ABRUPTO

31.1.05
 


A MAIS ENVIESADA DAS COBERTURAS TELEVISIVAS DAS ELEIÇÕES NO IRAQUE

Não valia a pena a RTP enviar um correspondente (Luis Castro) ao Iraque porque ele foi para lá com ideias feitas, atacou a realização de eleições por todos os meios, fez todas as previsões erradas, – que podia fazer de Lisboa porque elas são as suas opiniões e não factos –, e depois, encravado e atrapalhado nas suas infundadas previsões dos acontecimentos, trata de fazer um reporting sistematicamente enviesado para se justificar. Uma linha de continuidade: as eleições nada significam, nada importam. Não é jornalismo é ideologia.
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: MAIS BELEZA INTRIGA A BOLINHA



- Por que é tudo tão bonito? É só ligeireza? É só gravidade? Porque é que ele tem um anel? É para mim?
 


BIBLIOFILIA: VIOLÊNCIAS E FILOSOFIA





Richard Greene (Ed.) , The Sopranos and Philosophy. I Kill Therefore I Am, Open Court Publishing Co., 2004

James Tatum, The Mourners Song : War and Remembrance from the Iliad to Vietnam, The University of Chicago Press, 2004

 


VOTO E DIGNIDADE





Votar, como nós deviamos saber com clareza depois do 25 de Abril, dá a cada um a dignidade de poder decidir. A dignidade conquistada pelos homens e mulheres do Iraque, atribulado que fosse o caminho, pertence-lhes inteiramente, até porque a conseguiram vencendo o medo. Não estava lá Saddam, mas o medo estava. E foi vencido. Não foram os americanos que o venceram, mas os iraquianos, mas todos os que contribuiram para este sorriso e para este dedo marcado de azul, só podem sentir alegria.

(Foto do New York Times)
 


COISAS SIMPLES


Harriet Backer, Chez Moi
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: ÁRVORES

(...) no Porto passamos de 4 para 242 árvores classificadas de interesse público.
O nosso pedido feito em Janeiro de 2004 foi aceite e veio finalmente no Diário da Republica a lista (e o mapa da sua localização) das novas árvores classificadas. Assim os metrosíderos da Foz, as palmeiras e araucárias do Passeio Alegre, as magnólias de S. Lázaro, a ginkgo das Virtudes, o Jacarandá do Viriato,a araucária e os plátanos da Cordoaria estão classificados e desramar, podar, cortar, estragar estas árvores é (em princípio) mais difícil e a lei poderá punir!
Estamos contentíssimos. Contentes que nem cucos ... em cima des árvores.

(Manuela D.L Ramos dos Dias com árvores)

*

Parabéns! Não estraguem as árvores com tanta festa...
 


EARLY MORNING BLOGS 418

A lucidez perigosa


Estou sentindo uma clareza tão grande
que me anula como pessoa atual e comum:
é uma lucidez vazia, como explicar?
Assim como um cálculo matemático perfeito
do qual, no entanto, não se precise.

Estou por assim dizer
vendo claramente o vazio.
E nem entendo aquilo que entendo:
pois estou infinitamente maior que eu mesma,
e não me alcanço.

Além do que:
que faço dessa lucidez?
Sei também que esta minha lucidez
pode-se tornar o inferno humano
– já me aconteceu antes.

Pois sei que
– em termos de nossa diária
e permanente acomodação
resignada à irrealidade –
essa clareza de realidade
é um risco.

Apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve para viver os dias.
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.


(Clarice Lispector )

*

Bom dia!
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: PARA CIMA DE VIANA ...



(Fátima Simões)

30.1.05
 


CRISE DE REPRESENTAÇÃO (3)


1.

O que se passou nos últimos dois dias na campanha eleitoral do PSD por responsabilidade directa de Santana Lopes, as afirmações baixas nos comícios, o cartaz sub-reptício cheio de insinuações sobre quem é que os portugueses conhecem ou desconhecem, um mundo de insinuações morais transformado em campanha eleitoral, levantam a suspeição sobre se não haverá uma campanha organizada de boatos que sirva de pano de fundo a esta guinada de campanha negativa tão pouco habitual em Portugal.

2.

É tudo demasiado grave e está a atingir um nível de insuportabilidade que todos, a começar pela gente séria e honesta do PSD, sentem indignação. Entre ontem e hoje muitas mensagens que recebi têm esse tom de revolta: “ponto de saturação”, diz-se numa delas.

Creio que se chegou ao ponto de saturação acerca do 1º ministro português em exercício (!!!). Acabou-se. Não vou perder nem mais um minuto a debruçar-me sobre o que ele disse e o que fez e por onde andou. Os limites foram já ultrapassados por mais de uma vez.” (E.P.)

Sou militante do PSD há 30 anos (…) , resolvi dar um grito de revolta. Basta. “ (O. M.)

E há muitas mais e mais duras.

3.

Muitos eleitores simpatizantes do PSD e muitos militantes, a quem não passa pela cabeça votar PS, dizem que se vão abster ou votar em branco. Nunca se conheceu uma situação destas no partido e no seu eleitorado.

4.

Há pelo menos uma coisa positiva que se pode fazer: ter as cotas em dia. Vai ser preciso.

5.

Voltaremos aqui.

PS. - Há alguma controvérsia sobre se são "cotas em dia" ou "quotas em dia". As duas palavras são usadas e uma consulta ao dicionário revela que ambas têm sentido idêntico. Salvo melhor opinião, fica para já "cotas" cujo uso é mais corrente.

*
Relativamente ao uso dos termos "cota" e "quota", gostaria de lhe dizer o seguinte:
1. Embora, actualmente, os dicionários refiram a sinonímia entre "cota" e "quota", quer-me parecer que essa identidade de sentido advém do mau uso que tem sido feito de um e outro termo.
2. Aprendi, no meu tempo de escola, que são coisas diferentes e as "quotas" a que se referiu são mesmo "quotas", isto é, com "q".
3. É que esta "quota" não se confunde com a outra "cota", a qual também significa "peça de armadura, nota ou referência à margem de um livro, parte oposta ao gume de instrumento cortante", o que é substancialmente diferente de "quota" entedida como "quinhão, prestação".
4. Esta última explicação é, aliás, a que consta do Prontuário Ortográfico e Guia da Língua Portuguesa, 24ª edição, de Magnus Bergström e Neves Reis, da Editorial Notícias, página 248.
5. Creio, pois, que o correcto é escrever-se "quota" no sentido em que o empregou para se evitarem as confusões.
(Sérgio de Almeida Correia)

Actualização: não é habitual no Abrupto fazer pesar o espaço do ecrã com muita correspondência de carácter exclusivamente político. Neste caso abre-se um excepção para se perceber melhor como as coisas se estão a passar. Embora as cartas (uma pequena amostra) sejam publicadas com iniciais, todas são de leitores identificados.

*
Entre a minha casa e dos meus Pais somos quatro eleitores simpatizantes do PSD, dos quais dois não falham uma eleição vai para trinta anos, sendo que os outros têm sido mais intermitentes. Desta vez por obra e graça de PSL podem desde já contar com uma abstenção e três votos brancos. Por cá é aceite que o PSD pelos seus princípios e bases programáticas vale muito, mas não é indissociável do que alguém a cada momento quer fazer dele.

(JCB)

*
Pelo pouco que valha, sou o militante (...) do PSD mas nestas eleições, com grande desgosto e angústia, não sou capaz de votar no meu partido.

Não posso, sequer, conceber que o meu voto sirva de justificação para o actual presidente do partido se possa manter nesse cargo após as próximas eleições, se julgar que obteve uma "derrota honrosa" ou qualquer outro resultado que considere menos mau.

Votar no PS, para mim, nunca seria alternativa. Não me parece que o Eng.º Sócrates seja muito melhor, ou muito diferente do Dr. Santana. Para além disso, traz com ele toda aquela gente do guterrismo que já governou o país com os resultados que são de todos conhecidos.

Em circunstâncias normais, perante a quase impossibilidade de votar no meu partido, votaria PP. Contudo, apesar da boa imagem que deram de si no governo (por comparação com a péssima imagem dada pelo PSD nos últimos meses), esse partido não deixa de ser liderado pelo mesmo Dr. Paulo Portas do Independente.

Perante este cenário, vejo-me forçado a votar em branco. Mas não perco a esperança. Sei que o PSD tem quadros de grande competência, tem gente muito capaz, que neste momento está afastada das cúpulas partidárias. Espero que as próximas eleições, pelo menos, sirvam para permitir a ascensão dessas pessoas, a bem do partido e do país. Porque sei que o PSD não deixa de ser um partido indispensável na nossa democracia e o único capaz de fazer as reformas de que o país tanto precisa.
(RP)

*
O que pretendem as pessoas do PSD que, por terem chegado a um ponto de saturação, como dizem, se vão abster? Logicamente o PS no governo com maioria absoluta. Pensarão essas pessoas que José Sócrates é melhor e vai governar bem? Governar bem é tomar as medidas difíceis mas necessárias que o País precisa a longo prazo. Será a memória das pessoas tão curta que já esqueceram o que foi o Guterrismo? Facilitismo e governação à vista (por sondagens) a curtíssimo prazo, medo (pânico) de qualquer manifestação e cedências constantes a todos os grupos organizados. Distribuição de milhões a rodos para calar qualquer crítica, jobs for the boys, e, no final, uma saída em passo acelerado pela porta das traseiras que a crise vem aí, e quem vier atrás que feche a porta. E agora querem mais do mesmo? Como diz MRS, Sócrates é Guterrismo de segunda. Não há ponto de saturação nem nada que justifique a abstenção. Se há gente capaz dentro do PSD, então o que é preciso é que essas pessoas cheguem à governação. O 1º ministro até pode ser ignorado.Quem tem influência no partido que se chegue à frente.
(JAL)

*
Como muitos outros militantes do PSD e que sempre votaram no Partido, mesmo quando as dúvidas eram muitas, caso das últimas eleições para a CM de Lisboa, o meu voto será em branco, pela primeira vez. Apesar das vozes discordantes que me dizem que será dar a vitória a um PS que neste momento é, parafraseando Sir W.S. Churchill, um enigma envolto num mistério, (como vai cumprir?! o que prometeu?), não me é possível votar na proposta do PSD. Aliás, em caso de reincidência, do presidente eleito, para a CML (vai ver), o meu voto será no mesmo sentido.

Como tenho contactado com outros militantes da mesma área, a confusão é enorme e mesmo os que estão mais inclinados a votar CDS/PP (acho que vai eliminar esta sigla nos tempos mais próximos, com a mesma cara que lhe deram os genes) encaram seriamente a hipótese de votar branco. A maioria absoluta vai ser alcançada com a abstenção de muitos.
(JJN)

*

Ao ler o seu blog, senti a necessidade de reforçar a ideia e de lhe confessar o seguinte (e é a primeira vez que conto isto a alguém): tenho 34 anos, nunca me abstive em nenhuma eleição e sempre votei PSD - apesar de não ser militante.

Assim se vê que sou um eleitor típico do PSD, que vota apenas com a sua consciência e sem a "obrigação" de obedecer a qualquer disciplina partidária. No entanto, sendo certo que não votarei nas próximas legislativas noutro partido, repugna-me agora votar PSD...

Talvez acabe por votar PSD, na medida em que esta eleição vai eleger um parlamento que há-de continuar para além desta liderança. Ou seja, talvez vote no escuro - talvez vote PSD na expectativa de que há-de vir outra liderança e que, essa liderança vindoura terá mais dificuldades se o PSD tiver obtido uma votação vergonhosa (o que o meu voto não irá impedir)...Mas, sinceramente, ainda não me decidi...

Feito este desabafo revoltado, desiludido e politicamente magoado, espero contribuir para que quem se preocupa com o partido possa fazer o diagnóstico político/sociológico da actual situação...E estou em crer que, como eu, muitos mais eleitores enfrentam o mesmo dilema...
(JMF)
*

Tenho seguido com muita atenção as suas notas sobre a "Crise de Representação", pelo simples motivo de me parecem mais representativas do estado de alma de muitos de nós, do que a simples condição miserável a que chegámos, de termos que escolher entre o Dr. Santana Lopes e alguém que tem tanto de Guterrismo de segunda como de Santanismo recauchutado.

Neste momento, é imperioso manter a cabeça fria e a visão límpida! Todos reconhecemos que o Dr. Santana Lopes não é o tipo de líder que precisávamos, mas o Dr. Jorge Sampaio também não é o tipo de Presidente da República que o país precisava... E qual é o tipo de Presidente da República que o país precisa? A eleição do próximo "Presidente da República" é uma "variável" sob o nosso controlo? Não me parece; por outra, é mais prudente não contarmos com isso.

A pergunta impõe-se: por causa de um problema interno mal resolvido, vamos hipotecar o futuro do país durante pelo menos mais quatro anos? Será que "dar um tiro num braço" para chamar o partido à realidade/Terra (abstenção/votos em branco), não é TUDO o que o PSD podia fazer de pior pelo futuro do nosso país? Não será isto o cúmulo do NOSSO egoísmo?

Ao contrário do que alguns dos leitores do Abrupto consideram, não me parece que o refúgio na abstenção/voto em branco seja uma demonstração de força das bases do partido; parece-me sim uma falta de força vital/regenerativa preocupante/doentia e que me parece completamente afastada da realidade.

... Uma verdadeira posição de força das bases do partido, é conseguirmos o melhor resultado que nos fôr possível conseguir nas próximas eleições. Vamos precisar desse resultado para não dependermos do Presidente da República (seja ele quem fôr) para derrubar um governo PS caso haja essa necessidade. Posição de força é mobilizarmo-nos JÁ e estarmos preparados para no dia 21 de Fevereiro, tenha o PS maioria absoluta ou não, tenha a coligação PSD/PP maioria absoluta ou não (algo que acho que está a ser substimado), apresentarmos 2.500 assinaturas para convocarmos um Congresso Nacional extraordinário o mais rapidamente possível!

Diga-me, já que conhece o funcionamento do partido melhor que eu... Mesmo no caso de um Congresso Nacional extraordinário, os órgãos nacionais do partido têm capacidade de influência significativa na eleição dos Delegados? Se tiver, temos que mudar isso rapidamente e cada um de nós vai ter que trabalhar activamente para evitar que tal aconteça; se não tiver, tanto melhor.

(HJBA ( militante n.º...))

*
Aparentemente muitos, e o próprio JPP, têm vindo crescentemente a defender – no mínimo, a divulgar – a ideia que, de tão mau que é Pedro Santana Lopes, tudo lhe é preferível. Quando digo tudo, digo uma maioria absoluta do PS, uma maioria relativa do PS ou, no limite, uma coligação maioritária da esquerda (tradicional).

Não sendo um admirador de PSL, pelo contrário, tenho fundadas dúvidas que tal corresponda à realidade, e tenho inequívocas certezas do quanto inverdadeiro é, se olhar ao estrito interesse do país. Assim, leio a “animosidade” eleitoral do PSD para com o actual Primeiro-Ministro como reflexo de apreciações meramente político-partidárias, as quais – considerando a fase aguda de desenvolvimento económico e social que o nosso país atravessa – deveriam merecer reflexão noutro tempo e noutro espaço.

E a propósito desse outro espaço, interessaria mais tarde perceber porque elegem os militantes do PSD dirigentes em quem os eleitores do PSD não votam. E que consequências daí resultam para aqueles, e que responsabilidades políticas efectivamente se apuram. Mesmo para aqueles que, por comodidade e/ou omissão, se demarcaram da eleição da actual direcção do PSD.

(JM)

*
Para onde vamos como país? Cheguei a um ponto que não sei o que fazer. As alternativas não são nada atraentes. Votei sempre no PSD (tenho 42 anos) mas desta vez não posso, porque não aguento tanta inabilidade, tanta incompetência e tanta demagogia. Não suporto pessoas que se estejam sempre a culpar os outros de tudo de mal que acontece e em permanente vitimização. Mas então que fazer? Votar no PS? Não, nunca, ainda tenho memória e lembro-me bem do "pantano". Nos partidos mais à esquerda? Nem pensar, o que ouço faz-me crer que seria desastroso se algum deles tivesse acesso ao poder através de uma eventual coligação. No PP? Não, a sua inflexibilidade em relação ao aborto seria suficiente, mas o pior é que o Sr. Paulo Portas já mostrou que pode quebrar o acordo com o PSD o que mostra que é capaz de tudo e tem um profundo apego ao poder, que nem sequer nos deve deixar admirados pois já sabiamos. Estando a abstenção fora de questão, por me sentir moralmente compelido a votar sempre, a alternativa é o voto em branco. Mas assim, será sempre mais um prego para o caixão onde o PSD está metido, pois a sua derrota é certa, só não sabemos a dimensão da mesma. Como chegamos até aqui? Somos um povo assim tão mau que dele não consegue emergir uma alternativa credivel para governar o país?
(RBM)

*
Sou mais um simpatizante do PSD que não se sente representado. Desde que voto, há 12 anos, intercalo votos em branco com votos no PSD. Não sou militante, mas sempre me identifiquei desde que me conheço com o Partido Social Democrata. Cresci a admirar Cavaco Silva, hesitei com a liderança de Fernando Nogueira, fui solidário com Marcelo Rebelo de Sousa, apoei Durão Barroso e desprezo Santana Lopes.

Não admito votar PS. Já me passou pela cabeça, o que é em si mesmo grave, mas não o farei. Serão governo, talvez com maioria absoluta, mas não com o meu voto. Não votarei PP. Já me passou pela cabeça, o que é em si mesmo grave, mas não o farei. Agora faz-se passar a ideia de que tiveram bons ministros. Mas na minha área profissional, não posso esquecer Celeste Cardona, a pior ministra da Justiça que este país já teve. O Bloco de Esquerda não é hipótese. Já me passou pela cabeça, o que é em si mesmo grave, mas não o farei. A ideia de um governo PS refém dos deputados do BE é assustadora.

A aparente solução seria votar em branco. Mas isso não contribui para o essencial nestas eleições. Santana Lopes tem de ser esmagado, para ir embora (não sendo um dado adquirido que vá embora, mesmo esmagado). Ora o voto em branco não contribui para esmagamento de PSL, porque não é contabilizado em termos de percentagem juntamente com os votos válidos. Ou seja, não torna o resultado do PSD pior. A única solução, embora pareça politicamente irresponsável, é escolher aleatoriamente um dos partidos pequenos sem hipótese de representação parlamentar. Não é um voto inútil porque conta para a aferição dos resultados e, na sua ínfima proporção, piora o resultado do PSD.

É esta a minha opção. Esperemos que após as eleições o Partido volte a ser liderado por gente competente.
(SMP)
 


NATURAL CONTENTAMENTO

dos que são democratas com a corajosa participação eleitoral no Iraque contra a morte e o terror.
 


BIBLIOFILIA


Um bom exemplo do amor pelos livros: a colecção de postais com fotografias da Biblioteca Pública de Braga. Imagens de livros, imagens da biblioteca, imagens de estantes, de Ana Carneiro.
 


OUVINDO MENDELSSOHN


As Sinfonias para cordas pela English String Orchestra.
 


COISAS SIMPLES


Kuzma Petrov-Vodkin
 


EARLY MORNING BLOGS 417

Vive


Vive, dizes, no presente,
Vive só no presente.

Mas eu não quero o presente, quero a realidade;
Quero as cousas que existem, não o tempo que as mede.

O que é o presente?
É uma cousa relativa ao passado e ao futuro.
É uma cousa que existe em virtude de outras cousas existirem.
Eu quero só a realidade, as cousas sem presente.

Não quero incluir o tempo no meu esquema.
Não quero pensar nas cousas como presentes; quero pensar nelas
como cousas.
Não quero separá-las de si-próprias, tratando-as por presentes.

Eu nem por reais as devia tratar.
Eu não as devia tratar por nada.

Eu devia vê-las, apenas vê-las;
Vê-las até não poder pensar nelas,
Vê-las sem tempo, nem espaço,
Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê.
É esta a ciência de ver, que não é nenhuma.


(Alberto Caeiro)

*

Bom dia!
 


A LER

Este artigo de Ana Sá Lopes no Público.
 


DE REGRESSO

em breve.

28.1.05
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: MIMAS, A BOLINHA



- O que é aquela bolinha, mãe?

- Um planeta, uma lua, uma lua de Saturno.

- Porque é que Saturno é tão grande?

- Para comer a bolinha.

- E ela não tem medo?

- Não, porque ainda falta muito tempo.

- No Capuchinho Vermelho era mais rápido.

- Mas isso é uma história. Aqui é verdadeiro, daqui a muito tempo a bolinha cairá na boca de Saturno.

- E não aparecem os caçadores a salvar a bolinha?

- Não. A gravidade manda nos caçadores. A vida é difícil. O lobo é mesmo mau.
 


GRANDES NOMES: "FERNWEH"

Para mim a palavra alemã mais bonita é "fernweh", que significa literalmente "dor [weh; no sentido de falta/ausência de algo] da distância [fern]", isto é, desejo premente de partir para longe, ou nostalgia em relação a um lugar distante. É uma prima da "saudade" portuguesa.

(Jaime Monteiro)

Nota: para mim, em alemão, é "Heimatlos", uma explicação fica para depois.

 


CRISE DE REPRESENTAÇÃO (2)

1.

Em quem é que eu voto? É a pergunta que mais me fazem. É a pergunta que mais me faço.

2.

Já tive mais certezas do que as que tenho hoje. Há quem pense que é muito simples: critica Santana Lopes, não pode votar no PSD. (De passagem, a mesma crítica não é feita aos "renovadores" que dizem ir votar no PCP, ou aos socialistas que disseram cobras e lagartos de Sócrates e vão votar PS, ou aos bloquistas que vão votar PS. A economia da coerência como arma de critica ad hominem é sempre para os outros...) Mas eu estou em oposição a Santana Lopes e não ao PSD, cujo papel na democracia portuguesa continuo a considerar vital. Seria mau para Portugal que Santana Lopes voltasse a ser Primeiro-ministro, mas seria péssimo que o PSD perdesse o seu papel único no sistema político português. Continuo a pensar que, após a ultrapassagem deste epifenómeno, que não será fácil nem pacífica, o PSD pode reencontrar o seu papel de único partido por onde passam (e passaram) todas as reformas que Portugal precisa. O futuro do PSD diz-me respeito como seu militante e não conto alhear-me dele e por isso uma fina linha de navalha de decisão me pesa. Não se pode ficar de bem com todos. Acontece.

3.

Se Sócrates chegar ao poder - como um infeliz cartaz da JSD e múltiplas declarações de Santana Lopes e Miguel Relvas todos os dias nos dizem que vai acontecer - será o retorno ao adiamento medíocre e dourado. Todos sabem o que penso do guterrismo, não vale a pena repeti-lo. Mas convém ficar claro que se Sócrates chegar ao poder, o primeiro responsável é Santana Lopes. Não é único, Durão Barroso e os unanimistas do PSD que batem palmas a tudo para reservar o seu pequeno lugar, também têm responsabilidades. Mas nunca ninguém enterrou o PSD numa crise de credibilidade tão grande como Santana Lopes, nunca ninguém dividiu o partido tão esterilmente como Santana Lopes. Houve quem dissesse há muito tempo que ia ser assim, desde o tempo da Cadeira do Poder.

4.

Há também responsabilidade nos poucos que podiam pelo menos ter tentado fazer-lhe frente, há cinco meses e agora. A tese que, para derrubar Santana Lopes, é preciso que ele perca as eleições, pode ser boa para os candidatos à sua sucessão, mas é péssima para o partido e má para o país. Fique no entanto a saber-se que muito foi tentado, felizmente sem vir para as páginas dos jornais, para que tal acontecesse. Houve muita gente que não ficou sentada e que tentou. Falhou, mas também não é verdade que muitos militantes, entre os quais me incluo, não tenham tentado persuadir, convencer, sem sucesso.

5.

A favor dos que não avançaram antes, mas o vão fazer a 20 de Fevereiro, há que ter consciência das dificuldades, dos tempos demasiado curtos, dos momentos desfavoráveis, da aceleração com que tudo ocorreu, e da degradação de muitas estruturas do partido que, desde que não lhes mexam nos lugares dos seus dirigentes, aceitam tudo e perdem o sentido do interesse nacional. Neste ciclo de pressa, Durão Barroso tem muitas responsabilidades, porque podia ter sugerido uma sucessão pelo governo, dando tempo ao partido para encontrar uma solução sem ser sob pressão e encomenda.

6.

Dito isto, fique bem claro que o PS não é alternativo aos males do PSD. Isto está de tal modo rasteiro que convém também dizê-lo explicitamente. Lembro a alguns meninos sem memória que quando eles andavam em hotéis a fazer acordos com o engenheiro, ou quando no PSD muitos se acomodavam à inevitabilidade do estado de graça permanente de Guterres e actuavam como se estivessem em bloco central para os empregos, eu fui sempre um duro crítico do guterrismo muitas vezes solitário. Quem criticou a divisão entre PS e PSD dos lugares nos conselhos de administração de algumas importantes empresas, quem criticou a venda da Lusomundo à PT, quem criticou as re-nacionalizações por via das golden shares, quem criticou a passagem dos orçamentos do PS? Não foram alguns dos patriotas da camisola dos dias de hoje.

7.

Discordo por isso em absoluto da posição de Freitas do Amaral no plano político. Insisto: no plano político, porque quanto ao plano moral, os discípulos do dr. Portas são os últimos que têm autoridade para o criticar, dado que a sua casa é o melhor exemplo do oportunismo em estado puro, com a agravante de ser exibido com arrogância e hipocrisia. Freitas do Amaral tomou uma posição de consciência, pouco fácil para quem foi o que foi e é o que é. Merece respeito por isso e discordância política.

8.

Voltaremos aqui.

27.1.05
 


OUVINDO

 


VÁRIOS GRANDES NOMES

O rock progressivo, arte musical que os anos 70 solidificaram, contêm inúmeras bandas, cujos nomes ficam na história como misto de humor e ironia. Ficam aqui alguns: Banco del Mutuo Soccorso (Itália), Consorzio Acqua Potabile (Itália), Debile Menthol (Suíça), Ego on the Rocks (Alemanha), Sleepytime Gorilla Museum (USA), Recordando o Vale das Maças (Brasil), Moving Gelatine Plates (França), La Confrerie des Fous (França).

No nosso rectângulo, lá para as bandas da Guarda, apareceu na década de oitenta, um corajoso grupo de amigalhaços que das malhas liceais de um rock de garagem, engendraram a banda que mais tarde daria origem aos "Gabardine 12", combo de culto e berço do actual multifacetado instrumentista Albrecht Loops, um dos mais importantes nomes da musica experimental deste país. Nesses longínquos anos oitenta, em paralelo com projectos não menos interessantes ("Dif Juz" e "Mistério das Colunas Perdidas"), existiam assim os "Sérgio and those". Ah, toda a piada da situação, era o nome original da banda: "Sergio and those who killed the father because the king tell them to do that Band". Um mimo.

E que dizer do álbum de 1984 dos Siniestro Total, a mítica banda de Vigo: "Menos mal que nos queda Portugal". Na altura definiam-se como "punk rock gallego contra el aburrimiento general". Hoje, ainda aí estão. Sinal que ainda há muito cinzentismo por aí.

(José "Von" Barata)
 


GRANDES NOMES: ENA PÁ 2000

Comemoram-se agora os vinte anos de um grupo iconoclasta, inconsequente e cada vez mais a roçar a irrelevância. Mas, na altura em que surgiram, os ENA PÁ 2000 foram uma pedrada no charco da seriedade com que a Lisboa “culta” encarava o acto criativo. Talvez porque os elementos do grupo tenham surgido no âmago da elite juvenil, cultivada e cosmopolita da época. Para quem não saiba, o Manuel João Vieira (filho do excelente João Vieira, pintor) não é apenas aquele boneco patético e provocatório. É um rapaz erudito, e um pintor bastante talentoso. Escolheu um caminho que o levou a muitas pérolas, entre as quais outro grande nome, desta vez de uma canção: “Sexo na Banheira é Bom”.

(Manuel Margarido)
 


GRANDES NOMES: "HABSELIGKEITEN"

A minha sugestão para "Grandes Nomes" é "Das Schoenste Deutsche Wort" ("A Palavra Alema Mais Bonita"), um concurso decorrido no ano passado para a encontrar. A vencedora foi "Habseligkeiten" (difícil de traduzir, qualquer coisa como "pertences"). Gosto particularmente da quarta classificada, "Augenblick" ("piscar de olhos"), por ser um instante mais longa do que aquilo que significa. Mais sobre o tema aqui (infeliz, mas tambem obviamente, só em alemão). Acho que nenhum povo gosta tanto da sua lingua como os alemães, e tem boas razões para isso.

Por outro lado, existe Mark Twain com a sua "The Awful German Language" (outro grande nome).

(Pedro Queiroz)
 


PROVÉRBIOS PARA OS DIAS DE HOJE

"Quem não sabe comer, até os dentes incomodam…"

Uma variante de "Quem não sabe dançar diz que a sala está torta", enviada por João Reis.

*

"Ir buscar lã e sair tosqueado."

"A propósito da nefandice de Louçã". diz Octávio Gameiro.
 


A LER

As Margens de Erro por causa das margens do erro.

E a Natureza do Mal por causa da natureza do mal. Por causa de The End of The Blog , A verdadeira morte do marxismo leninismo e os Muralistas.
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: A IDADE NOTA-SE



Envelhecer em Marte: as cores já não brilham. Pó. Pelo pó. Com o pó. Para o pó.
 


A VER

Esta Lua "for early morning risers (and late to bed astronomers)."

26.1.05
 


AR PURO


Arnold Boecklin
 


EARLY MORNING BLOGS 416

A tempo


A tempo entrei no tempo,
Sem tempo dele sairei:
Homem moderno.
Antigo serei.
Evito o inferno
Contra tempo, eterno
À paz que visei.
Com mais tempo
Terei tempo:
No fim dos tempos serei
Como quem se salva a tempo.
E, entre tempo, durei.


(Vitorino Nemésio)

*

Bom dia!

 


VER A NOITE

A Lua do Lobo, a Lua das Neves no seu esplendor. Com o frio vê-se melhor.

25.1.05
 


PROVÉRBIOS PARA OS DIAS DE HOJE

"Quem não sabe dançar diz que a sala está torta."
 


A LER

A nota Maturidade de Pedro Oliveira no Barnabé, para perceber que os caminhos da crise de representação chegam a todo o lado.

Actualizado: a ler os comentários e o tom intolerante e violento da maioria das críticas a Pedro de Oliveira. De qualquer modo, um dos raros debates ocorridos até agora na campanha eleitoral, o que tem mérito.
 


PROVÉRBIOS PARA OS DIAS DE HOJE: LÃ DE CABRA, PÊLOS, SOMBRA DE ASNO, E FUMO

De lana caprina contendere. "Discutir a lã das cabras". Os antigos tinham muitas variantes: sobre a lana caprina (De lana caprina rixare , De lana caprina digladiari, Rixatur de lana saepe caprina), sobre os pêlos (De pilis lutove disceptare), e sobre o fumo (De fumo disceptare).

As minhas preferidas têm a ver com "Discutir sobre a sombra de um burro", um aforismo de Erasmo (De asini umbra disputare e variantes, De asini umbra disceptare, De asini prospectu incusatio est, De umbra aselli verba sunt).
 


COISAS SIMPLES


Bernard
 


EARLY MORNING BLOGS 415

Os ombros suportam o mundo


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.


(Carlos Drummond de Andrade)

*

Bom dia!

24.1.05
 


POEMA DE BLAKE TRADUZIDO POR VASCO GRAÇA MOURA

(citado no original em OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: TEMÍVEL GEOMETRIA)

O tigre

Tigre, tigre, chama pura
Nas florestas, noite escura,
Que olho ou mão imortal cria
Tua terrível simetria?

De que abismo ou céu distante
Vem tal fogo coruscante?
Que asas ousa nesse jogo?
E que mão se atreve ao fogo?

Que ombro & arte te armarão
Fibra a fibra o coração?
E ao bater ele no que és,
Que mão terrível? Que pés?

E que martelo? Que torno?
E o teu cérebro em que forno?
Que bigorna? Que tenaz
Prò terror mortal que traz?

Quando os astros lançam dardos
E seu choro os céus põe pardos,
Vendo a obra ele sorri?
Fez o anho e fez-te a ti?

Tigre, tigre, chama pura
Nas florestas, noite escura,
Que olho ou mão imortal cria
Tua terrível simetria?


(W. Blake)
 


GRANDES NOMES: "CATORZE MANEIRAS DE DESCREVER A CHUVA"

É uma obra de música de câmara de Hans Eisler que data de 1941 e seu curioso título deriva do facto de ter sido escrita como música de acompanhamento para o documentário «Chuva», realizado pelo documentarista holandês Joris Ivens... em 1929! Eisler foi contratado para escrever esta obra no âmbito de um projecto da Fundação Rockefeller, o que não deixa de ser curioso se pensarmos que Eisler era comunista e que compusera, em 1937, um Requiem para Lenine.

(José Carlos Santos)
 


PROVÉRBIOS PARA OS DIAS DE HOJE

Ubi dubium, ibi libertas. "Onde existe a dúvida, aí existe a liberdade."
 


INTENDÊNCIA

Publicada no Portal do Astrónomo a nota Todo o Mundo num Só.

Actualizados os ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO nas bibliografias de 2004 e 2005.
 


PROVÉRBIOS PARA OS DIAS DE HOJE

"Quem foi ao mar, perdeu o lugar."

"Quem foi à feira, perdeu a cadeira."

"Quem foi ao vento, perdeu o assento."
 


GRANDES NOMES: PEREGRINATIO AD LOCA INFECTA

Título de um livro de Jorge de Sena de 1969.
 


PROVÉRBIOS PARA OS DIAS DE HOJE

Ubi discrimen inter malos bonosque sublatum est, confusio sequitur et vitiorum eruptio. (Séneca). "Quando se remove a distinção entre os maus e os bons, segue-se uma confusão e uma erupção dos vícios."
 


GRANDES NOMES: PORTUGALIAE MONUMENTA FRIVOLA

Título de um livro de ensaios e textos de Eugénio Lisboa.
 


COISAS SIMPLES: NATAÇÃO


Lichtenstein
 


PROVÉRBIOS PARA OS DIAS DE HOJE

Mores cuique sui fingunt fortunam. (Cornélio Nepos). "É o carácter que faz o destino de cada um."
 


EARLY MORNING BLOGS 414

Entre duas memórias;


já separadas como estratos,
mas recordando-se uma à outra;
subimos pelo frio:
paredes altas de água a condensar-se
no ar ainda azul;com a transparência
sem som a suavizá-lo;
perguntamos indecisamente:
neve mais silêncio
igual ao fim do azul?
ou a fórmula do esquecimento;
onde passam gelos vagarosos;
deduz-se doutro modo?
seja como for,
nenhuma sombra nos prolonga
por este chão de vidro;
e o ar boreal reflecte-nos os olhos,
tão limpos,que os extingue.

(Carlos de Oliveira)

*

"Frio. Frio. Frio. Anunciam frio. Neve. Tempestades. Chegou o teu Tempo." Bom dia!

23.1.05
 


DIGA LÁ EXCELÊNCIA

Na parte inicial da entrevista na Dois, Marçal Grilo descreveu com grande exactidão a situação actual do sistema partidário. Chamou a atenção para a semelhança dos critérios de recrutamento, promoção e escolha das pessoas nas estruturas intermédias do PS e PSD, e o modo como os partidos foram "tomados por dentro" por "interesses intermédios", de que o imobiliário é exemplo. A ascensão nos aparelhos partidários dos autarcas e de todo um mundo de pessoas deles dependentes, nas vereações, nas empresas municipalizadas, nos empregos municipais, ocupou e estiolou todo o espaço político das secções dos partidos e dos órgãos locais e regionais. Estas vivem à volta dos empregos e dos favores com origem no poder local.

Tudo isto é de uma grande exactidão - inclusive a ênfase de Marçal Grilo de que se trata de "interesses intermédios" e não dos "grandes interesses" como muitas vezes erradamente se mistura. Estes actuam mais ao nível do topo dos partidos e nos sectores não escrutinados dos governos, como os assessores, consultores, etc., exercendo o seu poder mais na base da pressão, da negociação e da troca de favores, do que na corrupção.
 


ESTILOS CORRENTES

Os dirigentes políticos sabem, no meio dum discurso num jantar ou comício, quando entram em directo na televisão, o mais ansiado momento. Quase que se pode dizer que tudo o resto é apenas cenário para esses minutos televisivos. Por isso o que escolhem é significativo, porque falam sem mediação jornalística. Um faz promessas demagógicas, o outro politiquice para atacar alguém. É sempre politiquice para atacar alguém, que é o que ele faz com mais eficácia. É, não há volta a dar, cada um é o que é. Como se a vida fosse um eterno comício.
 


PROVÉRBIOS PARA OS DIAS DE HOJE

Saepe ignoscendo, des iniuriae locum. (Publilius Syrus) "Desculpando com frequência, darás lugar à injustiça."
 


APRENDENDO COM CARLOS DE OLIVEIRA SOBRE A GINÁSTICA DA DIGNIDADE

- Dizem em voz alta, não muito alta: que porcaria, que nojo de sociedade, e em voz baixa, baixíssima: ora, o que é preciso é “triunfar”. Esta consciência elástica lembra o chewing-gum e pega-se fatalmente à esquerda e à direita. Por mais dez réis de propaganda ou al contado (também faz jeito). Por ninharias. E no entanto a dignidade cultiva-se como a beterraba ou as abóboras. Semeando-a, adubando-a, colhendo-a na altura própria. Muito rústico? Está bem, arranja-se outra coisa. Citadina. A dignidade, desenvolve-a uma ginástica vigilante e diária, que requer apenas paciência, atenção, vontade. Com uns anos de exercício torna-se instintiva, uma espécie de segunda natureza. Pouco maleável (rentável) na prática social mas esse defeito compensa-o largamente a tranquilidade interior (moral) que permite o crescimento livre de certa intranquilidade (imaginativa, criadora), ponto de partida para toda a obra literária alguns furos acima das “necessidades do mercado”. O que sucede nos casos vulgares é a falta da primeira liquidar a outra ou impedi-la dum completo desenvolvimento. E não me venham com o exemplo de alguns génios i(ou a)morais, porque posso arranjar logo uma dúzia de outros génios para contrapor a esses e, sobretudo, porque disse: nos casos vulgares.

(Carlos de Oliveira)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES / ANTOLOGIA DA PEDRA



(Foto dos Cliffs of Moer enviada por Mariana Magalhães.)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: SOBRE UMA MORTE

...em Cambridge…

Conheci muito bem e convivi muito com um religioso, Prof. Universitário, que era, e tinha sido então, o maior especialista em Dante. Quando o conheci tinha ele 73 anos. Vivíssimo, inteligentíssimo. (Todo ele era uma pessoa peculiar, excêntrica e quase bizarra que se passeava pela sua comunidade, com camisolas rotas, despenteado, dedos amarelos de cigarros inenarráveis que fumava e com uma gata ao colo, olhando para todo o lado com um ar semi-espantado). Com ele mantive uma relação muito interessante e com ele aprendi muito e foi uma das pessoas que mais me marcou ao longo da vida, e uma das coisas mais interessantes que ele me ensinou é que nada é um adquirido, nem mesmo a fé. Ele, que era religioso, padre e “scholar”, todos os dias tinha que refazer o seu percurso da fé: da palavra à revelação, da redenção à ressurreição, não se dava tréguas a si próprio; tinha que “entender”, tinha que, todos os dias se abrir de novo a Deus com trabalho e esforço.

Era esse o preço que pagava pela inteligência que tinha:
o nunca ter certezas, nem sequer que Deus existia e que Cristo era seu filho. O seu trabalho era aprofundar a fé e o estudo, quer de Dante e poesia, quer da teologia (era também estudioso de S. Tomás de Aquino), era mais um meio de, através dos homens, e da arte, chegar a Deus. Mas parece que nunca chegava…Tem muita obra publicada nas diferentes áreas que é reconhecida em todo o mundo (Vasco Graça e Moura refere-se várias vezes a ele, nas suas traduções quer de Dante quer de Petrarca).

Um dia apanhou uma pneumonia e tivemos que o levar ao hospital. Estava mal e os médicos alertaram-no para o facto de que, muito provavelmente e devido ao seu estado geral débil, poderia morrer. Ele percebia que era assim, mas o seu lado rebelde, que gostava de viver e que mordia a vida com uma fúria pouco comum e que lhe valeu ao longo de toda a sua vida alguns apuros, revoltava-se, e passou verdadeiros momentos de pânico e de medo perante a morte. As vezes que o vi no hospital, notei-lhe o pânico, o medo no olhar, a ânsia de mais um sopro que lhe levasse oxigénio aos pulmões, o medo de falar de mais e começar a tossir, o corpo velho, magro e tão frágil. Tentava parecer em controlo da situação, racional. Pediu para lhe lermos uns poemas de Gerard Manley Hopkins, agarrou a minha mão, pediu oxigénio, tossiu, sempre irrequieto, sempre revoltado, sempre apavorado, sem saber como seria a morte e se Deus estaria do outro lado a acolhê-lo. Estava muito só. Um frade não tem família. Tem os membros da comunidade que rezam por ele, mas não tem família. Daquela que sofre com ele, que o acompanha e que morre um pouco com a sua morte. Custou-me muito deixá-lo ao fim da tarde, não recebeu mais visitas. Nessa madrugada morreu. Só.

(J.)
 


INTENDÊNCIA

Novos comentários à nota REACCIONÁRIOS.
 


A LER

As notas no Bloguitica COLOCAÇÃO E CONDIÇÕES e no avatares de um desejo Ethos político .
 


GRANDES NOMES: “QUELQUES ASPECTS DE “NOUS N’IRONS PLUS AU BOIS” PARCE QU’IL FAIT UN TEMPS INSUPPORTABLE”

Peça para piano de Debussy de 1894, mas que só foi publicada postumamente. (Sugestão de José Carlos Santos)
 


COISAS SIMPLES / AR PURO


Karl Blechen
 


EARLY MORNING BLOGS 413

Uma pequenina luz

Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumière
just a little light
una picolla... em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a adivinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Brilhando indeflectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não é ela que custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
no meio de nós.
Brilha


(Jorge de Sena)

*

Bom dia!

22.1.05
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: DEPOIMENTO DE FERNANDO SIMÕES, O ÚNICO PORTUGUÊS DIRECTAMENTE ENVOLVIDO NA MISSÃO HUYGENS

Vi alguns textos no vosso blog, e também em outros, e gostaria de tecer alguns comentários. Se acharem útil poderão divulgar esta informação.

1- A missão Cassini-Huygens é um projecto que já dura há vinte anos. Algumas pessoas começaram mesmo a trabalhar para ela há mais tempo.

2- Quando a sonda foi lançada, em 1997, Portugal ainda não fazia parte da ESA.

3- A missão é liderada pela NASA, mas a Huygens é 100% da ESA. Todavia, há instrumentos europeus a bordo da Cassini, bem como instrumentos americanos a bordo da Huygens. Chama-se a isso cooperação... E ciência é para a humanidade, não só para uma pessoa, um país, ou mesmo uma geração.

4- Houve pessoas que se empenharam intensamente nesta missão. Algumas delas já não estão entre nós... Passou muito tempo entre idealizar, construir, testar, enviar, e recolher os dados... Neste caso, houve quem semeasse e quem viesse colher... Eu, afortunadamente, faço parte dos que colhem o trabalho de outros, mas isso não implica mais ou menos importância, porque todos fazemos parte desta vontade humana de conhecer e de explorar...

5- Sou a única pessoa portuguesa directamente envolvida no projecto... Isso não me enche de orgulho, antes pelo contrário... Gostaria de ter começada mais cedo no projecto e que fossemos muitos mais, mas esses dias estão a caminho. Para isso há portugueses a receber formação na ESA. Só espero que aproveitem bem esse tempo.

6- Não há mais pessoas portuguesas a trabalhar directamente na missão Huygens, mas há quem também investigue Titã: Maarten Roos, David Luz, Carlos Pintassilgo, Alberto Negrão.

7- Quando estava numa das salas de reuniões do ESOC e cada «Principal Investigator» apresentou os seus resultados fiquei radiante, não só com o meu investigador principal, mas também com os outros... Porém, a minha maior admiração ficou registada para com a pessoa responsável pela experiência Doppler, para medir os ventos... Os seus olhos, apesar da frustração pessoal, conseguiam ver mais além... Eu dificilmente conseguirei perceber o que sentiu o Mike quando viu que a sua experiência tinha funcionado, mas não tinha recebido dados... Porém, nem tudo está perdido. A partir de radiotelescópios terrestres, irá ser possível reconstruir o sinal emitido pela Huygens, ainda que vá demorar mais tempo e a precisão não seja a mesma. Não é a mesma coisa, não é a sua experiência, mas nem tudo está perdido para este cientista.

8- Ainda irão ouvir falar de mim para outros projectos, mas a seu tempo saberão. Mesmo contra o derrotismo geral, mesmo com a indiferença da classe política, eu continuo a acreditar que fazer ciência é fantástico, que é no meio da adversidade que se percebe o que é verdadeiramente sublime... Quem partilhar deste sonho que não desista, pois haveremos de fazer estes projectos em conjunto...

9- Acredito firmemente que o desenvolvimento científico, tecnológico e cultural de todos nós, portugueses, passa também pelo que possamos fazer na área espacial. O meu compromisso é sério e empenhado. Haveremos de ter o nosso espaço... no espaço.

10- Nunca pensei ser o primeiro ser humano a ver o perfil de condutividade da atmosfera de Titã. Nunca esperei ser a primeira pessoa a ficar encantada com as medidas eléctricas da superfície, mas isso é somente um detalhe... O que é verdadeiramente fascinante é que vamos poder conhecer melhor Titã, o universo e a nós próprios!..


11- A missão Cassini-Huygens é um verdadeiro sucesso científico e de engenharia, seguramente o maior depois do Projecto Apolo. Depois deste projecto muitos se seguirão, e alguns estão já aí…


(Fernando Simões)

 


BIBLIOFILIA PARA OS LEITORES DE BERNARDO DE CLARAVAL



Um dos últimos números da Revista Portuguesa de Filosofia é dedicado a Bernardo de Claraval, Bernard de Clairvaux, S. Bernardo, o monge Bernardo, como queiram. (No Abrupto há lá para trás, noutro tempo, uma série de comentários ao De Gradibus Humilitates et Superbiae, do nosso austero monge.) Um artigo muito interessante sobre Bernardo, Abelardo, Heloísa e o amor, e outro sobre a distinção entre Sapientia Dei e Scientia Mundi.

O modo como Bernardo fala da Scientia Mundi, lembra-nos que os maus também sabem, sabem muito, mas é um "conhecimento que conduz à vaidade (...) o conhecimento daqueles que são moralmente maus".
 


AR PURO / ANTOLOGIA DA PEDRA


Richard Long
 


UMA TRISTEZA EM TITÃ

Alguém esqueceu-se de ligar o instrumento”. Pura e simplesmente. “Alguém esqueceu-se de programar o comando para ligar o instrumento”. Para o professor David Atkinson, que passou dezoito anos a preparar um aparelho para medir os ventos em Titã, este falhanço é um momento de grande tristeza. Tudo correu bem, tudo correu melhor que bem. Menos isto. Dezoito anos, quase uma vida. Falha humana.

 


GRANDES NOMES: A LUA DO LOBO

está a crescer hoje. Nome dado pelos nativos norte-americanos à Lua cheia de 25 de Janeiro. Os lobos estavam à solta no Inverno.
 


GRANDES NOMES: CHIFRE D'AFFAIRES

Nos anos 60, uma senhora de rara beleza progredia na sociedade lisboeta e aumentava a sua conta bancária, utilizando o seguinte método: arranjava marido rico, traía-o, recebia uma razoável pensão ou dote, em troca de se afastar do cornudo, pondo fim ao escândalo, e passava ao seguinte esposo endinheirado. Era conhecida por Chifre d'Affaires.

(ACS)
 


EARLY MORNING BLOGS 412

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.


(David Mourão-Ferreira)

*

Bom dia!
 


BIBLIOFILIA EM MODO GALEGO



Dois livros de Rosalia de Castro e um Amor y Corte. La materia sentimental en las cuestiones poeticas del siglo XV de Antpnio Chas Aguión.

21.1.05
 


REACCIONÁRIOS

Não constitui para mim surpresa o reaccionarismo do Bloco de Esquerda. É-o muito mais do que se pensa, ocultado pelo folclore das “causas fracturantes” e por uma imprensa que o descrimina positivamente. A frase de Louça contra Portas, que tive ocasião de ouvir numa síntese televisiva (de um debate que não vi),

" O Senhor não pode falar do direito à vida porque nunca gerou vida. Não sabe o que é gerar vida. Eu tenho uma filha. Eu sei o que é um sorriso de uma criança."

é um perfeito exemplo do que daria um pequeno escândalo, fosse o seu autor outro que não Louça.

*
A primeira frase pressupõe que o conceito decorre da experiência, o que é uma falsa permissa. A segunda frase contém um "argumentum ad hominem", que constitui uma falácia argumentativa. E a terceira e a quarta frases abrigam um "argumentum ad populum", que constitui também uma falácia argumentativa. Em suma, Françisco Louçã, numa frase, conseguiu não transmitir nada.
(Miguel Moura Santos)

*
De facto, o Sr. Portas, transmite uma imagem de superioridade de valores, de perfeição e competência, como se de um enviado divino se tratasse. Claro que no calor do debate e quando o Sr. Portas liga a "cassete" do costume, em que fala da "vida" como se fosse o detentor de toda a sabedoria e "a direita" referência na defesa dessa mesma vida, o argumento do Sr. Louçã faz todo o sentido.

Não devemos complicar o que é simples, as conversas também são "emoções perto da boca" e sem querer entrar em áreas de concepções de valores, acho muito sinceramente, que o problema da despenalização do aborto nada tem a ver com a defesa da vida, mas sim com uma teimosia instituida, aliás, como outras teimosias que nada resolvem, apenas entopem os tribunais!
(Alírio José Camposana)


*
O leitor Miguel Moura Santos, em análise restrita ao conteúdo manifesto das palavras do líder do Bloco de Esquerda escreve que "(...) Françisco Louçã, numa frase, conseguiu não transmitir nada". Eu acho que raras vezes ele transmitiu tanto. As pessoas irritam-se e perdem as camadas que as definem como personagens quanto mais se confrontam com elas próprias. Louçã não resistiu à 'proximidade' de Portas.
(Paulo Azevedo)

*
Louçã considerou (porque considerou mesmo - o argumento do "contexto", invocado pelos seus colegas de partido é uma falácia - honre-se Luís Januário, de Coimbra) que PP não poderia ter falado de "aborto" por não ter "gerado vida" e "não saber o que é o sorriso de uma criança". Ainda que dissesse (entre muitas aspas) que "não podia falar de aborto porque nunca tinha feito um", entender-se-ia, na lógica de um debate televisivo e com o argumento, tão estafado como errado, de que só as mulheres devem falar de um assunto que hipoteticamente só lhes diz respeito.

Mas ao dizer o que disse (e já é crescidinho para saber o que diz...) fez profissão de fé de que não falará de mulheres (creio que é do sexo e do género masculino), de homossexuais (não consta que seja), de minorias étnicas (é caucasiano), de estrangeiros (é português), de futebol (em que equipa é que ele alinhou?), da Igreja (diz-se ateu ou agnóstico), do Papa (não o é... ainda). Nem sequer de PP (ele não é ele...). Enfim. Louçã só poderá falar de uma coisa: da vida de Louçã e das experiências de Louçã. Nesse aspecto, diga-se, é coerente: na prática, só fala dele próprio e faz outro tanto de auto-propaganda. O único busílis é que nós não estamos minimamente interessados na vida do Professor Louçã. E como a democracia se constrói à custa da argumentação, do debate e da troca de ideias, Louçã é muito desinteressante para a democracia... até porque acabou por promover PP, o que já de si é um péssimo serviço à causa...Há arrogâncias que não se devem ter... seja qual for o "contexto"!
(Mário Cordeiro, Professor de Pediatria e de Saúde Pública)
 


GRANDES NOMES: "APANÁGIO DO CÔNJUGE SOBREVIVO"

“Apanágio do cônjuge sobrevivo”, direito dos viúvos a serem alimentados pelos rendimentos dos bens deixados pelo falecido. Artigo 2018º do Código Civil. (Sugestão de RM)

O Direito das sucessões é pródigo em expressões/nomes bizarros: Cautela sociniana, fideicomisso, substituição pupilar e quase pupilar e por ai fora.

Aliás, o Código Civil é cheio de encantos, de entre os quais destaco os artigos 1321º e 1322º sobre animais ferozes fugidos e enxames de abelhas, respectivamente.


Reza o 1321º: “Os animais ferozes e maléficos que se evadirem da clausura em que seu dono os tiver, podem ser destruídos ou ocupados livremente por qualquer pessoa que os encontre.

(...) E o 1322º:

1. O proprietário de enxame de abelhas tem o direito de o perseguir e capturar em prédio alheio, mas é responsável pelos danos que causar.

2. Se o dono da colmeia não perseguir o enxame logo que saiba terem as abelhas enxameado, ou se decorrerem dois dias sem que o enxame tenha sido capturado, pode ocupá-lo o proprietário do prédio onde ele se encontre, ou consentir que outrem o ocupe.”

Enfim, muito se poderia dizer sobre estas disposições legais, que antecedem aliás as que se pronunciam sobre a mudança de leito, a formação de ilhas ou mouchões, lagos e lagoas, união ou confusão de boa fé, etc, etc, etc. (Ainda há quem ache que a lei não tem interesse nenhum…)

(RM)

*

(...) confesso que não percebi o sentido que o seu leitor (...) quer dar às suas palavras (...) É que se o sentido em causa conforma um certo escárnio às normas do Código Civil em questão, então tenho que lhe manifestar a minha viva contestação. As expressões do Código Civil, que foram apresentadas como sendo retiradas de um sketch dos Monty Piton, têm todas uma origem e uma razão de ser. Origem essa, na esmagadora maioria dos casos, que se liga à portentosa herança que o Direito Romano deixou um pouco por todos os sistemas jurídicos ocidentais, e donde vêm directamente muitas das palavras hoje usadas.

Outra nota de contestação: os artigos referentes aos exames de abelhas e similares além de, uma vez mais, terem que ser olhados de acordo com a sua origem história, não se aplicam apenas a casos de "abelhas" mas também a casos similares, análogos, pois o tempo do positivismo jurídico (em que se clamava a viva voz que o Direito mais não era do que a lei emanada do legislador) já lá vai, felizmente para todos nós. Hoje a lei (o Código Civil é uma lei) não é apenas interpretada de uma forma estrita mas de uma forma extensiva, o que permite que o Direito seja muito mais que uma norma (ou um conjunto delas) e que não seja apenas "a boca da lei" (caso contrário estariamos sujeitos ao arbítrio do legislador).
(Alberto Fernandes)

*
Bom, perante a viva contestação do leitor Alberto Fernandes pela minha infeliz tentativa de humor à custa do Código Civil, outra solução não me resta senão, nos termos previstos no artigo 1322 do mesmo Código, entrar pelo Abrupto dentro e perseguir e capturar as minhas palavras, após o que me retiro ordeiramente. Suportando os danos causados,claro!
(RM)
 


GRANDES NOMES: MARIA BONITA

"Maria Bonita", nome pelo qual Maria Gomes de Oliveira (1911-1936) se tornou conhecida.
Foi a companheira de Lampião desde 1929 e a primeira mulher a participar num grupo de cangaceiros. Como Lampião, tornou-se uma lenda do sertão nordestino e personagem de muitas histórias de cordel. Lampião e Maria Bonita tiveram uma única filha, Expedita, nascida em 1932.

(Beatriz Tavares)

 


GRANDES NOMES: ADOLFO LUXÚRIA CANIBAL

Vocalista dos Mão Morta (sugestão de Manuela D.L. Ramos). Quando se fala com o Adolfo chama-se-lhe "senhor Canibal"?

*
Naturalmente que não. Será mais delicado dizer: Dr. Canibal ou então Sr. Advogado Canibal. Esta segunda forma parece-me particularmente adequada.
(Luís Aguiar-Conraria)

 


CRISE DE REPRESENTAÇÃO

Em quem é que eu voto? É a pergunta que mais recebo e mais me fazem.

É o sinal de uma crise de representação por parte de um eleitorado que votava PSD ou PS, a que se soma os que já afirmaram que iriam votar em branco. O PSD afasta, o PS não atrai. As sondagens já começam a revelar esta crise: o PS desgasta-se mais longe da maioria, o PSD não descola de um dos resultados piores de sempre, as margens sobem pouco, a abstenção ameaça níveis consideráveis. Esta realidade é mutável, mas enuncia um problema.

Voltaremos aqui.
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: TEMÍVEL GEOMETRIA


(Saturno)

Esta é a geometria do tigre :

Tiger, tiger, burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Could frame thy fearful symmetry?


(Blake)

A da Divina Mão.
 


DE LONGE

havia o meu mar habitual. Duro, frio, regular. Onda após onda, a uma luz absoluta. O meu mar, entre a água salgada e a água do rio que rasga, sempre pouco doce. O meu mar.

Em frente, um amigo que mora, morre aos poucos. Revoltado. Já sem palavras, já sem versos.
 


EARLY MORNING BLOGS 411

Cantiga do Ódio


O amor de guardar ódios
agrada ao meu coração,
se o ódio guardar o amor
de servir a servidão.
Há-de sentir o meu ódio
quem o meu ódio mereça:
ó vida, cega-me os olhos
se não cumprir a promessa.
E venha a morte depois
fria como a luz dos astros:
que nos importa morrer
se não morrermos de rastros?


(Carlos de Oliveira)

*

Bom dia!

18.1.05
 


COISAS SIMPLES

 


EARLY MORNING BLOGS 410

Had I not seen the Sun


Had I not seen the Sun
I could have borne the shade
But Light a newer Wilderness
My Wilderness has made—


(Emily Dickinson)

*

Bom dia!

17.1.05
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: "Na mediocridade dos nossos orgulhos está a razão do insucesso dos nossos actos"

Os portugueses entram em êxtase de orgulho nacional a propósito de qualquer sucesso desportivo para o qual nada contribuíram e do qual nenhum ganho receberão.

Hoje uma sonda repousa em Titã, depois de sete anos de viagem. Nela uma pequena bandeira portuguesa, junto à de outros países europeus, assinala a nossa contribuição para a ESA. Todos os portugueses que pagam impostos deveriam estar muito orgulhosos. Contribuíram para o sucesso desta extraordinária aventura cientifica. E, a longo prazo, de formas hoje nem sequer sonhadas, toda a Humanidade beneficiará. Mas não estão. A maior parte nem sabe que tem lá uma "parte".

Só uma pequena, muito pequena minoria está orgulhosa da nossa contribuição. No número dos orgulhosos não se contarão os nossos governantes, pois estamos em risco de ser expulsos de várias instituições cientificas europeias por falta de pagamento das contribuições anuais.

Cada país orgulha-se do que quer. Nessa escolha se pode encontrar explicação para muitos outros equívocos. Afinal, as coisas são de uma simplicidade cartesiana: na mediocridade dos nossos orgulhos está a razão do insucesso dos nossos actos.


(Luís Correia)

*

Já agora para quem pensa que Portugal participa na Huygens ou na Cassini é melhor não pensar nisso. Embora seja membro da ESA, Portugal não participa nesta missão nem tem nenhuma instituição directamente envolvida. O único português directamente envolvido é o Fernando Simões, do Centro de Estudos Terrestres e Planetários da Universidade de Versalhes, cuja equipa desenvolveu um dos seis instrumentos da sonda, o HASI, para a analisar as propriedades eléctricas da atmosfera e a composição da superfície no local de aterragem. De resto, temos apenas dois investigadores a trabalhar sobre Titã. O David Luz do Observatório Astronómico de Lisboa e agora a trabalhar no Observatório de Paris-Meudon, com uma bolsa de pós-doutoramento e o Alberto Negrão em doutoramento, também no Observatório de Paris. Os dois poderão ter acesso a dados de missão assim como muitos outros investigadores espalhados por essa Europa fora. Agora temos concerteza alguns portugueses em Titã, que mandaram o seu nome a bordo do CD que foi na Huygens

(José Matos da Estrela Cansada)
 


DITO NUMA CONVERSA

"A ataraxia era o momento Zen dos gregos".

 


OUVINDO "SKYLARK" DE JOHNNY MERCER

uma das mais belas canções americanas:

Have you anything to say to me
Won't you tell me where my love can be
Is there a meadow in the mist
Where someone's waiting to be kissed

Oh skylark
Have you seen a valley green with spring
Where my heart can go a-journeying
Over the shadows and the rain
To a blossom-covered lane

And in your lonely flight
Haven't you heard the music in the night
Wonderful music
Faint as a will o' the wisp
Crazy as a loon
Sad as a gypsy serenading the moon

Oh skylark
I don't know if you can find these things
But my heart is riding on your wings
So if you see them anywhere
Won't you lead me there
Oh skylark
Won't you lead me there
 


MAIS TITÃ

Depois de dois dias de quase congelamento dos locais da NASA e da ESA, finalmente é colocada uma nova composição fotográfica de Titã visto de dez quilómetros de altura.
 


A LER

o ressuscitado Linha dos Nodos, com comentários sobre as fotos de Titã, por quem sabe destas coisas.
 


PRÉMIO DA PETULÂNCIA

Parece que há um cartaz do PP que diz: "a convicção é útil a Portugal". Não tenho dúvida, mas a "convicção" plástica do PP é muito interessante: veja-se só o caso da Europa. Quem se recorda da palmeta, da pêra-rocha, e das catilinárias contra a União Europeia, e os vê (ou o vê), com a mesma "convicção", a votar sim à Constituição Europeia...
 


INTENDÊNCIA

Actualizado OUVINDO PEGGY LEE.

Publiquei Seixos no Portal do Astrónomo.

Como se fosse bibliografia para o que publiquei a semana passada no Público intitulado Poeira da Mudança , este artigo do NYT de Tom Zeller, Measuring Literacy in a World Gone Digital.

Colocados no VERITAS FILIA TEMPORIS , umas memórias da Livraria Leitura de 1994, e a Lagartixa e o Jacaré 18 sobre a tragédia do maremoto, o Porto e a quota do futebol e os abusos do fisco.
 


BIBLIOFILIA: A NOSSA TASCHEN NACIONAL










Este pequeno livro ignorado coleciona os nosso ícones como faz a poderosa Taschen. Os Dias da Confiança, Braga, 2004 de responsabilidade da Fundação Bracara Augusta, reproduz as embalagens dos produtos da Saboaria e Perfumaria Confiança. que qualquer nortenho antigo conhece bem, desde 1894.


 


OUVINDO OUTRA VEZ O MESMO

Debussy de ontem. Há tanto fio neste tecido...
 


GRANDES NOMES: MAFARRICO

Este é um nome de gosto, diz tudo sobre o dito. Como não se sabe a origem da palavra, pode-se sempre suspeitar que foi o Demo, ele próprio, o seu autor.Prova provada que ele não se leva a sério, ou será mesmo o contrário?
 


GRANDES NOMES: PEDRAS PARIDEIRAS

Sugestão de Desnorte de que transcrevo:

"Na Serra da Freita há um local especial, destino de inúmeras peregrinações até há uns tempos atrás. O motivo dessas peregrinações, as chamadas pedras parideiras. Desenganem-se aqueles que achem que quem por lá encostar o traseiro (!) resolve o problema da infertilidade... Elas têm esse nome por que são pedras que parem pedras, fenómeno antigo e muito raro no mundo, conforme se pode ver na descrição existente no local e nos links que aqui deixo. E já sabe: se parou o carro para ver a aldeia da Castanheira (...), ao regressar não entre logo nele: atravesse antes a rua, suba 50 metros e talvez assista a um histórico e feliz parto!"
 


MEMÓRIAS DE 1968

"Escrevi em 1968, annus mirabilis, para a "Divulgação", o antigo nome da "Leitura", o meu primeiro texto para um catálogo de exposição de pintura, fazendo uma improvável relação entre Rilke e a Commedia, entre Arlequim e as rochas de Duíno. Tudo a pretexto de uma exposição da Rosa, cuja fotografia belíssima, com um ar perfeitamente grego, aparecia ao lado do texto, tudo decorado com um cinzento suave que fazia parte das cores de que as pessoas gostavam antes da vinda do Arquitecto Taveira. Sépia, mauve, um leve ocre... Depois fiz mais catálogos para exposições do Batarda e do Mouga, escrevi sobre o Ângelo e o Zé Rodrigues, mas este foi o primeiro e o primeiro conta sempre.

Mas o mundo dos amáveis ocres estava a acabar depressa de mais. Aliás não estou bem certo que alguma vez tivesse existido, porque talvez na época não olhássemos para essas cores com o ar vagamente blasé e intelectualmente decorativo que temos hoje. Caminhavamos para a política pura, dura e radical que acabava por ser o único caminho ético possível. Eis-nos pois de 1968 a 1970 em ritmo acelerado para nos tornarmos "guardas vermelhos" e eis que a "Leitura" (então "Divulgação") resolveu contribuir poderosamente para a "demarcação entre nós e o inimigo": traz cá, em plena "liberalização" marcelista, Yevgeny Yevtushenko.

Hoje deve ser bizarro imaginar a excitação da vinda da terra das estepes, do escritor russo, digo "soviético", mas foi na época um petit scandale. Primeiro, porque a vinda de Yevtushenko era claramente uma concessão pensada do regime marcelista para mostrar o "degelo" do salazarismo; segundo, porque o escritor era um crítico do estalinismo e um símbolo da literatura soviética nos limites da crítica "consentida" ao regime; terceiro e mais fundamental, porque exactamente pelo que disse atrás, Yevtushenko era o representante máximo da "traição" da URSS, o "revisionismo" encarnado. Yevtushenko ajudou à festa - chegou a Lisboa, passeou-se com o establishement literário do PCP e dos seus compagnons de route e depois anunciou ao Diário de Lisboa que queria visitar Fátima para ver as massas rezar. A crise passou de petit scandale para grande escândalo e até o PCP, que devia conhecer alguma coisa das dificuldades de erradicar da alma russa o pathos religioso, ficou incomodado.

Como o maoismo estava então ainda em grande parte por organizar e era mais uma revolta cultural do que uma ortodoxia com regras, um grupo de pessoas, no qual me incluía, resolveu ir fazer umas "provocações" ao "revisionista", ou seja, armar uma arruaça ao Yevtushenko e aos seus mentores lisboetas. O local da cena foi a "Divulgação" de Lisboa, irmã da do Porto, e a materialização das provocações foi levar a uma sessão de autógrafos alguns livros pouco inconvenientes para o "poeta" assinar: a Bíblia, as Citações do Presidente Mao Tsé Tung,- das Editions du Seuil e não as chinesas que eram perigosas de mais -, e uns livros claramente "reaccionários". O resultado foi o previsível: Yevtushenko espantado começou a perceber que alguma coisa não estava certa e recusou os autógrafos, houve algum burburinho e eu, mais o Alexandre de Oliveira, penso que o João Bernardo (em vésperas de se tornar o "oportunista Tiago") e uns surrealistas lisboetas, fomos postos na rua pelo Carlos Porto."

(Parte de umas "Memórias da Leitura", a livraria, que em breve colocarei no VERITAS FILIA TEMPORIS).
 


POEIRA DE 17 DE JANEIRO: DIÁRIO DE "RUDY"

Há setenta anos, hoje, Manuel Joaquim Baptista "Rudy", falava de "31s", matinées, chauffeurs, duas palavras novas, e cognac que não era nova. Quase todos os diários são proto-blogues.



(Ver nota BIBLIOFILIA: DIÁRIO MANUSCRITO DE MANUEL JOAQUIM BAPTISTA "RUDY", PINTOR, 1935 )
 


AR PURO


Levitan
 


EARLY MORNING BLOGS 409

Lot's Wife


Do not look behind you.
--Gen. 19:17

So simple a mistake. They say I turned to look;
instead it was to listen. I did not know: only the dead
can stand the music of the spheres made mortal.

Caught in my hood, the hard chords of chaos:
the childish scream, the mother's litany as she names
the loss which instantly unnames her.

And then the inconceivable: between the flint
blast and the crack of iron, I heard
the burning of the scorched moth wing,

the lily as its petals crisp to white fire,
but more than these, the footfall
of a naked man who runs to nothing.

And so I chose this brine,
now crystals shift. The salt dissolves
and I want to speak.

Whore of all hopes, I now believe
some stories survive
in order to remake their endings.


(Dana Littlepage Smith)

*

Bom dia!
 


VER A NOITE / NÃO VER A NOITE

Há uma hora, a humidade baixa não deixava ver nada. Agora, com surpresa, até o cometa se vê a olho nu (mal, mas vê), e o céu está o melhor de há mais de um mês.

16.1.05
 


OUVINDO

Debussy, Debussy, Debussy. Obras para orquestra pela Royal Concertgebouw Orchestra dirigida por Bernard Haitink.
 


GRANDES NOMES: A "LIVRARIA DO MONDEGO"

Junto a Penacova, depois de ter recebido o Alva (afluente da margem esquerda), o vale do Mondego estrangula-se cada vez mais ao atravessar o contraforte de Entre-Penedos. Aqui, encontram-se «altas assentadas de quartzíticos silúricos, muito fracturados». Dispostos quase verticalmente, como livros inclinados numa estante, deram origem à conhecida «Livraria do Mondego». Mesmo ao pé do Porto da Raiva.

(Contribuição de Ávido)
 


GRANDES NOMES: O "ERVA PARIETÁRIA"

"O imperador Trajano, de alcunha O Erva Parietária (porque em todos os edifícios que fez mandou pôr o seu nome na parede)..." (Padre Manuel Bernardes)
 


PARA UMA ANTOLOGIA DA TRAIÇÃO(6): A ABJURAÇÃO DE PEDRO (EVANGELHO DE MATEUS)

"Ora, Pedro estava sentado fora, no pátio; e aproximou-se dele uma criada, que disse: Tu também estavas com Jesus, o galileu. Mas ele negou diante de todos, dizendo: Não sei o que dizes.
E saindo ele para o vestíbulo, outra criada o viu, e disse aos que ali estavam: Este também estava com Jesus, o nazareno.
E ele negou outra vez, e com juramento: Não conheço tal homem.
E daí a pouco, aproximando-se os que ali estavam, disseram a Pedro: Certamente tu também és um deles pois a tua fala te denuncia.
Então começou ele a praguejar e a jurar, dizendo: Não conheço esse homem. E imediatamente o galo cantou.
E Pedro lembrou-se do que dissera Jesus: Antes que o galo cante, três vezes me negarás. E, saindo dali, chorou amargamente."


*

Duas criadas denunciam Pedro. À primeira denúncia ele nega. À segunda ele nega e jura. À terceira ele nega e jura e fala de forma diferente. Porque o terceiro denunciante de Pedro diz-lhe “também és um deles pois a tua fala te denuncia”, ou seja, por acompanhar Cristo, Pedro passou a falar diferente. Por isso a terceira abjuração é o cúmulo da traição: Pedro nega, jura e “pragueja”, ou seja muda a língua, torce a língua, para convencer os outros da sua traição. Pedro subiu, degrau a degrau, a escada da traição e quando no fim disse “não conheço esse homem” , o galo lembrou-lhe que também na negação se deixaria de conhecer a si mesmo. No último momento, Pedro não quis perder-se de Pedro e “chorou amargamente”. Poucas histórias nos evangelhos são mais poderosas do que esta.

*

O que salvou Pedro foi lembrar-se. A sua traição foi completa mas durou pouco. Se tivesse durado mais, ter-lhe-ia poluído a memória e Pedro estaria perdido como Judas. A memória salva da traição.
 


OUVINDO PEGGY LEE

a cantar Johnny Guitar.

*
There was never a man like my Johnny

The one they call ‘Johnny Guitar”…

Meu Deus! Que saudades!

Um filme inesquecível, talvez um dos três melhores “westerns” de todos os tempos e sem dúvida um os grandes, grandes filmes da cinematografia mundial.

Inesquecíveis e maravilhosos, Sterling Hayden e Joan Crawford, e acima de tudo a maior e mais extraordinária criação de ódio e ciúme, a da “Emma” – não me recordo o nome da actriz – num papel ‘secundário’ (só no nome, porque ofusca e domina o filme) como nunca mais vi nem tinha visto. Tenho esse filme gravado a fogo na minha memória, mais claro e detalhado que num DVD.

Um “shootist” que não atira a ninguém, mas que deixa a ideia de que seria capaz de matar todo o “cast” sem fazer grande esforço (a cena do tiro no revolver do jovem bandido); o mesmo jovem, ferido, escondido debaixo da grande saia branca da Crawford ao “grand piano”, o amor dos protagonistas, mais intuído que demonstrado, de uma forma sóbria que deveria fazer empalidecer de inveja todos os que precisam de actos carnais explícitos para dizer o que aqueles dois dizem quase sem falar…e acima de tudo a Emma, personificação do mal absoluto de que é capaz um ser humano.

Já não se fazem filmes assim!

Com “High Noon” e “The man who shot Liberty Valance” (grande, enorme Lee Marvin!) eis a trilogia do “western” fora do tempo e do espaço, que valem por si próprios, como monumentos ao cinema como Arte."

(Luis Rodrigues)


 


COISAS SIMPLES


Chardin
 


EARLY MORNING BLOGS 408

In the Next Galaxy


Things will be different.
No one will lose their sight,
their hearing, their gallbladder.
It will be all Catskills with brand
new wrap-around verandas.
The idea of Hitler will not
have vibrated yet.
While back here,
they are still cleaning out
pockets of wrinkled
Nazis hiding in Argentina.
But in the next galaxy,
certain planets will have true
blue skies and drinking water.


(Ruth Stone)

*

Bom dia!
 


ENQUANTO NÃO APARECEM AS IMAGENS DEFINITIVAS


um grupo de amadores especializados processou as imagens em bruto e publicou os primeiros resultados. Muito interessante.
 


POEIRA DE 16 DE JANEIRO

Hoje, há cento e cinquenta e um anos, Tolstoy foi “atingido pela beleza poética do Inverno”. Nevoeiro, humidade. Como nesta noite, depois da chuva, cheira à terra, e a um vago traço de lenha queimada. Ver a noite sozinho , por entre as árvores, as nuvens a passar em cima. Orion, incompleta, espreita e desaparece. Poucas coisas importam. Coisas simples.

15.1.05
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota GRANDES NOMES: MANI DI FATA.
 


CHUVA

Começou. Sursum corda.
 


PERGUNTAS

Se se acender um fósforo em Titã , o que é que acontece? Vai tudo pelos ares? Sempre é metano o que lá está, mas é o mesmo metano das minas, o que mata os passarinhos que avisam os mineiros? Pode-se acender um fósforo em Titã? E se não for um fósforo, mas qualquer outra coisa que "acenda"? A centelha pode incendiar a planície? Tinha razão, em Titã, o camarada Mao Zedong?

*
Em Titã, um fósforo não acende e o metano não arde porque aparentemente não há oxigénio. Além disso, está muito frio e a pressão é muito alta. Se lá tivesse existido uma poça de oxigénio, já há muito teria sido consumida, a não ser que exista algures em Titã um mecanismo que mantenha a atmosfera longe do equilíbrio, como por exemplo vida. Na Terra, a atmosfera está longe do equilíbrio químico porque o oxigénio e o azoto são de origem biológica.
(João Miranda)

*
Estas são de resposta fácil. Para haver combustão, é necessário um combustível (esse está lá) e um comburente (que aqui, na velha Terra, é geralmente o oxigénio do ar) que - segundo se pensa - não está lá.
Donde, é tão impossível uma chama em Titã como aqui na nossa atmosfera, se não tiver combustível. Podemos imaginar um isqueiro BIC a funcionar em Titã, mas o depósito teria que estar cheio de ar comprimido (ou oxigénio). Enquanto aqui na Terra, com ar em todo o lado, para haver fogo temos que arranjar combustível, em Titã, com metano (combustível) em todo o lado, para haver fogo temos que arranjar ar!
(João Ventura)

*
Esta é a fórmula que expressa a combustão do metano:

CH4 (g) + 2 O2 (g) CO2 (g) + 2 H2O (l)

como é evidente, se não houver oxigénio em Titã não haverá combustão.
Nem o azoto nos safa aqui, esse gás inerte que por aqui não nos aquece nem nos arrefece (a não ser que sejamos mergulhadores..)

Logo, o mais certo era nem sequer conseguirmos acender o fósforo..
(Alexandre Monteiro)

*
A pergunta correcta seria «E também há oxigénio?» É dos compêndios básicos da química que uma reacção de combustão necessita de oxigénio… o metano «queima» na presença do oxigénio. Se existir oxigénio ele permitirá a combustão do metano, pelo menos enquanto existir, pois além do metano, também o oxigénio se consome nesta reacção.

O mais curioso… e pura especulação científica, delírio mesmo, a combustão do metano iria resultar em dióxido de carbono (que ajudaria a elevar a temperatura média da atmosfera e contribuiria para um saudável efeito estufa) e vapor de água. Vamos queimar Titã para obtermos um planetóide mais quente e com água? Puro delírio naturalmente… tal como há 50 anos seria delírio pensar que uma nave europeia aterraria tão longe…
(Emanuel Ferreira)
 


TITÃ A COR DE LARANJA


Pedras, pedrinhas. E as conchinhas e os pedacinhos de ossos? Não há?
 


BIBLIOFILIA/ PARA UMA ANTOLOGIA DA TRAIÇÃO (5)




The Faber Book of Treachery (Editado por Nigel West), Londres, Faber & Faber, 1995.

Uma das melhores antologias sobre a traição, centrada na traição ao seu próprio país. O prefácio de Nigel West é um exercício sobre esta peculiar paixão inglesa, assente num contínuo que vai de Forster, a Philby e a Graham Greene. Lendo-o percebe-se bem como a traição não conhece limites, espalha-se por círculos à volta do traidor, tocando tudo o que ele toca e todos que o tocam.
 


OUVINDO CHANTS... DE CLAUDE VIVIER




One two buckle your shoe
Three four shut the door
Five six pick up sticks
Seven eight lay them straight
Nine ten this is the end.


Enquanto quase chove. Quase.

 


GRANDES NOMES: REFEIÇÃO ESPIRITUAL

De Frei Manoel do Sepulcro, edição de 1742. Título verdadeiro e completo: Refeição Espiritual Para A Meza Dos Religiosos, E De Toda A Devota Familia, Ordenada Por Todas As Domingas, E Festas Do Anno, Segundo A Fórma Da Reza Romana No Officio Do Tempo, Com Diligente Parafrase Historial, E Mystica De Seus Evangelhos.
 


TITÃ, ONTEM





Ouvir um planeta: sons de Titã.

Na Internet há um coro de protestos pela política selectiva e lenta de divulgação de imagens da Agência Espacial Europeia, em contraste com a prática habitual da NASA. Por indicação de Tiago Hormigo, podem-se encontrar mais imagens não tratadas aqui.
 


COISAS SIMPLES


P. Bonnard
 


EARLY MORNING BLOGS 407

The Mystery of Meteors



I am out before dawn, marching a small dog through a meager park
Boulevards angle away, newspapers fly around like blind white birds
Two days in a row I have not seen the meteors
though the radio news says they are overhead
Leonid's brimstones are barred by clouds; I cannot read
the signs in heaven, I cannot see night rendered into fire

And yet I do believe a net of glitter is above me
You would not think I still knew these things:
I get on the train, I buy the food, I sweep, discuss,
consider gloves or boots, and in the summer,
open windows, find beads to string with pearls
You would not think that I had survived
anything but the life you see me living now

In the darkness, the dog stops and sniffs the air
She has been alone, she has known danger,
and so now she watches for it always
and I agree, with the conviction of my mistakes.
But in the second part of my life, slowly, slowly,
I begin to counsel bravery. Slowly, slowly,
I begin to feel the planets turning, and I am turning
toward the crackling shower of their sparks

These are the mysteries I could not approach when I was younger:
the boulevards, the meteors, the deep desires that split the sky
Walking down the paths of the cold park
I remember myself, the one who can wait out anything
So I caution the dog to go silently, to bear with me
the burden of knowing what spins on and on above our heads

For this is our reward:Come Armageddon, come fire or flood,
come love, not love, millennia of portents--
there is a future in which the dog and I are laughing
Born into it, the mystery, I know we will be saved


(Eleanor Lerman)

*

Bom dia!

14.1.05
 


PRIMEIRO OLHAR



 


JÁ CÁ ESTÃO

Ufa! Agora pode-se descansar, até começarem a vir os dados científicos tratados e as fotografias.

Na pressa, usei sempre o nome inglês ESA, a Agência Espacial Europeia, e não disse o local onde tudo foi acompanhado, Darmstadt. Por coincidência, que não é coincidência, fui "shadow rapporteur" dos relatórios da Agência Espacial Europeia no Parlamento Europeu.

Um erro já foi corrigido em baixo, a confusão entre Mars 6, que não existe e Marsis.

Pela primeira vez, o Abrupto teve um subida apreciável do número de leitores, que atingiram entre 300 e 500 por hora durante a tarde, de vários países, por um assunto que não é do foro político.
 


JÁ CÁ ESTÃO

Imagens poderão estar prontas hoje à noite.

(Não é muito importante, mas a CNN deu a notícia da confirmação da data recebida, vinte minutos depois do Abrupto, o que não é mérito nenhum especial mas mostra as vantagens da rede e dos blogues.)
 


JÁ CÁ ESTÃO

"Existem dados da superfície?" "Estão certo que pelo menos trinta minutos de dados da superfície nos vão chegar."
 


JÁ CÁ ESTÃO

Perguntas. "Quanto tempo poderá a sonda continuar a trabalhar?" "Calculamos sete horas, porque as baterias estão carregadas e a funcionar bem."

"O que é o canal A e B?". "Toda a sonda é redundante, na realidade há duas sondas numa, tudo em duplo, para não perdermos dados numa missão muito arriscada. Há apenas uma experiência única no canal A, sobre o efeito Doppler no vento."

"Caiu a sonda em qualquer espécie de líquido?. "Tem que se ter paciência até se saber, mas é provável que não, dado o tempo em que sobreviveu."
 


JÁ CÁ ESTÃO

Um dos canais não funcionou, o A. Mas o B funcionou perfeitamente e todos os sistemas são redundantes.
 


JÁ CÁ ESTÃO

Palmas. "Deve ser a única vez que vemos os engenheiros a chorar (ou a gritar?) na sala de côntrolo."

Confirma-se que os paraquedas abriram como deviam.
 


JÁ CÁ ESTÃO

Vários radiotelescópios estão a tentar seguir a sonda mesmo depois de Cassini deixar de receber, porque ela continuou a transmitir.
 


JÁ CÁ ESTÃO

Os dados enviados agora dizem respeito ao momento em que a sonda está a cinquenta quilómetros da superfície.
 


JÁ CÁ ESTÃO

Quatro horas de transmissão. Esperava-se duas horas e meia.
 


JÁ CÁ ESTÃO

Conferência de imprensa: parabéns à Alcatel e à ESA.
A seguir Marsis e Venus Express.

*
[Erro na nota do Abrupto] A "Mars 6" a que se refere no seu comentário das 16:41 é o radar de sondagem do subsolo e ionosfera de Marte, que está a bordo da Mars Express (cujo "verdadeiro" nome é "Marsis"- MARs Subsurface and Ionospheric Sounder), não de uma nave da ESA diferente.O radar ainda não foi ligado devido à possibilidade (que está a ser revista) da antena, de 40m, atingir a Mars Express durante a sua abertura.

(Tiago Hormigo)

 


JÁ CÁ ESTÃO

Conferência de imprensa.
Parabéns à NASA que levou Huygens ao objectivo.
Vinte e cinco anos de trabalho.

 


JÁ CÁ ESTÃO

"Visitamos Titã".
A sonda manteve o sinal mais de duas horas depois de tocar o planeta.
Cassini começou a enviar dados.
"Grande sucesso para a indústria europeia capaz de construir uma magnífica máquina".
"Grande sucesso para a comunidade cíentifica."
Mérito para os italianos, que fizeram a antena.
 


JÁ CÁ ESTÃO

"A manhã foi boa, a tarde foi melhor. Um sucesso de engenharia e um sucesso científico"
 


JÁ CÁ ESTÁ

Conferência de imprensa: palmas, sinais de vitória.

 


JÁ CÁ ESTÁ

Alguém diz "very good". Atenção aos ecrãs. Agitação na sala.
 


JÁ CÁ ESTÁ

Contentamento. Parabéns.

 


JÁ CÁ ESTÁ

Palmas. Começou a chegar. Viva!

 


JÁ LÁ ESTÁ

Há quem roa as unhas. Há quem bata com os dedos. Há quem mexa e remexa no lápis. Ouve-se falar em alemão. Toca um telefone. Esfregam-se as mãos, Alguns andam de um lado para o outro. Começam a sentar-se, a atenção a concentrar-se. Faltam sete minutos.

 


JÁ LÁ ESTÁ

Risos. Solitários. Silêncio, logo em seguida. Um dos presentes olha para o relógio. Não era preciso, relógios estão em todos os ecrãs. Nas primeiras filas ninguém tem gravata. Atrás há algumas gravatas. Bonés de basebol, devem ser os americanos. Atrás devem estar alguns representantes das empresas que financiaram parte do projecto.
 


JÁ LÁ ESTÁ

Espera. Alguns visitantes entram. Cumprimentos. Sorrisos. Espera. Nas duas meia-luas de instrumentos, ecrãs e consolas, olha-se com atenção. Seis grandes ecrãs reproduzem dados.
 


JÁ LÁ ESTÁ

no centro de operações da ESA, só se ouvem murmúrios. Está tudo à espera.

(Sigo em directo pela televisão da NASA.)
 


JÁ LÁ ESTÁ

daqui a quarenta minutos vamos começar a entender a fala. Sabemos que fala, sabemos que os nossos longínquos ouvido na Cassini a ouviram. Faltam os nossos. Tudo bem até agora. Tudo muito bem.
 


JÁ LÁ ESTÁ

e viva, pousada. E continua a falar. Deles, de nós.
 


JÁ LÁ ESTÁ

e tudo parece bem. Já começou a falar. Não sabemos ainda o que disse.
 


DEDICATÓRIA

O Abrupto hoje é dedicado aos cientistas e engenheiros europeus e americanos que gastaram (?) vinte e cinco anos da sua vida a um projecto que dura meia dúzia de horas e que tem muitas probabilidades de falhar.

 


A CAMINHO

Já deve ter chegado. Tempo da Huygens.
Não temos a certeza. Tempo da terra.
Mas falou pelo caminho? Só logo à tarde se saberá.
Até agora tudo bem.
 


BIBLIOFILIA: DIÁRIO MANUSCRITO DE MANUEL JOAQUIM BAPTISTA "RUDY", PINTOR, 1935






Encontrado num alfarrabista esta preciosidade. "Rudy" (1912-1956) foi um obscuro pintor, aguarelista e ilustrador, natural de Olhão. O diário do ano de 1935, escrito numa Agenda Rex, retrata um história de infelicidade e miséria, dobrada por desgostos amorosos. "Rudy" queixa-se da vida, da falta de dinheiro, das dificuldades em lhe pagarem as ilustrações que faz (no Século por exemplo), das doenças (queixa-se do coração e desenha um pequeno coração), dos azares amorosos. É uma vida feita de esperas e zangas, dominada pela pobreza - o senhorio quer expulsa-lo, tem que empenhar o fato "que traz vestido", não tem dinheiro para comer - e pela infelicidade. Tudo ilustrado com desenhos e colagens, de receitas de farmácia, de contas de restaurantes de bilhetes de eléctrico e de programas de cinema . Muitas personagens do submundo da edição popular, do jornalismo, dos ilustradores de capas e reclames, aparecem no diário. A vida é assim.


 


A CAMINHO

Já abriu o paraquedas. Já disse: estou aqui.
 


A CAMINHO

Está a descer. / Deve estar a descer. Tempo da Huygens. / Nosso tempo.
 


A CAMINHO

A Huygens já acordou.
 


COISAS SIMPLES


Baugin
 


EARLY MORNING BLOGS 406

Aubade


As I would free the white almond from the green husk
So would I strip your trappings off,
Beloved.
And fingering the smooth and polished kernel
I should see that in my hands glittered a gem beyond counting.


(Amy Lowell)

*

Bom dia!

13.1.05
 


OUVINDO JESSYE NORMAN A CANTAR RICHARD STRAUSS E WAGNER



Escrevi "cantar" com muita hesitação. "Cantar" parece alegre demais, ligeiro, para estas palavras de Hermann Hesse

Der Garten trauert,
kühl sinkt in die Blumen der Regen.
Der Sommer schauert
still seinem Ende entgegen.


Se há música é isto, as últimas canções de Strauss e os Wesendok-Lieder de Wagner. Pura música. Nada mais. Revolta de tão belo.
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: INCUBADORAS QUE FAZEM FORTES ESTRELAS



A Nebulosa Trífide, uma das poderosas incubadoras de estrelas no universo. No centro está uma estrela solitária, radiante nos seus jovens 300.000 anos. Em nebulosas como estas, as estrelas nascem debaixo da maior pancada imaginável, submetidas a forças brutais, chocando com tudo e todas, ao murro e ao pontapé às suas vizinhas, mas nascem fortes, grandes, cheias de energia, mudando o mundo à sua volta. O formato da Trífide foi esculpido pela sua estrela. Esta nunca se queixou do mundo duro em que nasceu. Não é o mundo, lá fora, assim?
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: TORTURADA PLACENTA



A "Oportunidade" visita o local onde está, brilhando ao sol, o seu escudo protector do calor na violenta descida em Marte. Já lá vai um ano: mudaram os meus olhos?
 


A LER

o Contra Factos & Argumentos que, com o Ponto Media, ajudam a retratar a mudança da "tecnosfera". É verdade que tudo isso se pode seguir nos blogues americanos especializados, mas o contraponto português torna-os necessários.
 


DUAS COISAS GRAVES: POPULISMO E FALTA DE SENTIDO DE ESTADO

A crítica demagógica e populista do PS à viagem do Ministro da Presidência parte de um exercício que qualquer populista sabe fazer: ver uma viagem de estado com má fé. Para os portugueses que comem por 3 ou 5 euros, qualquer almoço que custe dez vezes mais é um escândalo, qualquer português que não tem dinheiro para ir à praia quanto mais mergulhar, fazer mergulho é obsceno, qualquer português que viva mal e em dificuldades é um reservatório ideal para este tipo de populismo assente na inveja e no ressentimento social. O populismo é um produto da pobreza tanto quanto a usa para obter os resultados que pretende.

O PS não compreende que, ao actuar assim, não atinge só Morais Sarmento, atinge todos os políticos, a democracia e o estado. Ver-se-á isso às mil maravilhas quando alguém na oposição a um governo PS peça as facturas de qualquer viagem governamental (que o PS se está a comprometer a revelar, mostrando ausência de sentido de estado) e se “escandalize” com as despesas, ou com aquela tarde sem programa, ou com aquela visita que parece recreativa. E basta só olhar com má intenção e não há viagem de estado que não permita o exercício populista que se fez para a de S. Tomé. E depois não há retorno, tudo parece grave, e os danos estão feitos.

A segunda coisa grave, essa sim a curto prazo bem grave, é que se tenha revelado um acto confidencial do estado, que, pela sua natureza e para garantir a sua eficácia, deve permanecer confidencial, para defender (ou atacar, não sei) o Ministro. Quem cometeu a inconfidência contra o interesse público, não tem nem um átomo daquilo que se usa e abusa nomear, mas pouco se cumpre: sentido de estado. Sentido de estado é um responsável por um segredo de interesse nacional, não o revelar para se defender na curva de qualquer incidente. A pessoa seja de quem for num cargo governamental é sempre menos relevante do que as funções que exerce. Ou então não as aceita, ou vem embora. Calado.
 


O ALVO

"O PSD vai propor a limitação dos poderes presidenciais para que não seja possível um Presidente da República dissolver o Parlamento de forma "discricionária", diz o Público de hoje.

O alvo não é Jorge Sampaio, mas sim Cavaco Silva. As propostas de Santana Lopes para limitar os poderes presidenciais destinam-se a garantir que Cavaco Silva, caso seja Presidente, fique uma figura puramente decorativa.
 


EARLY MORNING BLOGS 405

Request


For a long time I was sure
it should be "Jumping Jack Flash,"
then the adagio from Schubert's C major Quintet,
but right now I want Oscar Peterson's

"You Look Good to Me." That's my request.
Play it at the end of the service,
after my friends have spoken.
I don't believe I'll be listening in,

but sitting here I'm imagining
you could be feeling what I'd like to feel—
defiance from the Stones, grief
and resignation with Schubert, but now

Peterson and Ray Brown are making
the moment sound like some kind
of release. Sad enough
at first, but doesn't it slide into

tapping your feet, then clapping
your hands, maybe standing up
in that shadowy hall in Paris
in the late sixties when this was recorded,

getting up and dancing
as I would not have done,
and being dead, cannot, but might
wish for you, who would then

understand what a poem—or perhaps only
the making of a poem, just that moment
when it starts, when so much
is still possible—

has allowed me to feel.
Happy to be there. Carried away.


(Lawrence Raab)

*

Bom dia!

12.1.05
 


BIBLIOFILIA



Joachim Köhler / Stewart Spencer , Richard Wagner. The Last of the Titans

Bob Dylan's Chronicles

Michael Wachtel, The Cambridge Introduction to Russian Poetry

(Em breve.)
 


BOA SORTE HUYGENS

no teu passeio distante.

11.1.05
 


 


PARA UMA ANTOLOGIA DA TRAIÇÃO (4)

Carmen 11


Furi et Aureli comites Catulli,
sive in extremos penetrabit Indos,
litus ut longe resonante Eoa
tunditur unda,
sive in Hyrcanos Arabesue molles,
seu Sagas sagittiferosue Parthos,
sive quae septemgeminus colorat
aequora Nilus,
sive trans altas gradietur Alpes,
Caesaris visens monimenta magni,
Gallicum Rhenum horribile aequor ulti-
mosque Britannos,
omnia haec, quaecumque feret voluntas
caelitum, temptare simul parati,
pauca nuntiate meae puellae
non bona dicta.
cum suis vivat valeatque moechis,
quos simul complexa tenet trecentos,
nullum amans vere, sed identidem omnium
ilia rumpens;
nec meum respectet, ut ante, amorem,
qui illius culpa cecidit uelut prati
ultimi flos, praetereunte postquam
tactus aratro est.


(Catulo)
 


SUBIDAS E DESCIDAS

Se houver subida do PP será à custa do PSD, se houver subida do BE será à custa do PS. Estas eleições podem mostrar uma crise de credibilidade dos dois partidos “centrais”, que é visível no PSD com clareza, mas que também existe no PS. No PS está escondida pelo refluxo do PSD, mas também se percebe na dificuldade, mesmo numa conjuntura excepcional de crise do adversário, em obter uma maioria absoluta e em funcionar como pólo da “esquerda”. O PS pode ganhar, mas nem mostra nem desperta entusiasmo, não tem mobilização fora do aparelho (esse sim mobiliza-se velozmente ao cheiro dos milhares de lugares para mudar), nem sequer revela esforço ou urgência. Está à espera da alternância, sem desejar a mudança.
 


UM TERCEIRO PARTIDO CENTRAL

Teria excepcionais condições para aparecer se o nosso sistema partidário fosse menos rígido e as leis eleitorais diferentes. Seria um partido como os sociais-democratas ingleses face aos trabalhistas e conservadores, com apoio eleitoral “nacional”, assente na opinião pública reformista e nos quadros das profissões liberais, competitivo com o PS e o PSD. A conjuntura tem semelhanças com a que deu origem ao PRD, só que o PRD só vingou, mesmo que brevemente, porque era um partido feito a partir de uma personalidade, o general Eanes, e de uma instituição, a Presidência. Houvesse liberdade de candidaturas de cidadãos ao parlamento e ele apareceria roubando votos ao PSD e ao PS. A diferença em relação a 1985 é que um partido desse tipo, iria hoje atingir mais o eleitorado do PSD e não o do PS como aconteceu com o PRD. Provavelmente, como no PRD, a vida desse partido duraria o tempo da conjuntura, tão breve quanto permanecesse a actual situação, em particular no PSD e em menor grau no PS. Se o PSD voltar ao seu espaço natural entre o centro-esquerda e o centro-direita, acabar com o “projecto geracional” que o reduz, e mantiver a esperança reformista, este espaço que agora existe de “não-representação” desaparecerá. Mas tem que mudar muito.

(Nota para a prolífica indústria das intenções inventadas: eu digo que "há condições para existir" e não que "deva existir". Mais vale prevenir do que remediar.)
 


COMEÇARAM OUTROS SILÊNCIOS

Se o PSD traz a esta campanha eleitoral confusão, o PS traz cobardia política. A cobardia política está em cavalgar a onda do repúdio a Santana Lopes sem achar que tem obrigação de ir mais além e não percebendo até que ponto a linguagem de promessas que usa é um insulto para todos nós. O candidato do PS já nos prometeu 150.000 empregos, re-nacionalizar os hospitais SA, controlar o défice sem usar receitas extraordinárias, sem sequer se aperceber que ninguém liga nenhuma a essas promessas porque todos sabem que são falsas. E já começa, face a ele, a complacência habitual de muitos hipercríticos do governo actual, mas misteriosamente silenciosos sempre que se aproxima um vislumbre do guterrismo.
 


A “FAMÍLIA”, OS “NOSSOS”, DISSE TONY SOPRANO


Os nossos, as dezenas de milhares de pequenos buracos negros perto do Pai de Todos os Buracos Negros, no centro da nossa casa maior, a Via Láctea. Que raio de nome para uma galáxia! Havia de nos calhar por sorte...Mas, enfim, lá estão eles, a nossa família mais voraz, os que ganham o nosso pão, e comem a nossa luz, e nos protegem sei lá de quê…
 


OUVINDO





Nashville Skyline de Dylan.

Well, if you're travelin' in the north country fair,
Where the winds hit heavy on the borderline,
Remember me to one who lives there.
 


PERGUNTAS SOBRE "O CASO ÚNICO"

“Portugal é um caso único no seio da União Europeia. Foi esta a ideia defendida por Santana Lopes junto do presidente francês, Jacques Chirac. O primeiro-ministro demissionário português argumentou que Portugal não atingiu os níveis de desenvolvimento da Espanha e Irlanda mas não deve, por isso, ser sacrificado. Por isto mesmo, diz Santana Lopes, o país tem de continuar a ser beneficiário dos fundos da UE.” (TSF)

Porque é que Portugal é um “caso único” no seio da UE”? Porque foi o “único” que falhou? Foi isto que foi dito a Chirac? Porque razão isto é um “argumento”? Porque razão é que isto “argumenta” a favor da continuação dos fundos, que, pelos vistos, se admite que Portugal desperdiça?

É tudo incoerente.
E toda a gente acha normal.
 


COISAS SIMPLES


P. Bonnard
 


EARLY MORNING BLOGS 404

What A Writer


what i liked about e.e. cummings
was that he cut away from
the holiness of the
word
and with charm
and gamble
gave us lines
that sliced through the
dung.

how it was needed!
how we were withering
away
in the old
tired
manner.

of course, then came all
the e.e. cummings
copyists.
they copied him then
as the others had
copied Keats, Shelly,
Swinburne, Byron, et
al.

but there was only
one
e.e. cummings.
of course.

one sun.

one moon.


(Charles Bukowski)

*

Bom dia!

10.1.05
 


GRANDES NOMES: JOÃO CRISÓSTOMO ("O BOCA DE OURO")





Devia ser João Boca-de-Ouro porque crysóstomos é “boca de ouro” em grego. Também conhecido como o "novo Paulo", pregador e bispo do século V, um dos fundadores da liturgia bizantina conservada pela Igreja Ortodoxa. Um tropário, a oração repetida durante a liturgia, refere-se a Crisóstomo:

Como lâmpada resplandecente,
assim brilhou a graça de tua boca,
iluminando o Universo,
conservando para o mundo
o precioso tesouro de desprendimento do dinheiro,
e fazendo-nos ver claramente
a excelência da humildade.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O TSUNAMISMO (3)

Aqui fica o meu contributo para o seu espaço de troca de impressões, espero que seja útil ao debate de ideias. Porque, também de terminologia científica tratava o meu interesse em sublinhar a distinção entre os termos tsunami e maremoto, aqui vai mais um modesto esclarecimento relativamente à incorrecção da expressão “sismo com epicentro no mar” apontada por António Vicente a quem agradeço a argúcia e peço desculpa pela contundência do texto. É que gosto de pensar que as fases do meu percurso académico avalizado por homens e mulheres bem mais sábios do que eu, me dá a legitimidade para falar sobre estas coisas com conhecimento de causa. Mais ainda, a verdade assim o é muitas vezes, contundente… Mas vamos a coisas bem mais importantes, epicentro é o termo técnico utilizado para designar o local, à superfície do planeta, onde o sismo seria sentido com maior intensidade, localizado na vertical e directamente sobre o hipocentro. Este último é utilizado para designar o foco do sismo, ou seja, o local da libertação da sua energia e fonte de propagação das ondas sísmicas, forma sob a qual essa energia é propagada. Assim, há literalmente sismos com epicentro no mar, de resto é o caso da maioria destes “pequenos” soluços do nosso planeta. De qualquer forma, aqui ficam algumas referências bibliográficas que lamento não terem sido escritas na altura em que as escolas ainda não eram designadas por “fórmulas matemáticas” mas que, penso eu e pensa a comunidade científica que bem os conhece, terão algum valor.

SKINNER, B. J. et al. (1995). The Dynamic Earth, 3rd ed.. John Wiley & Sons Inc.

PRESS, F. et al. (1998). Understanding Earth, 2nd ed.. W. H. Freeman and Company.

(Luís Macedo)
 


AR PURO


Levitan
 


EARLY MORNING BLOGS 403

Si pour avoir passé sans crime sa jeunesse


Si pour avoir passé sans crime sa jeunesse,
Si pour n'avoir d'usure enrichi sa maison,
Si pour n'avoir commis homicide ou trahison,
Si pour n'avoir usé de mauvaise finesse,

Si pour n'avoir jamais violé sa promesse,
On se doit réjouir en l'arrière-saison,
Je dois à l'avenir, si j'ai quelque raison,
D'un grand contentement consoler ma vieillesse.

Je me console donc en mon adversité,
Ne requérant aux dieux plus grand félicité
Que de pouvoir durer en cette patience.

O dieux, si vous avez quelque souci de nous,
Octroyez-moi ce don, que j'espère de vous,
Et pour votre pitié et pour mon innocence.

(Joachim du Bellay)

*

Bom dia!
 


GRANDES NOMES: O "CALIFA DE ALCÁCER"

João Branco Núncio, cavaleiro tauromáquico, natural de Alcácer do Sal.

9.1.05
 


GRANDES NOMES: NOSSA SENHORA DO Ó / APRENDENDO COM O PADRE ANTÓNIO VIEIRA SOBRE O CÍRCULO DO ÚTERO VIRGINAL

Nossa Senhora representada na "expectação", grávida. Nalgumas imagens populares portuguesas, Nossa Senhora é apresentada grávida e com o Menino ao colo. O Padre António Viera proferiu em 1640 o Sermão de Nossa Senhora do Ó:

"Já o dito até aqui bastava para que eu desse por desempenhada a promessa de que o círculo do útero virginal foi um O que compreendeu dentro em si o imenso. Mas será bem que o mesmo imenso o diga, resumindo também a um O a sua imensidade. Apareceu Cristo, Senhor nosso, ao evangelista S. João na primeira visão do seu Apocalipse, e disse-lhe: Ego sum alpha et omega, principium et finis (Apc. 1,8): Eu sou o Alfa e o Ômega, porque sou o princípio e o fim de tudo: o princípio, enquanto Criador do mundo, e o fim, enquanto reparador dele. Alfa e Ômega são a primeira e última letra do alfabeto grego, o qual começa em A e acaba em O. E esta foi a razão e o mistério porque, sendo Cristo hebreu e S. João também hebreu, não lhe falou o Senhor em hebraico, senão em grego, porque o alfabeto grego acaba em O, e o hebraico não. O alfabeto hebraico também começa em A, que é o seu aleph; e para significar, na primeira letra, as obras da criação, enquanto Cristo é princípio, tanto servia o alfabeto hebraico como o grego. Porém o Senhor usou do grego, sendo estranho, e deixou o hebraico, sendo natural e da própria língua, porque, para significar na última letra o mistério da reparação, enquanto o mesmo Cristo é fim, só o O tinha propriedade e semelhança. E esta semelhança, em que consiste? Consiste em que a figura do O é circular, e assim como o O é um círculo, assim o mistério da Encarnação foi outro círculo: Deus humanatus dicitur esse circulus, ut circumferentia dicatur humanitas, centrum autem divinitas. O mistério da Encarnação do Verbo — diz S. Boa-ventura — foi um círculo porque, vestindo-se Deus de nossa carne, a humanidade de Cristo cercou e encerrou em si a divindade. E por este modo inefável ficou sendo a mesma divindade o centro, e a humanidade a circunferência. Sendo, pois, o mistério da Encarnação, que foi o fim e última perfeição de todas as obras de Deus, este perfeitíssimo círculo, por isso Cristo disse a S. João que, assim como ele, enquanto primeiro princípio, é a primeira letra, A, assim, enquanto último fim, é a última letra, O: Ego sum Alpha et Omega."
 


NOVAS NOTAS VULCÂNICAS



(Em breve.)
 


LENDO DENISE DUHAMEL (2)

Tirado de The Woman With Two Vaginas:

The Consequences of Wife-Swapping With a Giant

There was a giant who was particularly fond of humans.
He camped near them, his lice -- white bears and white wolves.
He drank whole lakes when he grew thirsty
and generated winds throughout Siberia. He once fell in love
with an Inuk woman, and since he was already married,
convinced the woman's husband to swap his wife
for the giant's. The husband was tempted by the thought
of enormous green female genitals
and agreed without asking his wife's opinion. The giant
picked up the woman in his palm and blew back her hair
with a sigh. The man swam in the folds of the female giant's vulva
and she barely knew he was there. He disappeared
in her vagina and was never seen again.
Although he tried to be kind, the giant
split the woman in half. He returned to his giant wife,
the one he was made for. As they kissed,
ice floes cracked. The whole ground shook.
 


GRANDES NOMES: DKW

O nome DKW é um bom exemplo de como se pode viver toda a vida enganado. Sempre pensei que significava "das kleine wunder", por razões certamente obscuras. Afinal é o mais prosaico "Dampf - Kraft - Wagen", carro movido a vapor, patente do engenheiro Rasmussen. Vão engano, afinal não há a pequena maravilha...

*
O seu erro não tem nada de estranho, quase toda a minha geração pensava o mesmo. Quando aos motivos deste apelativo de substituição, também não é obscuro. Para um espírito pouco ligado ás coisas automóveis, talvez. Para quem, nos anos sessenta fez um pouco de desporto automóvel (o meu caso) é de caras:

Quando a DKW (cujos carros tinham dois cilindros a dois tempos (como o Trabant, o mesmo carro com outra carroçaria, nalguns casos em cartão prensado especial, e se transformou num ícone, da Alemanha do Leste, até três anos depois da queda do Muro), lançou o mesmo motor, com três cilindros e três carburadores - um por cilindro – o diabo do carrinho, por vezes aligeirado e transformado, protagonizou muitos ”rally’s” e não poucas provas de pista, com um sucesso inesperado. Era conhecido como 3=6, porque os dois tempos – reduzindo a metade o ciclo de Otto, dos motores normais, com a ausência de complicados mecanismos de válvulas e respectiva distribuição por árvore de “cames” ( em mecaniquez, cams, em inglês) davam-lhe uma capacidade de rotação e uma velocidade inusitadas para a época e para a cilindrada. Daí, “a pequena maravilha”. O modelo de luxo, com madeiras e cabedais, era uma mini-limusina – e é o que vem ilustrado na sua nota. Saudades…


(Luis Rodrigues)
*
Encontrei aqui este pequeno apontamento que talvez o venha tranquilizar quanto às origens do nome DKW.
------------------
As iniciais da marca alemã DKW, fundada em 1919, tiveram três significados durante os anos: Dampf Kraft Wagen (carro movido a vapor); depois Des Knaben Wunisch (o sonho dos meninos, devido aos pequenos motores de 18 cm3 para brinquedos); e finalmente Das Kleine Wunder (a pequena maravilha).
-----------------

Escuso-me entretanto de aqui falar sobre a mudança para o nome AUTO UNION pós fusões com outras marcas, posteriormente AUDI e até hoje... no grupo VW.

(E. Paulino)
*
No Brasil, onde se lê DêKaVê, era também chamado de dêchavê (deixa ver), em virtude de as portas abrirem pela frente e as senhoras da época usarem sempre saias.
Como o carro era muito baixo, adivinha-se o resultado...

(O autor do inominável Votemnasputas.blogspot)

*
Ainda me lembro quando a minha mãe (ou seria o meu pai?) conseguia nas viagens “arrumar” 7 filhos naquele longo banco de trás. Ao volante ia o meu pai, a minha mãe e a minha irmã mais velha. Aos pés da minha mãe ia um dos nossos eternos boxer. No banco de trás a minha mãe colocava, sobre o comprido banco, uns sacos de roupa que serviam de balcão. Os meus 4 irmãos mais velhos, excluindo a primogénita que já tinha direito a lugar exclusivo, iam na plateia. Os 3 mais novos, onde me incluía eu, na altura aí com uns 5 ou 6 anos, íamos no balcão. Cintos de segurança nem existiam. Memórias que nunca esquecerei. Grande DKV (e eu que sempre pensei que os círculos eram os que agora vemos na Audi…)

(Gonçalo Pinto Gonçalves)
 


OUVINDO JE MEURS SANS MOURIR






de Antoine Boesset, "Dove ne vai, crudele" e "Frescos ayres del prado" e esta pequena maravilha:

"Quels doux supplices,
Quelles délices,
De brusler dans les flammes
De la Beauté des Dames."
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: DEVIA SER SIMPLES


mas parece, todos os dias, mais complicado. Tem coisas que não devia ter, um lado preto e outro claro, montanhas alterosas, descontinuidades. No fundo, Iapetus é um Titã, pai de Prometeu e de Atlas, um dos nossos, um pai dos humanos. E os humanos, como se sabe, também são complicados, têm um lado preto e outro branco, querem e não querem, desejam e desprezam, etc., etc.
 


GRANDES NOMES: TROUPE DE JAZZ "ESTRELA VERMELHA"

Criada em 1931 e composta por jovens operários , dirigida pelo tipógrafo Alberto Machado.
 


GRANDES NOMES: "COZINHA COMUNISTA" / "SOPA COMUNISTA"

Criadas durante as greves por militantes sindicalistas: “Resistindo heroicamente, inclusive ao espancamento, alguns mineiros são presos e o seu sindicato fechado pela Guarda Republicana, que "resolve auxiliar os patrões a vencer os operários impedindo os trabalhadores de se beneficiarem da Sopa Comunista".
(Edgar Rodrigues lembrado por Nuno Saraiva.)
 


GRANDES NOMES: PASSEIO / QUINTA DAS VIRTUDES

Um dos sítios onde o Porto é mais Porto. Mário Cláudio escreveu assim sobre a casa da Quinta:

"Com a Casa por aprontar, ainda, mas habitável, presa a seu escabroso alcantil, apreciava José Pinto de Meirelles exibir, à vista, nem sempre excitada, de visitantes de passagem ou de hóspedes de raiz, a planta do que fora o projecto inicial. Representava ela, no que à fachada norte respeitava, um corpo de linhas neoclássicas, de duas águas bem desenvolvidas, com uma projecção central, que um frontão encimava, no qual as armas da família se inscreviam. E, muito pormenorizadamente, a gestos bastante largos, que faziam com que, sobre o desenho desdobrado, se espalhasse uma pouca de rapé, da caixinha que sustentava, entre os dedos, justificava-se José Pinto de não haver cristalizado sua vontade primeira, em tão grandiosa construção. Perante o exame daquela rejeitada amplitude arquitectónica, dir-se-ia ter perpassado, porventura, em seu espírito, o sonho de uma certa opulência, que o Porto, de resto, não toleraria, de coches estacionados, em longuíssima fileira, diante do lanço de oito degraus, de que emergiam os convidados, para um onírico baile, nos salões comunicantes do plano nobre. Coisa insólita, porém, era a de jamais atribuir ele a impugnação de tanta, nunca vista prodigalidade, ao demasiado custo do empreendimento, senão a conveniências, que não lograva explicar, calma e satisfatoriamente, da perspectiva panorâmica e da higiene dos filhos. Repontavam-lhe os interlocutores, com a esperança de que, num remoto futuro, talvez, se possibilitasse, a um qualquer Meirelles, de gosto perfeito, a concretização do sonho de seu antepassado. "

(Sugestão de José Carlos Santos.)
 


GRANDES NOMES: "POSTOS SINDICAIS DE BARBEAR"

Criados durante as greves de 1913, para que os grevistas não fossem privados da sua higiene matinal. Os barbeiros, como se sabe, propícios à subversão e à anarquia, lá se ofereciam para a função revolucionária de escanhoar os fragateiros, padeiros, trabalhadores rurais, latoeiros em greve.
 


AR PURO


Levitan
 


EARLY MORNING BLOGS 402

Sex with a Famous Poet


I had sex with a famous poet last night
and when I rolled over and found myself beside him I shuddered
because I was married to someone else,
because I wasn't supposed to have been drinking,
because I was in fancy hotel room
I didn't recognize. I would have told you
right off this was a dream, but recently
a friend told me, write about a dream,
lose a reader and I didn't want to lose you
right away. I wanted you to hear
that I didn't even like the poet in the dream, that he has
four kids, the youngest one my age, and I find him
rather unattractive, that I only met him once,
that is, in real life, and that was in a large group
in which I barely spoke up. He disgusted me
with his disparaging remarks about women.
He even used the word "Jap"
which I took as a direct insult to my husband who's Asian.
When we were first dating, I told him
"You were talking in your sleep last night
and I listened, just to make sure you didn't
call out anyone else's name." My future-husband said
that he couldn't be held responsible for his subconscious,
which worried me, which made me think his dreams
were full of blond vixens in rabbit-fur bikinis.
but he said no, he dreamt mostly about boulders
and the ocean and volcanoes, dangerous weather
he witnessed but could do nothing to stop.
And I said, "I dream only of you,"
which was romantic and silly and untrue.
But I never thought I'd dream of another man--
my husband and I hadn't even had a fight,
my head tucked sweetly in his armpit, my arm
around his belly, which lifted up and down
all night, gently like water in a lake.
If I passed that famous poet on the street,
he would walk by, famous in his sunglasses
and blazer with the suede patches at the elbows,
without so much as a glance in my direction.
I know you're probably curious about who the poet is,
so I should tell you the clues I've left aren't
accurate, that I've disguised his identity,
that you shouldn't guess I bet it's him...
because you'll never guess correctly
and even if you do, I won't tell you that you have.
I wouldn't want to embarrass a stranger
who is, after all, probably a nice person,
who was probably just having a bad day when I met him,
who is probably growing a little tired of his fame--
which my husband and I perceive as enormous,
but how much fame can an American poet
really have, let's say, compared to a rock star
or film director of equal talent? Not that much,
and the famous poet knows it, knows that he's not
truly given his due. Knows that many
of these young poets tugging on his sleeve
are only pretending to have read all his books.
But he smiles anyway, tries to be helpful.
I mean, this poet has to have some redeeming qualities, right?
For instance, he writes a mean iambic.
Otherwise, what was I doing in his arms.


(Denise Duhamel)

*

Bom dia!
 


APRENDENDO COM D. FRANCISCO MANUEL DE MELO: A PROPORÇÃO

"Uma das coisas que mais assegurar podem a futura felicidade de casados é a proporção do casamento. A desigualdade no sangue, nas idades, na fazenda, causa contradição; a contradição, discórdia. E eis daqui os trabalhos por onde vêm. Perde-se a paz, e a vida é inferno.

Para satisfação dos pais convém muito a proporção do sangue, para o proveito dos filhos, a da fazenda, para o gosto dos casados, a das idades. Não porém que seja preciso uma conformidade, de dia a dia, entre o marido e mulher; mas que não seja excessiva a vantagem de um a outro. Deve ser esta vantagem, quando a haja, sempre a parte do marido em tudo à mulher superior. E quando em tudo sejam iguais, essa é a suma felicidade do casamento.

Dizia um nosso cortesão, havia três castas de casamento no mundo: casamento de Deus, casamento do diabo, casamento de morte. De Deus, o do mancebo com a moça. Do diabo, o da velha com o mancebo. Da morte, o da moça com o velho.

Ele certo tinha razão porque os casados moços podem viver com alegria; as velhas casadas com moços vivem em perpétua discórdia; os velhos casados com moças apressam a morte, ora pelas desconfianças, ora pelas demasias."
 


GRANDES NOMES: KROPATSCHECK

A espingarda do exército português no final do século XIX.


(De um folheto pedagógico para os oficiais de artilharia dos anos oitenta do século XIX.)
 


GRANDES NOMES: ESPERANTO

A língua que o "dr. Esperanto", "o que tem esperança", criou. Pode-se sempre escrever numa árvore para uma esperantista:"Mi amas vin."

Vinhetas esperantistas dos meus efemera.

8.1.05
 


AR PURO


Levitan
 


GRANDES NOMES: PEDRA DO VENTO / PENEDO DA SAUDADE

"(...) lembrei-me de lhe mandar o nome por que o Penedo da Saudade, em Coimbra, foi conhecido até aos finais do século XVI: Pedra do Vento. Não é bonito? De Coimbra, onde recentemente pegou a moda de dar, às ruas da cidade, nomes de árbitos! lhe mando pois esta...pedrada!"

(Ana Pires)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: TSUNAMISMO, PARTE 2

"Só agora tive oportunidade de ler os textos de diversos autores que, sobre a utilização dos termos "maremoto" e "tsunami", JPP incluiu no seu blogue do passado dia 2 do corrente.Ora, sem querer alimentar a controvérsia, acho, mesmo assim, interessante tecer alguns comentários ao texto assinado por Luís Macedo, até pela contundência com que "enfatiza" a questão.

É possível que a sua (dele) idade cronológica apenas lhe permita recuar até à longínqua era em que as escolas deixaram de ter nomes e passaram a definir-se por fórmulas matemáticas do tipo "EB 2 +3+S". No entanto, em períodos anteriores, quando os alunos, depois de saírem da escola primária, ingressavam no primeiro ano do ensino liceal, já estudavam estas questões. Imagine-se o despautério.
Aliás, nesse tempo, os alunos também sabiam que "a onda que se gera como resultado de deslocamentos do fundo oceânico em resposta a rupturas associadas a fenómenos de deslocamento das placas litosférias" já, por diversas vezes, tinha assolado a costa portuguesa e, de forma bem dramática, se recordarmos o sucedido em 1755. Como sabiam, também, que não há sismos "com epicentro no mar". É que o mar não tem sismos. Estes ocorrem sempre em terra, quer ela seja coberta de água ou de ar. Ora, se os portugueses de 1755 não precisaram de importar um estrangeirismo para baptizar o fenómeno que abalou a Europa de então, talvez fosse conveniente consultarmos, agora, um simples dicionário. Como exemplo, sugiro o "grande Dicionário da língua Portuguesa", coordenado por José Pedro Machado, no qual "maremoto" vem definido como "grande agitação do mar devido a oscilações sísmicas." (Cf. terramoto). Para que a erudição sobre a floresta não nos impeça a beleza da perspectiva da árvore."

(António Vicente)
*

"Quanto ao maremoto , lembro-me de ter aprendido a diferença (já explicada pelos seus leitores) no 7o ano. Mas gostaria de acrescentar algo. Não penso que seja uma palavra de tao fácil dicção, senão não teria ouvido dizer no outro dia em vez de maremoto, maremorto. Penso que isto deve ter acontecido devido à tamanha mortandade que provocou e também porque existe o mar morto o qual muita gente já deve ter ouvido falar. Ou talvez não. Ainda assim, o uso da palavra não tem regra nos telejornais em Espanha. Não justifica, mas amortiza. É mau(péssimo) mas é verdade."

(Filipe Figueiredo)

*

" O que diz o DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA CONTEMPORÂNEA , da Academia de Ciências de Lisboa sobre o termo
Maremoto (Do lat. mare, -is 'mar' + motus 'movimento'). Alteração violenta das águas do mar causada por oscilações sísmicas do solo submarino; tremor do mar. (..)

O que diz a WIKIPEDIA sobre o termo 'tsunami'
(...) a natural phenomenon consisting of a series of waves generated when an abrupt or pulsating vertical displacement occurs in a large body of water such as a lake, the sea or a coastal inlet. Earthquakes, landslides, volcanic eruptions, explosions, and the impact of extraterrestrial bodies such as meteorites, can generate tsunamis which can rapidly and violently inundate coastlines, causing devastating property damage, injuries, and loss of life due to injuries or drowning.

The term "tsunami" comes from the Japanese language ?? meaning harbor ("tsu") and wave ("nami"). The term was created by fishermen who returned to port to find the area surrounding the harbour devastated, although they hadn't been aware of any wave in the open water. A tsunami is not a sub-surface event in the deep ocean; it simply has much smaller amplitudes (wave heights) offshore, and very long wave lengths (sometimes over 100 kilometers long), which is why they generally pass unnoticed at sea, forming only a passing "hump" in the ocean.

Tsunamis were historically referred to as tidal waves because as they approach land they take on the characteristics of a violent onrushing tide, rather than the sort of cresting waves that are formed by wind action upon the ocean (with which people are more familiar). However, as they are not actually related to tides, the term is considered misleading, and its use is discouraged by oceanographers.

e a BRITANNICA
(...) Catastrophic ocean wave, usually caused by a submarine earthquake with a magnitude greater than 6.5 on the Richter scale.

Parece-me que podemos concluir que ambos os termos designam o mesmo fenómeno, ou não?"

(Paula B.)

*

"Contrariamente ao que escreve o leitor Luis Macedo um Maremoto não é um sismo com epicentro no mar. Segundo o dicionário da Porto Editora e passo a citar "O maremoto corresponde a uma sucessão de ondas, causada pela deslocação brusca de uma grande quantidade de água do mar, cuja origem pode estar relacionada com actividade sísmica ou vulcânica (ocorrida no mar), deslizamento de solos marinhos, movimentos e correntes oceânicas, ventos ou fortes tempestades..."

É curioso ainda que na entrada Maremoto aparece tambem Tsunami o que leva a pensar que a palavra já está "incorporada"...

maremoto
substantivo masculino
GEOGRAFIA
1 - grande agitação das águas marítimas por vibrações sísmicas, erupções vulcânicas submarinas ou fenómenos de abatimento do fundo, que originam ondas solitárias;

2 - invasão da costa e do litoral pela onda solitária devastadora;

(Do lat. mare-, «mar» +motu-, «movimento»)

tsunami
substantivo masculino
GEOGRAFIA
vaga oceânica provocada por um tremor de terra submarino, por uma erupção vulcânica ou por um tufão;
maremoto;
(Do jap. tsunami, «id.»)

De atentar no seguinte texto associado sobre o terramoto de 1755 em que as palavras terramoto e maremoto são usadas com significado diferente...

Na manhã de 1 de Novembro, dia de Todos os Santos, um violento terramoto fez-se sentir em Lisboa, Setúbal e no Algarve. Na capital, local onde atingiu maior intensidade, foi acompanhado por um maremoto que varreu o Terreiro do Paço e por um gigantesco incêndio que, durante 6 dias, completou o cenário de destruição de toda a Baixa de Lisboa.
Este trágico acontecimento foi tema de uma vasta literatura, que se desenvolveu um pouco por toda a Europa e de que é exemplo o poema de Voltaire Le Désastre de Lisbonne (1756)...

Como referenciar este artigo: Terramoto de 1755 e Reconstrução Pombalina. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2005. [Consult. 2005-01-03].

(Fernando Manuel Soares Frazão)

 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:JOSÉ MÁRIO BRANCO AUTOR DE CAMÕES

"Ainda a propósito da utilização da língua portuguesa nas televisões, terá reparado (...) na forma como um jornalista da televisão pública encerrou um programa cujo nome nem me recordo, mas que era uma espécie de revista do ano 2004? (Descobri agora que o programa se chamou: 2004: O ANO EM REVISTA Os acontecimentos mais mediáticos do ano 2004 - Apresentação de Pedro Oliveira. Sínteses e textos de Márcia Rodrigues.)

Pois o prezado cavalheiro (...) conclui com uma frase mais ou menos assim:

"- Como dizia o poema de José Mário Branco:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Muda-se o ser, muda-se a confiança
Todo o mundo é composto de mudança
Tomando sempre novas qualidades"

(perdoem-me alguma inexactidão, pois estou a refazer a quadra de cor)

Ora quantas voltas não terão dado os ossos do velho Luis Vaz, estejam eles onde estiverem? Como é possível que o monstro da RTP alimente esta ignorância e (...) nos presenteia com esta alarvidade de nescitude e desrespeito? (...)"

(Carlos Robalo)
 


VIVA A GLOBALIZAÇÃO!

Uma semana depois de instalar o software da Geoloc que identifica em tempo real a origem dos leitores do Abrupto, para quase 60.000 visitas (um dia em baixo), já se podem tirar conclusões. (Deixo de parte os “hits” que me parecem ocasionais.) O Abrupto é lido em 63 países, da Nova Zelândia ao Canadá, do Mali ao Uruguai, da Rússia à Costa Rica. O grosso dos leitores é de Portugal, mas há muitos leitores nos EUA, em França, no Brasil, no Reino Unido e Espanha, por esta ordem. Todos os países europeus e americanos (Sul e Norte) têm leitores. Surpresas: um núcleo de leitores no Irão, que todos os dias voltam ao Abrupto, o pequeno número de leitores em Angola e Moçambique em comparação com os de Macau, Cabo Verde, Finlândia e Japão.
 


GRANDES NOMES: TARANTELLA



A dança da aranha. Ouvir uma “pizzica tarantata indiavolata” faz bem à saúde. Só o nome não podia ser mais enfático, três fúrias em sequência regular, particularmente potenciadas se for em circunstâncias "indiavolatas".
 


BOAS COISAS NO JORNALISMO PORTUGUÊS EM 2004, VISTAS POR UM GRANDE (EM QUANTIDADE) CONSUMIDOR (Versão 2.0)

O Público (declaração de interesse: onde escrevo) e a opinião com coluna vertebral. Por muito que custe a outros, se quer opinião na imprensa escrita, tem que ir ao Público.

O Provedor do Público revelou-se exigente e crítico dos “seus”, revelando independência face aos próximos e atenção aos interesses dos leitores e à qualidade do jornalismo a que eles têm direito.

A Sábado (declaração de interesse: onde escrevo) é uma boa revista, infelizmente ignorada por uma política de “sinergias” que leva a promoções e silêncios selectivos do que lá se publica e é de interesse geral. Por exemplo: uma entrevista reveladora de Paulo Portas, cheia de “cachas” que ficaram ignoradas.

A Capital continua a ser um jornal muito desequilibrado, em parte por radicalismo, em parte por evidente falta de meios. Mas nele encontram-se informações que não se encontram em mais lado nenhum.

O Clube dos Jornalistas da Dois tornou-se a primeira genuína plataforma de debate (auto)crítico do jornalismo para o resto do povo (que está na Dois àquelas horas). Nem sempre vai tão longe como devia, mas às vezes vai o bastante, o que é uma ruptura no corporativismo pavloviano da classe. Também depende muito de quem o apresenta.

A informação / opinião económica na SIC Notícias é de grande qualidade. Perez Metelo na TVI é um divulgador especializado com grandes qualidades comunicativas.

A edição de livros e revistas sobre comunicação está de vento em popa. Para além da Trajectos e Media e Jornalismo, as colecções "Media e Sociedade" da Editorial Notícias e "Comunicação" da Minerva tem dado origem a trabalhos interessantes que revelam como, à distância, os estudos académicos demonstram muito daquilo que os jornalistas não querem admitir mais em cima dos acontecimentos: bias, distorções e manipulações, militância política. O papel de alguns professores, como Mário Mesquita, é fundamental nesta reflexão.

Bons blogues sobre jornalismo com destaque para Jornalismo e Comunicação e Ponto Média, que ganhou o Prémio BOB da Deutsche Welle.

As séries da HBO na Dois, em particular os Sopranos, como opção editorial do canal.

Entrevistas de Carlos Vaz Marques na TSF. (Sugestão de vários leitores.)

*

PÉSSIMAS COISAS NO JORNALISMO PORTUGUÊS EM 2004, VISTAS PELO MESMO

A decadência do Diário de Notícias que começou com a direcção Lima e se acentuou com as grandes manobras que o levaram a pedir a demissão. O Diário de Notícias foi a principal vítima da nacionalização guterrista da Lusomundo e das nomeações políticas que se lhe seguiram.. O jornal perdeu conteúdo noticioso e encheu-se de textos de opinião menoríssimos, com encomendas diversas.
"A pior coisa de um político que se quer responsável é falar de cor. Já percebi que o autor do Abrupto tem uma memória selectiva que o leva a «arrasar» o passado quando não lhe convém. Porque sou visado no seu comentário, gostava de acrescentar o seguinte: fui convidado para a Direcção do DN porque este matutino estava bloqueado, devido à opção editorial de tabloidização que o descredibilizara como jornal de referência; das actas da Alta Autoridade para a Comunicação Social constam as referências que fiz ao estado em que encontrei o DN, quando ali fui ouvido em 4 de Novembro de 2004; a colecção do DN não mente sobre o jornal que a minha Direcção herdou, nem sobre o que fez no curto espaço de tempo que lhe foi permitido permanecer. Quanto às peripécias que rodearam o meu afastamento – e o mal que também causaram ao DN - é um caso tão triste e vergonhoso que me dispenso de voltar ao assunto."

(Fernando Lima)
O problema do que escreve Delgado não está nas suas opiniões mas na má qualidade dos escritos. Proselitismo acéfalo, mau português, pouca informação, wishful thinking, ressentimento, grau zero de pensamento e ataques pessoais até dizer basta. Se não tivesse as funções de nomeação política que tem nenhum jornal sério o publicaria.

A “central de informações” tornou-se o símbolo visível da tentativa do governo Santana Lopes-Paulo Portas para interferir na comunicação social invadindo-a de notícias “positivas”. Depois, clandestinamente, viriam as “negativas” (para os adversários) porque as empresas e os jornalistas envolvidos na operação oferecem “promoções” e “despromoções”.

A saída de Marcelo da TVI foi o principal resultado, insisto resultado, da política do “contraditório” governamental.

Saída de Sena Santos da Antena 1, independentemente das razões que a motivaram. (Sugestão de Diogo Salvi com que concordo.)

Plágios dos blogues onde se tem destacado o Público. Só para falar dos que são mais visíveis, porque há muito mais – ideias, palavras, classificações, assuntos – que só os autores originais dão por ela. E os plagiadores.

O processo da pedofilia na Casa Pia é o símbolo do vale tudo na luta pelas audiências e pelas tiragens.

A masturbação da dor, mais uma vez, a propósito do massacre causado pelo maremoto asiático.

500 horas de futebol na RTP durante o Euro2004 e está dito tudo sobre o “serviço público”.

O fim dos noticiários como eu os conhecia, com notícias. Agora são espectáculos, com as notícias a correrem num roda-pé quase por desculpa. ( A excepção é o Jornal 2 da Dois.)
"Parece-me (declaração de interesse: sou coordenador e apresentador do mesmo, embora apenas semana sim, semana não, alternando com a Alberta Marques Fernandes) que o Jornal 2 não deveria ser metido no mesmo saco, nem mesmo por omissão, onde estão os telejornais dos canais generalistas. Está o Jornal 2, evidente e infelizmente, ainda longe do que eu pessoalmente entendo dever ser um serviço diário de informação no Serviço Público, o tal “noticiário” como V. e eu conhecíamos. Mas o esforço meu pessoal e da minha reduzidíssima equipa é, garanto-lhe, persistente e intenso. E asseguro-lhe que, comigo, não haverá ali acolhimento para “a telha que caíu na cabeça da D. Mariquinhas”, para usar a pertinente expressão do dr. Alberto João Jardim. "

(Vasco Trigo)
Manuela Moura Guedes faz um comício do ex-PP de Monteiro e Portas em todos os noticiários da TVI. Não é mau para nos lembrarmos de onde aquilo vem, mas apetece voltar a meter-lhe as palavras na boca.

As notícias da primeira página do Expresso, quase todas encomendas, muitas falsas, inverificadas e especulativas.

NOTA: por muito grande consumidor que seja, não posso ler/ouvir/ver tudo. Por exemplo: tenho ouvido pouca rádio, daí a fraca representação da rádio. O texto passou da versão 1.0 a 2.0 com a colaboração dos leitores do Abrupto.

*

Algumas opiniões que não posso de todo julgar por desconhecimento meu
"Se puder deitar-lhes a mão, leia os textos de Joel Costa na Antena 2. É a estação radiofónica que oiço. Outras, dificílmente consigo suportar. Até a Antena 1 transmite notícias (?) de futebol de meia em meia-hora pelo menos durante a manhã."

(João Dias Costa)
 


AMNÉSIA

Tanto esquecimento no PSD! Fazem parte do património legislativo do partido, várias propostas destinadas a baixar a percentagem dos votos necessários para se poder governar em maioria absoluta. Uma delas apontava o limiar dos 38% dos votos e deu origem a uma grande discussão sobre a falta de governabilidade induzida pelo sistema eleitoral. O problema não é só do PSD, é também do PS, com muitas dificuldades para fazer coligações à esquerda pela marginalização do PCP da governação.

O PCP e o PP, que se lhes opuseram, lembram-se certamente dessas propostas. O PSD esqueceu-se. Hoje raciocina como um pequeno partido que precisa de garantias para se coligar e desistiu de chegar lá sozinho. A governabilidade interessa-lhe pouco e ficar refém do PP importa ainda menos a muitos que desejam o PSD como partido de direita.Começa a interiorizar uma pequenez que não lhe pertence.
 


LENDO DENISE DUHAMEL

Em trânsito. Kinky, e The Star-Spangled Banner mais propriamente. E parando em poemas como este

Buddhist Barbie

In the 5th century B.C.
an Indian philosopher
Gautama teaches "All is emptiness"
and "There is no self."
In the 20th century A.D.
Barbie agrees, but wonders how a man
with such a belly could pose,
smiling, and without a shirt.


e Sex with a Famous Poet e Yes, que ficam para outra altura, mais / menos repousada.
 


DE REGRESSO

da lava, em breve.

7.1.05
 



5.1.05
 


EARLY MORNING BLOGS 401

Crossroads


The second half of my life will be black
to the white rind of the old and fading moon.
The second half of my life will be water
over the cracked floor of these desert years.
I will land on my feet this time,
knowing at least two languages and who
my friends are. I will dress for the
occasion, and my hair shall be
whatever color I please.
Everyone will go on celebrating the old
birthday, counting the years as usual,
but I will count myself new from this
inception, this imprint of my own desire.

The second half of my life will be swift,
past leaning fenceposts, a gravel shoulder,
asphalt tickets, the beckon of open road.
The second half of my life will be wide-eyed,
fingers shifting through fine sands,
arms loose at my sides, wandering feet.
There will be new dreams every night,
and the drapes will never be closed.
I will toss my string of keys into a deep
well and old letters into the grate.

The second half of my life will be ice
breaking up on the river, rain
soaking the fields, a hand
held out, a fire,
and smoke going
upward, always up.


(Joyce Sutphen)

*

Bom dia! Até já.
 


AR PURO


Levitan

4.1.05
 


GRANDES NOMES: MARIA ROSA MÍSTICA

Nome dado à Virgem. Nas catacumbas o desenho de rosas simbolizava o Paraíso.

O Padre António Vieira escreveu vários sermões com este título sobre as virtudes do Rosário. O censor, Rafael Bluteau, escreveu sobre eles:

"não achando nele coisa alguma contra a nossa santa fé ou bons costumes, a censura que lhe dou é que todos – na minha opinião – se poderão queixar deste livro: os leitores, porque terão tanto que admirar que lhes faltará tempo para ler, e os escritores, porque terão tanto que observar que não lhes ficará lugar para escrever, (…) Desmente, pois, esta obra as obras da natureza, porque, sendo cada folha deste livro uma rosa, não há em todas estas rosas um espinho."
 


CARTAZ DE CAMPANHA



Se Sá Carneiro fosse vivo, a sua fotografia saltaria dali mais rápido ainda do que a de Cavaco.Haja respeito pelos mortos, que já não estão cá para falar e se defender, mas sempre fizeram e escreveram o bastante para se perceber a abissal diferença. Abissal.
 


GRANDES NOMES: "O ROUXINOL DO NILO"

Também conhecida como a “Senhora”, (Al-Sitt), a “Estrela do Oriente”, (Kwakab al-shark), e muitos outros nomes, Um Kulsum, a grande cantora egípcia.

Abdel Halim Hafez, outro grande cantor, também usou o nome de “Rouxinol”.

 


GRANDES NOMES: "PASMO DE TRIANA"

Juan Belmonte, toureiro, conhecido como "Pasmo de Triana".
Dele se conhece este diálogo com Ramón Valle-Inclán:

" Valle-Inclán: “Es usted divino, Juan; sólo le falta morir en la plaza”.

Belmonte contestó: -Se hará lo que se pueda, Don Ramón.
"
 


GRANDES NOMES: MANI DI FATA


A revista agora é anódina e provavelmente igual a muitas outras (não sou especialista). Mas lembro-me bem da velha Mani di Fata, com os suplementos dos bordados que a minha mãe fazia, em renda branco-prata sobre azul escuro, um azul parecido com as cópias a químico. Outro mundo, o das mãos de fada.

*
(...) ao ler o “post” Mani di Fata fui repentinamente assaltado por gratas recordações de saudosos tempos de infância, e senti uma grande vontade de as exteriorizar.

Apesar de ser ligeiramente mais novo, também eu me lembro bem da revista Mani di Fata. O nome era pronunciado de tal modo, pela minha mãe e amigas, que sempre me pareceu ser constituído apenas por uma única palavra - Manidifata – assim mesmo, de uma assentada só.

Lembro-me da minha avó, da irmã dela, da prima, todas na sala de costura (sim, naquele tempo havia casas com sala de costura) sentadas entre almofadas, pedaços de pano e de linhas dispersas pelo chão. E eu, descalço, sempre temerário às agulhas, por ali andava a imaginar pequenos mundos, evitando pisar território desconhecido, tendo como música de fundo as sábias palavras das fadas do lar. E adormecia ao som das cuscuvilhices sobre a vida das vizinhas da terra da minha avó, que acho que nunca conheci, mas de cuja vida sempre estive bem informado.

E havia também a Burda. Outra revista obrigatória nestes temas. Esta trazia os moldes que pemitiam fazer os modelos tal e qual se mostrava na revista. Era só seguir a linha correspondente ao número desejado, cortar as peças de pano, coser e voilá. E quem melhor para servir de cobaia do que o filho único e protegido...

Como consequência, no tempo em que o pronto a vestir se começava a impôr e numa altura em que, na escola, um jovem púbere era avaliado/aceite pelos seus pares em função do valor e da marca da indumentária, acabei por ser o alvo escolhido para testes de resistência aos variados tecidos.
(Gilberto Vasco)

 


O QUE É O PSD SEM…

O que é o PSD sem nenhum dos seus líderes anteriores a Santana Lopes? Sem Rui Machete, Marcelo, Durão Barroso, Fernando Nogueira, Cavaco Silva. O que é o PSD sem nenhum dos seus ministros das Finanças dos últimos governos até ao de Santana Lopes, que era do PP? O que é o PSD sem nenhum dos seus ministros de relevo, dos Assuntos Parlamentares, da Economia (excepção para Álvaro Barreto), etc., etc. até aos governos de Santana Lopes? O que é o PSD sem nenhum dos seus lideres parlamentares até à última legislatura (com excepção de Duarte Lima)? O que é o PSD sem as suas figuras públicas que ainda conseguem falar para a universidade, para os jovens, para os empresários, para os sectores mais dinâmicos da sociedade? O que é o PSD sem os self made man que o fizeram, em vez dos assessores, dos mil e um detentores de cargos de nomeação estatal ou autárquica, sem profissão que não seja o partido?

É o PSD que jantou em Lisboa com Santana Lopes. A reportagem da Lux é elucidativa: meia dúzia de actores, respeitáveis é certo, mas a milhas do que é o teatro de hoje, artistas de variedades, socialites, fadistas… Eu sei que muitos militantes lá estiveram com dedicação ao seu partido e a Portugal. Mas deviam olhar à volta e pensar como é que se chegou aqui, que tipo de selecção está a ser feita.
 


AR PURO


Levitan
 


INTENDÊNCIA

A versão 2.0 do BOAS / PÉSSIMAS COISAS NO JORNALISMO PORTUGUÊS EM 2004 terá que esperar um pouco mais, dada a abundância dos contributos recebidos e alguns pesos e medidas a ter em conta.
 


GRANDES NOMES: DINAMITE CEREBRAL

Nome de um grupo anarquista dos anos vinte (?) do século XX.

GRANDES NOMES

Em breve Edelweiss, Mani di Fata, Heno de Pravia e outros.
 


GRANDES NOMES: MENINA E MOÇA

"Menina e moça me levaram de casa de minha mãe para muito longe. Que causa fosse então a daquela minha levada, era ainda pequena, não a soube. Agora não lhe ponho outra, senão que parece que já então havia de ser o que depois foi. Vivi ali tanto tempo quanto foi necessário para não poder viver em outra parte. Muito contente fui em aquela terra, mas, coitada de mim, que em breve espaço se mudou tudo aquilo que em longo tempo se buscou e para longo tempo se buscava. Grande desaventura foi a que me fez ser triste ou, per aventura, a que me fez ser leda. Depois que eu vi tantas cousas trocadas por outras, e o prazer feito mágoa maior, a tanta tristeza cheguei que mais me pesava do bem que tive, que do mal que tinha."

Bernardim (outro grande nome) Ribeiro
 


GRANDES NOMES: O HORTO DO ESPOSO


Códice alcobacense de autoria anónima, de finais do século XIV, ou dos primeiros anos do século XV. Nele se escreve: «Uaydade de uaydades, e todallas cousas som uaydades».
 


GRANDES NOMES: MENINO JESUS DA CARTOLINHA


Um resto de antigas guerras em Miranda do Douro.

 


EARLY MORNING BLOGS 400

New Eyes Each Year


New eyes each year
Find old books here,
And new books,too,
Old eyes renew;
So youth and age
Like ink and page
In this house join,
Minting new coin.


(Philip Larkin)

*

Bom dia!

3.1.05
 


COISAS SIMPLES


James Craig Annan
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O RELAXAR DOS TIGRES

"Diz ele (quatro anos e meio): Mãe, os tigres sobem para as árvores?

Eu, insegura dos comportamentos dos tigres, mas segura de que não queria nem uma longa conversa, nem defraudar expectativas, digo: Sobem, pois.

Diz ele: É para dormir não é?

Eu (sem olhar nem dar importância): Claro que é!

Diz ele: E para relaxar…

(escusado será dizer que toda uma nova perspectiva sobre o comportamento dos animais selvagens se abriu para mim com a introdução do “relaxamento” no seu reino)."

(J.)
 


GRANDES NOMES: JAMAIS DE LA VIE

O nome do perfume de Justine no Quarteto de Alexandria.
(Não há nenhum perfume com este nome… só um baton da Lancôme.)

GRANDES NOMES: PRÍNCIPE NEGRO

Príncipe Eduardo de Inglaterra , conhecido como o “Príncipe Negro”(1330-1376), talvez pela cor da armadura.

GRANDES NOMES: O ANACORETA DO AR

Nome que o Padre António Vieira dá a Simeão Estilita, "a quem com razão podemos chamar Anacoreta do Ar, e não da terra. Vivia sobre uma coluna de trinta e cinco côvados de alto, onde perseverou oitenta anos ao sol, ao frio, à neve, aos ventos, comendo uma só vez na semana, e orando de dia e de noite, quase sem dormir."
 


INTENDÊNCIA

Coloquei no VERITAS FILIA TEMPORIS os dois artigos que publiquei em Março de 2002 sobre a campanha eleitoral do Porto ocorrida nessa altura. À luz das escolhas que estão a ser feitas na lista do PSD no Porto, e das atitudes recentes de Pinto da Costa, penso que é mais que útil lembrar o que aconteceu nessa já completamente esquecida campanha de há quase três anos.
 


À ESPERA

 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O "TSUNAMISMO"

"Tenho escrito para não sei quantos órgãos de comunicação social a recordar que não há motivo nenhum para abandonar a expressão Portuguesa “Maremoto” em favor da Japonesa “Tsunami”. Maremoto é aliás uma excelente palavra de fácil dicção e cujo sentido é fácil de apreender dada a proximidade a “terramoto”.

No noticiário de 1 de Janeiro da Rádio Renascença chegou-se ao cúmulo de noticiar o desastre ocorrido no Índico usando indistintamente “Tsunami” e “Maremoto“, como se a língua Portuguesa fosse, para a comunicação social nacional, de uso voluntário. A seguir passou a gravação do Papa a dar a mensagem de ano novo em língua Portuguesa: para este Polaco é importante falar Português quando se dirige aos lusófonos.

O “Tsunamismo” é mais irritante no serviço público. Para a RTP é absolutamente indiferente usar uma expressão ou outra."

(Manuel Pinheiro)

*

"(...) maremoto e tsunami são de facto termos distintos e cuja distinção, hoje mais do que nunca atendendo ao frenesim circense mediático a que se assiste, importa enfatizar. A palavra maremoto, desde que se ensinam ciências naturais no 7º ano de escolaridade, concretamente a área de conhecimento da geologia, é o termo utilizado para designar um sismo com epicentro no mar. Já a palavra tsunami, sem que se faça uso da analogia japonesa sobejamente conhecida pelos dias que correm e que, por economia de tempo e palavras, não vale agora a pena recordar, é o termo utilizado para designar a onda que se gera como resultado de deslocamentos do fundo oceânico em resposta a rupturas associadas a fenómenos de deslocamento das placas litosférias, rupturas essas frequentes quando num contexto geotectónico de bordo de placas como aquele que se verifica na zona do epicentro desse sismo. Assim, dependendo da energia libertada pelo sismo e o consequente deslocamento e ou ruptura associada, um maremoto pode ou não provocar um tsunami. Eu deixaria antes a minha crítica à comunicação social pela forma distinta, umas vezes, e indistinta, outras vezes, como utilizou este termo, convidando engenheiros de estruturas em lugar de geólogos a explicar um fenómeno eminentemente geológico e explorando a catástrofe em lugar de explorar a necessidade de medidas preventivas no nosso país contra fenómenos parecidos, como de resto tem vindo a ser seu apanágio nos últimos anos… Mas tudo vai bem, temos já o Sporting-Benfica no próximo sábado pelo que dessa forma, ainda que de forma lamentável, deverá abrandar o chorrilho de lugares comuns e erros científicos que qualquer puto do 7º ano será capaz de apontar aos senhores da comunicação social, que falam de futebol e ciência como se fossem licenciados em ambas as áreas… É verdade, nós no nosso país, como na Inglaterra e outros países de vanguarda, tanto quanto me é dado a perceber pelos programas do ensino público, também ensinamos o que são tsunamis e sismos, e que até são sentidos ás dezenas todos os dias, vá-se lá saber…"

(Luís Macedo)

*

"A expressão portuguesa "Maremoto" é, de facto, fácil de apreender e ilustra o ocorrido na perfeição (embora, pessoalmente, prefira a expressão "Tsunami"). O problema é que, a maioria dos jornalistas portugueses com cargos de responsabilidade, são da minha geração. A mesma geração que aprendeu nos livros da escola secundária, que um maremoto era um terramoto numa zona banhada por um oceano... E nunca se fez o devido paralelo com a expressão "Tsunami". Daí que, para muito boa gente, um maremoto é um terramoto em superficie oceânica, e um Tsunami é uma consequência desse maremoto. E não há quem clarifique de uma vez por todas, esta questão nas redações da imprensa portuguesa."

(Daniel Rodrigues)

*

"Não colocando o mesmo empenho na defesa da língua que o manifestado pelo leitor Manuel Pinheiro (a mim não me repugna que o Japão contribua para o enriquecimento do português com a palavra tsunami), acrescento outra expressão sinónima para designar o fenómeno em causa: raz de maré."

(António Cardoso da Conceição)

*

"Não sendo eu um linguista (estou mesmo muito longe) permita-me, ainda assim, a seguinte opinião quanto à utilização, considerada desnecessária por parte do Sr. Manuel Pinheiro, da palavra tsunami. Da minha formação científica aquilo que retive é que maremoto significa sismo sob o oceano, enquanto tsunami é a onda consequente. Daqui se retira a utilidade para a nossa língua de dois termos distintos."

(Pedro Barros)
 


UMA CONVERSA OUVIDA: ARQUEOLOGIA

Ela disse: “este livro custou-me quinhentos paus, para aí

Ele disse: “daqui a uns anos vão ter que fazer uma nota de rodapé se continuas a falar assim…

“Porquê?”

“Porque isso dos “paus” vai desaparecer. Não estás a ver os euros ficarem assim…plebeus.”

“Estás-me a chamar nomes?”

“Estou, mas a culpa é dos euros.”


*

"Pouco depois da entrada em circulação (física) do Euro o meu filho tentou cravar-me "vinte europaus". A coisa teve piada mas nem a expressão pegou nem ele levou o dinheiro. Uma possível explicação para a dupla negativa reside no casamento gritantemente contranatura entre o nosso calão e a higienizada linguagem de Bruxelas, ou como se tivesse sido criada uma aberração linguística."

(af)
 


INTENDÊNCIA

No Portal do Astrónomo escrevi sobre Um Mar Diferente.

A versão 2.0 de BOAS / PÉSSIMAS COISAS NO JORNALISMO PORTUGUÊS EM 2004, com as sugestões recebidas dos leitores será colocada em linha no final do dia.
 


COISAS SIMPLES


Boucher
 


EARLY MORNING BLOGS 399

Welcome


if you believe nothing is always what's left
after a while, as I did,
If you believe you have this collection
of ungiven gifts, as I do (right here
behind the silence and the averted eyes)
If you believe an afternoon can collapse
into strange privacies-
how in your backyard, for example,
the shyness of flowers can be suddenly
overwhelming, and in the distance
the clear goddamn of thunder
personal, like a voice,
If you believe there's no correct response
to death, as I do; that even in grief
(where I've sat making plans)
there are small corners of joy
If your body sometimes is a light switch
in a house of insomniacs
If you can feel yourself straining
to be yourself every waking minute
If, as I am, you are almost smiling . . .


(Stephen Dunn)

*

Bom dia!
 


STIFF / NÃO STIFF

Faz sempre bem ver uma grande e pomposa orquestra como a de Viena, oriunda de uma das terras mais sofisticadas da Europa, a fazer a rábula de cantar os “lá-lá” da Polka dos Camponeses de Strauss como uma banda de aldeia que perdeu o controle com a força da música… Mas é. Mesmo ensaiada, é a força da música, a única maneira de gerar alegria do nada.A única tecnologia não química da alegria.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: A BUSCA DE SANTIDADE

"Se os textos de Padre António Vieira sobre “docilidade”, “desejar ser”, e o de hoje “Miguel e Lúcifer” são tocantes porque encerram em si muito do que (para mim) é a mais profunda e simples sabedoria do catolicismo - que levado às últimas consequências se encontra em casos como a Madre Teresa de Calcutá, que não dá lugar a grande indiferença da nossa parte, (já o “anacoreta do ar” é delírio puro, ou alegoria com muita forma e pouca essência).

O que me faz confusão é a leitura política subjacente aos textos, dadas as características do Blogue, do seu autor e da situação política peculiar em que nos encontramos, que motivam a escolha destes textos. São textos que encerram uma sabedoria demasiado preciosa para se agarrarem tanto ao momento, a este tempo e a este espaço. Eles querem liberdade e não peias ou lanternas que apontem direcções. No Abrupto dificilmente os conseguimos ler como deveriam ser lidos…

Ou será que estou completamente enganada e é uma genuína vontade de busca de santidade que move o autor do Abrupto?"

(J.)

2.1.05
 


APRENDENDO COM O PADRE ANTÓNIO VIEIRA: A DIFERENÇA ENTRE MIGUEL E LUCIFER

"De sorte que a principal diferença que então houve e hoje há entre Miguel e Lúcifer, é que Miguel chama-se S. Miguel, e Lúcifer não se chama santo. Direis que também foi privado Lúcifer da glória e da vista de Deus. Não foi, porque essa ainda a não tinha, que se já tivera visto a Deus não o pudera ofender nem perder a graça e santidade. Mas, assim como Deus o privou da graça e da santidade, por que o não privou também de tudo o mais? Quando um vassalo se rebela contra seu rei, confiscam-lhe todos seus bens. Pois, se Lúcifer se rebelou contra Deus, por que lhe confiscam só a graça e a santidade, e lhe deixam tudo o mais? Porque só a graça e a santidade são bens: tudo o mais que têm os anjos maus, uma vez que não têm santidade, antes são males que bens. A ciência, sem santidade, é ignorância; a formosura, sem santidade, é fealdade; o poder, sem santidade, é fraqueza; a grandeza, sem santidade, é miséria; e por isso são os anjos maus os mais miseráveis de todas as criaturas, assim como os anjos bons os mais felizes e bem-aventurados de todas: estes porque são santos, aqueles porque não são santos."
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: UMA PEDRA DE SOMBRA



A lua de Saturno Iapetus entra pela esquerda baixa, o lugar da surpresa no teatro. Vem devagar e em silêncio. Traz augúrios.
 


FAMÍLIA

Isto de famílias antigas é, de um modo geral, complicado. É verdade que o tempo depois se encarrega de simplificar. No caso dos Pachecos, e do seu ramo os Pachecos do Porto, os Pacheco Pereira, o grande simplificador foram trinta anos de usura, hipotecas, desvarios múltiplos, grandeur sem cash, só terras e quintas e foros e laudémios, parentela diversa, heranças complexas, zangas épicas, e uma singular incapacidade dos Pachecos, pelo menos aqueles cuja memória ainda vivia nos que conheci (incluindo os que conheci) para qualquer coisa que fosse negócio ou sequer ganhar dinheiro. Vagabundos pelo mundo todo, boémios, pintores, bibliófilos, freiras, há de tudo, personagens de um mundo que, entre as últimas décadas do século XIX e os primeiros cinquenta anos do século XX, mudou demais e eles, dobrados ao peso de oitocentos anos de memórias reais e fictícias, mudavam cada vez menos. Dava um romance, cheio de figuras únicas.

Uma delas presidiu e preside à “sala de visitas” familiar, Duarte Pacheco Pereira, ao lado de um outro Pacheco bispo “in partibus infidelium”. Nunca me passou pela cabeça que o valoroso “Aquiles lusitano” fosse uma pessoa frequentável, até que, há dias, me chegou um Na Crista da Onda escrito pela Ana Maria Magalhães e pela Isabel Alçada, com ilustrações de Pedro Cabral Gonçalves e Clara Vilar, sobre o dito. Pude então ver o façanhudo, que eu conhecia vestido de ferro e com a grande espada, a ler em pequeno… a ler. E depois, num acto politicamente incorrectíssimo, a bater num mouro, já couraçado para a "guerra de civilizações". Por fim, a escrever o Esmeraldo de Situ Orbis, um bocado gaguejante para meu gosto. Está pois, o mistério do “Esmeraldo” resolvido.
 


COISAS SIMPLES: FLORA


Jean-Antoine Watteau
 


EARLY MORNING BLOGS 398

Wallace Stevens On His Way To Work


He would leave early and walk slowly
As if balancing books
On the way to school, already expecting
To be tardy once again and heavy
With numbers, the unfashionably rounded
Toes of his shoes invisible beyond
The slope of his corporation. He would pause
At his favorite fundamentally sound
Park bench, which had been the birthplace
Of paeans and ruminations on other mornings,
And would turn his back to it, having gauged the distance
Between his knees and the edge of the hardwood
Almost invariably unoccupied
At this enlightened hour by the bums of nighttime
(For whom the owlish eye of the moon
Had been closed by daylight), and would give himself wholly over
Backwards and trustingly downwards
And be well seated there. He would remove
From his sinister jacket pocket a postcard
And touch it and retouch it with the point
Of the fountain he produced at his fingertips
And fill it with his never-before-uttered
Runes and obbligatos and pellucidly cryptic
Duets from private pageants, from broken ends
Of fandangos with the amoeba chaos chaos
Couchant and rampant. Then he would rise
With an effort as heartfelt as a decision
To get out of bed on Sunday and carefully
Relocate his center of gravity
Above and beyond an imaginary axis
Between his feet and carry the good news
Along the path and the sidewalk, well on his way
To readjusting the business of the earth.


(David Wagoner)

*

Bom ano! Bom dia!

1.1.05
 


LENHA


Madeira a arder. Lenha. Um tronco de oliveira que arde por dentro, crepitando no ar frio, que arde sempre até desaparecer num monte de cinza. Lenha, feita de velhas traves de madeira de uma casa. Nas cinzas aparecem pregos antigos. Há quantos anos foram pregados? Por volta de mil oitocentos e noventa e três. Mais de cem anos dentro da madeira rija. Ferro quase sem ferrugem. Grosso, rugoso ao tacto. Traços negros no interior do vermelho vivo, quando a madeira fica quase transparente, antes do momento da desagregação em que se torna em brasas e depois em cinzas. Por fim, os pregos tombam no chão. Não há estrutura. Acabou.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES


Uma praia, ontem, ao fim do dia.

(R.)
 


APRENDENDO COM O PADRE ANTÓNIO VIEIRA: O ANACORETA DO AR

"De alguns se escreve que de noite mediam as horas da oração com um novo e admirável relógio do sol, porque começavam a orar quando se punha, e acabavam quando nascia. Mais fazia Simeão Estilita, a quem com razão podemos chamar Anacoreta do Ar, e não da terra. Vivia sobre uma coluna de trinta e cinco côvados de alto, onde perseverou oitenta anos ao sol, ao frio, à neve, aos ventos, comendo uma só vez na semana, e orando de dia e de noite, quase sem dormir. Umas vezes orava de joelhos e prostrado, outras em pé e com os braços abertos, e nesta postura estava reverenciando continuamente a Deus com tão profundas inclinações, que dobrava a cabeça até os artelhos. Teodoreto, testemunha de vista, quis saber o número a estas inclinações, e tendo contado mil duzentas e quarenta e quatro, cansado de contar, não foi por diante. Oh! assombro! Oh! prodígio! Oh! exemplo singularíssimo do que pode a fraqueza do nosso barro fortalecida da graça! Um tal gênero de vida, mais foi admirável que imitável. Mas o que mais admira, é que lhe não faltaram imitadores. Estilita quer dizer o habitador da coluna, e houve outro estilita, também Simeão, e outro estilita, Daniel, e outros. Tanto preço tem, nos que o sabem avaliar, o ser santo. "

© José Pacheco Pereira
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