ABRUPTO

29.4.05
 


AR PURO


Cézanne
 


EARLY MORNING BLOGS 479

En un lugar de la Mancha, de cuyo nombre no quiero acordarme, no ha mucho tiempo que vivía un hidalgo de los de lanza en astillero, adarga antigua, rocín flaco y galgo corredor. Una olla de algo más vaca que carnero, salpicón las más noches, duelos y quebrantos los sábados, lentejas los viernes, algún palomino de añadidura los domingos, consumían las tres partes de su hacienda. El resto della concluían sayo de velarte, calzas de velludo para las fiestas con sus pantuflos de lo mismo, los días de entre semana se honraba con su vellori de lo más fino. Tenía en su casa una ama que pasaba de los cuarenta, y una sobrina que no llegaba a los veinte, y un mozo de campo y plaza, que así ensillaba el rocín como tomaba la podadera. Frisaba la edad de nuestro hidalgo con los cincuenta años, era de complexión recia, seco de carnes, enjuto de rostro; gran madrugador y amigo de la caza. Quieren decir que tenía el sobrenombre de Quijada o Quesada (que en esto hay alguna diferencia en los autores que deste caso escriben), aunque por conjeturas verosímiles se deja entender que se llama Quijana; pero esto importa poco a nuestro cuento; basta que en la narración dél no se salga un punto de la verdad.

Es, pues, de saber, que este sobredicho hidalgo, los ratos que estaba ocioso (que eran los más del año) se daba a leer libros de caballerías con tanta afición y gusto, que olvidó casi de todo punto el ejercicio de la caza, y aun la administración de su hacienda; y llegó a tanto su curiosidad y desatino en esto, que vendió muchas hanegas de tierra de sembradura, para comprar libros de caballerías en que leer; y así llevó a su casa todos cuantos pudo haber dellos; y de todos ningunos le parecían tan bien como los que compuso el famoso Feliciano de Silva: porque la claridad de su prosa, y aquellas intrincadas razones suyas, le parecían de perlas; y más cuando llegaba a leer aquellos requiebros y cartas de desafío, donde en muchas partes hallaba escrito: la razón de la sinrazón que a mi razón se hace, de tal manera mi razón enflaquece, que con razón me quejo de la vuestra fermosura, y también cuando leía: los altos cielos que de vuestra divinidad divinamente con las estrellas se fortifican, y os hacen merecedora del merecimiento que merece la vuestra grandeza. Con estas y semejantes razones perdía el pobre caballero el juicio, y desvelábase por entenderlas, y desentrañarles el sentido, que no se lo sacara, ni las entendiera el mismo Aristóteles, si resucitara para sólo ello. No estaba muy bien con las heridas que don Belianis daba y recibía, porque se imaginaba que por grandes maestros que le hubiesen curado, no dejaría de tener el rostro y todo el cuerpo lleno de cicatrices y señales; pero con todo alababa en su autor aquel acabar su libro con la promesa de aquella inacabable aventura, y muchas veces le vino deseo de tomar la pluma, y darle fin al pie de la letra como allí se promete; y sin duda alguna lo hiciera, y aun saliera con ello, si otros mayores y continuos pensamientos no se lo estorbaran.

Tuvo muchas veces competencia con el cura de su lugar (que era hombre docto graduado en Sigüenza), sobre cuál había sido mejor caballero, Palmerín de Inglaterra o Amadís de Gaula; mas maese Nicolás, barbero del mismo pueblo, decía que ninguno llegaba al caballero del Febo, y que si alguno se le podía comparar, era don Galaor, hermano de Amadís de Gaula, porque tenía muy acomodada condición para todo; que no era caballero melindroso, ni tan llorón como su hermano, y que en lo de la valentía no le iba en zaga.

En resolución, él se enfrascó tanto en su lectura, que se le pasaban las noches leyendo de claro en claro, y los días de turbio en turbio, y así, del poco dormir y del mucho leer, se le secó el cerebro, de manera que vino a perder el juicio. Llenósele la fantasía de todo aquello que leía en los libros, así de encantamientos, como de pendencias, batallas, desafíos, heridas, requiebros, amores, tormentas y disparates imposibles, y asentósele de tal modo en la imaginación que era verdad toda aquella máquina de aquellas soñadas invenciones que leía, que para él no había otra historia más cierta en el mundo.


(Miguel de Cervantes, Don Quijote, como o sublinhei, há já muito tempo.)

*

Bom dia!

28.4.05
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O DEBATE FRANCÊS DA CONSTITUIÇÃO EUROPEIA


Em qualquer debate existe ou deveria existir uma lógica de preparação prévia para o confronto argumentativo. Deste ponto de vista, o debate sobre o Tratado Constitucional que se pensa estar a existir em França não o é. No máximo, é um pseudo debate em que, por definição, quem tem o papel de argumentar em sentido negativo está sempre mais à vontade. Os elementos desta situação podem ser a alimentação do medo no receptor, a introdução de elementos de confusão independentemente da sua ligação ou pertinência com o assunto do debate, a excessiva simplificação da lógica argumentativa com o objectivo expresso de vedar a quem ouve a totalidade ou quase totalidade dos elementos de ponderação e, por vezes, a proclamação de inverdades que, ao não serem desmentidas com clareza, se tornam argumentos voando no ar das sérias conversas de rua ou mesmo das seríssimas tertúlias em casa. Para fins de consolidação pode ser acrescentado um etc. a esta enumeração.

É verdade que, em teoria, todos os elementos utilizados por uma argumentação também podem ser utilizados pela outra. Mas só em teoria, porque a lógica diz-nos que é muito mais simples destruir do que construir. Note-se que no caso específico deste texto os termos destruir e construir são neutros. Nem são positivos nem negativos, são, no máximo, operacionais. Tudo parece depender do contexto e da mensagem que cada atitude argumentativa pretende fazer valer. E neste sentido, em França, a situação parece bem particular porque tal como penso ser o caso de outros países, existe um profundo e generalizado desconhecimento do tema em discussão.

O exemplo caricato de um argumento agitado ontem num debate televisivo por um dos defensores mais mediáticos do Não – Philippe de Villiers - foi o de dizer que com o Tratado Constitucional o direito comunitário derivado passa a ter a primazia jurídica sobre o direito interno (como se se pudesse subentender que ainda não o tem então !!). O problema disto é que, apesar das tentativas de desmentir esta alegação, os oponentes no debate, defensores do Sim, não o conseguiram fazer de forma eficaz. De facto, os defensores do Sim encontram-se na posição de ter de ensinar o Tratado Constitucional aos franceses e ao mesmo tempo debater das suas virtudes ou defeitos. Por isso é que se torna fácil admitir a dificuldade do debate sobre o Tratado Constitucional em França. Logicamente, esta conclusão só verifica elementos endógenos ao próprio debate. Se a isto acrescentássemos o contexto político em França a análise deveria ser muito mais complexa. Estarão os defensores do Sim desculpados? Um grande NÃO é a resposta. Mais do que carregar os defensores do Não com alguma falta de honestidade intelectual, é necessário salientar a impreparação dos defensores do Sim. Os defensores do Não citam, bem ou mal, com pertinência ou não, uma quantidade notável de artigos de Constituição europeia. Os defensores do Sim nem a Constituição parecem trazer para os debates. Pelo menos não se dão ao trabalho de rebater de forma clara as interpretações feitas pelos defensores do Não. Escondem-se atrás do biombo da arrogância intelectual que consiste em dizer que a interpretação em causa é uma idiotice. Em consequência nem deve ser tida em conta. O problema é que para quem ouve, a mensagem que ficou foi a de um argumento sem resposta com situação agravante do tipo de atitude de quem não quis responder. Mas ainda mais importante ainda, os defensores «oficiais» do Não deixam transparecer uma visão errada das preocupações, legítimas aliás, que levanta o Tratado Constitucional para os franceses. No mesmo debate em que participava Villiers, Max Gallo e Jean-François Copé estava o Presidente do Parlamento Europeu Josep Borrell. Borrell por mais do que uma vez deixou transparecer a estupefacção com o tipo de desenvolvimentos do debate. Deve ser dito que este exemplo não é único. Basta acompanhar o processo mediático do referendo em França para que uma lista possa ser elaborada. Num país como este, uma tal deriva, é uma tristeza politica e social mas é sobretudo uma tristeza intelectual.


Seja como for, sejamos a favor ou contra o Tratado Constitucional, a verdade é que para bem dos debates parece necessária alguma preparação. Sobretudo se se trata de um processo cuja realização implica uma mediatização. Desde Weber que sabemos ser relativamente simples de fazer frutificar o modernamente chamado populismo. O problema é que no final de todas as contas quem acaba por perder são os créditos de confiança das classes políticas e também das elites em relação à sustentação popular que pretendem conservar. A longo prazo o povo acaba por contradizer Weber.

(Sérgio Ribeiro, Lyon)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: TEORIA DOS ORGASMOS A PARTIR DO GRANDE HOTEL

Do Abrupto, a proposito dos números antigos da revista pinga-amor «Grande Hotel», que o JPP comprou num alfarrabista:

«(...) O Vasco Graça Moura encontrou uma ontem: "no canto inferior esquerdo do fragmento do Grande Hotel que reproduz, lê-se: "breves, amenas conversas, mas que deixam na alma de Lucrécia uma trépida doçura". Uma "trépida doçura" será uma doçura a aquecer com um ruído de motor a gasóleo?".

Sim, se descontar o ruído. Apesar das fórmulas muitas vezes ingénuas, autores como esse da «Grande Hotel» ainda usavam a língua portuguesa com alguma sabedoria e correcção. Em minha opinião, o que o autor (ou, mais provavelmente, autora) tinha em mente é que a Lucrécia estava de tal modo apaixonada que tinha orgasmos só com a conversa. Bons tempos, esses da «Grande Hotel».

Informam-me várias senhoras que a coisa feminina é mais complicada que a masculina: ao que parece, existem os «orgasmos grandes» isolados, por vezes capazes de dar cabo da mobília e dos ouvidos dos vizinhos, que são os tais que se vêem com mais frequência nos filmes de Hollywood que no dia a dia, e existem os «orgasmos pequenos», que vêm em sucessao sem sismos de grau superior a 9, e as mais das vezes ficam por ai'.

De modo que a trépida doçura que permeava a alma da Lucrécia devia ser um pouco como aqueles riachos do Camilo que corriam a tremer: «As trépidas fontinhas, espelhando na limpidez dos seus meandros a inquieta alvéola que as roçava com as asas...» (Mulher Fatal, cap.2).

É claro que, se em vez de ter sido a «Grande Hotel» a descrever pequenitas burguesices, tivesse sido a Santa Teresa de Ávila a descrever extâses místicos, a compreensão teria sido imediata. Grande vida, a dos poetas...

(Fr. Inácio)
 


IDENTIFICAR TEXTOS ANÓNIMOS

Alguém conhece qualquer programa que sirva para identificar, ou definir com uma certa probabilidade, a autoria de um texto anónimo? Não se assustem (ou assustem-se a sério) os autores anónimos, que coisas deste tipo já existem certamente nas polícias e nos serviços de informação, mas não a público. Um programa que permita realizar uma base de dados de textos assinados, e a partir daí encontrar semelhanças vocabulares, lexicais, estilísticas e outras com textos não assinados, de modo a indicar com probabilidade o seu autor. Tenho uma ideia como isso se pode fazer e parece-me bem simples para quem tenha um mínimo de experiência de programação, mas admito que algo já possa existir poupando-me o trabalho.

Eu explico a necessidade: trabalhando nos meus estudos com textos quase exclusivamente anónimos – artigos da imprensa clandestina, relatórios, etc. – ser-me-ia útil poder precisar ou ter uma indicação de probabilidade de autoria. Como muitos dos autores desses textos – Bento Gonçalves e Cunhal por exemplo – são autores de muitos textos publicados com o seu nome, seria interessante poder identificar textos anónimos. Um exemplo: saber se foi Cunhal que escreveu no Avante! dos anos trinta um artigo sobre o aborto na URSS ou resolver a controvérsia sobre o relatório atribuído a Bento Gonçalves ( ou feito por “Pável”?) apresentado em 1935 à Internacional.

*
O professor Eric Johnson, da Universidade Estatal do Dakota, é autor de um texto sobre identificação de autores anónimos, "Comparing Texts and Identifying Authors" e também escreveu um software, chamado Ident, precisamente para esse fim, mas creio que não está disponível online.

(José Carlos Santos)
 


COISAS COMPLICADAS


N. Poussin, O Tempo revelando a Verdade perante a Inveja e a Discórdia
 


INTENDÊNCIA

Retomado (e continuado) o trabalho na bibliografia dos ESTUDOS SOBRE COMUNISMO.
 


EARLY MORNING BLOGS 478

Prevención para la vida y para la muerte

Si no temo perder lo que poseo,
ni deseo tener lo que no gozo,
poco de la Fortuna en mí el destrozo
valdrá, cuando me elija actor o reo.

Ya su familia reformó el deseo;
no palidez al susto, o risa al gozo
le debe de mi edad el postrer trozo,
ni anhelar a la Parca su rodeo.

Sólo ya el no querer es lo que quiero;
prendas de la alma son las prendas mías;
cobre el puesto la muerte, y el dinero.

A las promesas miro como a espías;
morir al paso de la edad espero:
pues me trujeron, llévenme los días.


(Quevedo)

*

Bom dia!

27.4.05
 


BIBLIOFILIA: PORTUGAL NA ELITE DO TURISMO



Encontrei este magnífico Le Portugal de Doré Ogrizek, editado na colecção "Le Monde en Couleurs - Les Livres de l'Elite Touristique", das Edições Odé de Paris em 1950, sob os auspícios e os financiamentos do Secretariado da Informação Nacional, o SNI de Ferro e Salazar. O livro está ilustrado por alguns dos melhores ilustradores portugueses, incluindo Botelho e Paulo Ferreira, como se pode ver pelo desenho que reproduzo. Estava numa feira de rua numa cidade da Provença, entre sabões de Marselha, queijos, panos e essência de lavanda.
 


INTENDÊNCIA MAIOR

Sobre SERVIÇO PÚBLICO acrescentar o nome da realizadora do excelente filme sobre Eduardo Lourenço, Anabela Saint-Maurice, "que lutou dentro da RTP contra tudo e contra todos para que o documentário se fizesse" (MJD). Ainda bem.

Sobre a BIBLIOFILIA: A LETRA DE UM ESPIÃO, agradecer a identificação do almirante português a quem Remy tinha oferecido o seu livro, feita por dois homens com ligação próxima à nossa marinha, Henrique Jorge e Luís Rodrigues. Cito Luís Rodrigues:
"O Almirante a quem o livro é dedicado só pode ser um, o único Almirante Nuno Frederico de Brion, guarda-marinha em 1917, comandante do 1º submarino “Espadarte”, como 2º tenente de 1922 a 1923, 1º tenente da escola de submarinos em vésperas do 28 de Maio, acaba a carreira como contra-almirante em 1953.

Em 1974, embora na lista dos reformados, é o 3º oficial vivo mais antigo da Marinha, precedido apenas por Reboredo e Silva e por Sousa Uva.

Teve importante papel na reorganização dos serviços de Informação Naval na altura da II Guerra Mundial e é plausível – anglófilo como a maior parte da nossa Marinha da época - que tenha tido conhecimento, apoiado ou “ignorado” o trânsito de Remy para França, através de Lisboa e Espanha, no seu caminho para a resistência. Remy chegou a Lisboa de hidro-avião e essas chegadas e partidas eram controladas pela Marinha e pela PVDE em conjunto, mas a Marinha é que mandava."



(O 1º tenente Nuno de Brion, num dos últimos exercícios do 1º “Espadarte” poucos dias antes do 28 de Maio de 1926, à esquerda do Ministro das Colónias (á paisana), Vieira da Rocha, com o contra-almirante Pereira da Silva e o comandante Almeida Henriques.)
A ambos , obrigado.


Anunciar que OS CINQUENTA MOMENTOS POLÍTICOS MAIS IMPORTANTES DEPOIS DO 25 DE ABRIL não estão esquecidos e que a última versão será muito em breve publicada.
 


EARLY MORNING BLOGS 477

Of Hartford in a Purple Light


A long time you have been making the trip
From Havre to Hartford, Master Soleil,
Bringing the lights of Norway and all that.

A long time the ocean has come with you,
Shaking the water off, like a poodle,
That splatters incessant thousands of drops,

Each drop a petty tricolor. For this,
The aunts in Pasadena, remembering, Abhor the plaster of the western horses,

Souvenirs of museums. But, Master, there are
Lights masculine and lights feminine.
What is this purple, this parasol,

This stage-light of the Opera?
It is like a region full of intonings.
It is Hartford seen in a purple light.

A moment ago, light masculine,
Working, with big hands, on the town,
Arranged its heroic attitudes.

But now as in an amour of women
Purple sets purple round. Look, Master,
See the river, the railroad, the cathedral...

When male light fell on the naked back
Of the town, the river, the railroad were clear.
Now, every muscle slops away.

Hi! Whisk it, poodle, flick the spray
Of the ocean, ever-fresherning,
On the irised hunks, the stone bouquet.


(Wallace Stevens)

*

Bom dia!

26.4.05
 


AR PURO


Van Gogh
 


EARLY MORNING BLOGS (476) PROVENÇAIS

Les Amours de Psyché - Éloge de l'Oranger

Sommes-nous, dit-il, en Provence ?
Quel amas d'arbres toujours verts
Triomphe ici de l'inclémence
Des aquilons et des hivers ?

Jasmins dont un air doux s'exhale,
Fleurs que les vents n'ont pu ternir,
Aminte en blancheur vous égale,
Et vous m'en faites souvenir.

Orangers, arbres que j'adore,
Que vos parfums me semblent doux !
Est-il dans l'empire de Flore
Rien d'agréable comme vous ?

Vos fruits aux écorces solides
Sont un véritable trésor ;
Et le jardin des Hespérides
N'avait point d'autres pommes d'or.

Lorsque votre automne s'avance,
On voit encor votre printemps ;
L'espoir avec la jouissance
Logent chez vous en même temps.

Vos fleurs ont embaumé tout l'air que je respire :
Toujours un aimable zéphyre
Autour de vous se va jouant.
Vous êtes nains ; mais tel arbre géant,
Qui déclare au soleil la guerre,
Ne vous vaut pas,
Bien qu'il couvre un arpent de terre
Avec ses bras.

(La Fontaine)

*

Bom dia!

25.4.05
 


NOTAS PROVENÇAIS: A JANELA DE CÉZANNE

 


NOTAS PROVENÇAIS: A FRANÇA E O NOVO PAPA

A França tem um problema com o novo papa. Medido pelo grande critério francês, a francofilia, Ratzinger é muito mais “amigo” da França que Woytila. Pela sua formação e na sua vida, Ratzinger manteve ligações próximas com o pensamento católico francês, enquanto que o papa polaco era mais próximo dos alemães. Por outro lado, medido pelo critério dominante dos media, o “conservadorismo” do papa é pouco francês…
 


SERVIÇO PÚBLICO

O excelente documentário que a RTP1 está a passar sobre e com Eduardo Lourenço.
 


NOTAS PROVENÇAIS: MEDIAS, UMA REVISTA FRANCESA SOBRE OS MEDIA

Não conhecia a revista, mas já tem mais de um ano. Comprei-a um pouco a medo porque o que se escreve em França é, de um modo geral, pouco interessante sobre a comunicação social. Um país que tem Ramonet como o grande teórico na área, reflecte pouco sobre os media. A revista confirma a suspeita, a começar por um grafismo ultrapassado e, embora seja injusto generalizar só com um número, a impressão fica. Os índices dos outros números não destoam. Excepções no número quatro: uma boa ideia, fazer entrevistas a pessoas com “má imprensa”, neste caso fundamentalistas muçulmanos; e uma boa entrevista com Raphael Sorin sobre o estado actual da crítica literária e a confusão entre o métier da crítica e os programas sobre livros de Bernard Pivot.
 


EARLY MORNING BLOGS (475) PROVENÇAIS

C'était sur un chemin crayeux

C'était sur un chemin crayeux
Trois châtes de Provence
Qui s'en allaient d'un pas qui danse
Le soleil dans les yeux.

Une enseigne, au bord de la route,
- Azur et jaune d'oeuf, -
Annonçait : Vin de Châteauneuf,
Tonnelles, Casse-croûte.

Et, tandis que les suit trois fois
Leur ombre violette,
Noir pastou, sous la gloriette,
Toi, tu t'en fous : tu bois...

C'était trois châtes de Provence,
Des oliviers poudreux,
Et le mistral brûlant aux yeux
Dans un azur immense.


(Paul-Jean Toulet)

*

Bom dia!
 


NOTAS PROVENÇAIS: BIBLIOFILIA





Jean-Jérôme Crosnier Mangeat, Sainte-Victoire, voyage en pays de lumières, Aix-en-Provence, Nature d'Images, 2004. Para além das fotografias da montanha de Cézanne, um prefácio de Jacqueline de Romilly, que acabou de publicar um novo livro sobre L'élan démocratique dans l'Athènes ancienne.

Soprava forte o Mistral quando a vi, de novo, sempre diferente, com as mil cores em que está sempre a mudar.

24.4.05
 


NOTAS PROVENÇAIS: SCHELLING, STEINER E RATZINGER

1. O livro tem um título convidativo Dix Raisons (Possibles) à la Tristesse de Pensée e o texto bilingue ajudava à recusa que tenho de ler traduções quando posso ler o original. Nas páginas pares inglês, nas ímpares, francês. Depois comecei a lê-lo, do lado inglês e muitas vezes entrava sem me aperceber na página seguinte em francês, tradução da anterior, sem dar por ela que estava a ler a mesma página. Uma, duas, três vezes. Atribui esse deslize ao cansaço, às circunstâncias, ao sono, à ligeireza das leituras de viagem. Depois desconfiei que o mal vinha do texto. Só me apercebia quando se repetia o mesmo exemplo e a mesma citação. Era um livro de Steiner, o mestre, mas parecia mais uma redacção do que um ensaio.

2. A citação que dá o mote ao livro é daquelas que nos atiram com força para o texto, com a força de uma frase que já diz muito e ajuda a dizer mais. Para o amador destas “ideias” empurrava de imediato para o texto e para a leitura compulsiva. Era um frase de Schelling citada duplamente no original alemão e traduzida em francês:

“Tal é a tristeza inseparável de toda a vida finita (…) uma tristeza (…) que nunca se torna efectiva e serve para dar a alegria eterna de a ultrapassar. De lá vem o véu de aflição que se estende sobre toda a natureza, a melancolia profunda e inalterável de toda a vida”

( A frase completa de Schelling, sem os cortes, é esta :

"Dieß ist die allem endlichen Leben anklebende Traurigkeit, und wenn auch in Gott eine wenigstens beziehungsweise unabhängige Bedingung ist, so ist in ihm selber ein Quell der Traurigkeit ... Daher der Schleier der Schwermuth, der über die ganze Natur ausgebreitet ist, die tiefe unzerstörliche Melancholie alles Lebens." *)

3. Steiner arranca bem, usando no meio do texto inglês daquela perfeição “teórica” do alemão, que na filosofia é a única que rivaliza com o grego e o latim clássico na capacidade conceptual e neste caso, quase afectiva (devia haver e há certamente uma palavra alemã melhor para este “quase afectiva”…). Steiner quer dar as razões “possíveis” para esta “Traurigkeit”, para esta “tristitia” e depois perde-se num texto superficial, muito menos “pensado” do que centenas de páginas da filosofia ocidental e milhares de páginas de literatura.

4. O pensamento é “triste” porque é raro, é incompleto, é raras vezes consequente, não atinge a verdade, é pouco “útil”, não funda uma moral? E depois? O pensamento é tudo isso, mas basta uma linha para o sabermos. Mas é “triste” por isso? É “triste” porque não atinge a verdade? Se nos ficarmos pela psicologia comum chega, mas então a fé dos que a têm, a crença dos que acreditam? Essa não é “triste” pela sua natureza. Pode-se sempre dizer que não é pensamento, mas na definição que usa Steiner, ou melhor, na descrição que usa Steiner, a do pensamento como fluxo contínuo e imparável de uma conversa connosco próprios (e uma das melhores partes deste texto é esta descrição empírica da impossibilidade do silêncio interior), a fé dos que a têm, é “pensar”.

5. Lendo Steiner no meio dos debates papais, sabendo que a questão de Schelling vem de D’Alembert, do “malheur de l’Existence”, Ratzinger meteu-se no meio. Na verdade, quando D’Alembert e Schelling falam da “Melancholie alles Lebens”, falam da crise da personalidade no mundo em que o saber se defronta com a sua solidão terrena, num mundo em que Deus não está presente a não ser, no limite, como uma dúvida, como uma possibilidade. Ratzinger deu o outro lado da mesma questão, quando escreveu sobre Sakharov (cito em francês do Le Monde) e criticou a “liberdade” nascida do iluminismo, a mesma que gera a “melancolia”:

"La liberté ne garde sa dignité que si elle reste reliée à son fondement et à sa mission éthiques. Elle a besoin d'un contenu communautaire que nous pourrions définir comme la garantie des droits de l'homme. Pour l'exprimer autrement, le concept de liberté requiert d'être complété par deux autres concepts : le droit et le bien (...).
Sakharov ne cessa de vivre dramatiquement la défaillance de l'Occident. Il a vu que la liberté y est entendue de façon égoïste et superficielle. On ne peut pas vouloir la liberté pour soi seul. La liberté est indivisible et doit être vue comme une mission pour toute l'humanité. On ne peut l'avoir sans sacrifices et renoncements (...).
Des institutions ne peuvent se maintenir et être efficaces sans des convictions éthiques communes. Or celles-ci ne peuvent pas provenir d'une raison purement empirique. -Dans la démocratie moderne, les décisions de la majorité ne resteront elles-mêmes humaines et raisonnables que tant qu'elles présupposeront l'existence d'un sens humanitaire fondamental (...)."

6. Eu não digo que esta resposta de Ratzinger elimine o problema ou seja a resposta ao problema, mas sim que é parte do problema e Steiner ilude-a para simplificar o texto. Ora a descrença e a crença estão no cerne da “tristeza” como aliás não era preciso ir mais longe do que a própria frase de Schelling já dizia: “a tristeza inseparável da vida finita”. Está lá o “finito” e talvez a resposta mais simples seja que a “tristeza” do pensamento venha da finitude da vida para quem não crê. Ou seja, da recusa do pensamento em extinguir-se, em morrer, em parar de pensar.

7. Mesmo nos próprios termos “descrentes” de Steiner (que são também os meus, ou seja, são também os mesmos em que eu os coloco nesse diálogo interior do pensar), a “tristeza” não é inevitável. A verdade é impossível, mas não é impossível procurar a verdade. Nada sabemos, o nómeno foge-nos no véu do fenómeno mesmo quando pensamos que sabemos, e depois? O jogo do saber não pode ser “feliz”, não pode acomodar-nos, mesmo no erro, dando-nos uma felicidade psicológica na descoberta? Kuhn fez todo um livro a mostrar como o sistema ptolomaico resistiu como “ciência” porque entre outras coisas explorava o logro psicológico de que, por via da ciência, dominamos o mundo. Sabemos que o Sol não anda à volta da terra, mas também sabemos que a terra não anda à volta do Sol exactamente da forma que Galileu ou Newton pensavam. Hoje achamos que a terra anda à volta do Sol como Einstein pensava. Amanhã será diferente. Mas isto faz-nos “infelizes” porque nos mostra o carácter inatingível da verdade, a começar por aquela que pensamos ter instrumentos para compreender? Duvido.

8. Existe um carácter vital no pensar, Steiner dixit. Mas desde quando o pensamento produz tristeza a não ser neste mundo dominado pela “vivência” romântica da incompletude psicológica? Nos termos de Steiner grande parte do pensamento antigo, greco-romano por exemplo, não é explicável porque não tem esta “tristeza”, no fundo tão moderna e recente, no seu âmago. A partir de S. Agostinho, eu percebo estes termos, mas eles não são os de Platão e Aristóteles. Platão podia pensar que estavamos condenados ao erro, mas não à "tristeza".

Estas são algumas notas que explicam porque me parece muito débil este último texto de Steiner. Não avança com questões ao problema que coloca, o que seria de menos se avançasse com o problema. Nem uma coisa, nem outra.

* Tradução sugerida por Vasco Graça Moura do conjunto da frase:

"Esta é a tristeza ligada a toda a vida finita, e ainda que em Deus esteja uma condição independente pelo menos a tal respeito, também está nele mesmo uma fonte da tristeza... Daí o véu de melancolia que se estende sobre toda a Natureza, a funda melancolia indestrutível de toda a vida."
 


NOTAS PROVENÇAIS: O ATELIER DE CÉZANNE

Há muito tempo que não voltava a este lugar, um dos meus sítios íntimos. Lá está tudo quase na mesma: a mesma cadeira de lona a desfazer-se, a mesma caveira, as mesmas reproduções de Delacroix, as mesmas paletas, os mesmos objectos das mesmas naturezas mortas. A pintura da escada está diferente, o jardim está naturalmente diferente, mas tem o mesmo ar meio abandonado. Algumas coisas estão piores: por detrás das árvores e das sebes percebem-se as urbanizações modernas, mesmo ao lado.

A língua dominante continua a ser o inglês com sotaque americano. Não admira, Cézanne foi e é muito estimado pelos americanos e a estes se deve a preservação do atelier. A história da salvação do edifício e do seu escasso conteúdo, é um exemplo fabuloso da incúria burocrática francesa e da dedicação de meia dúzia de americanos que, contra tudo e contra todos, compraram a casa e depois queriam dá-la aos franceses... que não a queriam receber.

Mas se há simples sala que nos ajude a repousar ou a perturbar no génio de Cézanne é esta sala cinzenta, iluminada por todos os lados, desenhada pelo próprio pintor, com a Montanha de St. Victoire a ver-se ao fundo e a catedral de Aix. As laranjas e as maçãs secam e apodrecem, mirram e desaparecem no meio do bolor. Não sei com que critérios as mudam. Mas é o olhar de Cézanne que nos faz vê-las assim, como formas dentro de formas, para além da estrutura exterior, do brilho, da cor, o mesmo olhar que Bracque e Picasso levaram mais longe, mas a partir daqui. Desta sala.

20.4.05
 


NOTAS PROVENÇAIS

em breve.
E mais um novo Steiner.
E mais um velho Cézanne.
E mais o lugar que os antigos chamavam "doce", no sentido de amável.
 


O QUE SE GANHA O QUE SE PERDE EM VIAGEM

Uma coisa se perde: os acentos.
O resto ganha-se.

19.4.05
 


AR PURO


Van Gogh
 


EARLY MORNING BLOGS 474

A Mão Posta Sobre a Mesa


A MÃO POSTA sobre a mesa,
A mão abstrata, esquecida,
Imagem da minha vida...
A mão que pus sobre a mesa
Para mim mesmo é surpresa.
Porque a mão é o que temos
Ou define quem não somos.
Com ela aquilo que fazemos
[...]


(Fernando Pessoa)

*

Bom dia! Até breve!

18.4.05
 


MAIS GRANDE HOTEL, A REVISTA QUE SE TORCE E SAI AMOR POR TODOS OS POROS

O tempo tem sido escasso, mas entre

Ronald H. Chilcote, Emerging Nationalism in Portuguese Africa; A Bibliography of Documentary Ephemera trough 1965, Stanford, Hoover Institution, 1969

e



Bento de Jesus Caraça, Cultura e Emancipação (1929 - 1933), Porto, Campo das Letras, 2002,

ou seja, no meio dos meus trabalhos bibliográficos, a revista "mágica" do amor tem-me divertido. As fotonovelas estão cheias de verdadeiras maravilhas. O Vasco Graça Moura encontrou uma ontem: "no canto inferior esquerdo do fragmento do Grande Hotel que reproduz, lê-se: "breves, amenas conversas, mas que deixam na alma de Lucrécia uma trépida doçura". Uma "trépida doçura" será uma doçura a aquecer com um ruído de motor a gasóleo?". Não sei, só sei que tudo é possível no Grande Hotel. Veja-se o peso, imenso, esmagador, total, absoluto, deste humilde "porém..." da dama à direita, cheia de amor claro.
 


INTENDÊNCIA

Olha a grande novidade! Continua a bibliografia dos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO, a caminho das trezentas páginas... e não dá mesmo para ler o Grande Hotel.

Colocados no VERITAS FILIA TEMPORIS os dois artigos do Público (não acessíveis na rede) sobre o PSD, com o título MANTER TODOS OS “PORTUGAIS” QUE CAIBAM NO PSD, cuja terceira e última parte será publicada esta semana.
 


AR PURO


Cézanne
 


EARLY MORNING BLOGS 473

DIE SONETTE AN ORPHEUS - ERSTER TEIL - XXI


FRÜHLING ist wiedergekommen. Die Erde
ist wie ein Kind, das Gedichte weiß ;
viele, o viele .... Für die Beschwerde
langen Lernens bekommt sie den Preis.

Streng war ihr Lehrer. Wir mochten das Weiße
an dem Barte des alten Manns.
Nun, wie das Grüne, das Blaue heiße,
dürfen wir fragen : sie kanns, sie kanns !

Erde, die frei hat, du glückliche, spiele
nun mit den Kindern. Wir wollen dich fangen,
fröhliche Erde. Dem Frohsten gelingts.

O, was der Lehrer sie lehrte, das Viele,
und was gedruckt steht in Wurzeln und langen
schwierigen Stämmen: sie singts, sie singts !


XXI

Eis outra vez a Primavera. A Terra
é um menino que sabe dizer versos;
tantos, oh tantos... Por aquele esforço
de longo estudo vai receber um prémio.

Severo foi o mestre. Nós gostávamos
da brancura da barba daquele velho.
Agora podemos perguntar o nome
do verde, o azul: ela sabe, ela sabe!

Terra feliz, em férias, brinca agora
co'as crianças. Queremos agarrar-te,
Terra alegre. A mais jovial consegue-o.

Oh, o muito em que o mestre as instruiu
e o impresso nas raízes e nos longos
troncos difíceis: ela o canta, canta!

(Rainer Maria Rilke, traduzido por Paulo Quintela)

*

Bom dia!

17.4.05
 


NATUREZA MORTA A CAMINHO DE VIAGEM

Da esquerda para a direita: a pilha dos Grande Hotel, alguns quase desfeitos. “Está completo?”, perguntei. “Mais que completo. Alguns estão tão usados que têm folhas a mais que estavam soltas nos outros…”. Um moleskine, com um mapa dentro, dobrado. Uma cruz numa terra onde há um pluvium, e se vê chover ao longe. Uma cruz noutra terra onde esteve um louco. Outra cruz numa terra onde começou um olhar novo sobre as formas. Outra cruz sobre uma das ruas mais bonitas do mundo. No centro das linhas, unindo essas cruzes, ao modo herético, o Abrupto será aí feito daqui a dias. Uma pilha de livros que faltam numa bibliografia que nunca mais acaba e que tapam a estação meteorológica. Um comando de televisão. Um telemóvel. Uma pilha de zips. Um pequeno rádio. Um espelho convexo. Uma caneta, um lápis que foge para baixo para debaixo do teclado, uma moeda ínfima, um dado improvável, uma faca. Uma tesoura vermelha, duas mãos, um ecrã, um cartão de visita perdido, um papel com meia dúzia de palavras. Um azulejo, um modem que brilha no escuro, bocados de lava de três sabores, de três vulcões. Em bom rigor um não é lava, é pedra-pomes. Um disco pouco subtil, uma máquina fotográfica preparada, um radiómetro parado. Mais livros, desalojados pela bibliografia: Alice Munro, Ballard. Um rato. A beira da mesa. Vazio.
 


COISAS SIMPLES


Cézanne, Paul Alexis lendo a Emile Zola
 


EARLY MORNING BLOGS 472

Paseniño, paseniño,
vou pola tarde calada,
de Bastabales camiño.

Camiño do meu contento;
i en tanto o sol non se esconde,
nunha pedriña me sento.

E sentada estou mirando
como a lúa vai saíndo,
como o sol se vai deitando.

Cal se deita, cal se esconde,
mentras tanto corre a lúa
sin saberse para donde.

Para donde vai tan soia,
sin que aos tristes que a miramos
nin nos fale, nin nos oia.

Que si oíra e nos falara,
moitas cousas lle dixera,
moitas cousas lle contara.

(Rosalia de Castro)

*

Bom dia!

16.4.05
 


INTENDÊNCIA

Para não variar, a bibliografia...

Em breve, a versão 4.0 de OS CINQUENTA MOMENTOS POLÍTICOS MAIS IMPORTANTES DEPOIS DO 25 DE ABRIL, a penúltima.
 


BIBLIOFILIA: A LETRA DE UM ESPIÃO



Mas não foi só o Grande Hotel que encontrei nos alfarrabistas bracarenses, foi também este livro do célebre organizador da espionagem da França Livre, Gilbert Renault, dito “Coronel Remy”, com uma dedicatória do próprio (não tenho a certeza, mas quase) a um Almirante português em 1955.
 


MAIS GRANDE HOTEL , “A MÁGICA REVISTA DO AMOR”



Bravo! O amor é compatível com a arte com letra A, e com os surrealistas… em Roma. Mas há mais: “Coração que não sabe esquecer”, “Traída!”, “Eu tive este sonho”, “Truque de namorada”, “Não me odeie, meu amor!”, “Lágrimas”, várias e um mentiroso “Sempre te esperarei”. Um fabuloso casamento em Fiesso, “abandonando ela o alvo enxoval e ele fatiota nova, calçaram botas e enfrentaram a larga estrada para ir à Igreja”, treze quilómetros para sermos mais precisos, com neve alta. Casaram de cachecol. E há o “É proibido amar-te” e...
 


EARLY MORNING BLOGS 471

Between the Beating Clocks


Cheap, made to travel they throw their tiny drumbeats out in stereo from the bed table
to the work station. They fill the room
with a music of ticking, only just out
of synch. It could be maddening,
Poe's buried heart, or that spinning toy,
a shuttlecock, ratcheting over nylon cord
slap, slap, slap. Or the body's racket
in the blood, the slow tock of sex undone.
It soothes, they do, soothe, the ping-pong
rhythm of their second-clapping hands:
red line, a vein between this and that.


(Crystal Bacon)

*

Bom dia, "ticking"!

15.4.05
 


BIBLIOFILIA: TORCE-SE E SAI AMOR POR TODOS OS POROS



nesta fabulosa revista Grande Hotel, que encontrei num alfarrabista em Braga, terra muito propícia a estas descobertas. Alguns blogues deviam vir aqui buscar inspiração. Histórias: “Idílio a Bordo”, “Brincadeira”, e “Feira de livros”. Mas há mais: “Visita ao castelo”, “Passeio bucólico”, “A bela moleira”, “A bela enfermeira”, “Na Igreja”, “Refeição na montanha”. Há também uma fotonovela “Bela demais para ser feliz” e muito mais, um verdadeiro catálogo do mau gosto triunfante. Mais cedo ou mais tarde estará nos ícones da Taschen.

Não, não é engano. Na “Feira do livro”, o livro à esquerda é de Kant.
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: VOLTOU O MORSE, PONTO, TRAÇO DE NOVO

 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O PERDÃO DOS INFORMADORES

(...)Na realidade os democratas, com frequência, valorizam excessivamente o perdão, mesmo quando este pode fragilizar a própria democracia. A liberdade implica responsabilidade e os adultos são responsáveis/responsabilizáveis pelos seus actos . A pouca sensatez está em, no caso vertente, e como assinalou muito bem, deixar que sejam públicos os nomes (... e não só) das vítimas e se protejam os algozes.

Sou pouco crente na capacidade de alteração estrutural de um/a tipo/a que assumiu o desprezível papel de informador/a mas não quero fechar a porta ao arrependimento e à sua integração na democracia.No entanto, perante eles, como em dia de chuveiros,fecho o guarda-chuva mas não o deito fora...

(Maria Cruz)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: HOW FAR CAN YOU GO? DE DAVID LODGE

Comecei a ler o livro uns dias antes da deterioração do estado de saúde do Papa João Paulo II (não sabia, portanto, o quão pertinente a sua leitura se viria a revelar), terminei poucos dias após a sua morte. Tinha-o comprado numa das minhas "peregrinações" à Hodges & Figgis de Dublin sem absolutamente nenhuma referência para além do texto na contra-capa: "Polly, Dennis, Angela, Adrian and the rest were bound to lose their spiritual innocence as well as their virginities on the way from the 1950s to the '70s. On the one hand there was the traditional Catholic Church, on the other the siren call of the permissive society - the appearance of the Pill, the disappearance of Hell and the advent of COC (Catholics for an Open Church). It was inevitable that things would change fairly radically. But still...". E, claro, a certeza de umas horas bem entretidas que os livros de David Lodge sempre propiciam. Tal como o texto citado sugere, o livro narra a história de um grupo de católicos na Inglaterra dos anos 50 a 70, e das suas dúvidas e angústias na tentativa de conciliar a sua conduta numa sociedade cada vez mais permissiva com a sua religião.

Chama-se "How Far Can You Go" e o último parágrafo reza assim:

"While I was writing this last chapter, Pope Paul VI died and Pope Jonh Paul I was elected. Before I could type it up, Pope John Paul I had died and been succeeded by John Paul II, the first non-Italian pope for four hundred and fifty years: a Pole, a poet, a philosopher, a linguist, an athlete, a man of the people, a man of destiny, dramatically chosen, instantly popular - but theologically conservative. A changing Church acclaims a Pope who evidently thinks that change has gone far enough. What will happen now? All bets are void, the future is uncertain, but it will be interesting to watch."

O livro teve a sua primeira edição em 1980.

(Mariana Magalhães)

14.4.05
 


A OUVIR

o poema de Frank O'Hara To the Film Industry in Crisis, lido por ele próprio, um dos grandes hinos poéticos ao cinema, ao cinema americano, onde a "velha Europa" só espreita com Eric von Stroheim , na pele do "seducer of mountain-climbers' gasping spouses". Vale a pena ler enquanto se ouve:

To the Film Industry in Crisis


Not you, lean quarterlies and swarthy periodicals
with your studious incursions toward the pomposity of ants,
nor you, experimental theater in which Emotive Fruition
is wedding Poetic Insight perpetually, nor you,
promenading Grand Opera, obvious as an ear (though you
are close to my heart), but you, Motion Picture Industry,
it's you I love!

In times of crisis, we must all decide again and again whom we love.
And give credit where it's due: not to my starched nurse, who taught me
how to be bad and not bad rather than good (and has lately availed
herself of this information), not to the Catholic Church
which is at best an oversolemn introduction to cosmic entertainment,
not to the American Legion, which hates everybody, but to you,
glorious Silver Screen, tragic Technicolor, amorous Cinemascope,
stretching Vistavision and startling Stereophonic Sound, with all
your heavenly dimensions and reverberations and iconoclasms! To
Richard Barthelmess as the "tol'able" boy barefoot and in pants,
Jeanette MacDonald of the flaming hair and lips and long, long neck,
Sue Carroll as she sits for eternity on the damaged fender of a car
and smiles, Ginger Rogers with her pageboy bob like a sausage
on her shuffling shoulders, peach-melba-voiced Fred Astaire of the feet,
Eric von Stroheim, the seducer of mountain-climbers' gasping spouses,
the Tarzans, each and every one of you (I cannot bring myself to prefer
Johnny Weissmuller to Lex Barker, I cannot!), Mae West in a furry sled,
her bordello radiance and bland remarks, Rudolph Valentino of the moon,
its crushing passions, and moonlike, too, the gentle Norma Shearer,
Miriam Hopkins dropping her champagne glass off Joel McCrea's yacht
and crying into the dappled sea, Clark Gable rescuing Gene Tierney
from Russia and Allan Jones rescuing Kitty Carlisle from Harpo Marx,
Cornel Wilde coughing blood on the piano keys while Merle Oberon berates,
Marilyn Monroe in her little spike heels reeling through Niagara Falls,
Joseph Cotten puzzling and Orson Welles puzzled and Dolores Del Rio
eating orchids for lunch and breaking mirrors, Gloria Swanson reclining,
and Jean Harlow reclining and wiggling, and Alice Faye reclining
and wiggling and singing, Myrna Loy being calm and wise, William Powell
in his stunning urbanity, Elizabeth Taylor blossoming, yes, to you

and to all you others, the great, the near-great, the featured, the extras
who pass quickly and return in your dreams saying your one or two lines,
my love!
Long may you illumine space with your marvellous appearances, delays
and enunciations, and may the money of the world glitteringly cover you
as you rest after a long day under the kleig lights with your faces
in packs for our edification, the way the clouds come often at night
but the heavens operate on the star system. It is a divine precedent
you perpetuate! Roll on, reels of celluloid, as the great earth rolls on!


(Mérito do Borzoi Reader).
 


INTENDÊNCIA

Continua a saga da bibliografia...

Colocados no VERITAS FILIA TEMPORIS todos os textos da série da Lagartixa e do Jacaré, publicados na Sábado até há uma semana.

Actualizada com novos textos a nota LER de 11 de Abril, com o Google vs. França.
 


COISAS SIMPLES


C. Somov
 


EARLY MORNING BLOGS 470

All Things can tempt Me



All things can tempt me from this craft of verse:
One time it was a woman's face, or worse -
The seeming needs of my fool-driven land;
Now nothing but comes readier to the hand
Than this accustomed toil. When I was young,
I had not given a penny for a song
Did not the poet sing it with such airs
That one believed he had a sword upstairs;
Yet would be now, could I but have my wish,
Colder and dumber and deafer than a fish.


(Yeats)

*

Bom dia!

13.4.05
 


INTENDÊNCIA

Actualizado A LER de 11 de Abril sobre o Google e a França.

Continua a ser completada a Bibliografia Sistemática dos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO.
 


OS CINQUENTA MOMENTOS POLÍTICOS MAIS IMPORTANTES DEPOIS DO 25 DE ABRIL (Versão 3.0)


[Esta lista é uma terceira versão. Será de novo completada e eventualmente alterada com as colaborações dos leitores do Abrupto. Os comentários recebidos até agora estão anexos às versões anteriores. A vermelho algumas dessas sugestões que ainda não entraram na lista definitiva. A versão final será datada com mais precisão e indicará os principais responsáveis pelo "momento".]

1. O primeiro 1º de Maio, o respirar inicial da liberdade. Responsável: MFA (1 de Maio de 1974).
Gostaria de saber porque não incluiu a libertação dos presos políticos. A data ocorreu entre 25/04 e 01/05, uma vez que tenho a certeza de que alguns participaram já nas manifestações do primeiro 1º de Maio “público”.

(Lúcia Maria)
2. Criação dos partidos democráticos depois do 25 de Abril: a estruturação do PS na legalidade, a criação do PSD e do CDS.

3. Decisão do PCP de se opor à manifestação da "maioria silenciosa” de 28 de Setembro dando início ao chamado “Processo revolucionário em curso” (PREC) (no mês de Setembro de 1974).

4. Discurso de Salgado Zenha no Pavilhão dos Desportos contra a “unicidade sindical” (16 Janeiro 1975).

5. Legalização do divórcio nos casamentos religiosos com a alteração da Concordata. Responsável: Salgado Zenha (15 de Fevereiro de 1975).

6. Golpe e contra-golpe do 11 de Março. Responsáveis: Spínola e a ala militar ligada ao PCP no Conselho da Revolução (11 de Março de 1975).

7. Nacionalizações a seguir ao 11 de Março. Responsável: Conselho da Revolução.

8. Eleições para a Assembleia Constituinte que deram vitória aos partidos que se opunham ao PREC (25 de Abril de 1975).

9. Incêndios e destruições das sedes do PCP no Centro e Norte do país (a partir de fins de Maio de 1975).

10. Comício da Fonte Luminosa, ponto alto da resistência ao PREC dos socialistas (19 de Julho de 1975).
Creio que ficaria bem nesta resenha uma referência ao "documento dos nove" que circulou pelas unidades militares, em Julho/Agosto de 75 e que permitiu recentrar o papel da FA no processo de democratização e que fechou o caminho à "democracia popular". Sem esta atitude a cubanização seria talvez imparável.

(Eugénio Ferreira)

x. "Olhe que não, olhe que não", o debate Soares/Cunhal (6 de Novembro de 1975).

11. O 25 de Novembro, fim da expressão militar do PREC (25 de Novembro de 1975).

A intervenção do capitão Duran Clemente na RTP no dia 25 Novembro de 1975. Um dos momento mais trágico-cómicos da vida política portuguesa.

(Alexandre Feio)
12. Declarações de Melo Antunes impedindo a ilegalização do PCP depois do 25 de Novembro (26 de Novembro).

x. Autonomias regionais.

13. Fim do império colonial e "retorno" dos portugueses de África (anos de 1975-7).

14. Aprovação da Constituição em 1976 que garantia os direitos fundamentais de uma democracia, mas mantinha na sua parte económica e em muitos outros aspectos a linguagem e o adquirido do PREC.

15. Acção de Sottomayor Cardia no Ministério da Educação, o primeiro ministro a tentar sair do “estilo” e dos poderes do PREC.

Ao ler a sua lista sobre os 50 momentos políticos mais importantes depois do
25 de Abril deparei com este que me fez escrever-lhe. Eu estava na Universidade, na Faculdade de Letras de Lisboa, quando Sottomayor Cardia foi Ministro da Educação. Hoje sei que ele tinha obviamente razão em querer destruir o que nós - os esquerdistas que paralisávamos com grande facilidade as universidades - chamávamos a "gestão democrática", e nós não.

Mas ele foi também o autor de uma remodelação curricular dos cursos de Letras, e em particular do de História (que concluí), que nunca deixei de pensar que foi uma regressão sem sentido, sobretudo nessa altura. (e já não falo do regresso de um certo número de saneados que, por muito injusto e inaceitável que fosse o seu saneamento dois anos antes, traziam um cheiro a bolor intelectualmente insuportável).
Hoje dizem-se e escrevem-se coisas assustadoras sobre a Universidade desses anos e a avaliação contínua e todas as tropelias que sabemos...

Mas eu gostaria de lembrar que foi desses anos universitários - e falo apenas do curso de História da FLL - em que os professores se chamavam José Matoso, Cláudio Torres, Jorge Custódio, Borges Coelho (e, em 75/76, ainda Barradas de Carvalho) e uma lista enorme de outros nomes, que saíram pessoas que hoje têm intervenção pública notória como António Costa Pinto, Nuno Severiano Teixeira, Bernardo Vasconcelos e Sousa (ex-director da Torre do Tombo), Francisco Bethencourt, João Pinharanda, (o falecido) Manuel Hermínio Monteiro, os jornalistas Henrique Monteiro e Pedro Caldeira Rodrigues e uma lista de nomes que poderia continuar mas que correria o risco de ser fastidiosa. E estou apenas a lembrar alguns nomes desse curso de História sem ir para a Filosofia (António Pinto Ribeiro, Manuel S. Fonseca,...) ou a Literatura e as Línguas e ter que lhe encher várias páginas (de alunos e também de professores). Terá sido esse um momento importante? Que saudades desses anos...

(Pedro Borges)

16. A Lei Barreto, o início da contra-reforma agrária.

17. Vitória da AD demonstrando a possibilidade de alternância democrática à hegemonia do PS.

18. Morte acidental (ou assassinato) de Sá Carneiro.

19. Fim do Conselho da Revolução na revisão constitucional de 1982

20. “Bloco central” em que PS e PSD dividiram o estado, os cargos públicos, as áreas de influência, os gestores públicos, criando um establishment de poder que ainda hoje é prevalecente.

21. Desmantelamento das FP 25 de Abril e prisão dos seus responsáveis.

22. “Apertar do cinto” obrigado pelo FMI, numa situação de quase ruptura das finanças públicas. Responsáveis: Ernâni Lopes e Mário Soares.

23. A criação do PRD, o partido de iniciativa presidencial que dividiu o eleitorado socialista. Responsável: Ramalho Eanes (25 de Fevereiro de 1985).

24. Primeira volta das eleições presidenciais de 1985 em que Mário Soares acaba com o “pintasilguismo” e com as últimas tentativas de um “socialismo” ao modelo peruano. e a sua eleição como primeiro Presidente civil da democracia.

25. Congresso do PSD da Figueira da Foz em que vence Cavaco (Maio de 1985).

26. Entrada de Portugal na UE (1 de Janeiro de 1986).

27. Dissolução da Assembleia da República depois da aprovação da moção de censura do PRD (1987).

28. Maioria absoluta de Cavaco Silva, uma verdadeira subversão de um sistema eleitoral construído para obrigar a governos de coligação.

29. O influxo de vultuosos fundos comunitários, parcialmente desperdiçados no Fundo Social Europeu, mas permitindo importantes obras infraestruturais que mudaram a face do país.

30. Privatização do espaço televisivo e da comunicação social escrita do estado. Responsável: Cavaco Silva.

31. Introdução do IVA, a mais efectiva modernização do sistema fiscal desde o 25 de Abril.

32. Revisão económica da Constituição permitindo finalmente a existência de uma plena economia de mercado e as privatizações.

33. A primeira Presidência portuguesa da UE. Responsável: Cavaco Silva.

34. O Massacre de Santa Cruz, em Timor-Leste e todo o processo subsequente de luta pela autodeterminação de Timor-Leste (12 de Novembro de 1991).

35. A orientação do Independente para criar um populismo de direita contra o PSD. Responsável: Paulo Portas.

36. Criação do PP contra o CDS, dando expressão partidária ao populismo de direita e à acção unipessoal de Paulo Portas. Responsáveis: Paulo Portas e Manuel Monteiro.

37. Bloqueio da Ponte 25 de Abril (1994).

Em 1994. As célebres manifestações de atitudes obscenas contra Manuela Ferreira Leite, então ministra da educação do governo de Cavaco Silva e a “geração rasca” alcunhada por Vicente Jorge Silva no editorial do seu jornal, O Público. A geração que baixou as calças e mostrou as nádegas ao Governo ao mesmo tempo que gritava “não pagamos”.

(Francisco Pacheco Craveiro)
38. O “tabu”, a decisão de Cavaco Silva de não se candidatar às próximas eleições legislativas, fim do “cavaquismo” (1995).

39. A decisão de fazer a Expo mudando a face oriental de Lisboa (1998).

40. Vitória do “não” no "Referendo sobre a instituição em Concreto das Regiões Administrativas (8-Nov-1998)",

41. Criação do Rendimento Mínimo Garantido.

42.. Referendo sobre o Aborto (Junho de 1998).

43. Adesão ao euro (1 de janeiro de 1999).

44. Devolução de Macau à plena soberania chinesa (20 de Dezembro de 1999).

45. Demissão de António Guterres.

46. Processo Casa Pia: depois do processo Emaudio, é o primeiro grande processo-crime que envolve importantes dirigentes políticos.

47. Saída de Durão Barroso para a Presidência da UE.

48. Campanha eleitoral do PS entre João Soares, Manuel Alegre e José Sócrates.

49. Dissolução da Assembleia da República e fim do governo Santana Lopes - Paulo Portas. Responsável: Jorge Sampaio.

50. Maioria absoluta do PS. Responsável: José Sócrates (20 de Fevereiro de 2005).

*
É um acontecimento cujo impacto ainda não podemos medir, mas que desde já talvez mereça ser colocado algo acima do número 42 da sua lista. A vitória com maioria absoluta do PS mostrou que, apesar dos condicionamentos do sistema eleitoral, é possível que saiam directamente de eleições maiorias unipartidárias de esquerda (tal como já havia sido possível à direita...).
Um acontecimento que ainda não se encontra na lista e que talvez se justifique ser acrescentado: a ocupação do cargo de primeira-ministra por uma mulher;

(Filipe)


*

E os Inadiáveis e a ruptura de Sá Carneiro? E talvez o discurso de Almada do Vasco Gonçalves? Lembra-se de um cartaz que apareceu nas grades do jardim do Miguel Bombarda? «Volta, Vasco, estás perdoado! Mas se não quiseres voltar, ao menos vem aos tratamentos!»

E outro: «O Exército é o espelho da Nação». E alguém andou a escrever, por baixo de muitos: “Estamos muito mal servidos de espelhos…”

Portugal ainda não tinha perdido o gosto de rir dos seus políticos e das suas situações. E que falta que isso faz. A uns e a outros…

(Luis Manuel Rodrigues)
*

No sentido de dar um pequeno contributo para esta lista lembrei-me do caso
Felgueiras que levou à fuga de uma "figura politica" para o Brasil.

Há também o famoso acordo do queijo limiano que aprovou as contas de 2001.

(Carlos Lopes)
*

Gostaria de dar o meu contributo com alguns momentos que considero merecerem fazer parte da lista (como pontos ou sub pontos):

Pacto MFA-Partidos, que permitiu a realização das eleições e terá marcado até hoje o espectro político português (uma vez que ainda hoje o CDS tem dificuldades em encontrar um espaço claro)

Cerco ao congresso do CDS, às suas sedes e a comícios do PPD

Cerco à Assembleia Constituinte e o "badamerda" do 1º ministro

Eleição do deputado da UDP, facto que deu origem ao BE (na minha opinião o que uniu os partidos do BE foi a possibilidade de regressar ao parlamento sem o estigma de coligações contra natura)

Manifestações pró Timor, no pós referendo.

(Pedro Castaño)

*
O acordo de Bicesse. Pela relevância nacional e internacional com a alta influência de José Manuel Durão Barroso.

(Tiago Craveiro)
 


BREVE

versão 3.0 de OS CINQUENTA MOMENTOS POLÍTICOS MAIS IMPORTANTES DEPOIS DO 25 DE ABRIL.

12.4.05
 


A OUVIR

Wallace Stevens a "dizer" "The Idea of Order at Key West" .
 


COISAS COMPLICADAS


Ingres
 


EARLY MORNING BLOGS 469

GOMES LEAL


Sagra, sinistro, a alguns o astro baço.
Seus três anéis irreversíveis são
A desgraça, a tristeza, a solidão.
Oito luas fatais fitam no espaço.

Este, poeta, Apolo em seu regaço
A Saturno entregou. A plúmbea mão
Lhe ergueu ao alto o aflito coração,
E, erguido, o apertou, sangrando lasso.

Inúteis oito luas de loucura
Quando a cintura tríplice denota
Solidão e desgraça e amargura!

Mas da noite sem fim um rastro brota,
Vestígios de maligna formosura:
É a lua além de Deus, álgida e ignota.


(Fernando Pessoa)

*

Bom dia!

11.4.05
 


NATUREZA MORTA DE NOITE

Da esquerda para a direita: um moleskine quase no fim, uma tesoura vermelha, um lápis de muito longe, castanho, uma pilha de cartões de visita, as Etimologias de S. Isidoro de Sevilha, edição bilingue, latim e castelhano, um DVD do PCGamer, com o Freedom Force vs the Third Reich, uma máquina fotográfica cheia de fotografias, uma pilha de zips, um rádio de ondas curtas da Sony, meia dúzia de moedas, euros e dimes, um penny para os teus pensamentos”, um número de telefone escrito à pressa, duas caixas vazias de Clubmaster verde para guardar as moedas, um agrafador, duas mãos fazendo o meio no meio, um ecrã, dois olhos, fazendo o meio no meio, um espelho côncavo, um azulejo de Delft, um postal com um livro, uma porta (ou será um monte de caixas?), selos e um telescópio, uma estação meteorológica, , vinte graus aqui, dezasseis lá ao fundo, onze lá fora, algum vento, escuro, pedaços de lava, vária, um ramo pequeno de cedro das encostas, um dado viciado, um rato branco, depois o que está atrás, fantasmas, livros.
 


INTENDÊNCIA

Nova actualização de OS CINQUENTA MOMENTOS POLÍTICOS MAIS IMPORTANTES DEPOIS DO 25 DE ABRIL (Versão 2.0).
 


COISAS SIMPLES


Kuzma Petrov-Vodkin
 


A LER

No NYT France Detects a Cultural Threat in Google e Jean-Noël Jeanneney, "L'intelligence, l'innovation ne sont pas seulement outre-Atlantique !" no Le Monde. "Estratégia de Lisboa" no seu pleno sentido chauvinista.

*
Não vejo qualquer fundamento para classificar de chauvinista a ideia de as bibliotecas europeias iniciarem um processo de digitalização das suas colecções, usando os seus proprios recursos e fazendo a sua propria selecção. Nós, os leitores, só teremos a ganhar com uma maior oferta e diversidade. Por outro lado, sera que, por exemplo, a ESA, o ESO, o CERN, o EMBL são tambem manifestações de chauvinismo?!?

(MP)
*
Os Franceses devem estar zangados porque o Google mostra 296.000 referências a "chauvinism" e apenas 50.400 a "chauvinisme". Mesmo como teoria da conspiração é idiota pensar que os "rankings" do Google servem para promover a cultura "anglo-saxónica" em detrimento da cultura "europeia". Será que o senhor Jeanneney acredita mesmo que há alguem sentado numa cave em Mountain View, California, cuja terefa é decidir o que é ou não "anglo-saxónico"? Ou tem simplesmente medo de perder o controlo da sua preciosa biblioteca para bárbaros cujo unico critério cultural é a utilidade? É triste ver como o medo da competição, medo do mundo, fecha as portas a quem esteja interessado na cultura francesa e pior, a quem por acaso poderia encontrar a cultura francesa no Google, e ficar interessado.

(Luis Teixeira)
*

Também não concordo com o termo chauvinista. Digamos que os termos "mesquinho" ou "ridículo" serão mais adequados.

Sobre o comentário ao seu post, acho que a ESA, o ESO e principalmente o CERN não se fizeram por uma questão de sensibilidade europeia (Jean-Noël Jeanneney não nos dá a mais pálida luz sobre a que possa corresponder tal conceito, pelo que terei de ser eu a interpretá-lo, na minha triste condição de googledependente, que vê o mundo pelo prisma americano), porque não se pode argumentar seriamente que a descoberta do bosão de Higgs dependa de outra sensibilidade que não a dos detectores destinados ao efeito. Ou que o desvio para o vermelho das galáxias distantes seja interpretável à luz da graduação dos óculos dos astrónomos europeus. Ou que a sensibilidade do Ariane permite colocar em órbita satélites que de outra forma não seria possível lá colocar.

É com esta França que a União Europeia se vai afirmar no mundo?

(Mário Almeida)

*
Quanto ao tema da iniciativa francesa, acho absolutamente delirante que um governante considere a hipótese de atacar um mercado onde actuam empresas privadas, utilizando para isso capitais públicos. Assim, ficamos a saber que um serviço que nos chega de uma forma gratuita terá brevemente um concorrente, que para os franceses terá o custo de uma parte dos seus impostos ser utilizada para o capricho de um governante.
A segunda ideia delirante, e esta verdadeiramente doentia, resulta da conclusão do responsável da Bibliotece Nacional de França, que o critério de classificação através do page rank é pouco credível e por isso a solução "à francesa" passa pela criação de um "grupo de sábios", que classificará quais os documentos mais importantes e por isso quais os documentos que devemos ler prioritariamente.
Este conceito de "grande orientador" passa de uma forma pacífica porque é proposto pelo governo francês. O que diria a nossa classe intelectual se esta proposta tivesse a assinatura de Berlusconi?

(Miguel)
*

O que será mais penoso para os franceses é confrontarem-se com a pujança da cultura (universitária, científica, tecnológica, artística, literária, comunitária, etc.) anglo-saxónica, por contraposição à balofice retrógada, favoritista, subsidiada, orgulhosa e instalada que há tanto tempo marca as "superiores culturas latinas". O fenómeno GOOGLE nada mais significa do que o mensageiro que se pretende ver morto. Antes isso que colocar em causa o mito civilizacional da superioridade cultural latina em geral e francesa em particular. Doeria demais. Implicava mexer em demasiados orgulhos, em demasiadas estruturas organizacionais, em demasiados privilégios.

(Luís Pereira Coutinho)
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota OS CINQUENTA MOMENTOS POLÍTICOS MAIS IMPORTANTES DEPOIS DO 25 DE ABRIL (Versão 2.0) com colaborações dos leitores.

Actualizados os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO com o início de uma série sobre os quadros de Avelino Cunhal em colecções particulares, e continua a ser completada a Bibliografia Sistemática.
 


EARLY MORNING BLOGS 468

Upon a House shaken by the Land Agitation



How should the world be luckier if this house,
Where passion and precision have been one
Time out of mind, became too ruinous
To breed the lidless eye that loves the sun?
And the sweet laughing eagle thoughts that grow
Where wings have memory of wings, and all
That comes of the best knit to the best? Although
Mean roof-trees were the sturdier for its fall,
How should their luck run high enough to reach
The gifts that govern men, and after these
To gradual Time's last gift, a written speech
Wrought of high laughter, loveliness and ease?


(Yeats)

*

Acerca de uma Casa Ameaçada pela Agitação da Terra

Como seria mais feliz o mundo se esta casa,
Onde paixão e rigor se fundiram em
Tempos imemoriais, em ruínas transformada
Deixasse de criar o olho sem pálpebras que ama o sol?
E os doces e alegres pensamentos de águias que crescem
Onde asas contêm memória de asas, tudo
O que vem do melhor se une ao melhor? Embora
Os pobres pilares mais fortes na queda se tornassem,
Que grande sorte teria de ser a sua para alcançar
Os dons que governam os homens, e mais ainda
O último dom do Tempo sucessivo, discurso escrito
Forjado em alto riso, encanto e paz?

(tradução de José Agostinho Baptista)

*

Bom dia!

10.4.05
 


OS CINQUENTA MOMENTOS POLÍTICOS MAIS IMPORTANTES DEPOIS DO 25 DE ABRIL (Versão 2.0)


[Esta lista é uma segunda versão. Será de novo completada e eventualmente alterada com as colaborações dos leitores do Abrupto, incluindo as sugestões de “momentos” adicionais para perfazer o número de cinquenta. Os comentários recebidos até agora estão anexos à versão anterior. A vermelho algumas dessas sugestões que ainda não entraram na lista definitiva. A versão final será datada com mais precisão e indicará os principais responsáveis pelo "momento".]
Quando Salgueiro Maia, na parada de Santarém, deu ordem de marcha.Este é momento Inicial de tudo o que agora vivemos.

(C.Indico)
1. O primeiro 1º de Maio, o respirar inicial da liberdade. Responsável: MFA (1 de Maio de 1974).

2. Criação dos partidos democráticos depois do 25 de Abril: a estruturação do PS na legalidade, a criação do PSD e do CDS.

3. Decisão do PCP de se opor à manifestação da "maioria silenciosa” de 28 de Setembro dando início ao chamado “Processo revolucionário em curso” (PREC) (no mês de Setembro de 1974).

x. Discurso de Salgado Zenha no Pavilhão dos Desportos contra a “unicidade sindical” (16 Janeiro 1975).

4. Legalização do divórcio nos casamentos religiosos com a alteração da Concordata. Responsável: Salgado Zenha (15 de Fevereiro de 1975).

5. Golpe e contra-golpe do 11 de Março. Responsáveis: Spínola e a ala militar ligada ao PCP no Conselho da Revolução (11 de Março de 1975).

6. Nacionalizações a seguir ao 11 de Março. Responsável: Conselho da Revolução.

7. Eleições para a Assembleia Constituinte que deram vitória aos partidos que se opunham ao PREC (25 de Abril de 1975).

x. Incêndios e destruições das sedes do PCP no Centro e Norte do país (a partir de fins de Maio de 1975).

8. Comício da Fonte Luminosa, ponto alto da resistência ao PREC dos socialistas (19 de Julho de 1975).

É natural que a visão que cada um tem da importância relativa de acontecimentos que decorreram há mais de 30 anos seja muito influenciada pelo seu próprio ponto de vista de então. E não me refiro tanto às questões ideológicas, como ao ponto de vista em si, no sentido do simples posicionamento: dentro da floresta, fora dela, no alto da colina, de frente ou de costas para um determinado acontecimento, etc.

E também me parece que existe uma memória altamente selectiva, sobretudo em termos da mitificação do que era o PS dessa época, em comparação com o PS de hoje. De todos os partidos, o que até hoje maiores mudanças registou, e de muito longe, foi sem dúvida o PS, e fala-se disso como de pormenor insignificante se tratasse...

Na lista dos 50 acontecimentos, continuo a notar uma excessiva minimização do período que vai de 1 de Maio a 28 de Setembro de 1974, incluindo a importantíssima demissão, na sequência imediata do 28 de Setembro, do Presidente da República, gen. Spínola, por falta de apoio, não só militar, mas também por parte dos partidos ditos democráticos, que lhe tivesse permitido limitar o MFA ao seu anunciado e legítimo papel anterior ao PREC.

É evidente que quanto mais recuados são os acontecimentos considerados, tanto mais rica se torna a árvore de possibilidades que decorre de alguns desfechos alternativos. Daí a importância do primeiro embate entre a legalidade revolucionária pós-25 de Abril tal como estabelecida pelo programa do MFA / Junta, e um segundo tipo de actuação à margem dessa mesma legitimidade por parte do PCP, do PS e do sector anti-spinolista do MFA, que diariamente iam fazendo recuar o projecto de livre organização política que depreciativamente crismavam de «democracia burguesa».

Nesse período, surgiram (e legalizaram-se exactamente nos mesmos termos e requisitos legais que PCP, PS, PPD, CDS e muitos outros 'a extrema-esquerda do espectro) diversos partidos à direita do CDS que criaram jornais próprios de intervenção política activa. Os dois principais eram o Partido do Progresso, que defendia um federalismo «'a Spínola» e combatia o abandono do Ultramar sem consulta às populações (no fundo, a única forma possível de tentar manter algum tipo de estrutura imperial, mas também uma pretensão perfeitamente legítima), e o Partido Liberal que procurava basicamente alertar para o perigo comunista e defendia uma economia aberta de mercado, muito próxima do que quase todos os partidos defendem hoje em dia. Esses partidos teriam concorrido às eleições constituintes se não tivessem sido eliminados pela violência no 28 de Setembro, juntamente com os seus jornais.

Mais importante ainda: depois desse período de 5 meses em que todas as forças tacteavam o terreno, um MFA inicialmente incerto da sua força frente aos políticos civis e às chefias militares tradicionais que ainda estavam em posição, adquiriu consciência do que podia fazer, surgindo em pleno a partir daí a nomenklatura politico-militar dos «capitães de Abril» que se consideravam acima dos processos de decisão eleitoral próprios da «democracia burguesa» e procuravam criar uma tutela permanente para o regime, segundo modelos de tipo cubano, peruano, etc.
(uma das suas ambiçoes era uma representação fixa das Forças Armadas no parlamento através do MFA, segundo o modelo indonésio).

Considere a seguinte pequena ficção, uma projecção imaginária dum 28 de Setembro diferente:

1) Os dirigentes do PS, em vez de secundarem o PCP na organização das barricadas, mantêm uma atitude de respeito pela legalidade e conseguem, com algum esforço e chegando ao ponto de dirigir alocuções pela rádio apelando ao respeito pela lei, segurar as suas bases.

2) A manifestação realiza-se, acompanhada de embates entre manifestantes e contra-manifestantes do PC e extrema-esquerda em diversos acessos a Lisboa. Verificam-se mortos e bastantes feridos, mas, sem o apoio entusiástico e unânime do eixo PCP-PS, as forças do MFA que saem para as barricadas são escassas e não conseguem impedir a grande manifestação em Belém, onde Spínola e Costa Gomes são aclamados. Vasco Lourenço perde-se no caminho e volta para casa sem ninguém dar por ele. Otelo refugia-se na embaixada de Cuba. Melo Antunes nega qualquer participação, mas é colocado nos Açores. No fim da jornada, o que ressalta é que a única «intentona» foi a do PC, mas o resultado foi exactamente o oposto do desejado. No dia seguinte, o PPD e o CDS acusam energicamente o PC de prepotência anti-democrática, enquanto no seio do PS as correntes mais moderadas procuram explicar aos militantes mais radicais que é necessário acompanhar «o processo» sem aventureirismos até à realização de eleições.

3) O resultado é o fortalecimento da posição de Spínola, que há muito procurava desesperadamente apoios para tentar fazer respeitar o que chamava a «pureza do programa do MFA», e sobretudo um enfraquecimento do MFA, com progressiva dificuldade em intervir no terreno e conduzir saneamentos militares. Outro resultado é uma nova urgência por parte dos partidos de esquerda em levar a cabo eleições o mais depressa possível para se obter uma legitimação pelas urnas capaz de fazer recuar o que consideram o «perigo de golpe fascista».

4) O resultado das primeiras eleições constituintes de Janeiro de 1975 é uma assembleia sem maioria absoluta, em que PS e PPD sao os principais partidos, seguidos pelo PC e CDS, e pela coligação do PP e do PL que impede a distorção que até ao 28 de Setembro ameaçava deslocar todo o espectro político, criando um vácuo absoluto à direita do CDS. Mais tarde, o gen. Costa Gomes, bom conhecedor de Angola, e conhecido pelos seus invulgares poderes de conciliação de proposições contraditórias, é nomeado comissário para a descolonização, e Portugal, visando garantir o acesso dos seus territórios à independência de forma tão pacífica quanto possível, apresenta um calendário solicitando, se necessário, o envio de uma força internacional aceitável a todas as partes, com o objectivo de impedir a tomada de poder dos diversos movimentos de libertação sem eleições prévias nem preservação dos mecanismos administrativos capazes de assegurar alguma continuidade ao processo.

Improvável, este cenário particular? Com certeza. Ou talvez. Mas não é esse o ponto. É sempre fácil garantir que nada poderia ter sido diferente do que foi, mas é mais difícil exibir esse oráculo de ciência maravilhosa «avant la lettre». Para se avaliar o grau de compreensão daquilo em que se metiam a cada passo, por parte das nossas clarividentes sumidades partidárias, nada como reler os seus textos e discursos da época...

O que quero dizer com tudo isto é que o seu 3º tempo, como está, fica inócuo e não traduz o que foi o intenso combate político da época. E, já agora, falta outro tempo importante anterior ao 3º, correspondente ao anúncio expresso, por parte do gen. Spínola, que reconhecia o direito à independência das colónias. É importante porque representa uma abdicação das suas próprias ideias insustentáveis (a «Federação Portuguesa» maioritariamente africana), e demonstra um realismo que poderia ter dado frutos se não fosse a sua quase total falta de apoio por parte dos descolonizadores «à pressão» do PS e PCP.

Quanto ao ponto 3º, onde está:

3. Decisão do PCP de se opor à manifestação da "maioria silenciosa” de
28 de Setembro dando início ao chamado “Processo revolucionário em curso” (PREC) (no mês de Setembro de 1974).

...deveria estar, ao menos e em nome da simples objectividade, qualquer coisa como:

3. Oposição do PCP, PS e MFA à manifestação da "maioria silenciosa” de
28 de Setembro, dando início ao chamado “Processo revolucionário em curso” (PREC), com a eliminação dos partidos legais de direita;

...seguida de outro ponto:

-- Resignação do Presidente da República Spínola.

(A.)

x. "Olhe que não, olhe que não", o debate Soares/Cunhal (6 de Novembro de 1975).

9. O 25 de Novembro, fim da expressão militar do PREC (25 de Novembro de 1975).

10. Declarações de Melo Antunes impedindo a ilegalização do PCP depois do 25 de Novembro (26 de Novembro).

11. Fim do império colonial e "retorno" dos portugueses de África (anos de 1975-7).

12. Aprovação da Constituição em 1976 que garantia os direitos fundamentais de uma democracia, mas mantinha na sua parte económica e em muitos outros aspectos a linguagem e o adquirido do PREC.
Pois é... parece que esqueceu de inserir, nos marcos da Democracia Portuguesa, a Autonomia Regional da Madeira e dos Açores...

(Roberto Albuquerque)

13. Acção de Sottomayor Cardia no Ministério da Educação, o primeiro ministro a tentar sair do “estilo” e dos poderes do PREC.
Julgo que deveria acrescentar a formação do segundo governo constitucional, em 1978, por ser o primeiro governo de coligação.

(José Carlos Santos)

14. A Lei Barreto, o início da contra-reforma agrária.

15. Vitória da AD demonstrando a possibilidade de alternância democrática à hegemonia do PS.

16. Morte acidental (ou assassinato) de Sá Carneiro.

17. Fim do Conselho da Revolução na revisão constitucional de 1982

x. a primeira requisição civil aquando de uma greve.

18. “Bloco central” em que PS e PSD dividiram o estado, os cargos públicos, as áreas de influência, os gestores públicos, criando um establishment de poder que ainda hoje é prevalecente.

x. Desmantelamento das FP 25 de Abril e prisão dos seus responsáveis.

19. “Apertar do cinto” obrigado pelo FMI, numa situação de quase ruptura das finanças públicas.
Neste ponto , têm que se incluir a acção ( decisiva , anti-populista mas fundamental) de Ernani Lopes, que foi muito importante para depois termos condições para a entrada na UE.

(Joana Gama de Sousa)
20. A criação do PRD, o partido de iniciativa presidencial que dividiu o eleitorado socialista. Responsável: Ramalho Eanes (25 de Fevereiro de 1985).

21. Primeira volta das eleições presidenciais de 1985 em que Mário Soares acaba com o “pintasilguismo” e com as últimas tentativas de um “socialismo” ao modelo peruano. e a sua eleição como primeiro Presidente civil da democracia.

Já menciona o evento, reportando-se ao fim do “pintasilguismo”na 1ª volta, mas entendo que a 2ª volta da primeira eleição de Soares para a presidência, em inícios de 1986 (?), foi um momento (2 semanas) absolutamente decisivo. Eu diria que um dos dez mais desde o 25 de Abril de 74.

Ele consagrou Soares como a referência definitiva da esquerda e de esquerda, fermentando decisivamente as condições para o bipartidismo dos anos 90, bem visível com Guterres em 95 e 99 e na eleição de Sampaio Vs. Cavaco em 95/96. Por outro lado, mesmo o que designa por pintasilguismo, depois de derrotado é absorvido sem mácula na 2ª volta. O PCP não mais pôde utilizar o anti-Soarismo, ou algo de adversarial que lhe equivalesse, como antes, definhando continuadamente a partir daí. Foi afinal, creio, o momento onde se configura a matriz genética das vitórias de Guterres, Sampaio e Sócrates. Responsável? Mário Soares.

(Vítor Reis Machado)

22. Congresso do PSD da Figueira da Foz em que vence Cavaco (Maio de 1985).
(...) a vitória de Cavaco Silva no congresso da Figueira da Foz não me parece adequada a esta lista. É claro que, sem esta vitória, Cavaco Silva não teria chegado a primeiro-ministro, mas é aquilo que ele fez enquanto primeiro-ministro que merece destaque.

(José Carlos Santos)
23. Entrada de Portugal na UE (1 de Janeiro de 1986).

Rejeição por Cavaco Silva do pedido de Mário Soares, recém-empossado como Presidente da República, para pôr o seu lugar à disposição (Março de 1986). Fim da possibilidade prática de haver, em Portugal, governos tutelados pelo Presidente da República. Fim do debate sobre a melhor forma de governo, quanto aos poderes do Presidente da República e do Governo. Mário Soares percebeu a força de novidade desse facto, não obstante a sua acção posterior ter sido desfavorável ao último governo de Cavaco Silva. Um dos erros graves do primeiro-ministro indigitado Pedro Santana Lopes, em 2004, foi o de se ter apressado a indicar ao Presidente da República, antes de todos os outros, os nomes dos novos ministros das Finanças e dos Negócios Estrangeiros, ao pensar que aquele, com esse “aparente” acto de subserviência, sustentaria o seu governo. A primeira maioria absoluta do PSD vem no seguimento daquela afirmação - de elevado alcance político -, pelo que é menos o início de algo novo do que a continuação. Já com Ramalho Eanes, Cavaco Silva tinha privilegiado a exigência de boas relações institucionais entre o primeiro-ministro e o Presidente da República, em detrimento do confronto entre diferentes legitimidades eleitorais. É um facto que o PSD ganhou as eleições legislativas de 1987 e de 1991 com slogans muito diferentes dos da Aliança Democrática, nomeadamente em 1980. O PSD não pediu ao eleitorado “uma maioria, um Governo e um Presidente”, mas sim “uma maioria para governar”. Cavaco Silva teve, então, condições para ser um líder forte, tal como Portugal precisava. É por isso que, quanto ao exercício da função de primeiro-ministro (que, desde então, sobreleva o Governo), todas as comparações se fazem com Cavaco Silva.

(João Caetano)

24. Dissolução da Assembleia da República depois da aprovação da moção de censura do PRD (1987).

25. Maioria absoluta de Cavaco Silva, uma verdadeira subversão de um sistema eleitoral construído para obrigar a governos de coligação.

26. O influxo de vultuosos fundos comunitários, parcialmente desperdiçados no Fundo Social Europeu, mas permitindo importantes obras infraestruturais que mudaram a face do país.

27. Privatização do espaço televisivo e da comunicação social escrita do estado. Responsável: Cavaco Silva.

28. Introdução do IVA, a mais efectiva modernização do sistema fiscal desde o 25 de Abril.

29. Revisão económica da Constituição permitindo finalmente a existência de uma plena economia de mercado e as privatizações.

Sugiro que a seguir ao 29º momento seja referido o" aparecimento de novas instituições bancárias privadas,que tornaram a banca portuguesa das poucas áreas económicas que suportam comparações internacionais".

(A.L.B.Barrinhas)

30. A primeira Presidência portuguesa da UE. Responsável: Cavaco Silva.

x. O Massacre de Santa Cruz, em Timor-Leste e todo o processo subsequente de luta pela autodeterminação de Timor-Leste (12 de Novembro de 1991).

31. A orientação do Independente para criar um populismo de direita contra o PSD. Responsável: Paulo Portas.

32. Criação do PP contra o CDS, dando expressão partidária ao populismo de direita e à acção unipessoal de Paulo Portas. Responsáveis: Paulo Portas e Manuel Monteiro.

x. Bloqueio da Ponte 25 de Abril (1994). (Sugestão de Mário Almeida)

33. O “tabu”, a decisão de Cavaco Silva de não se candidatar às próximas eleições legislativas, fim do “cavaquismo” (1995).

34. A decisão de fazer a Expo mudando a face oriental de Lisboa (1998).

(...)estive à pouco a ler o post de ontem sobre o assunto em epígrafe, e já que sou um "espectador" minimamente atento da história e política portuguesas, parece-me de colocar o momento em que António Guterres, ao momento na presidência da União Europeia, bateu o pé ao Governo austríaco de "extrema direita" com um vigor que me pareceu na altura bem maior do que o noticiado em Portugal.

(RMF)
Sugiro que se inclua como momento da maior importância o "Referendo sobre a instituição em Concreto das Regiões Administrativas (8-Nov-1998)", que inicia o fim de A. Guterres revelando a sua falta de firmeza(evidente, por exemplo, na geografia do modelo referendado - deviam ter sido, devem ser, as regiões plano).
Nesse referendo desperdiçou-se uma grande oportunidade para reformar a administração pública e manteve-se, até hoje, o seu modelo burocrático, centralista e ineficaz de que tanto nos queixamos, até os que "acampanharam"
pelo não.
Determinou-se então também o acentuar do modelo rural-despovoado/urbano-concentrado, que permitiu os incêndios de 2003, o descalabro energético do sistema de transportes, os graves problemas sociais suburbanos... Em minha opinião o momento foi importante e António Guterres devia ter-se demitido na noite de 8 de Novembro de 1998.

(A. Carvalho)

35. Criação do Rendimento Mínimo Garantido.

x. Referendo sobre o Aborto (Junho de 1998).

36. Adesão ao euro (1 de janeiro de 1999).


x. Devolução de Macau à plena soberania chinesa (20 de Dezembro de 1999)

Creio que vale a pena igualmente lembrar a entrega da soberania de Macau à China. E a imagem do Governador a receber a bandeira e a abraça-la num momento algo emocional.

(Ricardo Carvalho)

37. Demissão de António Guterres.

38. Processo Casa Pia: depois do processo Emaudio, é o primeiro grande processo-crime que envolve importantes dirigentes políticos.

39. Saída de Durão Barroso para a Presidência da UE.

A avaliar pela lista admito sugerir algo que, quer pelo nome, quer pela referência e efeito, merece aqui figurar. Porque um cabeça de lista morrer três dias antes da eleição é historicamente marcante. A morte de Sousa Franco (em campanha), após uma inenarrável luta de facções do PS, na lota de Matosinhos.

(Tiago Craveiro)

40. Campanha eleitoral do PS entre Manuel Alegre e José Sócrates.

Penso que o Sr. ao não ter considerado um acontecimento, ainda que negativo e abrindo precedentes de dimensões ainda incomensuráveis, a ida de Marcelo Rebelo de Sousa ao Palácio de Belém por ter sido despedido de uma televisão, incorre num erro por omissão, que é grave.

(António Guimarães)

41. Dissolução da Assembleia da República e fim do governo Santana Lopes - Paulo Portas. Responsável: Jorge Sampaio.

42. Maioria absoluta do PS. Responsável: José Sócrates (20 de Fevereiro de 2005).

*

Aproveito para enviar quatro sugestões que a intuição recomenda que se ponderem:

a) 1993-1995-1998: a primeira auto-estrada que atravessou o interior de Portugal no sentido longitudinal (Lisboa-Évora-Caia);

b) O Euro-2004: discorde-se ou não (sobretudo em termos de repercussão financeira), creio que foi um facto nacional e também internacional de envergadura;

c) Política cultural-1: Penso que a Lisboa Capital da Cultura-1994 foi muito importante, não apenas por si só, mas pelo impacto que se traduziu numa nova concepção de programação, não apenas na capital mas em todo o país urbano;

d) Política cultural-2: A XVII exposição (1984?) teve bastante importância no país por ter reposto algum orgulho memorial, pela primeira vez, no pós-Prec.

Luís Carmelo (Miniscente)
*

Parece-me que faltam duas coisas importantes na sua lista:

- a democratização do ensino superior (que talvez tenha começado antes do 25 de Abril, não sei bem as datas - estou a pensar na fundação da Católica, mas que é muito nítida actualmente para quem ensina);
- e a instituição do princípio do estudante-pagador (mesmo no ensino sup. público).

Não me parece que a recente campanha do PS seja relevante; parece-me que foi muito mais significativo o massacre que Mário Soares inflingiu em tempos a Freitas do Amaral num longínquo debate televisivo...

De resto não tenho muito a acrescentar. Talvez a Lisboa 94 e o Porto 2001, dois bons pretextos culturais para se construir ou restaurar uma série grande de infra-estruturas.

(Luísa Soares de Oliveira)
 


COISAS SIMPLES


David Wilkie
 


EARLY MORNING BLOGS 467

O recorte de um cão, na areia, ao luar.
Seu passo imprime
O cuidado miúdo e honesto de passar.

Mas que tristeza oprime
Tanto cão que vi uivar a tanta eira?
Que longo e liso, o fio da noite!
- E amar, esperar desta maneira!

Numa cidade deserta
(Talvez outra, ou Ninive)
Encontrei um anel, uma oferta,
Da vértebra de um cão,
Para uma mulher que já não vive.

Mas tudo isso foi vão,
E até nem sei se esse osso tive.


(Vitorino Nemésio)

*

Bom dia!

9.4.05
 


INTENDÊNCIA

Actualizadas as notas OS CINQUENTA MOMENTOS POLÍTICOS MAIS IMPORTANTES DEPOIS DO 25 DE ABRIL , NO MURO DAS LAMENTAÇÕES e A LER de 6 de Abril.
 


EARLY MORNING BLOGS 466: "UM OLHAR DE AÇO QUE ESSA NOITE EXPLORA"

Pára-me de repente o pensamento
Como que de repente refreado
Na doida correria em que levado
Ia em busca da paz do esquecimento.

Pára surpreso, escrutador, atento,
Como pára um cavalo alucinado
Ante um abismo súbito rasgado.
Pára e fica, e demora-se um momento.

Pára e fica, na doida correria.
Pára à beira do abismo, se demora.
E mergulha na noite escura e fria.

Um olhar de aço, que essa noite explora.
Mas a espora da dor seu flanco estria,
E ele galga e prossegue sob a espora...


(Angelo de Lima)

*

Bom dia!

8.4.05
 


OS CINQUENTA MOMENTOS POLÍTICOS MAIS IMPORTANTES DEPOIS DO 25 DE ABRIL (Versão 1.1)


[Esta lista é uma primeira versão. Será completada e eventualmente alterada com as colaborações dos leitores do Abrupto, incluindo as sugestões de “momentos” adicionais para perfazer o número de cinquenta. A vermelho as sugestões que me parecem ser de aceitar de imediato e que passarão a preto na versão 2.0, do mesmo modo que os comentários respeitantes a cada entrada serão colocados a seguir a essa entrada.]


1. O primeiro 1º de Maio, o respirar inicial da liberdade;

2. Criação dos partidos democráticos depois do 25 de Abril: a estruturação do PS na legalidade, a criação do PSD e do CDS;

3. Decisão do PCP de se opor à manifestação da "maioria silenciosa” de 28 de Setembro dando início ao chamado “Processo revolucionário em curso” (PREC);

4. Golpe e contra-golpe do 11 de Março;

5. Nacionalizações a seguir ao 11 de Março;

6. Resistência ao PREC dos socialistas, apoiados pelo PSD e pelo CDS;

7. Eleições para a Assembleia Constituinte que deram vitória aos partidos que se opunham ao PREC;

8. O 25 de Novembro, fim da expressão militar do PREC;

9. Declarações de Melo Antunes impedindo a ilegalização do PCP depois do 25 de Novembro;

x. Fim do império colonial e "retorno" dos portugueses de África.

10. Aprovação da Constituição em 1976 que garantia os direitos fundamentais de uma democracia, mas mantinha na sua parte económica e em muitos outros aspectos a linguagem e o adquirido do PREC;

11. Acção de Sottomayor Cardia no Ministério da Educação, o primeiro ministro a tentar sair do “estilo” e dos poderes do PREC;

12. A Lei Barreto, o início da contra-reforma agrária;

13. Fim do Conselho da Revolução;

14. Vitória da AD demonstrando a possibilidade de alternância democrática à hegemonia do PS;

15. Morte acidental (ou assassinato) de Sá Carneiro;

16. “Bloco central” em que PS e PSD dividiram o estado, os cargos públicos, as áreas de influência, os gestores públicos, criando um establishment de poder que ainda hoje é prevalecente;

17. “Apertar do cinto” obrigado pelo FMI, numa situação de quase ruptura das finanças públicas;

18. A criação do PRD, o partido de iniciativa presidencial que dividiu o eleitorado socialista;

19. Primeira volta das eleições presidenciais de 1985 em que Mário Soares acaba com o “pintasilguismo” e com as últimas tentativas de um “socialismo” ao modelo peruano;

20. Congresso do PSD da Figueira da Foz em que vence Cavaco:

21. Dissolução da Assembleia da República depois da aprovação da moção de censura do PRD;

22. Maioria absoluta de Cavaco Silva, uma verdadeira subversão de um sistema eleitoral construído para obrigar a governos de coligação;

23. Entrada de Portugal na UE;

24. O influxo de vultuosos fundos comunitários, parcialmente desperdiçados no Fundo Social Europeu, mas permitindo importantes obras infraestruturais que mudaram a face do país;

25. Privatização do espaço televisivo e da comunicação social escrita do estado;

26. Introdução do IVA, a mais efectiva modernização do sistema fiscal desde o 25 de Abril;

27. Revisão económica da Constituição permitindo finalmente a existência de uma plena economia de mercado e as privatizações;

28. A primeira Presidência portuguesa da UE;

29. A decisão de fazer a Expo mudando a face oriental de Lisboa;

30. A orientação do Independente por Paulo Portas para criar um populismo de direita contra o PSD;

31. Criação do PP contra o CDS, dando expressão partidária ao populismo de direita e à acção unipessoal de Paulo Portas;

32. Adesão ao euro e ao “pelotão da frente” da UE;

33. O “tabu”, a decisão de Cavaco Silva de não se candidatar às próximas eleições legislativas, fim do “cavaquismo”;

34. Criação do Rendimento Mínimo Garantido;

35. Demissão de António Guterres;

36. Processo Casa Pia: depois do processo Emaudio, é o primeiro grande processo-crime que envolve importantes dirigentes políticos;

37. Saída de Durão Barroso para a Presidência da UE;

38. Campanha eleitoral do PS entre Manuel Alegre e José Sócrates;

39. Dissolução da Assembleia da República e fim do governo Santana Lopes - Paulo Portas;

40. Maioria absoluta do PS.

*

Subjectiva como necessariamente tem de ser, a lista é discutível. Como normalmente acontece com estas listas, noto nela alguma aceleração rumo ao presente.

Por mim, acrescentaria como fundamental na estabilização da nossa vida cívica pós 25 de Abril, a primeira requisição civil aquando de uma greve, feita (salvo erro) pelo Governo liderado por Carlos Alberto da Mota Pinto.

(António Cardoso da Conceição)

*

Julgo que há três momentos a juntar.
- A 1ª eleição de Eanes que marcou a normalização democrática "mínima" e a normalização militar. (Restou o Conselho da Revolução)
- A votação do Orçamento do Governo Presidencial de Mota Pinto, que veio a originar a cisão das opções inadiáveis por três razões:
Marcou o fim dos governos de inciativa Presidencial ( o de Lurdes Pintassilgo já era apenas para realizar eleições)
Marcou o início, para o bem, e para o mal, o carácter presidencialista na vida dos partidos.
Da cisão das opções inadiáveis e do insucesso da ASDI (que fazem parte da minha história) , definitivamente se apercebeu que as cisões não têm futuro. As cisões deram lugar às travessias no deserto. E tudo já deu várias voltas.
- A coligação PSD-PP de 2002- marca o assumir que quando um partido não obtem a maioria absoluta é porque a indicação do eleitorado é a de uma coligação. Terminaram os tempos em que "ganhava" o maior partido minoritário.

(António Alvim)

*

Falta o debate Soares/Cunhal
"Olhe que não, olhe que não"
Um momento ímpar no separar das águas
O comunismo veio ao de cima

(Nuno Magalhães)

*

Há duas alterações que venho sugerir aos pontos que mencionou:

1) Sou da opinião que ao falar na «Resistência ao PREC dos socialistas, apoiados pelo PSD e pelo CDS» deveria lembrar o comício da Fonte Luminosa.

2) Quando menciona a fundação d'O Independente, deveria também falar de Miguel Esteves Cardoso.

(José Carlos Santos)

*

Eu faria as seguintes correcções, tendo em vista alguns pormenores do importante período inicial, hoje muito esquecido:

3. Oposição armada do PCP, PS e MFA anti-spinolista à manifestação autorizada da "maioria silenciosa” de 28 de Setembro, dando início ao chamado “Processo revolucionário em curso” (PREC);

6. Levantamentos populares anti-comunistas no Norte e Centro do pais, seguidos de resistência do PS, nao ao PREC, mas 'a sua própria destruição pelo PCP, que começa no auge do caso Republica e acaba por congregar em torno de si todas as forças anti-PCP.

Porquê?

3. Porque a oposição (armada) à manifestação de 28 de Setembro, que visava fornecer ao gen. Spinola um apoio popular visível que pudesse, não permitir o «golpe spinolista» (como então alegaram os verdadeiros
golpistas) mas, pelo contrario, evitar que o golpe em curso contra o programa do MFA / Junta prosseguisse, não foi, de modo algum, unicamente do PCP. Foi, pelo menos em parte igual, do PS e, até certo ponto, também do PPD. A situação é adequadamente resumida na manifestação triunfal conjunta de PS, PCP e PPD no Rossio, que se seguiu à jornada das «barricadas». Alias, os próprios adeptos do PPD expulsaram com sucesso manifestantes com bandeiras do CDS que procuravam, também eles, um pequeno lugar ao sol do PREC, no descalabro do programa inicial do MFA / Junta, e na proibição dos partidos embrionários à direita do CDS, bem como de diversos jornais com as correspondentes orientações.

6. Porque a resistência ao PREC não foi inicialmente, e contrariamente às lendas piedosas, do PS, em cujas fileiras militavam muitos dos seus mais destacados adeptos, claramente desejosos de impor um regime de socialismo anti-burguês e anti-parlamentar («com liberdade para todos sem excepção, desde a extrema-esquerda até ao centro», como dizia Sottomayor Cardia, sem se aperceber do ridículo). A resistência ao PREC foi um fenómeno genuinamente popular que, no inicio, durante o «verão quente» de 1975, teve um enquadramento que poderia ser classificado de «reaccionário» (sem nenhuma conotação negativa), na medida em que a onda de ataques às sedes do PCP (na ordem dos 300, muitos dos quais incendiários, sobretudo no norte do pais), nao proveio de modo algum do PS, mas sim de meios ligados sobretudo à pequena propriedade rural, pequena burguesia e "last but not the least" à própria Igreja. Alias, os assaltos e fogos-postos estenderam-se em diversos locais 'as sedes do PS.

Pequeno aparte a propósito do 28 de Setembro, verdadeira charneira de todo o processo subsequente: o tipo catastrófico de descolonização que viria a ter lugar foi uma consequência directa da derrota de Spinola frente ao eixo MFA-PCP-PS. A responsabilidade do que sucedeu no Ultramar português deve ser compartilhada pelo regime colonialista de Salazar, que nunca quis perceber que o futuro das colónias tinha necessariamente que passar pelo futuro dos colonizados e nao sá dos colonizadores, e pelo PREC do continente que assegurou a transição directa do colonialismo para a guerra civil (ou a ditadura) sem dar qualquer hipótese, nem de desenvolvimento politico controlado 'as populações locais, nem de eventuais soluções menos trágicas para os colonos por la' estabelecidos. Como e' evidente, os planos de «federalismo progressista» de Spinola não tinham qualquer hipótese, a menos que se concebesse Portugal como uma futura colónia africana na Europa, mas e' admissível que com mais tempo e sem os contínuos psico-dramas dos golpes e contra-golpes, dentro e fora dos quartéis, se conseguisse uma descolonização menos catastrófica.

Nestas coisas de «catástrofes politicas», as que sucederam de facto são sempre apresentadas pelos seu responsáveis como muito menos importantes do que as que teriam sucedido em seu lugar se as acções tivessem sido diferentes. Geralmente cinco segundos de reflexão chegam para se perceber a lógica da «catástrofe menor», sobretudo quando a responsabilidade e' maior...

(A.)

*

Parece-me que a eleição de Mário Soares para a Presidência da República foi importante também por ser o primeiro civil a desempenhar o cargo após o 25 de Abril.

Noutro campo, talvez incluísse na lista as primeiras medalhas de ouro olímpicas de Carlos Lopes e Rosa Mota, por terem conjugado a recompensa do esforço individual com a projecção do país. (Estes exemplos não arrastam o futebol. Os êxitos desportivos podem dizer pouco sobre um país, mas indicam um mínimo de organização. Os desportos em que esses êxitos acontecem também dizem alguma coisa... Cf. com quenianos...)

(S.)

*

Parece-me importante, as independências das colónias, enquanto consumação real do fim do Império com todas as consequências económicas, sociais e humanas .

(António Miguel Guimarães)

*

O referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez em Junho de 1998:
- foi o primeiro referendo nacional;
- com abstenção superior a 50%;
- a dificuldade de fugir a uma leitura dos resultados: norte (e ilhas) vs sul.

Pelo acima exposto considero esse referendo um dos cinquenta momentos políticos mais importantes depois do 25 de Abril.

(Pedro Tarquinio)

*

Penso que a realização do referendo sobre o Aborto em 1998 foi um momento relevante não só pela desmistificação da possibilidade da co-existência da democracia directa com a democracia representativa mas também pelo resultado, uma demonstração (incómoda para muitos) da não coincidência entre o país dos partidos e o país das consciências individuais.

(Carlos Campos)

*

Acho este exercício muito interessante de fazer, na tentativa de identificar o que realmente marcou politicamente estes quase 31 anos de regime democrático (quer dizer, quase 30 anos, porque o período entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro tem muito pouco de democrático...).

Concordo com a maioria dos factos identificados, ainda que os meus 31 anos apenas me permitam conhecer muitos deles à distância e através dos relatos que me foram chegando. No entanto, sobre o período do qual tenho memórias mais concretas, destacaria igualmente:

a) O Massacre de Santa Cruz, em Timor-Leste e todo o processo subsequente de luta pela autodeterminação de Timor-Leste, apoiado de uma forma praticamente unânime pelo povo português.

b) Mais recentemente, a eleição de Rui Rio para a Câmara Municipal do Porto, dando um sinal ao País de que ainda é possível a competência triunfar sobre o populismo e o caciquismo.

c) As figura de Marcelo Rebelo de Sousa enquanto a "consciência política" do País, primeiro com os seus "Exames" na TSF, posteriormente com as crónicas dominicais na TVI.

d) Pela negativa, o recente Governo Santana Lopes, que em 6 meses conseguiu praticamente destruir a credibilidade do País e, acima de tudo, do PSD.

(Nuno Peralta)

*

Eu acrescentaria à lista o I Congresso Socialista do PS na legalidade, que decorreu de 13 a 15 de Dezembro de 74 na Aula Magna. Parece-me um momento muito importante no processo da implantação da democracia porque constituiu, a meu ver, uma ruptura com uma certa mentalidade "unitária", personalizada por Manuel Serra. A vitória de Mário Soares (que esteve em risco de perder o congresso) foi a vitória da moderação e a demonstração da possibilidade de um caminho "de esquerda" autónomo face ao PCP. Embora este período tenha muitos momentos significativos e importantes, tudo seria diferente se Serra tivesse ganho.

(Tiago Saleiro Maranhão)

*

Penso que deveria figurar a promulgação da Lei da Liberdade Religiosa: Lei 16/2001, de 22 de Junho.

(Abílio Cardoso)

*

Parece-me que, bem mais importante que o jornal Independente que, permita-me que lhe diga, sugere-me uma pequena vingança e eventualmente dar-lhe uma importância que acho não teve em termos de pós 25 de Abril, parece-me dizia, que a intervenção do Jornal Novo ou da Tarde (não me recordo bem) dirigido por Artur Portela (filho), enquanto lugar de reflexão não alinhado, de, por exemplo, a Carta dos Nove (outro momento decisivo), merece um destaque, porque uma voz diferente, nos momentos vividos após o 25 de Abril.

(Rui Silva)

*

(...) um momento político relevante passa por referir a intervenção do Prof Freitas do Amaral ao louvar a actuação do então General Costa Gomes no 25 de Novembro, evitando a guerra civil.

(carlos gama)

*

Penso que dois momentos importantes são a saída de Alvaro Cunhal do PCP e a criação do BE.

(Jorge Alexandre Jorge)
 


AR PURO


C. Angrand

7.4.05
 


EARLY MORNING BLOGS 465

Let Evening Come


Let the light of late afternoon
shine through chinks in the barn, moving
up the bales as the sun moves down.

Let the cricket take up chafing
as a woman takes up her needles
and her yarn. Let evening come.

Let dew collect on the hoe abandoned
in long grass. Let the stars appear
and the moon disclose her silver horn.

Let the fox go back to its sandy den.
Let the wind die down. Let the shed
go black inside. Let evening come.

To the bottle in the ditch, to the scoop
in the oats, to air in the lung
let evening come.

Let it come, as it will, and don't
be afraid. God does not leave us
comfortless, so let evening come.


(Jane Kenyon)


*

Bom dia!
 


NO MURO DAS LAMENTAÇÕES

Quem lida com a Igreja Católica Apostólica Romana e se esquece que está a lidar com uma instituição antiga, uma das raríssimas instituições que merece o nome de antiga, engana-se ou não percebe as linhas com que se cose ou é cosido. (A surpresa da derrota no referendo do aborto é um bom exemplo, se bem que de um evento apesar de tudo menor). No meio de todo este ruído que se agita à nossa volta a propósito da morte do papa, – e que daqui a uma semana será substituído por outro nos telejornais, exactamente com os mesmos mecanismos –, encontrei na Rua da Judiaria este texto que o Papa escreveu num papelinho para colocar no Muro das Lamentações em 26 de Março de 2000:

Deus dos nossos pais, que escolheste Abraão e os seus descendentes para trazer o Teu nome às nações: estamos profundamente tristes com o comportamento daqueles que, ao longo do curso da história, causaram sofrimento a estes teus filhos e, pedindo o teu perdão, manifestamos o desejo de nos comprometermos a uma irmandade genuína com o povo do convénio.

Não tem nem uma palavra a mais, nem a menos e diz exactamente o que quer dizer. Tudo é medido com uma dimensão que dificilmente encontramos à nossa volta. É ao mesmo tempo um texto religioso, – o acto de o colocar nas reentrâncias do Muro tem significado religioso –, uma mensagem religiosa e política e um programa de intenções. O Papa dirige-se ao “Deus dos nossos pais”, ou seja a Jeová; “que escolheste Abraão e os seus descendentes para trazer o Teu nome às nações”, ou seja os judeus, o povo eleito com uma missão divina; afirma a sua “tristeza” pelas perseguições aos judeus colocando-se do lado dos perseguidores, daí o pedido de “perdão” (a Jeová, a Deus); e manifestando o desejo ecuménico de uma “irmandade genuína” com o “povo do convénio”, de novo com os judeus assim descritos na sua qualidade bíblica. Os judeus são nomeados sempre pelas suas designações e funções bíblicas, acentuando o fundo teológico e histórico comum. Na terra, Jerusalém, em que Cristo foi morto, não há menção a Cristo, como se o Papa estivesse, de um modo ainda mais ancestral. virado apenas para as paredes do Templo de Salomão.

*
A propósito da sua nota sobre o modo como o Papa, pedindo perdão ao povo judeu pelas perseguições da História, em termos que mais parecem exprimir o desejo do restauro da unidade primordial da mesma fé, uma espécie de "regresso à casa comum", não resisto a deixar-lhe um belo texto de Santo Agostinho, no seu Comentário ao Evangelho de S. João (XVI, 3), que traduzo:

"A Pátria do Senhor é o Povo judeu.
Contempla a multidão dos judeus agora,
observa essa nação, dispersa pelo mundo, arrancada às suas raízes, olha para esses ramos, esmagados, cortados, lançados de um canto para o outro, ressequidos.
Na sua ferida, a oliveira selvagem teve o seu enxerto.
Vê a massa do povo judeu, o que te diz ele?
Esse que vós honrais, Esse que vós adorais, era nosso irmão!"


Agostinho escreveu este texto no momento histórico em que os judeus já levavam três séculos de diáspora forçada (após a queda de Jerusalém, em 70 d. C.), e em que se começava a adensar, no Estado romano legalmente cristianizado, a perseguição à religião irmã, suficientemente próxima nas suas características para se constituir rival para o cristianismo, e que, por isso, urgia diabolizar. Ao mesmo tempo, uma e outra religião empreendem um caminho teológico de reinterpretação dos textos que, avivando as diferenças, as colocou de costas voltadas pelos séculos afora.

Mas Agostinho escreveu este texto para ser ouvido, em homilia (comentário ao Evangelho), pelos fiéis cristãos que tinham Agostinho por pastor. O cristão é, pois, interpelado a corrigir a sua atitude em relação a "esse irmão mais velho" que era o judaísmo, como se vê pela pessoa e modo verbal usados. Não teria sido, decerto, a atitude mais comum por parte dos pastores da Igreja, como também não foi comum a atitude de João Paulo II. Mas a verdade do Espírito nem sempre fala pelo número dos que lhe invocam a autoridade.

Por vezes, na História da Igreja, temos umas centelhas cuja luz, brilhando, indicam o caminho a seguir, feito de tolerância, de reconhecimento pelo valor do outro, cuja diferença é uma riqueza, e não uma realidade a esmagar.
(Paula Barata Dias)

6.4.05
 


A LER

Na Capital de 6 de Abril, que só vi hoje, a lista actual dos 116 cardeais com notas biográficas. Embora não tenha encontrado no jornal a indicação da origem, deve ter sido um trabalho comprado lá fora. Seja como for, é das melhores contribuições para ficarmos informados sobre a realidade da Igreja, contrastando com jornais e televisões que nos dão escassa informação e muita palha.

Só hoje o seu comentário sobre o trabalho que publicámos sobre os 116 cardeais. Apesar de parecer "comprado" no estrangeiro foi feito aqui mesmo nesta pequena redacção através de um imenso trabalho de pesquisa. Deu trabalho, mas pensamos que valeu a pena.

(Fernanda Mira)

Como todos o coleccionadores gosto de listas e a rede é um magnífico repositório de listas. Camille Paglia começou a publicar as dela no seu endereço "oficial" , e começou com as dez esculturas preferidas. A "novidade", a descoberta da Camille, numa lista previsível, é a estátua de Chapin, o "puritano" fundador de Springfield. A estátua é muito interessante, mas, enfim, sempre ocupa o lugar do Moisés ou da Pietá, o que convenhamos... Dez é pouco.

(E, de passagem, o grafismo do endereço da Paglia parece o dos cartazes do PSD na última campanha. Fica-se com a sensação de dejà vu.)
 


EARLY MORNING BLOGS 464

SONETO FIEL


Vocábulos de sílica, aspereza,
Chuva nas dunas, tojos, animais
Caçados entre névoas matinais,
A beleza que têm se é beleza.

O trabalho da plaina portuguesa,
As ondas de madeira artesanais
Deixando o seu fulgor nos areais,
A solidão coalhada sobre a mesa.

As sílabas de cedro, de papel,
A espuma vegetal, o selo de água,
Caindo-me nas mãos desde o início.

O abat-jour, o seu luar fiel,
Insinuando sem amor nem mágoa
A noite que cercou o meu ofício.


(Carlos Oliveira)

*

Bom dia!
 


FOGO QUE ARDEU VENDO-SE


5.4.05
 


INTENDÊNCIA

Continua a ser completada a bibliografia sistemática nos ESTUDOS SOBRE COMUNISMO.
 


A LER


A nota O Estado Ladrão no Jaquinzinhos, um retrato exacto de por que é que temos dificuldade a ir a qualquer outro lado que não seja a cepa torta.

A Memória Inventada em geral e o Esplanar sobre a comida histórico-literária.


As notícias sobre os Prémio Pulitzer deste ano. O prémio de poesia foi para Ted Kooser, um improvável (para os paradigmas de muitos intelectuais europeus) poeta segurador, que foi toda a vida vice-presidente da Lincoln Benefit Life Insurance, de Lincoln, Nebraska, uma terra de milho e mísseis. Um dia contarei as minhas memórias de Lincoln, mas fica para já um poema:


After Years

Today, from a distance, I saw you
walking away, and without a sound
the glittering face of a glacier
slid into the sea. An ancient oak
fell in the Cumberlands, holding only
a handful of leaves, and an old woman
scattering corn to her chickens looked up
for an instant. At the other side
of the galaxy, a star thirty-five times
the size of our own sun exploded
and vanished, leaving a small green spot
on the astronomer's retina
as he stood on the great open dome
of my heart with no one to tell.


(Ted Kooser)

Um poema de Kooser, A Happy Birthday, foi reproduzido no Abrupto em 28 de Dezembro de 2004.
 


COISAS SIMPLES


Vuillard, Fleurs sur une cheminée aux Clayes
 


EARLY MORNING BLOGS 463

SEM DATA


Esta voz com que gritei às vezes
Não me consola de só ter gritado às vezes.

Está dentro de mim como um remorso, ouço-a
Chiar sempre que lembro a paz de segurança estulta
Sob mais uma pedra tumular sem data verdadeira.

Quando acabava uma soma de silêncios,
Gritava o resultado, não gritava um grito.

Esta voz, enquanto um ar de torre à beira-mar
Circula entre folhas paradas,
Conduz a agonia física de recordar a ingenuidade.

Apetece-me explicar, agora, as asas dos anjos.


(Jorge de Sena)

*

Bom dia!
 


GEOGRAFIA DO MUNDO SUBTERRÂNEO



Geografia do mundo subterrâneo, em Fédon de Platão (111-112)

"(...) No seu conjunto, tal é a natureza da terra e de tudo quanto a rodeia. Mas também nela, nas suas concavidades, há muitas regiões dispostas circularmente; umas mais profundas e abertas do que esta em que habitamos; outras que, sendo mais profundas, têm uma abertura menor que a nossa região; e há outras que são de menor fundura que esta, mas mais amplas. Todas estas regiões subterrâneas comunicam entre si, em muitos pontos no interior da terra, por meio de canais, de diâmetros mais estreitos ou mais largos, por onde flui em abundância a água de umas regiões para as outras, como em bacias, formando rios perenes e subterrâneos de incontável grandeza, tanto de águas quentes como frias, em contínuo fluxo; passando por aí em abundância o fogo, há também enormes rios de fogo e de lama, ora mais límpida, ora mais lamacenta, como essas torrentes de barro que na Sicília fluem precedendo a torrente de lava e depois a própria lava. Todas essas regiões da terra, são inundadas por estes rios, consoante a direcção tomada pelas suas correntes, que se movem para cima e para baixo, por efeito de uma oscilação que se produz no interior da terra, cuja causa natural obedece ao seguinte: Há entre os abismos da terra um que é o maior e que a atravessa de lado a lado. A isto alude Homero quando diz: Muito distante, onde se abre sob a Terra, o abismo mais profundo. (...)"

(cortesia de Ana da Palma)

4.4.05
 


INTENDÊNCIA

Continua a actualização dos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO, onde arquivei a crítica que publiquei a semana passada ao Dicionário no Feminino e continuo a completar a bibliografia.

Actualizada a nota O ENXOFRE É BOM PARA AS RÃS?
 


DE "MARIA GRAÇA SAPINHO" A CATARINA EUFÉMIA: ALGUMAS FONTES

A discussão que se trava nos ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO sobre Catarina Eufémia revela as grandes dificuldades em tratar com distância os eventos da nossa história do século passado, em particular nos anos da ditadura. Nostálgicos do regime e / ou da história “oficial” do PCP , canónica para a oposição mesmo quando não era comunista, tornam toda a discussão uma polémica. Esta parece-me útil e reveladora, mas nela , em princípio, não participarei directamente.

No Abrupto e nos Estudos reproduzo apenas algumas das primeiras versões publicadas dos eventos na imprensa clandestina, que revelam a rapidez da difusão da notícia da morte, mas também as confusões com a identidade da "camponesa" (o termo era usado na época para designar aquilo que era, na verdade, uma trabalhadora rural). Tendo em conta o modo como funcionava a estrutura clandestina do PCP, isto parece indicar que o partido podia seguir de perto os conflitos rurais, quase em tempo real, mas aponta para que Catarina Eufémia não fosse militante ou simpatizante organizada do partido. Dois elementos suplementares sobre a clandestinidade: a cadeia de comunicação dependia dos encontros regulares dos funcionários controleiros, que devia ser pelo menos mensal; e as datas reais dos jornais (não dos panfletos) deve ser acrescentada pelo menos de um mês.

O assassinato deu-se a 19 de Maio de 1954 e a primeira notícia conhecida vem num panfleto da Organização Regional do Alentejo do PCP, datado de dois dias depois:



Como se vê Catarina vem identificada como "Maria da Graça", nome pelo qual é citada no Avante! Nº 187, de Abril-Maio 1954. No Camponês nº 44,de Maio-Junho de 1954, o orgão do partido para os campos do Sul, a notícia não refere sequer o nome:




No Camponês nº 45, de Agosto-Setembro de 1954, corrigia-se o nome de Maria Graça Sapinho pelo de Catarina Eufémia



Tendo em conta a relevância do acontecimento, tal como o percebemos hoje, o seu tratamento nos números seguintes do Camponês é residual e só em 1955 começa a ganhar dimensão acompanhando iniciativas de agitação local, como a “designação” do largo principal de Baleizão como “Catarina Eufémia”, e outras no primeiro aniversário da morte.

Ver também (se tal fosse possível sem pagar haveria ligação...) o artigo de Paula Godinho, "Ainda o mito de Catarina Eufémia", no Público de 4 de Abril de 2005.
 


PÚBLICO EM LINHA PAGO

Sou a favor que os serviços que custam a outrem produzir sejam pagos por aqueles que os consomem. Nada tenho por isso contra o pagamento da consulta do Público em linha: o Público custa dinheiro a fazer, devo pagar por ele. No entanto, o jornal deve pensar noutro valor, valor económico ponderável e real, que é o da sua autoridade pela influência (não coincidem necessariamente, mas relacionam-se). Essa é fortemente afectada pela diminuição de acesso, mas acima de tudo pela impossibilidade da citação e da ligação. O Público irá desaparecer das ligações quotidianas da blogosfera e de outro tipo de páginas da rede e ficará apenas dependente do mecanismo de citação da comunicação social tradicional. Ou seja, perde a rede, local de influência, perde valor em sectores cada vez mais significativos da opinião e que têm um efeito multiplicador único para um jornal que se pretende “de referência”.
 


A LER

O Mar Salgado, nestes dias de mar, por causa de notas como O HERÓI ou REISEN.

Sobre o plágio nos trabalhos universitários, um caso português.

O artigo de Nat Hentoff sobre a morte de Terri Schiavo (sugestão de José Carlos Santos). Mais interessante ainda por ser de quem é e por ter sido publicado no Village Voice.
 


CONE



visto do ar, a geometria da terra perfeita.
 


EARLY MORNING BLOGS 462

Flying


One said to me tonight or was it day
or was it the passage between the two,
"It's hard to remember, crossing time zones,

the structure of the hours you left behind.
Are they sleeping or are they eating sweets,
and are they wanting me to phone them now?"

"In the face of technological fact,
even the most seasoned traveler feels
the baffled sense that nowhere else exists."

"It's the moving resistance of the air
as you hurtle too fast against the hours
that stuns the cells and tissues of the brain."

"The dry cabin air, the cramped rows of seats,
the steward passing pillows, pouring drinks,
and the sudden ridges of turbulence. . ."

"Oh yes, the crossing is always a trial,
despite precautions: drink water, don't smoke,
and take measured doses of midday sun,

whether an ordinary business flight
or a prayer at a pleasure altar. . .
for moments or hours the earth out of sight,

the white cumuli dreaming there below,
warm fronts and cold fronts streaming through the sky,
the mesmerizing rose-and-purple glow."

"So did you leave your home à contrecoeur?
Did you leave a life? Did you leave a love?
Are you out here looking for another?

Some want so much to cross, to go away,
somewhere anywhere & begin again,
others can't endure the separation. . ."

One night, the skyline as I left New York
was a garden of neon flowerbursts--
the celebration of a history.


(Sarah Arvio)

*

Bom dia!

3.4.05
 


EXTREMO DO EXTREMO



do extremo. Quando se lá chega, sabe-se que se está no fim. E o fim é habitado.
 


MAIS GEOGRAFIA



Dominado pela geografia. Por coisas simples e pelo ar puro.
 


GEOGRAFIA

Terra. Milhas e milhas e milhas de mar. Um fragmento de terra, dois ou três. Milhas e milhas e milhas de mar. Um fragmento de terra ainda mais pequeno, quase nada. Depois, milhas e milhas e milhas de mar. É assim.

1.4.05
 


O ENXOFRE É BOM PARA AS RÃS?

No Inferno há muito enxofre, mas que me lembre não há rãs. Há umas nos quadros de Bosch, mas ele meteu lá tudo e por isso não conta. No interior da cratera, das paredes e do chão, sai fumo, fumo de enxofre a julgar pelo cheiro e pela cor amarela e avermelhada da terra à volta. Mas, mesmo lá no meio, a chuva há muito tempo fez uma lagoa, cheia de ervas e vida. A julgar pelo festival de som e pelo intenso movimento à superfície, as rãs não se dão mal no Inferno.

*



















"Envio-lhe uma fotografia que tirei no Japão, mais concretamente num dos vulcões do Parque Nacional de Shikotsu-Toya, na ilha de Hokkaido. Pude por lá respirar muito enxofre."


(Pedro Matos Soares)


*

Fernando Pessoa sobre as rãs, lembrado por RM:

Todas as cousas que há neste mundo
Têm uma história,
Excepto estas rãs que coaxam no fundo
Da minha memória.
Qualquer lugar neste mundo tem
Um onde estar,
Salvo este charco de onde me vem
Esse coaxar.

Ergue-se em mim uma lua falsa
Sobre juncais,
E o charco emerge, que o luar realça
Menos e mais.

Onde, em que vida, de que maneira
Fui o que lembro
Por este coaxar das rãs na esteira
Do que deslembro?

Nada. Um silêncio entre juncos dorme.
Coaxam ao fim
De uma alma antiga que tenho enorme
As rãs sem mim
 


O VULCÃO QUE JULGAVA QUE ERA UMA BALEIA



Na estação de vigia às baleias - uma barraca de madeira e dois bancos para os homens - viu-se o mar a agitar-se. Baleia de certeza. Os homens deitaram o foguete de aviso e correram para o pequeno porto em baixo, uma fractura entre dois rochedos de basalto que permitia deitar os barcos ao mar. Os barcos sairam atrás da espuma. Quando lá chegaram viram o "mar a ferver" e não havia baleia nenhuma. Fugiram. Era o início de um vulcão. Foi assim.

© José Pacheco Pereira
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