediania dominantes. Entre as letras e as artes de consumo trabalhoso e as de consumo preguiçoso, tenderão a acentuar-se as segundas. A música e o cinema, a televisão e a moda, são de consumo preguiçoso. Há muita coisa que não vale a pena tentar explicar. Primeiro, porque já está mais que explicada há muito, depois porque não é por falta de explicação que as coisas mudam. (Continua) * Os princípios de JPP ajudam, de facto, a perceber Portugal. Mas parece-me que alguns deles devem ser aprimorados.(Ateu Católico) * "A ignorância é muita. * Ateus e também católicos costumam afirmar ou pelo menos insinuar que uma causa estrutural do atraso portugues (em certos domínios e em relacao ao mundo
MEMÓRIAS SELECTIVAS DO FIM DA II GUERRA MUNDIAL
Histórias de que quase nunca se fala. Uma, a violação colectiva, quase sacrificial, das mulheres alemãs pelos soldados russos. Outra, a entrega a Staline dos soldados e oficiais russos do chamado "exército de Vlassov", que se tinha rendido aos aliados ocidentais para evitar a execução colectiva, e que acabaram por a conhecer já a guerra tinha acabado. Em ambos os casos trata-se de crimes de guerra que nunca foram punidos.
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LE POULPE Jetant son encre vers les cieux, Suçant le sang de ce qu'il aime Et le trouvant délicieux, Ce monstre inhumain, c'est moi-même. LA MÉDUSE Méduses, malheureuses têtes Aux chevelures violettes Vous vous plaisez dans les tempêtes, Et je m'y plais comme vous faites. L'ÉCREVISSE Incertitude, ô mes délices Vous et moi nous nous en allons Comme s'en vont les écrevisses, À reculons, à reculons. LA CARPE Dans vos viviers, dans vos étangs, Carpes, que vous vivez longtemps ! Est-ce que la mort vous oublie, Poissons de la mélancolie. (Apollinaire) * Bom dia!
A LER
Ainda sobre o Abrupto, textos no Bloguitica, no bombyx mori, no Ma-Schamba e no Memória Inventada. 7.5.05
DOIS ANOS AGRADECIMENTOS A todos os que se referiram ao aniversário do Abrupto. A todos os que enviaram mensagens. A todos os que leram o Abrupto nestes dois dias e nos outros. Um leitor amigo, FNV, também autor de blogues, fez-me a invectiva confuciana certa: "insista, mesmo sabendo que o que pretende não funciona". Assim será. AFINAL HÁ LENDAS URBANAS QUE SÃO VERDADEIRAS 3 LITERATURA POPULAR ENSINAMENTOS ÚTEIS LITERATURA DE GUERRA Alguns livros recuperados. Entre muitos outros, uma série de publicações populares com magníficas capas, muitos livros sobre guerras, I e II Guerras mundiais e guerra de Espanha, entre os quais um de Brasillach, fuzilado por colaboração com os alemães, e Bardèche, e manuais de ensinamentos úteis, como esta Enciclopedia Rural de 1841, em fascículos e uma L'Art de Bien Conduire Une Automobile do início do século XX. Voltaremos a esta L'Art cheia de gravuras interessantes e anacronismos, como seja a explicação de como é que se ultrapassa uma carroça puxada a cavalos. Anacronismo europeu e americano, claro.
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The trumpet of morning blows in the clouds and through The sky. It is the visible announced, It is the more than visible, the more Than sharp, illustrious scene. The trumpet cries That is the successor of the invisible. This is its substitute in stratagems Of the spirit. This, in sight and memory, Must take its place, as what is possible Replaces what is not. The resounding cry Is like ten thousand tumblers tumbling down To share the day. The trumpet supposes that a mind exists, aware of division, aware Of its cry as clarion, it's dictions way As that of a personage in a multitude: Man's mind grown venerable in the unreal. Wallace Stevens (cortesia de João Costa) * Bom dia! DOIS ANOS FIM DE FESTA A festa foi interrompida por outra festa: um debate vivíssimo sobre Einstein e a ciência em que participei com Paulo Crawford, João Caraça, e Nuno Crato. A coisa demorou mais do que previa e impediu-me de completar a fase final dos Dois Anos e alguns agradecimentos e comentários. Ficam para depois. O que o Abrupto tem sido, e foi nestes dois dias, é o que continuará a ser enquanto durar. 6.5.05
DOIS ANOS NOTAS SOBRE AS FORMAS DE SENSIBILIDADE ANTIGAS De uma carta do Realista Antigo: “Antigamente dava-se valor ao que era construído lentamente, à experiência, ao estudo porfiado, ao silêncio e ao rigor do pensar, à moderação na vida, à prudência na política, ao carpe diem, à áurea mediocritas. O pathos era para o teatro. Sérios legisladores como Sólon discutiam como é que é possível governar uma cidade a quem se alimenta de “mentiras” no palco. Os gregos não gostavam da impetuosidade, da hubris, na qual viam uma qualquer vingança divina. Os romanos gostavam ainda menos e fizeram todo o seu império assente na velocidade das legiões, na soldadesca profissional, e no betão da época, pontes e calçadas, e não no princípio da “inter-pessoalidade” como se diz agora. A força contava, os estados de alma, não. Não havia “diálogo” para medir tudo. Valia-se o que se valia. E sabia-se o que se valia ou não. Se não se sabia alguém nos lembrava, à força. Compreende-se: era um mundo violento, duro, onde a vida valia pouco e os prazeres tinham que ser intensos para durarem. A vida incluía a guerra para os homens como regra. Não se chegava aos vinte e cinco anos sem estar várias vezes em risco de vida. Garanto-vos que isto muda muito. Os pobres morriam brevemente, com a idade de Cristo, os ricos tinham sempre um punhal ao dobrar da esquina ao favor ou desfavor do imperador. (…) Podes sempre dizer que é a velhice. Os velhos falam sempre assim do mundo. Mas vê tu, meu amigo, que tudo isto que te escrevo tem apenas uma razão: a maior das ilusões é pensar que a violência do mundo antigo ficou no mundo antigo e hoje, nas cidades confortáveis, só existe um “problema de segurança” e não o vento maligno da guerra. Que ganhamos muito ficando prosaicos e débeis. Talvez valha por isso voltar para traz, para os modos de sensibilidade antigos, e perceber a sua necessidade. Tudo mudou menos a crueldade. E sobra muita, quase toda. Nós não vemos porque houve uma ou duas gerações em paz, mas está lá. (…) Antigamente, dava-se valor a separar o mundo de Apolo do de Dionísio, coisa que desde que o dr. Freud nos entendeu doutra maneira, e desde que os romancistas russos e os dramaturgos nórdicos, começaram a descobrir o “individuo” (primeiro a “menina Júlia”, ou a Anna Karenina e só depois o Vronski) passou a ser tida como possível. Agora o cânone é que tudo deve vir sempre misturado e Dionísio é o verdadeiro senhor. Apolo está sentado sempre em cima de Dionísio e, mal este se mexe, a apolínea virtude e o Logos caiem por terra. Deixou de se poder ser um severo Catão num dia e noutro um perverso Marcial, tem que se ser sempre um Catão que é verdadeiramente um Marcial. Pobres romanos que deixamos de perceber há muito! (…) Agora somos todos românticos, à nossa medida, sucessiva. Somos também ligeiros, muito ligeiros, demasiado ligeiros, light como a Coca Cola, acreditamos na monda química dos pensamentos, nas artes leves como o cinema e a música, que se ministram para plateias sentadas, e gostamos que não nos macem muito com lembranças e histórias, obrigações e deveres. Tudo isso passou a arrogância, um sentimento desprezível porque nos mede e nós não queremos ser medidos. Ficou tudo descartável e só a mudança conta. A pieguice ganhou a aura do sentimento mais forte. (…)" DOIS ANOS
FOZ DO DOURO (O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES) Fotografia de José Diogo, Janeiro 2005 DOIS ANOS A LER Sobre o Abrupto: Luis Carmelo no Miniscente João Morgado Fernandes no Terras do Nunca e discussão com José Pimentel Teixeira no Ma-Schamba Pedro Mexia no Fora do Mundo Afonso Bivar no bombyx mori e outras opiniões: "O blogue Abrupto festeja o hoje o seu aniversário da forma habitual: a colocar ‘em linha’ um espólio/pastiche de tralha que recolhe da net, do scanner privado e da caixa do email." (Apostrofe) "Pergunto: com tanta eminência, com tanto raio de luz a escorrer por entre aqueles fios de barba, recordando o velho Sócrates (o de Atenas, não confundir com o de Castelo Branco, que é "inginheiro"), para onde lhe fugiu o talento??? Tudo para dizer: o abrupto nem pela poesia se salva, e se não se afogou já é porque vive numa permanente relação parasitária com o seu autor. Será que ele sabe??!!!" (Macroscopio) "Hoje irritei-me com o servilismo blogosférico pretextualizado nos totalitários encómios ao putativo pai da lusa blogosfera, subordinados ao seu aniversário. O efeito JPP alavancou, de forma abrupta, a mediatização dos blogues em Portugal. (...) Ano e meio depois a tendência tornou-se mainstream e a genuflexão de contornos feudais uma irritante realidade. [ NOTA: abre-se hoje uma nova secção n'(o vento lá fora)* onde, numa base que se pretende mais ou menos diária, desabafarei as minhas irritações. ] [103 palavras; secção Irritações]" (o vento lá fora)* "Hoje 'tive a ler um blog abrupto, em que um fulano qualquer no meio de coisas que não interessam nada, de quadros asquerosos e de ejaculações espaciais, lembra-se de dizer o que aconteceu a uns mortos quaisquer em mil oitocentos e troca o passo." (Garfiar só me apetece) e há muito mais. DOIS ANOS BIBLIOFILIA Este manual escolar, encontrado num alfarrabista, é de autoria de dois intelectuais seareiros e oposicionistas ao Estado Novo. Trata-se uma edição de autor, típica na época, destinada a garantir um pecúlio a quem tinha limitações de acesso a cargos públicos e conhecia muitas dificuldades económicas. Os textos no seu interior são do melhor da grande literatura francesa e um prazer de ler, como esta carta ficcional, escrita por Mme Rastignac a seu filho, no romance de Balzac Le Père Goriot: "Mon cher enfant, je t'envoie ce que tu m'as demandé. Fais un bon emploi de cet argent, je ne pourrais, quand il s'agirait de te sauver la vie, trouver une seconde fois une somme si considérable sans que ton père en fût instruit, ce qui troublerait l'harmonie de notre ménage. Pour nous la procurer, nous serions obligés de donner des garanties sur notre terre. II m'est impossible de juger le mérite de projets que je ne connais pas : mais de quelle nature sont-ils donc pour te faire craindre de me les confier ? Cette explication ne demandait pas des volumes, il ne nous faut qu'un mot à nous autres mères. et ce mot m'aurait évité les angoisses de l'incertitude. Je ne saurais te cacher l'impression douloureuse que ta lettre m'a causée. Mon cher fils, quel est donc le sentiment qui t'a contraint à jeter un tel effroi dans mon coeur ? tu as dû bien souffrir en m'écrivant, car j'ai bien souffert en te lisant. Dans quelle carrière t'engages-tu donc ? Ta vie, ton bonheur seraient attachés à paraître ce que tu n'es pas, à voir un monde où tu ne saurais aller sans faire des dépenses d'argent que tu ne peux soutenir, sans perdre un temps précieux pour tes études ? Mon bon Eugène, crois-en le coeur de ta mère, les voies tortueuses ne mènent à rien de grand. La patience et la résignation doivent être les vertus des jeunes gens qui sont dans ta position. Je ne te gronde pas, je ne voudrais communiquer à notre offrande aucune amertume. Mes paroles sont celles d'une mère aussi confiante que prévoyante. Si tu sais quelles sont tes obligations, je sais, moi, combien ton coeur est pur, combien tes intentions sont excellentes. Aussi puis-je te dire sans crainte : Va, mon bien-aimé, marche ! Je tremble parce que je suis mère : mais chacun de tes pas sera tendrement accompagné de nos voeux et de nos bénédictions. Sois prudent, cher enfant. Tu dois être sage comme un homme, les destinées de cinq personnes qui te sont chères reposent sur ta tête. Oui, toutes nos fortunes sont en toi, comme ton bonheur est le nôtre. Nous prions tous Dieu de te seconder dans tes entreprises. Ta tante Marcillac a été, dans cette circonstance, d'une bonté inouïe : elle allait jusqu'à concevoir ce que tu me dis de tes gants. Mais elle a un faible pour l'aîné, disait-elle gaiement. Mon Eugène, aime bien ta tante, je ne te dirai ce qu'elle a fait pour toi que quand tu auras réussi : autrement, son argent te brûlerait les doigts. Vous ne savez pas, enfants, ce que c'est que de sacrifier des souvenirs ! Mais que ne vous sacrifierait-on pas ? Elle me charge de te dire qu'elle te baise au front, et voudrait te communiquer par ce baiser la force d'être souvent heureux. Cette bonne et excellente femme t'aurait écrit si elle n'avait pas la goutte aux doigts. Ton père va bien. La récolte de 1819 passe nos espérances. Adieu, cher enfant. Je ne dirai rien de tes soeurs : Laure t'écrit. Je lui laisse le plaisir de babiller sur les petits événements de la famille. Fasse le ciel que tu réussisses ! Oh ! oui, réussis, mon Eugène, tu m'as fait connaître une douleur trop vive pour que je puisse la supporter une seconde fois. J'ai su ce que c'était que d'être pauvre, en désirant la fortune pour la donner à mon enfant. Allons, adieu. Ne nous laisse pas sans nouvelles, et prends ici le baiser que ta mère t'envoie." Como é que se fica quando se é educado por estes textos? * O texto é de grande beleza e força. Ao lê-lo sente-se alguma estranheza pois parece retratar algo bem mais distante do nosso mundo actual do que uma carta deste tipo era suposto mostrar. Cartas entre mães e filhos não deveriam variar muito de uma época para a outra. No entanto esta parece tão longínquo que não consigo impedir de me interrogar sobre o que diriam os psicólogos e peritos em “jovens” de hoje de um texto deles? Falariam de édipos mal resolvidos, de chantagens afectivas, de falhas no processo de autonomização, de demasiadas expectativas projectadas nos filhos, de discurso demasiado moralizante? Que discurso teriam sobre paciência e resignação como virtudes dos jovens? De paciência talvez se falasse, mas resignação é uma palavra a cair no desuso. É contrária a toda a potencialidade inspiradora da “assertiveness”. Mudam-se os tempos, mudam-se as cartas… Hoje seria um SMS de poucas linhas, numa linguagem codificada cheia de “k” e de “x” terminando com “beijinhos”, que parece ser o único código actualmente aceite para veicular qualquer tipo de afectividade, ou não!(J.) DOIS ANOS HUGO VON HOFMANNSTAHL (NUMA TRADUÇÃO INÉDITA DE VASCO GRAÇA MOURA) Tercinas Sobre a fugacidade de tudo I Inda lhes sinto o hálito na face: pode lá ser que este correr de dias para sempre e de todo assim passasse? Ninguém entende coisa tão estranha, cruel demais pra queixas e agonias: que deslizando, nada se detenha. E que o meu próprio eu, imperturbado, de um menino pequeno até mim venha, cão de estranheza inquieto e tão calado. Mais: que eu fosse há cem anos, e sabê-lo, que cada avô dos meus, amortalhado, esteja tanto em mim como o cabelo, sendo um comigo como o meu cabelo. II As horas! Onde nós o azul claro do mar vemos e a morte se nos fez leve e sem medo, em festa e sem reparo, como meninas só de palidez e grandes olhos sempre se resfriam, e à tarde olham perdidas, na mudez de ver que a vida, enquanto adormeciam seus membros, lhes fluiu silente e langue em árvore e erva, e tímidas sorriam, como uma santa enquanto verte o sangue. III Nossa matéria aos sonhos é igual e os sonhos abrem olhos à maneira de umas crianças sob o cerejal. Das copas, ouro pálido se esgueira da lua-cheia e a vasta noite alcança... senão, sonhos não há à nossa beira. Vivem aí qual riso de criança, e como a lua-cheia sobem, descem, quando desperta sobre a fronde avança. O mais íntimo se abre a quanto tecem; quais mãos-fantasma sempre num tristonho espaço estão em nós e vida oferecem. E os três são um: homem e coisa e sonho. (Hugo von Hofmannstahl) DOIS ANOS BIBLIOFILIA AFINAL HÁ LENDAS URBANAS QUE SÃO VERDADEIRAS 2 Olhei para o monte de livros, melhor, olhei para um dos montes de livros, e a minha primeira sensação foi comportar-me como o Tio Patinhas: salto em cima e deito as moedas, engano, os livros ao ar, agradecendo à moedinha da sorte original. Depois a imensa sensatez que me povoa nos dias pares, lembrou-me que isso não se faz aos livros. Estes já tinham sido carregados como tijolos, e à pá, descarregados em cestos de vindimas e atirados para o lagar inexistente com a sem cerimónia com que se atira uvas, ou ração aos animais (urbanos, vejam a quinta das "celebridades"...), pelo que me devia comportar. Comportar. Foi o que fiz e lá estou festejando o aniversário da folha abstracta de bits, o Abrupto, com o manuseio da folha concreta de átomos. Colocando-os uns sobre os outros para perderem a deformação da viagem atribulada. Dando ordem ao caos. E encontro de tudo: livros, revistas, recortes, fotografias, postais, selos, documentos. E só arrumei para aí cinco por cento. Como um Dumas sinistro, um “Ar livre” vigoroso e percursor do surto de atenção ao corpo que os totalitarismos trouxeram nas primeiras décadas do século XX ( sim, os nazis foram naturistas militantes e olhavam para os corpos nus e atléticos, dos homens em primeiro lugar, mas também das mulheres, de uma forma, digamos, viril…), uma bela revista Ocidente e várias “formiguinhas”, a colecção micro da Majora, um nome mítico para as crianças portuenses, que eu tive entre as primeiras leituras. Mas há muito, muito mais. DOIS ANOS OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: GALÁXIA MESSIER 104 "SOMBRERO" Se eu usasse chapéu, e na improvável hipótese de usar sombrero, era este que eu queria. Prometo, no entanto, que não o traria na cabeça no avião (no foguetão, no S.S. Enterprise, seja lá em que nave) de regresso de umas férias numa praia algures numa galáxia distante, numa colónia qualquer governada pelo Partido Revolucionário Institucional. Metia numa caixinha, um pouco grande, e trazia timidamente. DOIS ANOS EARLY MORNING BLOGS 484 Days of Me When people say they miss me, I think how much I miss me too, Me, the old me, the great me, Lover of three women in one day, Modest me, the best me, friend To waiters and bartenders, hearty Laugher and name rememberer, Proud me, handsome and hirsute In soccer shoes and shorts On the ball fields behind MIT, Strong me in a weightbelt at the gym, Mutual sweat dripper in and out Of the sauna, furtive observer Of the coeducated and scantily clad, Speedy me, cyclist of rivers, Goose and peregrine falcon Counter, all season venturer, Chatterer-up of corner cops, Groundskeepers, mothers with strollers, Outwitter of panhandlers and bill Collectors, avoider of levies, excises, Me in a taxi in the rain, Pressing my luck all the way home. That's me at the dice table, baby, Betting come, little Joe, and yo, Blowing the coals, laying thunder, My foot on top a fifty dollar chip Some drunk spilled on the floor, Dishonest me, evener of scores, Eager accepter of the extra change, Hotel towel pilferer, coffee spoon Lifter, fervent retailer of others' Fumor, blackhearted gossiper, Poisoner at the well, dweller In unsavory detail, delighted sayer Of the vulgar, off course belier Of the true me, empiric builder Newly haircutted, stickerer-up For pals, jam unpriser, medic To the self-inflicted, attorney To the self-indicted, petty accountant And keeper of the double books, Great divider of the universe And all its forms of existence Into its relationship to me, Fellow trembler to the future, Thin air gawker, apprehender Of the frameless door. (Stuart Dischel) * Bom dia! DOIS ANOS
MAIS JORGE LUIS BORGES: MILONGA DE ALBORNOZ DOIS ANOS POEIRA DE 6 DE MAIO Hoje, há sessenta e seis anos, Christopher Isherwood e um amigo, apanhavam um autocarro da Greyhound de Nova Iorque para Washington. Isherwood achava que os autocarros “are built like streamlined Martian projectiles; they seem designed to destroy everything else on the road”. No mundo, dentro e fora do autocarro, tudo parecia uma fatia de Americana. Cada condutor trazia a sua placa e colocava-a bem á vista de todos: “N. Strauser. Safe. Reliable. Courteous”. Devia ser para receber gorjeta. De vez em quando o autocarro parava. “Comfort stops” e hot dogs, leite, Coca Cola. Pouco a pouco, amanhecia e “the country begins to come alive.” Numa localidade qualquer, um padre esperava por clientela para os casamentos; noutra “duas colunas separadas honravam os mortos da Guerra, de um lado os brancos, do outro, os negros.” Chegaram ás quatro e meia da tarde. 5.5.05
DOIS ANOS UM DIÁRIO DOS IDOS DE 1968 Este texto, espécie de poema, escrito no final de 1967, início de 1968, circulou nesse tempo anónimo e clandestino. Embora hoje pareça inócuo, nesses anos passava por "subversivo". Para quem o leu na altura, fica a conhecer o seu autor. DOIS ANOS NOTAS CHEKOVIANAS “Os maridos, meu caro, só matam nas novelas ou nos trópicos, onde fervilham paixões africanas! Quanto a nós bastam-nos os horrores dos roubos por arrombamento ou das falsificações de identidade”. Um Drama na Caça (Colecção Vampiro, nº684, pág. 11). Um Drama na Caça, foi publicado em folhetins no ano de 1884-1885, sendo das primeiras obras de Anton Tcheckov e é considerado o seu único romance, embora creia que “novela” é o termo apropriado para a obra. Para quem conhece e aprecia os contos de Tcheckov, esta novela também causa surpresa. As simples, mas precisas pinceladas, ou talvez seja mais preciso falar num inspirado traço de “line drawing” que compõem os seus contos: as suas personagens, o seu enredo, o seu desfecho; bem como a inevitabilidade do que acontece, estão ausentes desta obra. Nela encontramos um cheiro de modernidade no facto de ser uma (ainda inocente) novela policial, um género que começava a dar os primeiros passos, mas somos confrontados com um ambiente de excessos, de contradições, de fraquejar que nos lembram alguns atormentados heróis românticos de vida dissoluta, mais do que as personagens dostoievskianas divididas pelas dúvidas sobre o em e o mal e pela procura de absoluto. “Os espíritos mais mesquinhos afirmavam que o ilustre conde via na pessoa de um pobre juiz de instrução criminal, de origem humilde, um mero companheiro de bebedeiras.” (…) “Teriam dito algo mais se soubessem como é suave, débil e submissa a natureza do conde e como a minha é forte e obstinada. E teriam acrescentado ainda mais se estivessem ao corrente de quanto aquele homem fraco me estimava e quão escassa era a minha simpatia por ele”. (…) “De quantas desgraças me teria livrado e que bem teria feito ao meu amigo se, naquela tarde, eu tivesse tido a coragem de voltar atrás” (…) O mote está lançado: não há lugar a subtileza, nem contenção nesta novela. As descrições e a linguagem são ricas e pictóricas e a sensualidade lasciva abunda. O trágico e o decadente andam de mão dada. Tudo parece excessivo: o que se vê, o que se sente, o que se diz, o que se faz. “Decorrida uma hora estávamos a comer à volta de grandes mesas. Para quem se achava habituado às teias de aranha, à sujidade da mansão e aos gritos dos ciganos, aquela multidão que rompia com as suas conversas fúteis o silêncio das divisões solitárias, era motivo de espanto.” (…) “Eu detestava aquela multidão que, com frívola curiosidade, observava os traços de declínio da minguante fortuna dos Karnieiev.” (…) “ Sentia o exagero de tal oratória, que despertava o riso dos circunstantes. Apesar do champanhe que havia bebido, não parecia alegre; exibia a mesma palidez que revelara na igreja, o mesmo terror nos olhos”. Estes pequenos excertos da novela mostram como estamos longe do sóbrio Theckov a que a leitura dos contos nos habituou. Este é certamente um Tcheckov mais novo, mais exuberante, com uma linguagem adjectivada, rica e intensa que quase toca o exagero, numa novela com toda a “alma” russa possível (camponeses pobres, aristocracia à beira da ruína, meios pequenos e mesquinhos) e que se lê de um folgo, sempre à espera de saber o que vai acontecer de seguida, tal como nos bons policiais. Com a inocência dos primeiros passos que se dão neste género policial, o final reserva-nos uma surpresa, que posteriormente fez história. (JCD) DOIS ANOS APRENDENDO COM O PADRE ANTÓNIO VIEIRA Os provérbios, que são evangelhos humanos, fê-los a experiência, e conserva-os a prudência para doutrina e direção da vida, e não para descuido, como acontece aos néscios, senão para cautela. E este é o fim do que por tantos meios deixamos provado na matéria de maior importância. Entre, pois, cada um em si, e pergunte à sua própria consciência: se Deus o chamasse no estado presente para a conta, qual lha daria? Dos verdadeiros devotos do Rosário, que são os que o rezam e meditam atentamente, bem creio eu que, exceto o caso de alguma desgraça, em que tão raro é o cair como fácil o levantar, todos os mais se acharão com as suas contas tão ajustadas que as darão muito boas. E a estes somente advirto que dêem infinitas graças a Deus e a sua Santíssima Mãe por tão singular mercê, por que lhes não aconteça como ao servo do Evangelho, que, por ingrato, veio a perder o mesmo perdão, e tornou de novo a contrair toda a dívida, e a pagou sem remédio. Aqueles, porém, que se não acharem em estado de dar boas contas, considerem que nas Ave-Marias, que só rezam de boca, quando dizem: Nunc, et in hora mortis nostrae - o hora mortis, e o nunc, tudo pode vir junto. Dizemos, agora, e na hora da nossa morte, e se a hora da nossa morte for o agora? Se a hora da morte não for hora, senão este mesmo momento, como acontece aos que morrem subitamente, ou subitamente perdem os sentidos, sem tempo, nem lugar de arrependimento, que contas podem estes dar, ou que se pode esperar deles? Logo, dirá alguém, não é verdadeiro o provérbio que os que rezam o Rosário, darão boas contas a Deus? Sim é, se o rezar o Rosário for também verdadeiro. Porque ninguém há que verdadeiramente reze o Rosário que nele e nos seus mistérios não considere o muito que deve a Deus, e lhe não peça perdão de suas dívidas, como pediu o servo do rei, que para a sua misericórdia isso basta. DOIS ANOS
A CANETA DE FERNANDO PESSOA, ESCULTURA DE JOSÉ AURÉLIO Fotografia de Ana Gaiaz, 2003 DOIS ANOS BIBLIOFILIA AFINAL HÁ LENDAS URBANAS QUE SÃO VERDADEIRAS Não foi certamente por ser o dia do aniversário do Abrupto, mas há coisas que de vez em quando acontecem e que só se contam nos livros ou nas lendas urbanas. Esta é das lendas bibliófilas e aconteceu-me: descobrir, no meio de um campo, num sucateiro, uma biblioteca inteira com milhares de livros, que estava à espera de ser rasgada para separar o tipo de papel (o das capas e o do interior não valem o mesmo aos olhos de um homem que vende papel). Cinco toneladas de papel, assim me foi anunciado o objecto para base do cálculo do valor e ainda há jornais “muito escuros” (quer dizer muito antigos) nos cestos de vindima… Quantas vezes isto acontecerá? Tantas… Darei novas do que lá está em breve. DOIS ANOS SCRITTI VENETI: A CIDADE-ALEPH Uma das mais célebres e dramáticas chegadas a Veneza abre o filme de Visconti Morte em Veneza, a partir da novela de Thomas Mann. A personagem principal do livro, Gustav von Aschenbach, um escritor e um esteta, moldado a partir da figura do compositor Gustav Mahler, chega a uma cidade que está doente, presa numa das suas febres periódicas, que atravessaram a sua história muitas vezes. Chega de barco. Thomas Mann explica porque se deve sempre chegar a Veneza por mar: “Ele via, este cais tão espantoso, a magnifica composição desta arquitectura fantástica que a República de Veneza oferecia aos olhares respeitosos dos navegantes que se aproximavam: o esplendor ligeiro do Palácio, e da Ponte dos Suspiros, as colunas com o Leão e o Santo, sobre o cais o flanco do templo feérico que se anunciava em todo o seu esplendor, a perspectiva abrindo-se sobre o grande portal, com o seu relógio gigantesco e, olhando tudo isto, ele pensou que chegar a Veneza por terra era o mesmo que entrar num palácio pela porta de serviço e que nunca se devia, na mais improvável das cidades, chegar de outro modo que não fosse aquele que estava a usar, um barco, vindo do mar largo.” Aschenbach ia para o Lido, para o Grand Hotel des Bains, que ainda existe, mas quer passar em frente da Praça de S. Marcos, para a ver do lado do mar, por entre as ilhas envoltas em bruma. É um alemão que chega, que lera certamente os Epigramas que Goethe escrevera sob inspiração veneziana, “aqui tudo é vida e actividade, não ordem e disciplina”. Ali não havia a “honestidade alemã”, ali havia perigos iminentes, como se vai ver. Aschenbach pensava que ultrapassara os sentidos, que atingira um estado de perfeição estética que estava para lá dos sentimentos vulgares . Mas escolheu mal a cidade para se testar. Nela vai encontrar, contra a sua vontade, a última paixão. E acaba por morrer em Veneza, uma cidade onde se morre sozinho, como se morre sempre, mas como se essa morte pertencesse àquilo a que chamamos “cultura”. Nenhuma cidade da Europa tem este tipo de fascínio decadente, a força cultural da história em estado bruto de tão sofisticada. Apenas Istambul poderia rivalizar com Veneza, se não fosse hoje uma cidade turca, demasiado turca para ter memórias contraditórias do seu passado. O espírito da cidade, o espírito do lugar, o heimatgeist, caro aos alemães, transpira das águas, das paredes. O tapete que cobre as ruas é feito de palavras. Palavras sobre palavras, sobre palavras. Palavras venezianas como as de Goldoni ou Casanova, mas palavras em todas as outras línguas do mundo. Goethe, Byron, Ruskin, Proust, Pound, Mann, Brodsky, numa espessura que constitui por si só a história do mundo, do nosso mundo. Se somarmos as imagens e os volumes dos edifícios e das esculturas, desde os cavalos perfeitos trazidos de Bizâncio, até às histórias de Corto Maltese, também tudo é coberto por imagens. Imagens sobre imagens, sobre imagens. E sons. De Vivaldi a Wagner ou Mahler, sons sobre sons sobre sons. Esta é um terra de excessos, como Aschenbach percebeu, para seu mal, “sem honestidade alemã”, mas com uma espessura mórbida. Uma cidade-aleph onde está tudo. Do texto "Olhares de Veneza", publicado na revista Volta ao Mundo.Uma parte do Abrupto foi escrita de Veneza. DOIS ANOS GRANDES NOMES (O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES) Ainda que contrariando as convicções de V. Exa, mas acreditando sempre na sua largueza de vistas, aqui envio mais um conjunto de grandes nomes, não só de toureiros, como também de toiros e de nomes de referência da imprensa taurina, também estes merecedores dos famosos “apodos”. (RM) NOTA DO ABRUPTO: um "mundo" que trata da mesma maneira críticos (comentadores), jornalistas, bestas de carne e sacrifício (os touros), e os algozes (toureiros) merece curiosidade, sem "Desperdicios" mas com "Sentimientos". Reparei ainda que, num acto de racismo evidente para com a parte bovina do reino animal, falta o nome próprio do touro. Toureiros Desperdicios (Manuel Dominguez Campos) Lagartijo (Rafael Molina) Frasculeo (Salvador Sanches) Guerrita (Rafael Guerra) Bombita(Ricardo Torres) Conejito (António de Dios) Tigre de Guanajuato (Jua Silveti) Morenito de Maracay (José Nelo) Carnicerito de México (José Gonzalez Lopez) Cara Ancha (José Sanchez del Campo) Machaquito (Rafael Gonzales) Cocherito de Bilbao (Cástor Jaureguibeita) Gitanillo de Triana (Francisco Vegas de los Reyes) Cangacho (Joaquin Rodrigues) El Mamón (Pedro de la Cruz) Cacique de Santa Fé (Juan Hernandez) Cochinillo (Victoriano Pérez) El Chárran (Manuel Gonzalez) Carcerelito (José Ledesma) Gangrena (Francisco Erades) El Maligno (Ramón Martinez) El Mellao de la Puerta de la Carne (Miguel Goméz) Noteveas (Pedro Sanchéz) Poquitopán (António Sanchez) El Tiñoso (Luis Rodriguez) Criticos/Jornalistas Alamares (A. Moises) Uno al sesgo (Tomás Orts Ramos) Corinto y oro (M. Clavo) Desperdicios (Aureliano Lopez Becerra) Recorte (Jésus Lloret) Tio Caniyitas (José M. Gaona) Camisero (A. Carmona) Sentimientos (Eduardo de Palacios) Sobaquillo (Mariano de Cavia) El Terrible Pérez (Rogério Perez) Toiros Agachaíto Boticário Caramelo Cariñoso Relamido Rompelindes Zalamero DOIS ANOS
OUVINDO DOIS ANOS
AS IMAGENS MANIFESTANTES FOTOS INÉDITAS DE TIMOR (O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES) (T.) DOIS ANOS TÍTULOS QUE NUNCA USEI Por miseráveis razões. Ou porque não consegui escrever um texto digno do título, como se passa com o "Pode ser Vidago?", retrato da nossa permanente habilidade para ficar sempre ao lado, contentes e remediados com o que temos, mesmo não sendo Vidago. Ou por falta de coragem para usar o título certo com a pessoa ou a ocasião certa. Um dos que me perseguia há muitos anos ficou para título da série de artigos da Sábado, assim mais inócuo: "Quem nasceu para lagartixa nunca chega a jacaré". Mas passei os últimos meses com uma mão a segurar a outra para não ter a tentação de escrever "A política segundo Porfirio Rubirosa" e outras variantes sobre o mesmo Rubirosa. Nunca pude assim falar de grandes personagens / grandes nomes como Flor de Oro Trujillo, ou o próprio Rubirosa.
DOIS ANOS
OUVINDO
DOIS ANOS Final da década de sessenta. Colecção de provas com as correcções manuscritas originais de Eugénio de Andrade, que me foram oferecidas pelo grande amigo, muito lembrado nestes dias. O Eugénio trabalhava os poemas até à última oportunidade antes da publicação.
BIBLIOFILIA CORRECÇÕES DE EUGÉNIO DE ANDRADE À TRADUÇÃO DE UM POEMA DE LORCA DOIS ANOS BIBLIOFILIA (O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES) Foi com o debate sobre a Lei do véu Islâmico em França, em Dezembro de 2003, que me tornei visitante diária do Abrupto. Agora que o Abrupto faz dois anos, e inspirada nesse mesmo tema, retomo a já aqui abordada ideia da crescente tensão civilizacional do mundo em que vivemos, ilustrando-o com um actual e interessante livro, cuja leitura é muito proveitosa, e dispensa qualquer tipo de comentário: Les Qualité de l’Épouse Vertueuse ou seja “As qualidades da Esposa Virtuosa”. Nota: Como se pode ver na imagem o erro de concordância “qualité” em vez de “qualités”, não é meu! E, para avivar a curiosidade em relação ao conteúdo do texto recheado de citações, apresento o índice dos capítulos, chamando particular atenção para o segundo “Como inspirar o desejo de obedecer ao esposo e de o satisfazer” e o terceiro “Como inspirar o temor de desagradar ao seu esposo, de entrar em contradição com ele e de perder os seus direitos”: (J.) DOIS ANOS OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: CAOS As coisas que crescem assim costumam ser do reino animal ou vegetal. Os fungos, os bolores, bactérias, vírus, células, intumescências, cancros, coisas más. Mas "isto" é um pedaço de Marte visto de cima e Marte é grande. Tem areia, desertos, colinas, dunas, demónios, vento, berlindes pelo chão, pedras, meteoritos, vulcões, talvez água. Mas o caos é o caos e demorará tempo até sabermos como nele andar com os pés. Se calhar os pés não são a melhor forma de andar neste caos. É a cabeça. A imaginação. A curiosidade. E assim podemos andar já. Talvez o caos tenha ordem. Há pior, bem mais perto. DOIS ANOS EARLY MORNING BLOGS 483 Livro, se luz desejas, mal te enganas. Quanto melhor será dentro em teu muro Quieto, e humilde estar, inda que escuro, Onde ninguém t'impece, a ninguém danas! Sujeitas sempre ao tempo obras humanas Coa novidade aprazem; logo em duro Ódio e desprezo ficam: ama o seguro Silêncio, fuge o povo, e mãos profanas. Ah! não te posso ter! deixa ir comprindo Primeiro tua idade; quem te move Te defenda do tempo, e de seus danos. Dirás que a pesar meu fostes fugindo, Reinando Sebastião, Rei de quatro anos: Ano cinquenta e sete: eu vinte e nove. (António Ferreira) * Bom dia! DOIS ANOS
YEATS - RUMO A BIZÂNCIO (UMA TRADUÇÃO INÉDITA DE VASCO GRAÇA MOURA) Rumo a Bizâncio Velhos não têm país. Os jovens tão enlaçados e as aves em trinado - levas que hão-de ir -, açudes do salmão, mares de cavalas em cardume, e alçado em peixe, carne ou pássaro, no verão, tudo o que nasce e morre, após gerado, desleixa em sensual música infrene testemunhos do espírito perene. Um homem velho é coisa não prestante, um casaco de trapos em bengala, a menos que a alma bata as mãos e cante, cante alto os mortais trapos a tapá-la, sem escola de canto e prescrutante dos monumentos dessa excelsa gala; assim cruzei os mares e assim a Bizâncio, cidade santa, vim. Sábios que estais no fogo divinal como em mosaico de oiro na parede, girai, do fogo santo, em espiral, mestres do canto e da minha alma sede. E consumi meu coração: em mal de ansiar e preso a um bicho à morte, vede, não sabe o que é; levai-me de verdade ao artifício da eternidade. Ido eu da natureza, não se irá meu corpo em forma natural formar, mas qual de ourives grego ela será de oiro batido e de oiro a esmaltar que apático imperador despertará, ou posta em ramo de oiro há-de cantar, nobres e damas de Bizâncio a ouvir, do que passou, ou passa, ou há-de vir. (W. B. Yeats) DOIS ANOS O ESTADO DO ABRUPTO 1. Ao fim de dois anos, cerca de 2300 notas publicadas, milhão e meio de visitantes, usando os contadores mais avaros (na verdade bastante mais, porque o contador esteve inactivo várias vezes e não conta desde o início), dois milhões e meio de “Page Views” (idem), com ligações a mais de dois mil blogues e milhares e milhares de citações, um pouco por todo o lado na rede e fora dela, o Abrupto é uma “empresa de sucesso” e devia agradar ao yuppie que há em mim. Infelizmente, se tal existe em mim, e o Dr. Freud preveniu-nos para que todos os demónios existem, tenho dificuldade em encontrá-lo. O Abrupto contenta-me, e estes números contentam-me, mas o que me contenta mais não é bem isso. Já o disse e repito: o Abrupto é o “jornal” que, desde que me conheço, gostaria de ter tido, parte da minha voz. Não a minha voz, mas parte da minha voz. Feita do ruído do mundo, do meu ruído, da fala incessante, dos quadros, dos versos, da música, das palavras, que nos faz o que somos. O Abrupto é sobre isso, o Abrupto é isso. 2. Um das novidades minimalistas do novo arranjo gráfico do Abrupto manda todos os contadores para o fim do blogue. Não haverá qualquer número de leitores na parte mais visível do blogue. O Abrupto nunca entrou em conflitos de números com outros blogues para saber quem é o "primeiro", típico e compreensível nos blogues que só têm uma agenda política. Mas os números traduzem uma orientação, a que podemos chamar “editorial”. Foi desde início um desejo que a maioria dos leitores viesse de fora da blogosfera e isso foi sempre uma característica do Abrupto, que é lido um pouco por toda a gente que acede à Internet portuguesa, a julgar pela correspondência - e cerca de 7800 mensagens permanecem ainda por responder ou ter seguimento - e pelos contactos pessoais com os seus leitores. É igualmente lido por um número significativo de portugueses da diáspora com relevo para a Europa, os EUA e o Brasil. Tentará continuar assim. 3. O critério que sempre me pareceu mais importante para medir o impacto não é apenas o número de leitores, mas o da citação, um pouco como acontece na avaliação das revistas científicas. Os resultados são inequívocos e são-no por defeito, porque o Abrupto deve ser o único blogue português que conheceu uma campanha activa contra a colocação de ligações, uma interessante, reveladora e um pouco infantil forma de censura, por puras razões políticas à esquerda e à direita. Blogues que têm dezenas e dezenas de ligações omitem deliberadamente o Abrupto, outros gabam-se de o referir e citar sem colocar ligações como se isso fosse mérito. Que lhes faça bom proveito. Mesmo assim, o Abrupto faz parte da lista do Top 100 da Technorati , que acompanha cerca de 9500000 blogues com "2,739 links from 2,117 sources" (o outro blogue português que faz parte desta lista é o Gato Fedorento com "2,514 links from 2,285 sources"). É o equivalente a vir na lista dos 500 da Forbes, só que em muitíssimo mais pobre. 4. O Abrupto não tem comentários e continuará a não ter, por razões que a consulta a qualquer lugar na Internet, com um número significativo de consultas, torna evidente. No entanto, publicou e publicará todas as contribuições que entenda substantivas, com a fragilidade do meu critério pessoal. Mas o "Abrupto feito pelos seus leitores" é uma parte fundamental da identidade do blogue e por exclusivo mérito dos seus leitores pode-se encontrar nos seus arquivos documentos, memórias, informações e pontos de vista de grande qualidade comparando com a comunicação social "exterior" à rede. Recordo, por exemplo, o que os leitores do Abrupto escreveram sobre a memória das bibliotecas, os exames de Física e Matemática, ou sobre os problemas "computacionais" que "justificaram" os atrasos na colocação dos professores. DOIS ANOS ...M'ESPANTO AS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... Quando eu, senhora, em vós os olhos ponho,
e vejo o que não vi nunca, nem cri que houvesse cá, recolhe-se a alma a si e vou tresvaliando, como em sonho. Isto passado, quando me desponho, e me quero afirmar se foi assi, pasmado e duvidoso do que vi, m'espanto às vezes, outras m'avergonho. Que, tornando ante vós, senhora, tal, Quando m'era mister tant' outr' ajuda, de que me valerei, se alma não val? Esperando por ela que me acuda, e não me acode, e está cuidando em al, afronta o coração, a língua é muda (Francisco Sá de Miranda) 4.5.05
DOIS ANOS DE ABRUPTO, DOIS DIAS DE FESTA O Abrupto comemorará dois anos a 6 de Maio, e tenho estado a preparar um "número especial". No entanto, tenho já tanto material que é impossível usá-lo em apenas um dia, pelo que começarei a festa às 0 horas do dia 5 e acabarei às 0 horas do dia 7, no estado que se imagina. 3.5.05
INTENDÊNCIA
Actualizada a nota IMPRENSA NACIONAL. Em breve, uma actualização de IDENTIFICAR TEXTOS ANÓNIMOS com as contribuições dos leitores do Abrupto, que desde já agradeço. Continua a preparação do Abrupto especial para o dia 6 de Maio.
EARLY MORNING BLOGS 482
Portola Valley A dense ravine, no inch of which was level until some architect niched in this shimmer of partition, fishpond and flowerbed, these fording- stones' unwalled steep staircase down to where (speak softly) you take off your shoes, step onto guest-house tatami matting, learn to be Japanese. There will be red wine, artichokes, and California politics for dinner; a mocking- bird may whisper, a frog rasp and go kerplunk, the shifting inlay of goldfish in the court- yard floor add to your vertigo; and deer look in, the velvet thrust of pansy faces and vast violet petal ears, inquiring, stun you without a blow. (Amy Clampitt) * Bom dia! 2.5.05
INTENDÊNCIA
Dominada pela preparação de um Abrupto especial para o segundo aniversário, a 6 de Maio. Haverá festa, deitarei os foguetes, beberei o que for preciso e apanharei as canas. O Abrupto será nesse dia individual e colectivo, dedicado aos amigos e leitores, e aberto, como sempre, aos malfeitores que tenham alguma coisa para dizer. Depois segue-se o habitual.
EARLY MORNING BLOGS 481
Io mi senti' svegliar dentro a lo core un spirito amoroso che dormia: e poi vidi venir da lungi Amore allegro sì, che appena il conoscia, dicendo: «Or pensa pur di farmi onore»; e ciascuna parola sua ridia. E poco stando meco il mio segnore, guardando in quella parte onde venia, io vidi monna Vanna e monna Bice venir invêr lo loco là ov'io era, l'una appresso de l'altra maraviglia; e sì come la mente mi ridice, Amor mi disse: «Quell'è Primavera, e quell'ha nome Amor, sì mi somiglia». * Senti que despertava no meu peito um espírito amoroso que dormia: vi vir Amor de longe a mim direito, e assim tão ledo mal o conhecia, dizendo "Pensa pois render-me preito"; e palavra a palavra Amor se ria. E estando então com um senhor, espreito pouco depois pra lá donde saía senhora Vanna vi, senhora Bice que vinham ao lugar aonde eu era, maravilha uma a outra assim unida; e tal como se a mente o repetisse Amor me disse: "Aquela é Primavera, e Amor se chama a outra a mim parecida." Dante (traduzido por Vasco Graça Moura) * Bom dia! 1.5.05
INTENDÊNCIA ANIVERSARIAL
Daqui a uns dias o Abrupto fará anos, dois. Nesse dia haverá textos, desenhos e fotografias inéditos dos amigos escritores e artistas, mas também notas correspondendo a séries que têm a ver com a identidade do blogue, desde o “early morning”, aos já esquecidos e extintos objectos em extinção, grandes nomes, notas chekovianas, diálogos do monge Bernardo, “scritti veneti”, e outras antiqualhas e peripécias. Haverá também notas “feitas pelos seus leitores”, para cuja colaboração fica já feito um apelo. Outras sugestões serão bem-vindas.
IMPRENSA NACIONAL
O que é que se passa com as publicações da Imprensa Nacional, pagas com o nosso dinheiro de contribuintes, que permanecem muito bem escondidas e não se encontram nas livrarias? A caminho da Leitura passo pela livraria da Imprensa Nacional no Porto, se é que se pode chamar livraria àquele espaço, que aliás é do mesmo tipo de outras “livrarias” da Imprensa Nacional e que não são mais do que locais onde se compram impressos. Nenhuma é atractiva como livraria, nenhuma é gerida como livraria. As edições da Imprensa Nacional, algumas de alta qualidade, como a das obras completas de Aristóteles, permanecem confidenciais e ignoradas. Se eu, que acompanho com detalhe o que se publica, e passo a vida em livrarias, me surpreendo sempre com títulos que nunca tinha visto, nem sabia que existiam, o que fará um consumidor mais moderado? Para além de se poder contestar a orientação das suas edições, ou sequer a existência de uma editora do estado com estas características, não seria de exigir um melhor uso dos dinheiros públicos, divulgando-as? Os livros são para vender ou para ficar em armazém? * Em referência ao que anota no seu blog acerca da Imprensa Nacional, permito-me esclarecê-lo do seguinte:
HÁ NAS ÁRVORES DO PORTO
uma força sem paralelo. Talvez porque seja a Norte e não a Sul. Talvez porque o ar, talvez porque a terra, talvez porque o olhar, talvez por causa do granito, talvez porque já as veja há muito tempo, como se não crescessem porque já estavam grandes.
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: FOTOS DAS MANIFESTAÇÕES DE DILI, TIMOR
Dili, 29 de Abril de 2005, 13 horas - Manifestantes e polícias. A N.S. de Fátima está na manifestação. A esta hora os manifestantes vão almoçar e dormir, ficando representantes da igreja, as imagens e as forças de segurança. Entoam-se cânticos
EARLY MORNING BLOGS 480
SONETO FIEL Vocábulos de sílica, aspereza, Chuva nas dunas, tojos, animais Caçados entre névoas matinais, A beleza que têm se é beleza. O trabalho da plaina portuguesa, As ondas de madeira artesanais Deixando o seu fulgor nos areais, A solidão coalhada sobre a mesa. As sílabas de cedro, de papel, A espuma vegetal, o selo de água, Caindo-me nas mãos desde o início. O abat-jour, o seu luar fiel, Insinuando sem amor nem mágoa A noite que cercou o meu ofício. (Carlos Oliveira) * Bom dia! O Porto cheira a maresia.
© José Pacheco Pereira
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