ABRUPTO

31.10.04
 


APRENDENDO COM JOHN MUIR SOBRE O VENTO NAS FOLHAS


(John Muir citado no poema da Spoon River Anthology)

"A few minutes ago every tree was excited, bowing to the roaring storm, waving, swirling, tossing their branches in glorious enthusiasm like worship. But though to the outer ear these trees are now silent, their songs never cease. Every hidden cell is throbbing with music and life, every fiber thrilling like harp strings, while incense is ever flowing from the balsam bells and leaves. No wonder the hills and groves were God's first temples, and the more they are cut down and hewn into cathedrals and churches, the farther off and dimmer seems the Lord himself."

(Em breve mais sobre Muir.)
 


COLOCAR FACES NOS POEMAS


Este é Galba, do poema matinal de Cavafy, o dos setenta e três anos, de que o oráculo falava. Nero entendeu mal a frase délfica e pensou apenas na sua velhice longínqua. Não. Havia outro, já velho, que o veio a ajudar a suicidar-se. Era um velho duro e imprudente, mas chegou a imperador. Prometeu o que não podia dar e acabou esquartejado pelas tropas. Um soldado da 15ª Legião acabou com ele com um golpe final no pescoço. Um tal Fabius Fabulus cortou-lhe a cabeça, mas teve que a colocar no seu saiote porque Galba era calvo e não havia cabelo para a segurar com as mãos. Pequeno detalhe de um tempo em que transportar uma cabeça ainda era habitual.
 


COISAS SIMPLES


Albert Anker
 


EARLY MORNING BLOGS 349

indecisos. Entre este poema da Spoon River Anthology

IMMANUEL EHRENHARDT

I began with Sir William Hamilton's lectures.
Then studied Dugald Stewart;
And then John Locke on the Understanding,
And then Descartes, Fichte and Schelling,
Kant and then Schopenhauer --
Books I borrowed from old Judge Somers.
All read with rapturous industry
Hoping it was reserved to me
To grasp the tail of the ultimate secret,
And drag it out of its hole.
My soul flew up ten thousand miles
And only the moon looked a little bigger.
Then I fell back, how glad of the earth!
All through the soul of William Jones
Who showed me a letter of John Muir.


(Edgar Lee Masters)

e este de Cavafy

O PRAZO DE NERO

Não se inquietou Nero quando ouviu
a profecia do Oráculo de Delfos.
"Teme os setenta e três anos."
Tinha tempo ainda para gozar.
Tem trinta anos. Mais do que suficiente
é o prazo que o deus lhe dá
para cuidar dos perigos futuros.

Agora voltará a Roma um pouco cansado,
mas maravilhosamente cansado desta viagem,
que era toda dias de gozo –
nos teatros, nos jardins, nas palestras...
Tardes das cidades da Acaia...
Ah sobretudo o prazer dos corpos nus...

Isto Nero. E na Espanha Galba
furtivamente articula e exercita suas tropas,
o velho de setenta e três anos.


traduzido por R. M. Sulis, M. P. V. Jolkesky, e A. T. Nicolacópulos.

Uma boa solução para o indeciso é ficarem os dois e, durante o dia, aproveitando a hora roubada ao Tempo, deles falarei.

*

Bom dia, com a hora roubada!
 


INTENDÊNCIA

Actualizada a nota PATETICES EM QUE SE GASTA O NOSSO DINHEIRO: DIÁRIO DA REPÚBLICA VERDE

30.10.04
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: AUTO-RETRATO


Este é o meu auto-retrato, diz a "Espírito". Cinquenta mil vezes, eu e a minha irmã "Oportunidade", nos fotografamos em Marte, sempre com a nossa face visível para se perceber a cor. A um canto, de passagem, como Hitchcock nos filmes. Mas hoje chega de modéstia, aqui está o rouge, o blush, o rimmel, as nossas cores pelas quais medimos a cor do resto do mundo. Narcisistas? Vaidosas, talvez. Não é só Rembrandt que tem direito a auto-retratos.

(A foto representa o círculo de calibragem das imagens, o objecto mais fotografado em Marte.)
 


APRENDENDO COM JORGE LUIS BORGES

O princípio


Dois gregos estão a conversar: talvez Sócrates e Parménides.
Convém que nunca saibamos os seus nomes; a história, assim, será mais misteriosa e mais tranquila.
O tema do diálogo é abstracto. Aludem por vezes a mitos, de que ambos descrêem.
As razões que alegam podem abundar em falácias e não chegam a um fim.
Não polemizam. E não querem persuadir nem ser persuadidos, não pensam em ganhar ou em perder.
Estão de acordo apenas numa coisa; sabem que a discussão é o não impossível caminho para chegar a uma verdade.
Livres do mito e da metáfora, pensam ou tentam pensar.
Nunca saberemos os seus nomes.
Esta conversa entre dois desconhecidos num lugar da Grécia é o facto capital da História.
Esqueceram a oração e a magia.


(Jorge Luís Borges - "O princípio". Atlas in Obras completas: 1975-1985. Lisboa, Círculo de Leitores, 1998, p. 437.Tradução de Fernando Pinto do Amaral, cortesia de António Cardoso da Conceição)
 


POEIRA DE 30 DE OUTUBRO



Hoje, há cento e cinquenta anos, Eugène Delacroix estava a pintar a "Caça do leão" e vivia dominado pela violência das cores. Jantou com Madame de Caen. A senhora estava resplandecente, no seu vestido de noite, mostrando os ombros e os braços. Eugène anotou no seu diário que teve que “segurar, com mão firme, o coração”. No dia seguinte, Madame trazia as suas roupas normais e o pintor sentiu-se de novo “razoável”, moderado, quase austero. Não deve ter pintado nesse dia.
 


AR PURO


N. Astrup
 


VER O DIA 2

De novo um arco-íris, outro, um pouco mais atrás, dilui-se nas nuvens. Quando comecei esta frase, existia. Quando a acabei, desapareceu.
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: O GATO DA SI-SI



A menina estava a brincar na sala enquanto o pai via umas imagens estranhas. Si-Si olhou para o ecrã e disse: está aqui um gato. A mancha de negro."Aqui", na primeira imagem de radar da superfície do mais fascinante satélite de Saturno, Titã. Ficou conhecida como o "gato da Si-Si". Talvez a primeira vez que se encontra uma superfície líquida fora da terra. Talvez. Talvez o gato da Si-Si se mova.
 


VER O DIA

Durante cinco ou seis minutos, à minha frente, um arco-íris.
 


EARLY MORNING BLOGS 348

Helen of Troy Does Countertop Dancing


The world is full of women
who'd tell me I should be ashamed of myself
if they had the chance. Quit dancing.
Get some self-respect
and a day job.
Right. And minimum wage,
and varicose veins, just standing
in one place for eight hours
behind a glass counter
bundled up to the neck, instead of
naked as a meat sandwich.
Selling gloves, or something.
Instead of what I do sell.
You have to have talent
to peddle a thing so nebulous
and without material form.
Exploited, they'd say. Yes, any way
you cut it, but I've a choice
of how, and I'll take the money.

I do give value.
Like preachers, I sell vision,
like perfume ads, desire
or its facsimile. Like jokes
or war, it's all in the timing.
I sell men back their worse suspicions:
that everything's for sale,
and piecemeal. They gaze at me and see
a chain-saw murder just before it happens,
when thigh, ass, inkblot, crevice, tit, and nipple
are still connected.
Such hatred leaps in them,
my beery worshippers! That, or a bleary
hopeless love. Seeing the rows of heads
and upturned eyes, imploring
but ready to snap at my ankles,
I understand floods and earthquakes, and the urge
to step on ants. I keep the beat,
and dance for them because
they can't. The music smells like foxes,
crisp as heated metal
searing the nostrils
or humid as August, hazy and languorous
as a looted city the day after,
when all the rape's been done
already, and the killing,
and the survivors wander around
looking for garbage
to eat, and there's only a bleak exhaustion.
Speaking of which, it's the smiling
tires me out the most.
This, and the pretence
that I can't hear them.
And I can't, because I'm after all
a foreigner to them.
The speech here is all warty gutturals,
obvious as a slab of ham,
but I come from the province of the gods
where meanings are lilting and oblique.
I don't let on to everyone,
but lean close, and I'll whisper:
My mother was raped by a holy swan.
You believe that? You can take me out to dinner.
That's what we tell all the husbands.
There sure are a lot of dangerous birds around.

Not that anyone here
but you would understand.
The rest of them would like to watch me
and feel nothing. Reduce me to components
as in a clock factory or abattoir.
Crush out the mystery.
Wall me up alive
in my own body.
They'd like to see through me,
but nothing is more opaque
than absolute transparency.
Look--my feet don't hit the marble!
Like breath or a balloon, I'm rising,
I hover six inches in the air
in my blazing swan-egg of light.
You think I'm not a goddess?
Try me.
This is a torch song.
Touch me and you'll burn.


(Margaret Atwood)

*

Bom dia!

29.10.04
 


COISAS SIMPLES


Gauguin
 


EARLY MORNING BLOGS 347

If You Get There Before I Do


Air out the linens, unlatch the shutters on the eastern side,
and maybe find that deck of Bicycle cards
lost near the sofa. Or maybe walk around
and look out the back windows first.
I hear the view's magnificent: old silent pines
leading down to the lakeside, layer upon layer
of magnificent light. Should you be hungry,
I'm sorry but there's no Chinese takeout,
only a General Store. You passed it coming in,
but you probably didn't notice its one weary gas pump
along with all those Esso cans from decades ago.
If you're somewhat confused, think Vermont,
that state where people are folded into the mountains
like berries in batter. . . . What I'd like when I get there
is a few hundred years to sit around and concentrate
on one thing at a time. I'd start with radiators
and work my way up to Meister Eckhart,
or why do so few people turn their lives around, so many
take small steps into what they never do,
the first weeks, the first lessons,
until they choose something other,
beginning and beginning their lives,
so never knowing what it's like to risk
last minute failure. . . .I'd save blue for last. Klein blue,
or the blue of Crater Lake on an early June morning.
That would take decades. . . .Don't forget
to sway the fence gate back and forth a few times
just for its creaky sound. When you swing in the tire swing
make sure your socks are off. You've forgotten, I expect,
the feeling of feet brushing the tops of sunflowers:
In Vermont, I once met a ski bum on a summer break
who had followed the snows for seven years and planned
on at least seven more. We're here for the enjoyment of it, he said,
to salaam into joy. . . .I expect you'll find
Bibles scattered everywhere, or Talmuds, or Qur'ans,
as well as little snippets of gospel music, chants,
old Advent calendars with their paper doors still open.
You might pay them some heed. Don't be alarmed
when what's familiar starts fading, as gradually
you lose your bearings,
your body seems to turn opaque and then transparent,
until finally it's invisible--what old age rehearses us for
and vacations in the limbo of the Middle West.
Take it easy, take it slow. When you think I'm on my way,
the long middle passage done,
fill the pantry with cereal, curry, and blue and white boxes of macaroni, place the
checkerboard set, or chess if you insist,
out on the flat-topped stump beneath the porch's shadow,
pour some lemonade into the tallest glass you can find in the cupboard,
then drum your fingers, practice lifting your eyebrows,
until you tell them all--the skeptics, the bigots, blind neighbors,
those damn-with-faint-praise critics on their hobbyhorses--
that I'm allowed,
and if there's a place for me that love has kept protected,
I'll be coming, I'll be coming too.


(Dick Allen)

*

Bom dia!

28.10.04
 


O ABRUPETÚ





















Um rapazinho, com tudo para crescer, olha para o computador e lê: “abrupetú”.
 


APRENDENDO COM O PADRE ANTÓNIO VIEIRA: O Ó

"A figura mais perfeita e mais capaz de quantas inventou a natureza e conhece a geometria é o círculo. Circular é o globo da terra, circulares as esferas celestes, circular toda esta máquina do universo, que por isso se chama orbe, e até o mesmo Deus, se sendo espírito pudera ter figura, não havia de ter outra, senão a circular. O certo é que as obras sempre se parecem com seu autor; e fechando Deus todas as suas dentro em um círculo, não seria esta idéia natural, se não fora parecida à sua natureza. — Daqui é que o mais alumiado de todos os teólogos, S. Dionísio Areopagita, não podendo definir exatamente a suma perfeição de Deus, a declarou com a figura do círculo: Velut circulus quidam sempiternus propter bonum, ex bono, in bono et ad bonum certa, et nusquam oberrante glomeratione circummiens. Estes são os dois maiores círculos que até o dia da Encarnação do Verbo se conheceram; mas hoje nos descreve o Evangelho outro círculo, em seu modo maior. O primeiro círculo, que é o mundo, contém dentro em si todas as coisas criadas; o segundo, incriado e infinito, que é Deus, contém dentro em si o mundo; e este terceiro, que hoje nos revela a fé, contém dentro em si ao mesmo Deus. Ecce concipies in utero, et paries Filium: hic erit magnus, et Filius Altissimi vocabitur (2). Nove meses teve dentro em si este círculo a Deus, e quem poderá imaginar que, estando cheio de todo Deus, ainda ali achasse o desejo, capacidade e lugar para formar outro círculo? Assim foi, e este novo círculo, formado pelo desejo, debaixo da figura e nome de O, é o que hoje particularmente celebramos na expectação do parto já concebido: Ecce concipies et paries. De um e outro círculo travados entre si, se comporá o nosso discurso, concordando — que é a maior dificuldade deste dia — o Evangelho com o título da festa, e o título com o Evangelho. O mistério do Evangelho é a conceição do Verbo no ventre virginal de Maria Santíssima; o título da festa é a expectação do parto e desejos da mesma Senhora, debaixo do nome do O. E porque o O é um círculo, e o ventre virginal outro circulo, o que pretendo mostrar em um e outro é que, assim como o círculo do ventre virginal na conceição do Verbo foi um O que compreendeu o imenso, assim o O dos desejos da Senhora na expectação do parto foi outro circulo que compreendeu o eterno. Tudo nos dirão, com a graça do céu, as palavras que tomei por tema. Ave Maria. "
 


A PORTA


van Dongen

(Em breve)
 


O POLÍTICO E AS LEIS DA FÍSICA

O governo diz que este "caso Marcelo" não é político. A maioria na Assembleia diz que o caso não é político. Os ecos das vozes anteriores dizem que o caso não é político. Está bem. E os passarinhos voam com as patas para o ar.
 


PATETICES EM QUE SE GASTA O NOSSO DINHEIRO: DIÁRIO DA REPÚBLICA VERDE

“Nos termos do Despacho Normativo nº 43/2004 de 27 de Outubro, este Diário da República, de cor diferente do habitual, integra-se nas comemorações do Dia Nacional da Desburocratização.”
“Despacho Normativo n.º 43/2004
Considerando que a Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/90, de 16 de Agosto, institui o Dia Nacional da Desburocratização, o qual se assinala na última quinta-feira do mês de Outubro de cada ano;
Considerando que a Imprensa Nacional-Casa da Moeda, S. A., pretende associar-se àquele evento, imprimindo o Diário da República desse dia em cor diferente da habitual:
Ao abrigo do n.º 2 do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 170/99, de 19 de Maio, e do despacho n.º 20387/2004, publicado o Diário da República, 2.ª série, n.º 233, de 2 de Outubro de 2004:
Determina-se o seguinte:
A Imprensa Nacional-Casa da Moeda, S. A., é autorizada a publicar o Diário da República de 28 de Outubro em papel especial de cor verde.
Presidência do Conselho de Ministros, 14 de Outubro de 2004. - O Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Domingos Manuel Martins Jerónimo.“


Não há mais nada para fazer no governo? Quanto custa mudar a cor do jornal? O que é que o verde, uma cor de má fama fora da natureza, tem a ver com a desburocratização?


*

"É o "verde-esperança-que-um-dia-ganhem-juízo". Pessoalmente, acho que teria sido mais adequado o encarnado do "Red Tape"..."

(Rui Rocheta)

*

"O conteúdo do Diário da República Verde, afinal, é muito mais interessante do que parece à primeira vista. Recomendo-lhe vivamente uma leitura muito atenta do despacho do Sr. Director-Geral dos Impostos, no fim da pag. 15796, onde se autoriza a passagem à situação de licença sem vencimento de longa duração à Assessora jurista do quadro da Direcção-Geral dos Impostos Maria Celeste Ferreira Lopes Cardona.
Afinal, a Ilustre Advogada, fiscalista emérita, é também funcionária pública, e do quadro de pessoal da D.G.I. Não acha curioso?
É certo que, de um ponto de vista estritamente legal, não é impossível exercer simultaneamente ambas as actividades - bastará estar-se autorizado pelo serviço para acumular funções e demonstrar-se, perante a Ordem dos Advogados, que as funções públicas exercidas são de mera consultadoria jurídica. Mas até isso creio que achará interessante, mais a mais porque me lembro de o ter ouvido reflectir, e bem, sobre matéria de incompatibilidades no que concerne aos deputados que advogam."


(Pedro Veiga Santos)

*

"E já agora, se é o dia Nacional da Desburocratização, para que é necessário tanta autorização para imprimir o Diário da República de outra cor?"

(António Albertino)

 


COISAS SIMPLES


Roy Lichtenstein
 


EARLY MORNING BLOGS 346

Moon Song


A child saw in the morning skies
The dissipated-looking moon,
And opened wide her big blue eyes,
And cried: "Look, look, my lost balloon!"
And clapped her rosy hands with glee:
"Quick, mother! Bring it back to me."

A poet in a lilied pond
Espied the moon's reflected charms,
And ravished by that beauty blonde,
Leapt out to clasp her in his arms.
And as he'd never learnt to swim,
Poor fool! that was the end of him.

A rustic glimpsed amid the trees
The bluff moon caught as in a snare.
"They say it do be made of cheese,"
Said Giles, "and that a chap bides there. . . .
That Blue Boar ale be strong, I vow --
The lad's a-winkin' at me now."

Two lovers watched the new moon hold
The old moon in her bright embrace.
Said she: "There's mother, pale and old,
And drawing near her resting place."
Said he: "Be mine, and with me wed,"
Moon-high she stared . . . she shook her head.

A soldier saw with dying eyes
The bleared moon like a ball of blood,
And thought of how in other skies,
So pearly bright on leaf and bud
Like peace its soft white beams had lain;
Like Peace! . . . He closed his eyes again.

Child, lover, poet, soldier, clown,
Ah yes, old Moon, what things you've seen!
I marvel now, as you look down,
How can your face be so serene?
And tranquil still you'll make your round,
Old Moon, when we are underground.


(Robert Service)

*

Bom dia!
 


VER A NOITE

Com Lua. Sem Lua. Com Lua.

27.10.04
 


OBSERVAÇÕES SOLTAS SOBRE O CASO DO DIA

O clima em que hoje vive a liberdade da pluralidade (apenas uma forma de liberdade, mas uma das que mais é instrumental para o funcionamento da democracia), nos grandes meios de comunicação social, é mau. Não pode deixar de haver mal-estar na RTP, na RDP, no Diário de Notícias, na TSF, no Jornal de Notícias, no 24 Horas, na TVI. É demasiado importante para o ignorarmos.

Não é um problema de superfície, é de fundo e não vai desaparecer tão cedo. O governo, que está na origem do que se passa, pode ter a tentação de cortar a direito e avançar, esperando um Grande Esquecimento, em que a comunicação social, na procura obsessiva da novidade, é mestra e, neste caso, vítima.

Marcelo disse o fundamental e o que disse é credível, tornando em mentira pouco habilidosa as declarações do Presidente da Media Capital.Terá que ter consequências. Não sei se as terá.

Marcelo é vítima de si próprio. Falando de uma matéria que vai ser mais importante para o seu futuro do que ele próprio pensa, não escapa aos seus demónios e assume um tom que rapidamente descai no histriónico. Dizendo coisas importantes, trai-se a si próprio. Há alturas em que se tem que ser severo e resistir a fazer mais um comentário semanal, para se ser tomado a sério. A vida não é só televisão.

Não sei que diga da Alta Autoridade. Em vez de perguntar sobre factos, pede opiniões, o que de todo não nos interessa neste caso. Permite aos seus inquiridos dominar o palco de um inquérito e mostra uma completa falta de direcção e uma total inadequação para a função. Será que ninguém lhes lembra que é um inquérito que está em curso e com importantes consequências políticas e não um ensaio faceto.

Um grande perdedor de tudo isto é o Parlamento, ou seja, a democracia parlamentar. A atitude da maioria em não permitir as audições de Marcelo e de outros intervenientes, permitindo a do Presidente da Media Capital, não é admissível.
 


ECLIPSES



Entre os vários eclipses de hoje, eclipse da verdade, eclipse da consequência, este é o único sadio, brilhante, total. Lá estarei, na sombra.
 


AR PURO / APRENDENDO COM O NEVOEIRO


Turner
 


ARGUMENTÁRIO DO NÃO

(Argumentário do “não” à Constituição Europeia, a partir de hoje no Abrupto. Notas soltas, discussões, debates, chamadas de atenção, anedotário (não vai faltar com dois notórios anti-europeístas primários à frente da campanha pelo “sim”), incidentes e acidentes, etc.)

*

A falta de pluralismo no debate português sobre a Europa vai inquinar toda a discussão para o referendo. O falso consenso PSD-PP-PS tende a empurrar para as margens da política os defensores do “não”. Por outro lado, a maioria dos jornalistas, que cobrem a questão europeia. são eles próprios militantes europeístas radicais. O resultado é que de há muito se perdeu qualquer pluralismo efectivo, em que os debates se fazem dentro dos partidários do “sim”, e das suas diferentes sensibilidades. Recordam-se de, a não ser por absoluta excepção, e fora do PCP, terem ouvido nos grandes órgãos de comunicação social criticar a Constituição europeia?

*

É mau sinal que não vá haver uma revisão constitucional para permitir que a pergunta do referendo seja simples e clara. As declarações do Ministro dos Assuntos Parlamentares mostram a pressa com que tudo irá ser feito,

"Se for possível construir uma pergunta para o referendo sem recurso a uma revisão extraordinária da constituição, caminharemos nesse sentido. É uma questão secundária, porque o importante é que o referendo se faça"(…)"os calendários são apertados".

e revelando o interesse partidário que está por trás:

"Admitimos que seja apresentada uma solução que sirva os interesses da maioria PSD/CDS-PP e do PS”.

A pergunta está longe de ser “uma questão secundária”. É assim que se solidifica o défice democrático da UE.

*

É também evidente que o facto de cada passo no processo europeu exigir revisões constitucionais, é pouco sadio e mostra como os governos aceitam negociar processos e aceitar soluções que são contrárias à nossa Constituição.

*

O reforço dos poderes do Parlamento Europeu é um péssimo caminho para a Europa e para Portugal na Europa. O que se está a passar com a aprovação da Comissão é um sinal das coisas que estão para vir, com um Parlamento que é o epicentro do reino do “politicamente correcto” na Europa, pairando num limbo entre a “loony left” e a não menos “loony right”, e o regresso à sólida terra dos interesses nacionais das grandes nações quando é preciso.

 


ESTA NOITE É PARA (NÃO) VER A LUA

Organizemo-nos.
 


EARLY MORNING BLOGS 345

Manuel Komninos


One dreary September day
Emperor Manuel Komninos
felt his death was near.
The court astrologers -bribed, of course- went on babbling
about how many years he still had to live.
But while they were having their say,
he remebered an old religious custom
and ordered ecclesiastical vestments
to be brought from a monastery,
and he put them on, glad to assume
the modest image of a priest or monk.

Happy all those who believe,
and like Emperor Manuel end their lives
dressed modestly in their faith.


(C.P. Cavafy, traduzido por E. Keeley e P. Sherrard)

*

Bom dia!

26.10.04
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: OS POETAS ROMÂNTICOS

"Este seu post de hoje sobre "Xanadu" e a referência a Coleridge recordaram-me como os poetas românticos foram, tantas vezes, visionários em relação às coisas da Ciência. Deixo-lhe, a propósito, uma passagem surpreendente de Wordsworth, do célebre Prefácio a Lyrical Ballads (1802):

«If the labours of Men of science should ever create any material revolution, direct or indirect, in our condition, and in the impressions which we habitually receive, the Poet will sleep then no more than at present; he will be ready to follow the steps of the Man of science, not only in those general indirect effects, but he will be at his side, carrying sensation into the midst of the objects of science itself. The remotest discoveries of the Chemist, the Botanist, or Mineralogist, will be as proper objects of the Poet's art as any upon which it can be employed, if the time should ever come when these things shall be familiar to us, and the relations under which they are contemplated by the followers of these respective sciences shall be manifestly and palpably material to us as enjoying and suffering beings.»


Mas não deixa de ser curioso como o mesmo Wordsworth escreveu também, um dia, os versos:

Sweet is the lore which Nature brings;
Our meddling intellect
Mis-shapes the beauteous forms of things:-
We murder to dissect.


("The Tables Turned", 1798)

(Daniela Kato)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: INVESTIGAÇÃO EM CÉLULAS ESTAMINAIS E DEMAGOGIA INTERNACIONAL

"Acabei de ler a proposta apresentada na ONU pela Costa Rica, apoiada por mais 60 países incluindo Portugal e os Estados Unidos. Fiquei surpreendido por descobrir que Portugal sem discussão interna apoia uma proposta que pretende impedir todo o tipo de investigação em células estaminais, e chocado com o ponto 5, em particular, que é de uma demagogia brutal. Escrevo-lhe pois costuma-me a aceitar que esta situação passe ao lado da comunicação social e da discussão politica actual, embora esta situação possa já ser do seu conhecimento.

"5. Strongly encourages States and other entities to direct funds that might have been used for human cloning technologies to pressing global issues in developing countries, such as famine, desertification, infant mortality and diseases, including the human immunodeficiency virus/acquired immunodeficiency syndrome (HIV/AIDS)"

"Albania, Angola, Antigua and Barbuda, Australia, Benin, Burundi, Chad, Chile, Costa Rica, Côte d’Ivoire, Democratic Republic of the Congo, Dominican Republic, El Salvador, Equatorial Guinea, Eritrea, Ethiopia, Fiji, Gambia, Grenada, Guinea, Haiti, Honduras, Italy, Kenya, Kyrgyzstan, Lesotho, Liberia, Madagascar, Malawi, Marshall Islands, Micronesia, Nauru, Nicaragua, Nigeria, Palau, Panama, Papua New Guinea, Paraguay, Philippines, *Portugal*, Rwanda, Saint Kitts and Nevis, Saint Lucia, Saint Vincent and the Grenadines, San Marino, Sao Tome and Principe, Sierra Leone, Solomon Islands, Suriname, Tajikistan, Timor-Leste, Tuvalu, Uganda, United Republic of Tanzania, United States of America, Vanuatu and Zambia: draft resolution"


(Paulo Pereira, PhD / Developmental Biology Lab / Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC))
 


INTENDÊNCIA

A Lagartixa e o Jacaré 9 no VERITAS FILIA TEMPORIS sobre a "emissão ministerial", os "aprendizes de feiticeiro" na comunicação social, o golpe na Guiné e a "pior frase da semana" de autoria de Luis Delgado. Publicada na Sábado, em Outubro 2004.

Os dois primeiros artigos da série Direita / Esquerda, publicados no Público, Outubro 2004, no VERITAS FILIA TEMPORIS.

Actualizado O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: GARANTIAS.

Actualizada nota BIBLIOFILIA sobre a Renga.
 


APRENDENDO COM O NEVOEIRO


Williams Degouve de Nuncques, Nocturne au Parc royal de Bruxelles

ESPERO

Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda.


(Sophia de Mello Breyner)
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: XANADU



Olhem para esta fotografia. O "continente" Xanadu, no planeta Titã, visto há dois dias pela Cassini. Em Janeiro de 2005 lá iremos, se os deuses da mecãnica e da dinâmica se portarem bem. Uma parte do nosso futuro está aqui. Poderá estar no "deep romantic chasm" que Coleridge viu no seu Xanadu

In Xanadu did Kubla Khan
A stately pleasure-dome decree:
Where Alph, the sacred river, ran
Through caverns measureless to man
Down to a sunless sea.

So twice five miles of fertile ground
With walls and towers were girdled round:
And there were gardens bright with sinuous rills,
Where blossomed many an incense-bearing tree;
And here were forests ancient as the hills,
Enfolding sunny spots of greenery.
 


AR PURO


J. C. Dahl
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: CONTRADITÓRIO

(...) "ora, em política (em direito e sobretudo na prática forense e administrativa, o contraditório tem ainda a ver com a procura de restabelecimento da igualdade de armas entre contendores, enfim, para permitir o confronto, ainda que por vezes só a título formal, de posições e perspectivas diferentes, mas tem também subjacente a ideia de permitir alguma forma de intervenção à parte contra quem é proferida uma acusação, instância, decisão, etc., ou seja, o contraditório é contra a parte mais
forte) o contraditório é tipicamente exigível para vigiar, fiscalizar e moderar o exercício do poder - ou seja, há contraditório quando se permitem meios de acção, argumentação e prova contra a posição "oficial" dos titulares do poder, estes por definição dotados de meios de execução e influência

escusado será acrescentar que o contraditório é condição mínima, mas não suficiente, de democracia; e é precisamente por isso que é necessário que a democracia se alimente de contraditório, interpelando os titulares do poder e denunciando o seu exercício abusivo

é para isso que servem os comentadores, os cronistas, os analistas, os editoriais - quer na perspectiva estritamente política, para demonstração da plausibilidade e até justeza ou virtude de soluções alternativas, abordagens diferentes, necessidade de contextualização, etc, quer na perspectiva jurídica, examinando a legalidade e regularidade dos actos em que se traduz os exercício do poder, ou ainda na novel análise e avaliação económica das decisões jurídicas e políticas, obrigando os detentores do poder a justificarem os fundamentos e a racionalidade das suas medidas e opções, ou a arcarem com o ónus da sua ausência ou desproporção

concluindo, creio que em política há contraditório se houver críticos, ainda que se excedam - contra o excesso político basta ao detentor do poder demonstrar a legitimidade política dos seus actos; contra outros excessos há meios adicionais, de direito, desde que merecedores de tutela - e não há contraditório, ainda que haja comentadores e comentários, se não houver críticas ! eis o equívoco !!

se houver livre opinião e crítica, ainda não estamos seguros de que haja democracia; se não houver livre opinião e crítica, estamos seguros de que não há democracia"

(antonio)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: GARANTIAS

"Não sei se estou a ficar velho e resmungão,um daqueles chatos "...no meu tempo é que...",mas há coisas que me arrepiam!Arrepiam-me os factos,mas mais do que isso,a indiferença perante aquilo que me deixa...indignado (sem palavrões não arranjo melhor!).

Tudo isto vem a proposito de um anuncio na radio(não sei se tambem na tv), em que uma criança a quem uma amiga pede emprestada a bicicleta, responde que sim senhor,lhe empresta a bicicleta ,mas só se ela lhe deixar o leitor de CD como garantia!!!!!!!!!!!

Será que só a mim é que isto choca? Terei eu educado realmente os meus filhos?"


(A.Pina Cabral)

*

"A propósito do breve texto do leitor Pina Cabral de hoje e versando sobre o tema dos arrepios: e aquele anúncio (rádio e TV) em que ela diz que vai para o campo para ter sossego e se dedicar “à escrita”? São sms para o seu Ruisinho tão querido!"

(J.)
 


EARLY MORNING BLOGS 344

Dreams In The Dusk


Dreams in the dusk,
Only dreams closing the day
And with the day's close going back
To the gray things, the dark things,
The far, deep things of dreamland.

Dreams, only dreams in the dusk,
Only the old remembered pictures
Of lost days when the day's loss
Wrote in tears the heart's loss.

Tears and loss and broken dreams
May find your heart at dusk.


(Carl Sandburg)

*

Bom dia!
 


BIBLIOFILIA



Número sobre a tradução da revista Stand. Entre traduções de Celan, Primo Levi, Goethe, Pavese, Carlos de Orleans e outras, uma muito interessante experiência intitulada "The Salted Sea Bream: Japanese Collaborative Verse". O poema colectivo, escrito por e-mail, no estilo de Bashô, tem versos como

"of all the lies
I ever heard
Cassandra's
were the sweetest"

"out of the movies
with winter
at our heels"

"a radio
plays
to an empty kitchen
"

Vale a pena ler tudo.

*

"O Renga era composto por uma série de Tanka (frequentemente poemas de temática centrada no amor, na saudade, na lembrança de viagens...) ou de haikai (5/7/5- poemas ligeiros e humorísticos muito sugestivos, cuja temática trata das estações, dos pequenos animais, das plantas, das pessoas...lembro-me agora que Roland Barthes falou destes poemas associando-os a imagens) ou de dísticos (7/7). Horton, H.M. no Harvard Journal of Asiatic Studies, vol.53, nº2; dezembro 1993, escreveu um artigo, dando as instruções necessárias para os amadores de renga. Trata-se de uma actividade social e não apenas literária que, segundo Horton, deve obedecer a 21 regras!"

(Ana da Palma)


25.10.04
 


SE ALGUÉM PENSA

que esta questão do controlo da comunicação social pelo actual governo está a acabar engana-se redondamente. Só está a começar. A começar no Parlamento, na Alta Autoridade, no grupo Lusomundo, na PT, onde todos os dias se vai sabendo mais. Uma caixa abre a outra que abre a outra, que tem outra dentro. É só esperar.
 


CONTRADITÓRIO

O governo tem tido sucesso em aumentar a massa crítica de comentadores que lhe são favoráveis, escolhidos, promovidos ou indicados, exactamente por isso. Nos momentos decisivos de hoje, este é um objectivo estratégico. Pouco a pouco, e sem paralelo com qualquer outro governo no passado (o único comparável é o de Guterres), essa massa crítica começa a pesar. A linha dominante nesses comentadores não é tanto o apoio absoluto e total (só Delgado faz esse papel), mas o comentário desculpatório, com uma linha definida de minimização de danos. “É verdade que o ministro dos Assuntos Parlamentares só fez asneiras, mas o que é preciso é deixar o governo governar…” Mais ou menos isto. No “caso Marcelo” percebeu-se com clareza esta linha de demarcação e o “caso Marcelo” não pode deixar de ser unívoco para todos os jornalistas, mesmo descontando a fama de Marcelo.

O novo programa “Contraditório” na Antena 1 que, como se percebe pelo nome, é de decisão recente, junta quatro jornalistas: Luís Osório, Luís Delgado, Carlos Magno e António Luís Marinho. Os três últimos apoiaram as teses do governo no “caso Marcelo”, o que hoje significa quase tudo.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O ESCONDIDO

"Volto a Gérard de Nerval. Nas Filles du Feu de 1854, havia apenas seis sonetos, o penúltimo era Delfica, (Napoles, 1843), o primeiro, o muito conhecido: EL desdichado,
o segundo:

Myrtho

Je pense à toi, Myrtho, divine enchanteresse,
Au Pausilippe altier, de mille feux brillant,
A ton front inondé des clartés d'Orient,
Aux raisins noirs mêlés avec l'or de ta tresse.

C'est dans ta coupe aussi que j'avais bu l'ivresse,
Et dans l'éclair furtif de ton oeil souriant,
Quand aux pieds d'Iacchus on me voyait priant,
Car la Muse m'a fait l'un des fils de la Grèce.

Je sais pourquoi là-bas le volcan s'est rouvert...
C'est qu'hier tu l'avais touché d'un pied agile,
Et de cendres soudain l'horizon s'est couvert.

Depuis qu'un duc normand brisa tes dieux d'argile,
Toujours, sous les rameaux du laurier de Virgile,
Le pâle Hortensia s'unit au Myrte vert!


As iniciais do conjunto dos seis sonetos (El desdichado, Myrtho, Horus, Antéros, Delfica, Artémis) escrevem a palavra El MoHaDdAR ( o escondido ).
"

(Ana da Palma)
 


AR PURO


Jan Toorop
 


DE REGRESSO

ao Abrupto.
 


EARLY MORNING BLOGS 343

Cucurrucucu Paloma


Dicen que por las noches
Nomas se le iba en puro llorar,
Dicen que no comia,
Nomas se le iba en puro tomar,
Juran que el mismo cielo
Se estremecia al oir su llanto;
Como sufrio por ella,
Que hasta en su muerte la fue llamando
Ay, ay, ay, ay, ay,... cantaba,
Ay, ay, ay, ay, ay,... gemia,
Ay, ay, ay, ay, ay,... cantaba,
De pasión mortal... moria
Que una paloma triste
Muy de mañana le va a cantar,
A la casita sola,
Con sus puertitas de par en par,
Juran que esa paloma
No es otra cosa mas que su alma,
Que todavia la espera
A que regrese la desdichada
Cucurrucucu... paloma,
Cucurrucucu... no llores,
Las piedras jamas, paloma
¡Que van a saber de amores!
Cucurrucucu... cucurrucucu...
Cucurrucucu... paloma, ya no llores


(Tomas Mendez)

*

Ouvida ontem, muito ao longe, lembrada hoje. Bom dia!

24.10.04
 


VER A NOITE

no meio das árvores. Nevoeiro profundo atravessado pela luz da Lua, mergulhada na humidade do ar. Wer reitet so spät durch Nacht und Wind?


23.10.04
 


ADEUS, ATÉ AO MEU REGRESSO


Stuart Davis
 


A LER

As notas de MMLM O voto do Partido Socialista e Os acontecimentos de quarta-feira em Coimbra no Causa Nossa. Está lá quase tudo dito.

22.10.04
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: SOBRE "APRENDENDO COM A DAME A LA LICORNE ("A MON SEUL DÉSIR")"

Por gentileza de Ana da Palma, este fragmento sobre a tapeçaria da Dama do Licorne:

"Na sexta e última tapeçaria da célebre série do museu de Cluny, intitulada A Dama do Licorne, a jovem que se despoja das suas jóias, está prestes a ser absorvida pela tenda, símbolo da presença divina e da Vacuidade. A inscrição que encima a tenda, Ao meu único desejo, significa que o desejo da criatura se confunde com o da vontade que a dirige. Na medida em que a nossa existência é um jogo divino, a nossa parte torna-se livre e activa, quando nós nos identificamos com o manipulador das marionetas que nos cria e dirige. Então, o eu dissolve-se para dar lugar ao grande Ser, sob a tenda cósmica ligada à estrela polar. A Dama, pela sua graça e pela sua sabedoria (Sophia-Shakti-Shekinah, isto é: aquela que está sob a tenda) bem como pela sua pureza, pacifica os animais antagónicos da Grande Obra: o leão que simboliza o enxofre, e o licorne, o mercúrio. Muitas vezes, a Dama é comparada ao Sal filosofal. Está muito próxima da mentora de Hevajra cujo nome significa aquela que não tem ego. O corno erguido do licorne, que simboliza a fecundação espiritual e que capta o fluxo da energia universal, está de acordo com o simbolismo axial da tenda, prolongado por uma ponta com o simbolismo de duas lanças, com o penteado da Dama e da sua acompanhante, encimados por um enfeite ed plumas, e com o das árvores que celebram as núpcias místicas do Oriente e do Ocidente (o carvalho e o azevinho correspondendo à laranjeira e à jaqueira) As insígnias, goles e banda azul com três crescentes ascendentes de prata, sugerem que estas tapeçarias talvez tenham sido encomendadas pelo príncipe Djem, filho infeliz ed Maomé II, o conquistador de Constantinopla. Não consistia o ideal deste Príncipe, muito tempo cativo em Creuse, onde foram encontradas estas obras, em reunir a Cruz e o Crescente? A ilha oval que suporta a cena é recortada como um lótus, símbolo do desenvolvimento espiritual. Quanto ao pequeno macaco sentado diante da Dama, designa o alquimista em pessoa, o 'macaco da natureza' vigiando a sua senhora, que pode ser comparada à Matéria Prima."

Jean Chevalier, Alain Gheerbrant, Dicionário dos símbolos, Lisboa, Editorial Teorema, 1994,pp.408-409
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: “FADO E ÓPERA É TUDO A MESMA COISA

“Vou ver a Companhia Nacional de Bailado a dançar Romeu e Julieta
(…).
“- E quando é que eu vou ver Ballet, mãe?
- Já fostes! Mas um dia vais à Ópera.
- O quê? Ópera? Esquece! Nem pensar.
- Se nunca foste, não sabes se gostas. Além disso aprendes e o gosto educa-se.
- Eu não gosto de fado!
- Fado?
- Sim fado! Fado e ópera é tudo a mesma coisa.”


(J.)
 


UM ERRO DE ORTOGRAFIA

na minha nota anterior - "caiem" em vez de "caem" - foi assinalado amavelmente pelos leitores do Abrupto. Façam de conta que esta nota equivale a umas orelhas de burro. O dr. Freud explicará um dia por que razão eu tinha quase a certeza que estava errado e saiu mesmo assim.

Como diz a minha Pequena Carta:

"caem em vez de caiem que assim escrita arrepia.
assim como saem em vez de saiem que tambem se me da calafrios.

sempre.

isto eh uma regra da treta que ninguim mete na pinha, sabe-se la pourquoi!"

 


COISAS SIMPLES


Cézanne
 


UM VELHO A CAIR

O gozo que alguns fizeram com a queda de Fidel é uma estupidez e diz muito sobre a sensibilidade de quem o faz. Eu não tenha a mínima, nem direi simpatia que é demais, condescendência com o caudilho cubano, que enterrou o seu povo numa ditadura de miséria e violência. Mas, na queda, ele é um velho a cair, como acontece aos velhos. Será que alguns meninos sabem que, quando chegarem a velhos, também vão cair?
 


TODOS OS DIAS MAIS DO MESMO

Mais um exemplo típico do que verdadeiramente move o Primeiro-ministro: uma “assessora política do Primeiro-ministro” escreve um artigo no Diário de Notícias para mostrar as contradições dos jornalistas nas críticas ao governo. Esta assessora é uma antiga jornalista e só podia ter escrito o que escreveu a pedido do Primeiro-ministro, tanto mais que os assessores políticos, em princípio, não escrevem artigos para os jornais. O artigo é um remake do estilo dos artigos de Santana Lopes no Diário de Notícias que não tinham outro objecto que não fosse a sua auto-defesa semanal face às aleivosias do mundo inteiro contra ele. Isto é o que ele acha ser o "contraditório".

O artigo da assessora, na verdade do Primeiro-ministro, é mais um sinal da obsessão que lavra dentro daquela casa, onde se deve passar de manhã à noite a discutir jornais, televisões e cabalas e os “@£€§*&%$#”=’ “ que atacam o “Pedro”, a pensar no que lhes vão fazer "quando…".
 


EARLY MORNING BLOGS 342

Delfica


La connais-tu, DAFNÉ, cette ancienne romance,
Au pied du sycomore, ou sous les lauriers blancs,
Sous l'olivier, le myrte, ou les saules tremblants,
Cette chanson d'amour... qui toujours recommence ?...

Reconnais-tu le TEMPLE au péristyle immense,
Et les citrons amers où s'imprimaient tes dents,
Et la grotte, fatale aux hôtes imprudents,
Où du dragon vaincu dort l'antique semence ?...

Ils reviendront, ces Dieux que tu pleures toujours !
Le temps va ramener l'ordre des anciens jours ;
La terre a tressailli d'un souffle prophétique...

Cependant la sibylle au visage latin
Est endormie encor sous l'arc de Constantin
- Et rien n'a dérangé le sévère portique.


(Gérard de Nerval)

*

Bom dia!

21.10.04
 


POR FAVOR

Não façam muito barulho com a história dos professores irem para assessores dos juízes, senão há meia dúzia de desgraçados professores e juízes, que vão pagar o orgulho ferido do Primeiro-ministro, ao ser confrontado todos os dias com as suas palavras. É que isto funciona assim, por arroubos impensados, por reacção aos arroubos, e depois “ai sim, vão ver se não faço!”.Tenho a convicção que se tudo ficasse calado com a história da deslocalização das Secretarias de Estado, ter-se-ia poupado o exercício de falsa autoridade, a transumância de meia dúzia de vitimas e os custos acrescidos no orçamento.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: SOBRE A DISTINÇÃO ESQUERDA / DIREITA NA LITERATURA

"No seu artigo recente em torno da distinção antropológica esquerda / direita, JPP refere a inadequação desta ao domínio da literatura e da criação estética, e refere como exemplo (entre outros) a coexistência problemática do fascismo de Pound com as suas tiradas poéticas contra a usura. Eu acrescentaria uma outra dimensão que complica ainda mais qualquer tentativa de simplificar ou reduzir poetas a dicotomias ideológicas - sem que isto implique, obviamente, a desculpabilização do imperdoável ou a rejeição da necessidade de crítica atenta. Refiro-me à humildade da dúvida, ao reconhecimento do erro (ainda que tardio) perante a complexidade extrema do mundo e perante a necessidade de tomar posição e agir quando o mundo nos interpela. Tantas vezes, só os grandes poetas conseguem – ou podem dar-se ao luxo de... – trazer ao de cima todas esses aspectos contraditórios e inconciliáveis. E já que mencionou Pound, recordo alguns versos dos célebres “Pisan Cantos,” de que tantos se esquecem quando recusam liminarmente a leitura da sua poesia:

Pull down thy vanity
How mean thy hates
Fostered in falsity,
Pull down thy vanity
Rathe to destroy, niggard in charity,
Pull down thy vanity,
I say pull down.

But to have done instead of not doing
this is not vanity
To have, with decency, knocked
That a Blunt should open
To have gathered from the air a live tradition
or from a fine old eye the unconquered flame
This is not vanity.
Here error is all in the not done,
all in the diffidence that faltered. . .”


(Canto LXXXI)

(Daniela Kato)
 


FALSO

O texto que circula na rede intitulado "Pacheco Pereira no seu melhor" é falso. Se fosse verdadeiro seria "Pacheco Pereira no seu pior".
 


APRENDENDO COM A DAME A LA LICORNE ("A MON SEUL DÉSIR")

 


POBRE PAÍS

(NOTAS PUBLICADAS NO ABRUPTO NOS PRIMEIROS TRÊS DIAS DA ERA ACTUAL (27 a 29/6/2004) PARA MEMÓRIA FUTURA E BIBLIOGRAFIA DE APOIO)


POBRE PAÍS

o nosso.

POBRE PAÍS

o nosso.
Lá vamos desperdiçar de novo o que penosamente adquirimos.
Lá vamos ter que começar tudo de novo.

POBRE PAÍS

o nosso.
Em plena Futebolândia, com os noticiários da televisão a despachar à pressa as notícias sobre Portugal, pedindo desculpa por interromperem o Euro.

POBRE PAÍS

o nosso.

Para o qual eu quero um governo que pense em Portugal em primeiro lugar, que não se importe de perder as eleições, se estiver convicto que políticas difíceis são vitalmente necessárias. Não quero uma comissão eleitoral uninominal (ou binominal) que fará tudo apenas com um fito: ganhar as próximas eleições. Porque esse será o seu programa não escrito.

POBRE PAÍS

o nosso.
Onde é vital, hoje, que não se confunda silêncio com consenso, silêncio com apatia, silêncio com ambiguidade. Está na altura de falar e falar claro, antes que seja tarde de mais. O que está em jogo é grave. É aquilo a que uma noção antiga chamava “bom governo”, a que nos dedicamos por gosto pelo nosso país, gosto pela nossa comunidade antiga, que é a única coisa que dá sentido à política.

POBRE PAÍS

o nosso,
que padece de Acédia. Acédia?
O pecado que a gente aprende como sendo a “preguiça”, para facilitar a compreensão dos jovens catequistas e catequisados. Mas o pecado mortal não é evidentemente o que chamamos “preguiça”, venial predisposição do corpo e da alma. A Acédia é outra coisa muito mais importante: é a apatia, ou a indiferença perante a prática da virtude, ou o espectáculo do mal. Sabemos que está mal, mesmo muito mal, e ficamos calados. Acédia. Vai-se para o Inferno por isso.

POBRE PAÍS

o nosso.

Há uns anos, nos momentos mais complicados de dissolução da URSS, nada funcionava na Rússia. Todos os dias de manhã, no Hotel Ukraina, o pequeno almoço era uma saga. Chegava o samovar com o chá e não havia chávenas lavadas. Chegavam as chávenas, não havia colheres. Chegavam as colheres e não havia chá outra vez. Os estrangeiros recém-chegados protestavam em vão. Os russos e os velhos habitantes do Hotel Ukraina, que já conheciam todas as rotinas, iam buscar chávenas à cozinha, acumulavam duas ou três chávenas em cima da mesa para armazenar o precioso chá, etc. Um amigo meu disse-me: “vais ver, ao quinto dia já estamos como eles, a ir buscar chá à cozinha, muito caladinhos”. Ao terceiro dia já íamos buscar chá à cozinha.

Não há nada como o hábito e como o sentimento de impotência para que se aceite tudo. Não há nada como a ecologia envolvente para se achar tudo normal. O resvalar contínuo para a mediocridade, o abaixamento dos requisitos mínimos, que antes juraríamos nunca aceitar. Que eram mesmo inimagináveis. Não, meus amigos, é na cozinha que está o chá, que estão as chávenas, que está o açúcar. É na cozinha. O que é que querem mais? Qualidade no serviço? Isso não é aqui. Nem no Hotel Rossya, do outro lado.


POBRE PAÍS


o nosso.

O abaixamento dos mínimos critérios de qualidade, vindo “de cima”, é um poderoso factor de popularidade e sucesso. No fundo, ficamos todos mais iguais, não é? E não é esta “igualdade”, o nome que se dá à inveja ressentida que tão profundamente enche a nossa sociedade?

Pensando bem não é de admirar, é o mundo de Eva Péron, a mulher que dizia que não se importava que houvesse pobres, o que a incomodava é que houvesse ricos.

POBRE PAÍS

o nosso.
Sem oposição.

*

Depois não digam que não foram prevenidos a tempo e com tempo.

BIBLIOGRAFIA

Jornais de 27 de Junho de 2004 até hoje.

Entrevista do Primeiro Ministro ao Frankfurter Allgemeine Zeitung
 


AR PURO / UM VULCÃO QUE CUMPRE O SEU DEVER


Monte de S. Helena, ontem. O Outono a chegar.
 


EARLY MORNING BLOGS 341

Ô nostalgie des lieux qui n'étaient point
assez aimés à l'heure passagère,
que je voudrais leur rendre de loin
le geste oublié, l'action supplémentaire !

Revenir sur mes pas, refaire doucement
- et cette fois, seul - tel voyage,
rester à la fontaine davantage,
toucher cet arbre, caresser ce banc...

Monter à la chapelle solitaire
que tout le monde dit sans intérêt ;
pousser la grille de ce cimetière,
se taire avec lui qui tant se tait.

Car n'est-ce pas le temps où il importe
de prendre un contact subtil et pieux ?
Tel était fort, c'est que la terre est forte ;
et tel se plaint : c'est qu'on la connaît peu.


(Rainer Maria Rilke)

*

Bom dia!


20.10.04
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: CHUVA

Pequena, em Paris,
lembro-me da professora:
"Apollinaire, ça s'écrit avec um P mais avec deux 'AILES'


(Ana da Palma)

(Guillaume Apollinaire, Calligrammes, Paris, Gallimard, p.64)




 


AR PURO / COISAS SIMPLES


Frits Thaulow
 


EARLY MORNING BLOGS 340

My Philosophy of Life


Just when I thought there wasn't room enough
for another thought in my head, I had this great idea--
call it a philosophy of life, if you will. Briefly,
it involved living the way philosophers live,
according to a set of principles. OK, but which ones?

That was the hardest part, I admit, but I had a
kind of dark foreknowledge of what it would be like.
Everything, from eating watermelon or going to the bathroom
or just standing on a subway platform, lost in thought
for a few minutes, or worrying about rain forests,
would be affected, or more precisely, inflected
by my new attitude. I wouldn't be preachy,
or worry about children and old people, except
in the general way prescribed by our clockwork universe.
Instead I'd sort of let things be what they are
while injecting them with the serum of the new moral climate
I thought I'd stumbled into, as a stranger
accidentally presses against a panel and a bookcase slides back,
revealing a winding staircase with greenish light
somewhere down below, and he automatically steps inside
and the bookcase slides shut, as is customary on such occasions.
At once a fragrance overwhelms him--not saffron, not lavender,
but something in between. He thinks of cushions, like the one
his uncle's Boston bull terrier used to lie on watching him
quizzically, pointed ear-tips folded over. And then the great rush
is on. Not a single idea emerges from it. It's enough
to disgust you with thought. But then you remember something
William James
wrote in some book of his you never read--it was fine, it had the
fineness,
the powder of life dusted over it, by chance, of course, yet
still looking
for evidence of fingerprints. Someone had handled it
even before he formulated it, though the thought was his and
his alone.

It's fine, in summer, to visit the seashore.
There are lots of little trips to be made.
A grove of fledgling aspens welcomes the traveler. Nearby
are the public toilets where weary pilgrims have carved
their names and addresses, and perhaps messages as well,
messages to the world, as they sat
and thought about what they'd do after using the toilet
and washing their hands at the sink, prior to stepping out
into the open again. Had they been coaxed in by principles,
and were their words philosophy, of however crude a sort?
I confess I can move no farther along this train of thought--
something's blocking it. Something I'm
not big enough to see over. Or maybe I'm frankly scared.
What was the matter with how I acted before?
But maybe I can come up with a compromise--I'll let
things be what they are, sort of. In the autumn I'll put up jellies
and preserves, against the winter cold and futility,
and that will be a human thing, and intelligent as well.
I won't be embarrassed by my friends' dumb remarks,
or even my own, though admittedly that's the hardest part,
as when you are in a crowded theater and something you say
riles the spectator in front of you, who doesn't even like the idea
of two people near him talking together. Well he's
got to be flushed out so the hunters can have a crack at him--
this thing works both ways, you know. You can't always
be worrying about others and keeping track of yourself
at the same time. That would be abusive, and about as much fun
as attending the wedding of two people you don't know.
Still, there's a lot of fun to be had in the gaps between ideas.
That's what they're made for! Now I want you to go out there
and enjoy yourself, and yes, enjoy your philosophy of life, too.
They don't come along every day. Look out! There's a big one...


(John Ashbery)

*

A horas impróprias, bom dia!

 


VER A CHUVA

Entre mim e a chuva tábuas, placas de roofmate, telhas. Com esta chuva total, pouco abaixo do telhado, tem-se um respeito muito especial pelos materiais de construção e pelo trabalho dos pedreiros.

19.10.04
 


ONDE É QUE ESTÃO AS PERGUNTAS?

A julgar pelos relatos das televisões, parece ter havido apenas um depoimento do Ministro dos Assuntos Parlamentares na AACS. Não houve perguntas? Não me custa imaginar várias perguntas de que gostaria de ter resposta. Tenho a certeza que se tivessem sido feitas, as respostas estariam nos noticiários. O que é que aconteceu? Ninguém perguntou sobre a preparação da intervenção? Sobre a utilização da diplomacia, que indicia a premeditação das declarações? Sobre o papel do Primeiro-ministro? A auto-interpretação que o Ministro dá às suas palavras é o que menos me interessa e foi só isso que ouvi em todos os relatos noticiosos.

Ou os jornalistas estão a fazer mau trabalho ou a Alta Autoridade não sabe ou não quer conduzir um inquérito sério.
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: OS CÉUS MEXEM-SE (OU NÃO)

O Sol está sem manchas. A Lua vai desaparecer daqui a dias. Umas flechas de luz, vindas da constelação de Orion, vão atravessar os céus. Chegou a bom porto, ainda em terra, o Deep Impact, que não é um filme pornográfico mas uma sonda que vai disparar uma bala contra um cometa para ver como ele parte. O satélite europeu SMART-1 (estes europeus são tão presumidos...) escapou do abraço mortal da Lua feiticeira, mantém as suas distâncias e continua a trabalhar para lhe perceber a "química"... Querem melhor?
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: MERECIDA HOMENAGEM

(órbita do asteróide Spirit)

às nossas máquinas marcianas. Dois asteróides têm agora os nomes de Spirit e Opportunity, as valentes sondas marcianas que continuam a trabalhar no frio do inverno, já um pouco cansadas, pesando-lhes a idade.
 


INTENDÊNCIA

Colocado no VERITAS FILIA TEMPORIS a Lagartixa e o Jacaré 8, sobre a "celebridade do lixo", não é preciso dizer sobre o que é, as "novas fronteiras", a "ponte", a Constituição Europeia e o referendo em que votarei "não".
 


COISAS SIMPLES

 


EARLY MORNING BLOGS 339

Whales Weep Not!


They say the sea is cold, but the sea contains
the hottest blood of all, and the wildest, the most urgent.

All the whales in the wider deeps, hot are they, as they urge
on and on, and dive beneath the icebergs.
The right whales, the sperm-whales, the hammer-heads, the killers
there they blow, there they blow, hot wild white breath out of
the sea!

And they rock, and they rock, through the sensual ageless ages
on the depths of the seven seas,
and through the salt they reel with drunk delight
and in the tropics tremble they with love
and roll with massive, strong desire, like gods.
Then the great bull lies up against his bride
in the blue deep bed of the sea,
as mountain pressing on mountain, in the zest of life:
and out of the inward roaring of the inner red ocean of whale-blood
the long tip reaches strong, intense, like the maelstrom-tip, and
comes to rest
in the clasp and the soft, wild clutch of a she-whale's
fathomless body.

And over the bridge of the whale's strong phallus, linking the
wonder of whales
the burning archangels under the sea keep passing, back and
forth,
keep passing, archangels of bliss
from him to her, from her to him, great Cherubim
that wait on whales in mid-ocean, suspended in the waves of the
sea
great heaven of whales in the waters, old hierarchies.

And enormous mother whales lie dreaming suckling their whale-
tender young
and dreaming with strange whale eyes wide open in the waters of
the beginning and the end.

And bull-whales gather their women and whale-calves in a ring
when danger threatens, on the surface of the ceaseless flood
and range themselves like great fierce Seraphim facing the threat
encircling their huddled monsters of love.
And all this happens in the sea, in the salt
where God is also love, but without words:
and Aphrodite is the wife of whales
most happy, happy she!

and Venus among the fishes skips and is a she-dolphin
she is the gay, delighted porpoise sporting with love and the sea
she is the female tunny-fish, round and happy among the males
and dense with happy blood, dark rainbow bliss in the sea.


(D.H. Lawrence)

*

Bom dia, neste dia marinho!

18.10.04
 


AR PURO


Turner
 


EARLY MORNING BLOGS 338

Curriculum Vitae
1992


1) I was born in a Free City, near the North Sea.

2) In the year of my birth, money was shredded into
confetti. A loaf of bread cost a million marks. Of
course I do not remember this.

3) Parents and grandparents hovered around me. The
world I lived in had a soft voice and no claws.

4) A cornucopia filled with treats took me into a building
with bells. A wide-bosomed teacher took me in.

5) At home the bookshelves connected heaven and earth.

6) On Sundays the city child waded through pinecones
and primrose marshes, a short train ride away.

7) My country was struck by history more deadly than
earthquakes or hurricanes.

8) My father was busy eluding the monsters. My mother
told me the walls had ears. I learned the burden of secrets.

9) I moved into the too bright days, the too dark nights
of adolescence.

10) Two parents, two daughters, we followed the sun
and the moon across the ocean. My grandparents stayed
behind in darkness.

11) In the new language everyone spoke too fast. Eventually
I caught up with them.

12) When I met you, the new language became the language
of love.

13) The death of the mother hurt the daughter into poetry.
The daughter became a mother of daughters.

14) Ordinary life: the plenty and thick of it. Knots tying
threads to everywhere. The past pushed away, the future left
unimagined for the sake of the glorious, difficult, passionate
present.

15) Years and years of this.

16) The children no longer children. An old man's pain, an
old man's loneliness.

17) And then my father too disappeared.

18) I tried to go home again. I stood at the door to my
childhood, but it was closed to the public.

19) One day, on a crowded elevator, everyone's face was younger
than mine.

20) So far, so good. The brilliant days and nights are
breathless in their hurry. We follow, you and I.


(Lisel Mueller)

*

Bom dia, muito , muito cedo!

17.10.04
 


COISAS SIMPLES


Van der Waay
 


EARLY MORNING BLOGS 337

To Persuade a Lady Carpe Diem


True, I have always been happy that all the things that are inside
the body are inside the body, and that all things outside
the body, are out

I'm glad to find my lungs on the inside of my chest, for example;
if they were outside, they'd keep getting in the way,
those two great incipient angel wings; besides,
it would be messy

I mean, how would it be if your reached out to shake someone's hand
and there, in the palm, were a kidney and a liver complete with
spleen?

Can you imagine standing at 5 PM in a crowded subway car full of
empty stomachs?

What if a nice, nearsighted old lady were knitting socks and suddenly
her veins fell out? How would she avoid creating a substance
full of strangeness and pain? To the barefoot country boy
sitting on the edge of the bed in the morning and opening
Aunt Minnie's gift box, the sight of those socks would be
what he'd call "a real eye-opener!"

And what if our voices touched? If our mouths went out, instead of in?

If you were inside of me; or, at least, if I were inside of you?


(Michael Benedikt)

*

Bom dia!

 


VER A NOITE

sem noite para ver. Ao longe, muito ao longe, uma nova luz: um moinho de vento corta o ar e a humidade. Imagino-o agora, no cimo do monte, onde não há ninguém, com a sua elegante coluna branca presa pelo aço no cimento do pé, a longa lâmina da hélice às voltas, silenciosa. Como é que são os sítios onde não está ninguém?

16.10.04
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: MAIS CYRANO

Mais Cyrano, cortesia de M.C., um bom ar para o dia de hoje, para as palavras de hoje, para o país de hoje.

Rêver, rire, passer, être seul, être libre.
Avoir l’oeil qui regarde bien, la voix qui vibre,
Mettre, quand il vous plaît, son feutre de travers,
Pour un oui, pour un non, se battre, ou faire un vers !
Travailler sans souci de gloire ou de fortune,
A tel voyage, auquel on pense, dans la lune !
N’écrire jamais rien qui de soi ne sortît,
Et modeste d’ailleurs, se dire : mon petit,
Sois satisfait des fleurs, des fruits, même des feuilles,
Si c’est dans ton jardin à toi que tu les cueilles !
Puis, s’il advient d’un peu triompher, par hasard,
Ne pas être obligé d’en rien rendre à César,
Vis-à-vis de soi-même en garder le mérite,
Bref, dédaignant d’être le lierre parasite,
Lors même qu’on n’est pas le chêne ou le tilleul,
Ne pas monter bien haut peut-être, mais tout seul !


(Edmond Rostand)
 


APRENDENDO COM CYRANO DE BERGERAC











Este monólogo é sem dúvida uma das páginas geniais do teatro e fica aqui dedicado aos leitores do Abrupto que sofrem com o tempo cinzento (o que não é o caso do autor destas linhas). O que é que se aprende com o nariz de Cyrano? Uma forma muito certeira de ser livre, de usar o "espírito" para ser livre, de ser esmagado por um Nariz glorioso e ser livre (noutro dia falarei sobre um nariz de lata veneziano), de gostar de ser livre: "Je me les sers moi-même, avec assez de verve,/Mais je ne permets pas qu'un autre me les serve."

CYRANO
Ah ! non ! c'est un peu court, jeune homme !
On pouvait dire... Oh ! Dieu !... bien des choses en somme...
En variant le ton, -par exemple, tenez
Agressif : "Moi, monsieur, si j'avais un tel nez,
Il faudrait sur-le-champs que je me l'amputasse !"
Amical : "Mais il doit tremper dans votre tasse
Pour boire, faites-vous fabriquer un hanap !"
Descriptif : "C'est un roc !... c'est un pic !... c'est un cap !
Que dis-je, c'est un cap ?... C'est une péninsule !"
Curieux : "De quoi sert cette oblongue capsule ?
D'écritoire, monsieur, ou de boîtes à ciseaux ?"
Gracieux : "Aimez-vous à ce point les oiseaux
Que paternellement vous vous préoccupâtes
De tendre ce perchoir à leurs petites pattes ?"
Truculent : "Ca, monsieur, lorsque vous pétunez,
La vapeur du tabac vous sort-elle du nez
Sans qu'un voisin ne crie au feu de cheminée ?"
Prévenant : "Gardez-vous, votre tête entraînée
Par ce poids, de tomber en avant sur le sol !"
Tendre : "Faites-lui faire un petit parasol
De peur que sa couleur au soleil ne se fane !"
Pédant : "L'animal seul, monsieur, qu'Aristophane
Appelle Hippocampelephantocamélos
Dut avoir sous le front tant de chair sur tant d'os !"
Cavalier : "Quoi, l'ami, ce croc est à la mode ?
Pour pendre son chapeau, c'est vraiment très commode !"
Emphatique : "Aucun vent ne peut, nez magistral,
T'enrhumer tout entier, excepté le mistral !"
Dramatique : "C'est la Mer Rouge quand il saigne !"
Admiratif : "Pour un parfumeur, quelle enseigne !"
Lyrique : "Est-ce une conque, êtes-vous un triton ?"
Naïf : "Ce monument, quand le visite-t-on ?"
Respectueux : "Souffrez, monsieur, qu'on vous salue,
C'est là ce qui s'appelle avoir pignon sur rue !"
Campagnard : "Hé, ardé ! C'est-y un nez ? Nanain !
C'est queuqu'navet géant ou ben queuqu'melon nain !"
Militaire : "Pointez contre cavalerie !"
Pratique : "Voulez-vous le mettre en loterie ?
Assurément, monsieur, ce sera le gros lot !"
Enfin parodiant Pyrame en un sanglot
"Le voilà donc ce nez qui des traits de son maître
A détruit l'harmonie ! Il en rougit, le traître !"
-Voilà ce qu'à peu près, mon cher, vous m'auriez dit
Si vous aviez un peu de lettres et d'esprit
Mais d'esprit, ô le plus lamentable des êtres,
Vous n'en eûtes jamais un atome, et de lettres
Vous n'avez que les trois qui forment le mot : sot !
Eussiez-vous eu, d'ailleurs, l'invention qu'il faut
Pour pouvoir là, devant ces nobles galeries,
me servir toutes ces folles plaisanteries,
Que vous n'en eussiez pas articulé le quart
De la moitié du commencement d'une, car
Je me les sers moi-même, avec assez de verve,
Mais je ne permets pas qu'un autre me les serve.


(Edmond Rostand)
 


EARLY MORNING BLOGS 336

"Je suis l'Empire à la fin de la décadence..."


Je suis l'Empire à la fin de la décadence,
Qui regarde passer les grands Barbares blancs
En composant des acrostiches indolents
D'un style d'or où la langueur du soleil danse.

L'ame seulette a mal au coeur d'un ennui dense,
Là-bas on dit qu'il est de longs combats sanglants.
O n'y pouvoir, étant si faible aux voeux si lents,
O n'y vouloir fleurir un peu cette existence!

O n'y vouloir, ô n'y pouvoir mourir un peu!
Ah! tout est bu! Bathylle, as-tu fini de rire?
Ah! tout est bu, tout est mangé! Plus rien à dire!

Seul un poème un peu niais qu'on jette au feu,
Seul un esclave un peu coureur qui vous néglige,
Seul un ennui d'on ne sait quoi qui vous afflige!

(Paul Verlaine).

*

Bom dia!
 


VER A NOITE

Preparar-me para ver a noite nestes dias de nuvens, ou seja, para não ver. Daqui a dias ainda vamos ver menos, porque vai haver um eclipse de Lua.

15.10.04
 


SCRITTI VENETI: A ILHA DOS MORTOS



S. Michele in Isola. Vai-se lá pelo barco normal da carreira, junto com venezianos com ramos de flores e faces tristes, passa-se no mar por um tráfego sinistro: enterros flutuantes. A ilha não engana ninguém com o seu perfil de fortaleza, amuralhada a toda a volta, com os ciprestes em massa ultrapassando os muros. Se é assim de dia imaginem à noite e eu vi-a à noite escura, sem uma luz, uma massa negra no horizonte das águas.

No cais entra-se num mundo de silêncio, campos e campos de mortos, mais abertos e luminosos nas campas recentes e nas partes comuns, mais fechados à luz pelas grandes arvores nos cemitérios particulares de diferentes comunhões religiosas, “gregos” e evangélicos. Venezianos, italianos, estrangeiros, soldados, marinheiros, gente comum, "bambini", estão lá dormindo. No cemitério evangélico, Pound e Brodsky, marinheiros ingleses, nobres alemães. Um jogador de futebol com uma bola em pedra. No cemitério "grego", os ortodoxos, estão os russos Strawinsky e Diaghilev, a duas ou três campas um do outro, estão alguns nomes da nobreza russa, um Trubetzkoy, e uma "rainha dos helenos" , não dos gregos mas dos "helenos", numa modesta placa a um canto das muralhas.

(Strawinsky e Diaghilev. Na campa de Diaghilev estão pousados uns sapatos de dança.)
 


SCRITTI VENETI / BIBLIOFILIA

Dois livros indispensáveis sobre Veneza: a história de John Julius Norwich, A History of Venice, e o Literary Companion to Venice de Ian Littlewood, ambos da Penguin Books. A história é uma síntese de muito que aconteceu em Veneza, e a partir de Veneza, um misto de drama e comédia numa das colunas vertebrais da civilização do Ocidente. E o "companheiro literário" é o que se espera dele, um guia para todas as pedras que já tiveram ou Goethe, ou Byron, ou Wagner, ou Napoleão, ou Thomas Mann, em cima a fazer qualquer coisa, do trivial ao genial.
 


A LER

Um blogue sobre árvores, o Dia com árvores.

Uma "reportagem" do Tal e Qual sobre as praxes. Um retrato da abjecção que, ao mesmo tempo, explica o sucesso da Quinta das Celebridades e a transforma numa referência do bom gosto e bons costumes, tão acima está das imbecilidades das praxes.
 


IN ILLO TEMPORE

Havia quatro liceus no Porto: o meu, o Alexandre Herculano, o D. Manuel, e os das meninas, Rainha Santa, irmão do Herculano, e o Carolina. Quase tudo já mudou e há um excelente livro, os Liceus de Portugal, coordenado por António Nóvoa, que parece um tratado de arqueologia, sobre o que era e já não é. Todos estes Liceus tinham fama justificada de grande qualidade. Por isso, custa-me ver as ameaças sobre o Carolina e sou solidário com este apelo que recebi da Escola:

"A Escola Secundária Carolina Michaëlis, no Porto, corre sérios riscos de encerramento se o Sr. Director da Direcção Regional do Norte (DREN) concretizar a proposta que vem anunciando desde Abril de 2004. E por que motivos? Têm sido apresentados dois e a ênfase é posta ora num, ora noutro, conforme as circunstâncias:
1. As instalações são necessárias para albergar o Conservatório de Música do Porto.
2. É necessário fundir a Escola Secundária Carolina Michaëlis com a vizinha Secundária Rodrigues de Freitas, porque esta segunda, desde há anos, vem perdendo alunos, estando com um número de alunos muito insuficiente.

Relativamente ao primeiro argumento, e de início o mais valorizado pela DREN e agora desvalorizado, a mudança implicaria uma total reestruturação de espaços, quer a nível de dimensões quer a nível do tratamento acústico dos mesmos. Sabe-se também que ao Conservatório estava reservado um edifício a construir junto da Casa da Música.
Por outro lado, em relação à alegada rentabilização de espaços, como compreender que a Escola Secundária Carolina Michaëlis tenha de ser sacrificada, porquanto a esta escola estão associados valores que não podem ser ignorados: uma patrona, uma história e um conjunto de recursos pedagógico-didácticos que vão desde uma Biblioteca de grande valor quer do ponto de vista científico, quer do ponto de vista humanístico, a laboratórios bem apetrechados quer em termos de equipamento actualizado quer de equipamento de valor museológico.
Todos estes valores explicam o bom desempenho da Escola na formação de gerações, formação que inclui os aspectos científico, humanístico, artístico e axiológico.
Talvez por isso, ainda recentemente a divulgação dos rankings (EXPRESSO, de 2 de Outubro último) mostra que a Escola Secundária Carolina Michaëlis se encontra em 38º lugar a nível nacional, é a 3ª escola pública, no Porto, e encontra-se entre as 10 melhores classificadas na disciplina de Física (média - 14,3 PÚBLICO, de 2 de Outubro), resultados estes, e nomeadamente a Física, a que não serão alheias as referências anteriores, quanto a equipamentos.
Mas o bom desempenho da Escola não se mede apenas pelos rankings nacionais.
Há outros indicadores, porventura mais importantes, nomeadamente a boa imagem que a Comunidade tem da Escola a tal ponto que, mesmo após o anúncio da fusão, e contrariando todas as expectativas de que a escola corria o risco de perder alunos, pode contar com mais de 1000 (mil) alunos, mantendo praticamente o mesmo nível de frequência do ano anterior.
Acresce ainda que a Escola tem uma excelente localização, reforçada com a recente estação do Metropolitano (que curiosamente tem o seu nome) e que vem facilitar o acesso de populações limítrofes, que desde sempre procuraram esta instituição e que, por certo, gostariam de poder continuar a usufruir das situações de ensino/aprendizagem que nela se têm desenvolvido com a eficácia inerente à tradição pedagógica que a caracteriza.
"
(...)

Porto e E. S. Carolina Michaëlis, 15 de Outubro de 2004.

Pela Comunidade Educativa, / O Presidente Da Assembleia de Escola
Luís Miranda



 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS / UM VULCÃO QUE CUMPRE O SEU DEVER





A Terra é um planeta, logo os "novos descobrimentos" também olham para cá, de cima claro. A fotografia combinando luz, a que vemos e a que não vemos (infravermelho) mas está lá, é da NASA e tirada por um "mestre", o "MODIS/ASTER Airborne Simulator (MASTER)". O vulcão que cumpre o seu dever é o Monte S. Helena. As cores são falsas, mas o vulcão é verdadeiro.
 


SCRITTI VENETI: AMOR VENDICATO / BIBLIOFILIA



Ele há dias de sorte, como hoje, em que encontrei e comprei esta pequena maravilha goldoniana, o Amor Vendicato. Poemetto in Lingua Veneziana del Dottor Carlo Goldoni, editado em Veneza em 1761.
 


COISAS SIMPLES


T. Warrender
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: OS RIDÍCULOS EM 1916


"Comentário censurado disponível na colecção do jornal Os Ridículos depositada na Hemeroteca Municipal de Lisboa. A edição original saiu com uma “bexiga” neste local da página.
“Com uma imprensa d'estas, aonde jornaes aconselham aos exaltados politicos a liquidação dos directores de outros jornaes, n'uma imprensa cheia de intruzos que d'ella só fazem biombo para arranjos politicos, n'uma desgraçada situação d'esta ordem... é fechar os olhos e deixar ir para o fundo !
Resignação e esperança de que melhores dias surjam para a nossa querida terra ! "


Os Ridículos, 5/Jul/1916, p. 2

 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: PRINCÍPIO DA INTELIGÊNCIA DO MERCADO

"Se perguntarmos a cada indivíduo de um grupo de mais de 20 pessoas quantos rebuçados há num frasco de rebuçados e se depois calcularmos a média das 20 respostas, encontramos invariavelmente um valor a não mais de três por cento da quantidade exacta de rebuçados que há no frasco.

Com um grupo de 20 indivíduos já existem condições para que o palpite colectivo funcione, ainda que muitos dos intervenientes sejam idiotas compulsivos. É o princípio da inteligência do mercado.Ou seja, um grupo a funcionar com regras e um objectivo claro, o lucro por exemplo, leva a uma resposta mais acertada.

Acredito que mais depressa as pessoas na América vão votar na clareza do Sr. Bush do que nas boas promessas do Sr. Kerry."


(Manuel Pais)


*

"Em relação ao texto do Vital Moreira acho contudo que o mapa eleitoral não engana: a classe média urbana vota Kerry e os cristãos fundamentalistas do campo votam Bush, juntamente com os 1% da América que ganham mais de 200.000 dólares por ano e que têm muito a ganhar com a “flat tax” dos neo-cons.

No mês passado fui a Lisboa e a senhora do check-inn aqui no aeroporto perguntou-me se os europeus odiavam os Americanos. Eu disse-lhe que não, mas que uma grande parte dos europeus odiavam o Bush por ele ser tão violento, tão arrogante e tão ganancioso, e perguntei-lhe se ela não preferia os tempos do Clinton, quando havia menos crimes, os salários subiam mais depressa que a inflação, a segurança no trabalho era uma prioridade, era ilegal mandar mercúrio para os rios, etc. Ela desatou aos berros, a dizer que o Bush era “a good man,” e eu insisti: “Mas o seu poder de compra desceu, não desceu? Deixe-me adivinhar: o seu cheque da redução dos impostos deve ter sido para aí 200 dólares e a subida do seu seguro de saúde deve andar na ordem dos 1.000, não é?” Era. “E os seus netos? Ainda têm programas à borla a seguir à escola? Não?! Agora você tem de pagar, não é?” Ela interrompeu-me aos berros “Isso não interessa nada! Eu estou mais pobre e está tudo mais caro, sim senhor, mas isso é por causa da Economia! O que interessa é que os homossexuais se querem casar e anda para aí tudo a fazer abortos!”

Além da Mossad, da Christian Coalition e dos bilionários a quem ele perdoa os impostos, este é que é o eleitorado do Bush. E eu acho que o Vital Moreira tem toda a razão quando diz que esta gente é bronca e ignorante! Como eram broncos e ignorantes os que votaram no Hitler."


(Filipe Castro)

*

berry kush, besh kurry
Eu sou inteligente e, não votando bush, tenho dúvidas se votaria kerry
A não ser que eu seja do partido socialista, onde se pratica o voto útil.


(E.M.)
 


EARLY MORNING BLOGS 335

A Drink With Something In It


There is something about a Martini,
A tingle remarkably pleasant;
A yellow, a mellow Martini;
I wish I had one at present.
There is something about a Martini,
Ere the dining and dancing begin,
And to tell you the truth,
It is not the vermouth--
I think that perhaps it's the gin.


(Ogden Nash)

*

Sem nos levarmos demasiado a sério, bom dia!

14.10.04
 


A LER / INTENDÊNCIA

A nota de João Miranda A regulação reduz o pluralismo no Blasfémias.

Em complemento da questão público / privado na comunicação social coloquei no VERITAS FILIA TEMPORIS um dos vários artigos que publiquei (desde 1987 pelo menos) defendendo que o estado não seja dono de meios de comunicação social. Nem poucos, nem muitos, nenhuns.

A FRONDA (Maio 2002)
 


ELE HÁ MOMENTOS

em que não se deve escrever sem pensar duas vezes. Vital Moreira fê-lo na seguinte nota no Causa Nossa:
“Dos três debates públicos entre Kerry e Bush, este não ganhou nenhum e perdeu inequivocamente dois deles (o primeiro, sobre política externa, e o terceiro, realizado ontem, sobre política interna), em que Kerry triunfou em toda a linha. Perante a patente superioridade do candidato democrata, os eleitores norte-americanos serão estúpidos?”

A pergunta final não tem qualquer sentido numa democracia.

Primeiro, porque a performance nos debates não é o único critério para uma escolha eleitoral. Há elementos intangíveis – para o bem e para o mal - na relação entre eleitos e eleitores que incluem a percepção de outras qualidades e defeitos para além da argumentação racional. A confiança, por exemplo. Depois, porque os eleitores em democracia são sempre mais “inteligentes” do que a sobranceria da frase de Vital Moreira que os divide entre “inteligentes” (que votam Kerry) e “estúpidos” (que votam Bush). Mesmo quando votam em Chavez.
 


COISAS SIMPLES


N. G. Wentzel
 


EARLY MORNING BLOGS 334

Siren Song


This is the one song everyone
would like to learn: the song
that is irresistible:

the song that forces men
to leap overboard in squadrons
even though they see the beached skulls

the song nobody knows
because anyone who has heard it
is dead, and the others can't remember.

Shall I tell you the secret
and if I do, will you get me
out of this bird suit?

I don'y enjoy it here
squatting on this island
looking picturesque and mythical

with these two faethery maniacs,
I don't enjoy singing
this trio, fatal and valuable.

I will tell the secret to you,
to you, only to you.
Come closer. This song

is a cry for help: Help me!
Only you, only you can,
you are unique

at last. Alas
it is a boring song
but it works every time.


(Margaret Atwood)

*

Bom dia!

13.10.04
 


UM VULCÃO QUE CUMPRE O SEU DEVER


Monte S. Helena, um vulcão muito perigoso. Hoje de manhã, uma erupção de lava, na foto só visível pela coluna de fumo.
 


A LER

Um grande poema "químico" de Ruy Belo, "Ácidos e óxidos", colocado no Porto de Abrigo. Uma amostra:

"Simples questão de tempo és e a certas circunstâncias de lugar
circunscreves o corpo. Sentas-te, levantas-te
e o sol bate por vezes nessa fronte aonde o pensamento
- que ao dominar-te deixa que domines - mora
Estás e nunca estás e o vento vem e vergas
e há também a chuva e por vezes molhas-te,
aceitas servidões quotidianas, vais de aqui para ali,
animas-te, esmoreces, há os outros, morres
Mas quando foi? Aonde te doía? Dividias-te
entre o fim do verão e a renda da casa
Que fica dos teus passos dados e perdidos?
Horário de trabalho, uma família, o telefone, a carta,
o riso que resulta de seres vítima de olhares
Que resto dás? Ou porventura deixas algum rasto?
E assim e assado sofro tanto tempo gasto"
 


INTENDÊNCIA

Actualizado O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: DERRIDA.
 


CORREIO

Neste momento 5152 mensagens de correio para este blogue esperam por ser respondidas. Sei que é impossível fazê-lo e muitas, a esmagadora maioria, ficarão sem resposta. São 5152 mensagens lidas, todas lidas com atenção, e as suas múltiplas vozes têm feito muito pelo Abrupto e muito do Abrupto. Algumas, daquelas a que mais obrigação tinha de dar resposta, são às vezes as mais atrasadas, porque precisam de mais do que uma resposta. O correio dos leitores e dos amigos dá força ao Abrupto, é parte do meu tempo mais útil, e espero que esta nota não desencoraje ninguém de escrever. Continuarei a fazer todos os esforços para responder ao maior número de mensagens, mas a cortesia obriga-me a dar esta explicação para as faltas de resposta.
 


SCRITTI VENETI

Em breve, mais do mesmo.
 


AR PURO

F. G. Waldmüller
 


EARLY MORNING BLOGS 333

Before Dawn


Life! Austere arbiter of each man's fate,
By whom he learns that Nature's steadfast laws
Are as decrees immutable; O pause
Your even forward march! Not yet too late
Teach me the needed lesson, when to wait
Inactive as a ship when no wind draws
To stretch the loosened cordage. One implores
Thy clemency, whose wilfulness innate
Has gone uncurbed and roughshod while the years
Have lengthened into decades; now distressed
He knows no rule by which to move or stay,
And teased with restlessness and desperate fears
He dares not watch in silence thy wise way
Bringing about results none could have guessed.


(Amy Lowell)

*

Bom dia!

12.10.04
 


UM ABSURDO, MAS UM ABSURDO TÍPICO 4

Uma notícia antiga que vale a pena ler.
 


UM ABSURDO, MAS UM ABSURDO TÍPICO 3

As autoridades nacionais esperavam pelos 21.10 para verem o tempo de antena e não foram informadas da mudança. Tiveram a surpresa de ver a hora mudada. Pelo contrário, militantes do PSD tiveram mais sorte e foram informados previamente da mudança de horário por SMS enviado do partido.

Qual é a verdadeira natureza da intervenção de ontem? Se foi tempo de antena, seguiu os trâmites habituais? Por que razão não houve uma normal comunicação ao país do Primeiro-ministro? Para ser obrigatória a passagem nas televisões? Foram usados os meios do estado e da televisão pública? Se não foi tempo de antena, o que foi? Como é que o filme da RTP foi parar à SIC antes de ser emitido pela RTP? Como é que se sente a televisão pública no meio disto tudo?

Porque é que tudo isto é relevante? Porque os procedimentos estão na essência da saúde da democracia.

 


O CONTRADITÓRIO

A minha proposta do absoluto, completo, total, genial, contraditório ao tempo de antena de ontem é o episódio da série "Sim Senhor Primeiro-Ministro" intitulado “A emissão ministerial”. Poucas vezes se fez uma sátira política tão certeira para as circunstâncias presentes como esse episódio. Está lá tudo. Corram para os DVD e vejam o episódio, e, como hoje nos noticiários vale tudo, ponham-no lá em horário nobre. Garanto-vos que o Primeiro-ministro pedirá a Marcelo Rebelo de Sousa que volte de imediato. Tudo, tudo , menos isto. Quadros modernos, fato escuro, mão nos óculos, penteado, as "coisas que o partido gosta", olhar de frente ou de lado, sondagens, tudo, tudo está lá. Falta Strawinsky, mas ouvindo bem , não há uma música ao fundo...
 


AR PURO


J. Weissenbruch
 


EARLY MORNING BLOGS 332

Musée des Beaux Arts


About suffering they were never wrong,
The Old Masters; how well, they understood
Its human position; how it takes place
While someone else is eating or opening a window or just walking dully along;
How, when the aged are reverently, passionately waiting
For the miraculous birth, there always must be
Children who did not specially want it to happen, skating
On a pond at the edge of the wood:
They never forgot
That even the dreadful martyrdom must run its course
Anyhow in a corner, some untidy spot
Where the dogs go on with their doggy life and the torturer's horse
Scratches its innocent behind on a tree.

In Breughel's Icarus, for instance: how everything turns away
Quite leisurely from the disaster; the ploughman may
Have heard the splash, the forsaken cry,
But for him it was not an important failure; the sun shone
As it had to on the white legs disappearing into the green
Water; and the expensive delicate ship that must have seen
Something amazing, a boy falling out of the sky,
had somewhere to get to and sailed calmly on.


(Auden)

*

Bom dia!
 


FALTA DE DIGNIDADE

É o que se mostra neste parágrafo que Luis Delgado escreve contra Eduardo Cintra Torres:

"Um vendedor de antenas parabólicas, que se acha crítico de televisão, e da Imprensa em geral, passou aos insultos pessoais. Diz tudo do seu carácter e estatura mental. Trate-se, ECT. Interne-se, num hospital psiquiátrico."

Se fosse na URSS seria sem dúvida assim. Em Portugal, este tipo de palavras, tem também uma velha tradição. No Agora, antes do 25 de Abril, os mais velhos sabem o que era. O problema é que este homem manda no Diário de Notícias, no Jornal de Notícias, na TSF, no 24 Horas, etc., etc.

11.10.04
 


UM ABSURDO, MAS UM ABSURDO TÍPICO 2

O truque é fazer com que, durante uma hora, em sucessivas televisões, em horas desfasadas, passe o tempo de antena, em vez de ser simultâneo como devia. O método é fazer combinações contraditórias, em segredo, com diferentes canais. É uma falta de lealdade com os que são enganados, e imagino como é que se deverá sentir a “televisão pública”, ludibriada. Convém dizer aos aprendizes de feiticeiros que passam por cima de tudo, - regras, normas, leis, bons costumes, educação, - que não vai dar resultado. É essa a lição do "ruído" nas tentativas anteriores. No actual momento, todas estas habilidades vão continuar a gerar mais ruído do que a passar a mensagem. E ainda bem, porque os procedimentos são cruciais em democracia.

 


UM ABSURDO, MAS UM ABSURDO TÍPICO

Como é possível fazer uma comunicação como Primeiro-ministro ao país, anunciar a sua hora de transmissão, e depois negociar a sua divulgação como exclusivo antes dessa hora com uma estação de televisão? Ou, não sendo bem assim, permitir a divulgação casuística de um "tempo de antena"? É falta de respeito pelos portugueses. Puro e simples. Mas é típico de um estilo de enorme arrogância para com todos nós. Mandamos, podemos fazer o que entendemos desde que dê resultados. Sem contraditório.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: QUOTAS EM ATRASO

"É espantoso os péssimos sinais que temos dado na Europa a respeito dos nossos compromissos internacionais no Observatório Europeu do Sul (ESO) e no laboratório de partículas do CERN. Estamos a dois meses de ser expulsos do primeiro por falta de pagamento de quotas, uma situação lamentável e que nunca se tinha visto na Europa. Portugal deve actualmente ao ESO cerca de quatro milhões de euros e se não pagar tudo até à próxima reunião do Conselho do ESO, em 7 e 8 de Dezembro, será expulso desta organização, com a consequente proibição do acesso aos telescópios do ESO. E já agora se formos expulsos não temos direito a reivindicar qualquer devolução do dinheiro pago em quotas anuais e jóia no passado. Nos 42 anos de vida do ESO, não há memória de uma situação destas. Nem no ESO nem no CERN onde também temos quotas em atraso. Esta situação já se arrasta desde o tempo do governo de Durão Barroso e está a dar uma péssima imagem do país junto dos nossos parceiros europeus. É este o Portugal que queremos? Um país que nem sequer paga as quotas das organizações a que pertence? "

(José Matos)
 


INTENDÊNCIA

Colocado no VERITAS FILIA TEMPORIS , a Lagartixa e o Jacaré 7.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: DERRIDA

"Morreu Jacques Derrida. No longínquo ano de 1980 colaborei numa das primeiríssimas traduções integrais (registe-se hoje: imperfeita) que ele conheceu em Português. Não ganhei, por isso, inscrição em qualquer galeria; na verdade, nunca o conheci nem vi pessoalmente e muito do que fiz ou pensei depois seguiu por caminhos e linguagens bem diferentes. Mas a obrigação de respeito pelo dizer e pelo pensar de outrém em que aquela tradução me instituía, deixou em mim um vínculo compreensível que a notícia da morte me torna dolorosamente claro.

Na conjuntura geocultural das décadas que se seguiram, tornou-se impossível pronunciar o nome de Derrida sem activar de imediato um sistema de oposições binárias que (prolongando no plano da cultura outras guerras menos “florais”) opõem a deliquescência do “francesismo” à sólida tradição anglo-americana, o desconstrucionismo (entendido sem mais especificações como sinónimo de relativismo) ao racionalismo epistemológico e ético, o “pensamento de 68” à tradição liberal, etc., etc.

Pessoalmente, não poderei dizer que essas oposições sejam em absoluto infundadas (e que o “derridaísmo” internacionalizado não tenha mesmo sido mesmo um dos seus pilares). Para o José Pacheco Pereira, no entanto, considerados muitos dos seus textos, tais oposições parecem muitas vezes matéria de facto.

Sabe-se como estes sistemas classificação para consumo alargado, uma vez instituídos no espaço intelectual e mediático, facilmente funcionam por si mesmos (tanto para os epígonos como para os adversários), para além de qualquer escuta efectiva e de qualquer desejo de pensar. Talvez, por isso ao ler hoje esta entrevista impressionante ao Le Monde de um homem e de um pensador que (sabemo-lo nós agora) sabia então que morreria em breve, dei comigo a pensar que o José Pacheco Pereira não desdenharia (nem pelo tom nem pelo conteúdo) afixá-la nesse espaço singular de comunicação pública que é o seu “blog”.
"

(Joaquim Torres Costa)

*

"Diz Joaquim Torres Costa que a entrevista de Derrida é impressionante. Também achei, como acho impressionante quase tudo o que leio de Derrida. Acho deveras impressionante a vacuidade filosófica e o pedantismo intelectual de Derrida, de que a entrevista ao Le Monde é um bom testemunho. Trivialidades embrulhadas num discurso oracular como « La survivance, c'est la vie au-delà de la vie, la vie plus que la vie» ou a conversa sobre aprender a viver e a ideia de que viver é sobreviver, insinuando que é preciso ser tranquilamente pessimista e pesaroso para se ser profundo. Aliás o que afirma tem tanto de trivial e desinteressante que nem sequer se dá ao incómodo de oferecer qualquer vestígio de argumento (quem sabe se para exemplificar a desconstrução a que o discurso lógico e racional deve ser submetido). Talvez por isso abundem associações vagas de ideias no lugar dos argumentos. Será por isso que sugere não haver mais do que umas dezenas de leitores competentes dos seus livros em todo o mundo?

Tudo indica que Derrida almeja a irrefutabilidade: se alguém mostrar que o que afirma é contraditório, inconsistente, ou simplesmente falso, ele pode sempre responder que não foi compreendido; pode até acrescentar, como o tem feito, que a ideia de contradição e de inconsistência precisam de ser desconstruídas (será que a ideia de desconstrução também tem de ser desconstruída e também ela não passa de mais uma narrativa como outra qualquer?) Nada do que se possa objectar atinge o alvo, até porque o discurso não tem «centro». Assim, Derrida consegue colocar-se olimpicamente acima da crítica e tornar-se irrefutável. Daí o estatuto divino, imune à crítica, que adquiriu na área de influência da cultura filosófica francesa, a qual, como sublinha Jacques Bouveresse, mais parece uma comunidade de crentes do que uma comunidade filosófica. Sim, porque fora daí, Derrida quase só é exportável para os departamentos de literaturas e de estudos femininos. Afinal de que serve discutir um filósofo irrefutável? Felizmente a esmagadora maioria da actividade filosófica mundial não perde grande tempo com vacas sagradas como Derrida, Deleuze, Lyotard e companhia. Bem pode Derrida apelidar-se de filósofo «intransigente» e «incorruptível» como, de forma insultuosamente pedante, afirma nesta entrevista."


(Aires Almeida)
 


O PORTO DEBAIXO DO IMENSO VENTO

Recordação recente, memória antiga. Vendo de noite as árvores do Palácio, as grandes tileiras batendo umas contra as outras, sob uma chuva de folhas. Não se via o chão, tantas as folhas. Um ruído que passeava surdo, de árvore em árvore, no meio das ruas interiores, às escuras. Ameaçador, mas familiar. Não sei quando, há muitos anos, mas já devo ter visto este vento por aqui. Uma trovoada súbita nestas mesmas árvores, toda a gente a fugir dos restaurantes que havia na rua. Rua? Se a memória me não falha “avenida”, talvez “Avenida das Tílias”. Lojas de farturas? As emissões experimentais da televisão num barracão? E de repente chuva e vento e uma ameaça. Lembro-me hoje para trás, será que nesse tempo me lembrava para a frente? Suspeito que sim, suspeito que sabia já deste momento, num Palácio de absoluta ficção, sem farturas, sem restaurantes, sem televisão a preto e branco, sem inocência. Sabia que ia ser assim.
 


SCRITTI VENETI: RELENDO “MORTE EM VENEZA”

A precisão da língua alemã, que tão apropriada a torna para a filosofia, em todo o seu esplendor: Thomas Mann no início da novela fala do “desejo da viagem”, usando a palavra Reiselust, em vez do termo mais comum Wanderlust. Wanderlust era para Mann insuficiente: “espírito”, “vontade”, “predisposição” para viajar parecia-lhe pouco. Por isso, seco e duro, preciso, usa Reiselust porque Aschenbach tinha uma pulsão para viajar, uma intimação interior para viajar. Na mesma frase, esta Reiselust é associada a uma “febre”, a uma “intensidade próxima da paixão”, uma “avidez”. Ele não foi a Veneza porque lhe apeteceu, mas porque tinha que ir, tinha que ir morrer em Veneza.
 


AR PURO


Edward W. Waite
 


EARLY MORNING BLOGS 331

Sailing To Byzantium


I
That is no country for old men. The young
In one another's arms, birds in the trees
--Those dying generations--at their song,
The salmon-falls, the mackerel-crowded seas,
Fish, flesh, or fowl commend all summer long
Whatever is begotten, born, and dies.
Caught in that sensual music all neglect
Monuments of unaging intellect.

II
An aged man is but a paltry thing,
A tattered coat upon a stick, unless
Soul clap its hands and sing, and louder sing
For every tatter in its mortal dress,
Nor is there singing school but studying
Monuments of its own magnificence;
And therefore I have sailed the seas and come
To the holy city of Byzantium.

III
O sages standing in God's holy fire
As in the gold mosaic of a wall,
Come from the holy fire, perne in a gyre,
And be the singing-masters of my soul.
Consume my heart away; sick with desire
And fastened to a dying animal
It knows not what it is; and gather me
Into the artifice of eternity.

IV
Once out of nature I shall never take
My bodily form from any natural thing,
But such a form as Grecian goldsmiths make
Of hammered gold and gold enamelling
To keep a drowsy Emperor awake;
Or set upon a golden bough to sing
To lords and ladies of Byzantium
Of what is past, or passing, or to come.


(Yeats)

*

Bom dia!

10.10.04
 


SCRITTI VENETI

Em breve, mais do mesmo.
 


COISAS SIMPLES


W. de Zwart
 


EARLY MORNING BLOGS 330

Columbus


Once upon a time there was an Italian,
And some people thought he was a rapscallion,
But he wasn't offended,
Because other people thought he was splendid,
And he said the world was round,
And everybody made an uncomplimentary sound,
But he went and tried to borrow some money from Ferdinand
But Ferdinand said America was a bird in the bush and he'd rather have a berdinand,
But Columbus' brain was fertile, it wasn't arid,
And he remembered that Ferdinand was married,
And he thought, there is no wife like a misunderstood one,
Because if her husband thinks something is a terrible idea she is bound to think it a good one,
So he perfumed his handkerchief with bay rum and citronella,
And he went to see Isabella,
And he looked wonderful but he had never felt sillier,
And she said, I can't place the face but the aroma is familiar,
And Columbus didn't say a word,
All he said was, I am Columbus, the fifteenth-century Admiral Byrd,
And, just as he thought, her disposition was very malleable,
And she said, Here are my jewels, and she wasn't penurious like Cornelia the mother of the Gracchi, she wasn't referring to her children, no, she was referring to her jewels, which were very very valuable,
So Columbus said, Somebody show me the sunset and somebody did and he set sail for it,
And he discovered America and they put him in jail for it,
And the fetters gave him welts,
And they named America after somebody else,
So the sad fate of Columbus ought to be pointed out to every child and every voter,
Because it has a very important moral, which is, Don't be a discoverer, be a promoter.


(Ogden Nash)

*

Bom dia!

9.10.04
 


O QUE INTERESSA A ESTE BLOGUE?



(Gravura da Hypnerotomachia Poliphili.)
 


CONTRADITÓRIO

Quem fará segunda feira o "contraditório" à intervenção do Primeiro-ministro? Tenho a certeza que ele deseja que seja o PS, reduzindo o "contraditório" ao domínio do confronto político directo entre partidos.
 


QUEM MANDA NA INFORMAÇÃO DA TVI?

A situação difícil de José Eduardo Moniz é compreensível, mas o que ele disse é negado pela realidade. Ele permitiu uma interferência patronal na linha editorial da estação, e isto é um ponto sem retorno. Tendo em conta o que diz o Expresso, que não foi desmentido por nenhum dos intervenientes na conversa, está-se perante um caso típico de interferência patronal na linha editorial de um órgão de comunicação social. A TVI é agora menos livre. Tem que ter o tom certo, o tom menor, nas críticas ao governo. Tem que ter cuidado, o cuidado que nunca teve que ter com os governos Guterres e Durão Barroso. Todos os jornalistas da TVI sabem disso, não o querem aceitar, não o devem aceitar, mas sabem-no. Esta é uma das perversões da situação corrente.
 


APRENDENDO COM VITORINO NEMÉSIO

“A mecânica clássica, teia de causa a efeito não ficou anulada pelo facto de se ter passado a trabalhar com frenesim na camara de Wilson, e logo na catapulta de grande feiticeiro que é o ciclotrão, acelerador de partículas desmandadas. Enquanto houver graves triviais para a queda (e é no meio desses que vivemos), a velha mecânica há-de valer. O que a crise da Física nos ensina é não só a relatividade restrita e a geral, mas a relatividade de tudo. O mundo da medida depende do observador que mede. Quem mede ou especta o ínfimo mete sem querer o metro e e luneta no ínfimo. O que parecia indivisível – que é o que quer dizer átomo – revela-se partido em poucos; cada pouco do pouco é outra soma de poucos. O contínuo aparente, de repente pontua-se. Mas o que seguia pontuado – o descontínuo – transforma-se em bichas de rabiar – e é toda a Mecânica Ondulatória com seus comprimentos e cristas, sua difracção e interferência.

Como manda o bom método, não extrapolemos da Física para a Filosofia: mas mantenhamos entre as duas maneiras de saber um discreto confronto simbolista.”


(Enviado por RM)
 


A LER

De Francisco José Viegas, LIBERDADE no Aviz. É assim mesmo, o resto são diversões.

Uma das diversões, e que é a linha de orientação nalguns colaboradores da Lusomundo em vias de promoção ou promovidos, é a seguinte: bom, isto é mais uma asneira do governo, do ministro (o contraditório amável para minimizar os danos e parecer distanciado), era melhor que não tivesse acontecido, mas também não é nada de especial, nada de grave. Marcelo não é inocente e está a usar-nos que nem uns patinhos (o apelo ao incomodo de não se ser suficientemente inteligente para se perceber o "jogo do professor"), mas o que é importante é que o governo governe. Já foi esta a linha seguida nas "asneiras" anteriores. Começa a perceber-se demais.
 


INTENDÊNCIA

Versão corrigida de UMA NOTÍCIA DOS BLOGUES IGNORADA PELA COMUNICAÇÃO SOCIAL.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: SOBRE KAREN JOY FOWLER, THE JANE AUSTEN BOOK CLUB

Trata-se de um bom antídoto à neura generalizada embora e infelizmente amplamente justificada. (…) Algumas mulheres, umas na casa dos 50 anos e outras a chegar aos 30 anos, e um homem acabado de chegar aos quarenta anos, que gosta de ficção científica e Ursula le Guin, encontram-se mensalmente para conversar sobre os seis romances de Jane Austen. É claro que o homem, que só agora e a propósito destes encontros começou a ler Jane Austen, está apaixonado por uma das mulheres (uma das de 50 para consolo e esperança deste grupo!), mas no final revela-se um entusiasta Austenite. Também é claro que todos acabam por falar mais de si próprios e da sua vida do que dos romances, mas Jane Austen está sempre presente e as histórias das suas vidas parecem tecidas com fios dos ditos romances.

Para além de ser uma leitura cativante, divertida e inteligente, este livro está recheado de frases (ou sentenças) cheias de “pocket wisdom” e óptimas para serem citadas.
“How could I have let myself forget that most marriages end in divorce?”
Sylvia asked. “You don’t learn that in Austen. She always has a wedding or two at the end.” ‘

‘ “ In real life”, said Grigg, “women want the heel, not the soul.” ‘

‘ “ I once broke up with a boy because he wrote me an awful poem,” Jocelyn said. “ ‘Your twin eyes.’ Don’t most people have twin eyes? All but an unfortunate few? You think it shouldn’t matter. You think how nice the sentiment is and how much work went into it. But the next time he goes to kiss you, all you can think is ‘Your twin eyes’ “ ‘

‘ Why bother to send teenagers to school at all? Their minds were so clogged with hormones they couldn’t possibly learn a complex system like calculus or chemistry, much less the wild tangle of a foreign language. Why put everyone to the aggravation of making them try? Prudie thought that she could do just the rest of it - watch for signs of suicide or weapons or pregnancy or drug addiction or sexual abuse - (…)
(…) Here at school every breath she took was a soup of adolescent pheromones. Three years of concentrated daily exposure - how could this not have an effect?
She’d tried to defuse such thoughts by turning them medicinally, as needed, to Austen. Laces and bonnets. Country lanes and country dances. Shaded estates with pleasant prospects. But the strategy had backfired. Now often as not, when she thought of whist, sex came also into mind.’

‘ You can marry someone you’re lucky to get or you can marry someone who’s lucky to get you. I used to think the first was best. Now I don’t know.’

‘ (…) “ A dance is about who you’ll dance with. Who will ask you? Who will say yes, if you ask? Who you’ll be forced to say yes to. A dance is about its enormous potential for joy or disaster.
“You remove all that - you provide a band at an event where husbands just dance with their wives - and the only part of the dance you’ve got is the dancing.”
“Don’t you like to dance?” Sylvia asked.
“Only as an extreme sport,” Allegra answered. “With the terror removed, not so much.” ‘

‘ “ I don’t read much women’s stuff. I like a good plot”. Mo said.
Prudie finished her drink and set the glass down so hard you could hear it hit. “Austen can plot like a son of a bich,” she said. “Bernardette, I believe you were telling us about your first husband…” ‘

‘ “ (…)You’ve done so many things and read so many books. Do you believe in happy endings?”
“ Oh my lord, yes.” Bernardette’s hands were pressed against each other like a book, like a prayer. “I guess I would. I’ve had about a hundred of them.” ‘

‘ Sylvia was not an happy-ending sort of person herself. In books, yes, they were lovely. But in life everyone has the same ending, and the only question is who will get to it first.’

‘ “ I’m afraid we don’t have the same taste in novels,” Bernardette said (…) He encouraged Bernardette to talk more; he said listening to her would improve his English. A week later Bernardette had added Señor Obando to her Life List.
She was married again.’

‘ Grigg had never quite gotten it. If we’d started with Patrick O’Brian, we could have then gone to Austen. We couldn’t possibly go the other direction.
We’d let Austen into our lives, and now we were all either married or dating. Could Patrick O’Brien have done this? ‘


(J.)
 


COISAS SIMPLES


Zorn
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: SELOS

Hoje, a Astronomy Picture of Today, é um selo soviético sobre o "dark side of the Moon".
 


UMA NOTÍCIA DOS BLOGUES IGNORADA PELA COMUNICAÇÃO SOCIAL (Versão corrigida)

(Que eu saiba com excepção de uma peça na SIC, pouco desenvolvida)

No dia 22 de Setembro o Bloguitica escrevia isto
[1912] MENSAGEM CIFRADA
(…)Quem foi que, muito recentemente, andou a conversar com quase todos os embaixadores de Portugal em países da União Europeia perguntando se, nos respectivos países, havia programas de televisão em que um comentador com perfil político fazia análise à vida política interna sem ser sujeito a contraditório?


O Bloguitica é um blogue cujo autor assina o que escreve. No dia 4 de Outubro, o Ministro dos Assuntos Parlamentares disse o seguinte sobre os comentários de Marcelo:
"Em toda a Europa, trata-se de um caso único. Não há em país algum uma pessoa a perorar 45 minutos sobre política sem ser sujeita ao contraditório e apenas a defender os seus interesses pessoais".

A relação entre uma coisa e outra é evidente. Agora o Notas Verbais acrescenta um série de detalhes, nomes, datas e circunstâncias:
Incómodo. Maioria dos embaixadores na UE escandalizados.
Há duas semanas, sim. O assessor do PM Mário Miranda Duarte, pelo menos assim nos asseguram de quatro capitais (…) contactou todos os embaixadores portugueses nas capitais da União Europeia no sentido de apurar se em cada um dos países há um programa como o que Marcelo Rebelo de Sousa manteve na TVI, ou seja - um comentário político sem estar sujeito, em tempo útil, a escrutínio de políticos ou partidos visados. (…) Esta iniciativa foi considerada escandalosa e despropositada para as suas funções pela maioria esmagadora dos Embaixadores, os quais lá foram adiantando dados sobre cada realidade televisiva local.

Deve dizer-se que:

1 - O MNE, designadamente o gabinete do ministro António Monteiro, não foi ouvido nem achado nessa espúria «actividade diplomática» do assessor do PM (nem sequer é o mais graduado para o efeito) que se permitiu entrar em linha directa com os Embaixadores;

2 - O diplomata Nuno Brito, principal responsável da assesoria diplomática do PM, terá sido marginalizado nessa inciativa, por aquilo que alguns Embaixadores verdadeiramente revoltados nos dizem, ao que acrescentamos: algumas vezes temos discordado de Nuno Brito mas consideramo-lo um exímio profissional. (…)

O autor destas linhas é anónimo. Assina “Anaximandro” e não se limita a fornecer informação factual, produz comentários. Pelo seu blogue percebe-se que é alguém do interior do MNE e da carreira diplomática, com acesso a informação interna. Como a informação é anónima, terá que ser verificada, mas o seu grau de detalhe facilita a verificação. (Segundo informação entretanto recebida o autor do blogue ter-se-á já identificado numa nota como o jornalista Carlos Albino, correspondente diplomático do Diário de Notícias).

A importância desta questão é a sua gravidade. É a imagem de Portugal que fica afectada pela utilização do aparelho do Estado, e da diplomacia, para questões de índole partidária. Para além de mostrar o carácter organizado da ofensiva contra o espaço de opinião de Marcelo, e a sua origem, não numa iniciativa individual de um ministro , mas sim no Primeiro-ministro.
 


A LER

as notas e seguir as ligações sobre o "caso Marcelo"no Blasfémias.

O artigo no Expresso, sem ligação, de Nicolau Santos, sobre porque razão o "caso Granadeiro" é tão (ou mais) grave do que o "caso Marcelo".

O fabuloso texto de Luis Delgado "Os censores de serviço" no Diário Digital. Um dos censores sou eu. Cito:
"Será que um Pacheco ou um Arons, quando dizem o que disseram, nunca perceberam que estão a ofender e a qualificar de mentecaptos e incapazes, centenas e centenas de jornalistas, que afinal se deixariam manipular, pressionar e vergar às ordens de um qualquer administrador ou director? Não percebem que isso é um insulto grave? E os jornalistas, igualmente, também ainda não entenderam que estão a ser humilhados."

Para se compreender melhor o sentido do que diz Delgado veja-se esta lista de publicações, de que, neste momento, é ele mesmo o principal responsável, citada no pedido de demissão de Silva Peneda. Peneda soube pelos jornais da escolha de Delgado:
"Comunicado
Constatei que o exercício de funções de Presidente de Conselho de Administração não Executivo da Empresa Global Publicações, S.A. detentora, entre outros, dos seguintes Títulos: Jornal de Notícias, 24 Horas, Diário de Notícias, Notícias Magazine, Grande Reportagem, Motor 24, National Geographic, Playstation 2, Volta ao Mundo e Evasões, deixou de ter sentido útil.
Decidi, por isso, abandonar essas funções bem como as de Administrador não Executivo da Lusomundo Media, SGPS, S.A.
Esta decisão foi hoje comunicada de forma fundamentada ao Presidente do Conselho de Administração da Lusomundo Media, SGPS, S.A. por ocasião da primeira reunião convocada daquele Conselho, após os acontecimentos que provocaram a minha decisão."

Lisboa, 8 de Outubro de 2004
José Albino da Silva Peneda"
 


EARLY MORNING BLOGS 329

The Emperor of Ice-Cream

Call the roller of big cigars,
The muscular one, and bid him whip
In kitchen cups concupiscent curds.
Let the wenches dawdle in such dress
As they are used to wear, and let the boys
Bring flowers in last month's newspapers.
Let be be finale of seem.
The only emperor is the emperor of ice-cream.

Take from the dresser of deal,
Lacking the three glass knobs, that sheet
On which she embroidered fantails once
And spread it so as to cover her face.
If her horny feet protrude, they come
To show how cold she is, and dumb.
Let the lamp affix its beam.
The only emperor is the emperor of ice-cream.

(Wallace Stevens)

*

Bom dia!

8.10.04
 


A LER

"A imprensa do Governo" de Henrique Monteiro no Expresso Online.
 


AR PURO


Weissenbruch
 


EARLY MORNING BLOGS 328

He andado muchos caminos

He andado muchos caminos
he abierto muchas veredas;
he navegado en cien mares
y atracado en cien riberas.

En todas partes he visto
caravanas de tristeza,
soberbios y melancólicos
borrachos de sombra negra.

Y pedantones al paño
que miran, callan y piensan
que saben, porque no beben
el vino de las tabernas.

Mala gente que camina
y va apestando la tierra...

Y en todas partes he visto
gentes que danzan o juegan,
cuando pueden, y laboran
sus cuatro palmos de tierra.

Nunca, si llegan a un sitio
preguntan a dónde llegan.
Cuando caminan, cabalgan
a lomos de mula vieja.

Y no conocen la prisa
ni aun en los días de fiesta.
Donde hay vino, beben vino,
donde no hay vino, agua fresca.

Son buenas gentes que viven,
laboran, pasan y sueñan,
y un día como tantos,
descansan bajo la tierra.

(Antonio Machado)

*

Bom dia!

7.10.04
 


AR PURO



Não é um quadro. É a Astronomy Picture of the Day e mostra a beleza do mundo.
 


A LER

A nota de CAA AGORA A SÉRIO no Blasfémias.
 


PASMO, TRISTEZA E REVOLTA

Cada vez se percebe mais que o “PPD-PSD” não é o PSD, mas um pequeno grupo que se comporta como tal. Basta ver como as escolhas cruciais (no aparelho da comunicação dominado pelo estado, no controlo dos serviços de informações, nas autarquias, etc.) estão a ser feitas apenas pela fidelidade individual ao Primeiro-ministro.

Agora tudo vai depender de se saber até que ponto há forças endógenas no PSD, para manter o carácter reformista e moderado do partido, hipotecado a uma viragem à direita que o descaracteriza e o afasta do legado político de Sá Carneiro, hipotecado a uma perda de vontade política de governar para reformas, deixando ao PS a ambição de pedir uma maioria absoluta, de que desistimos há muito. Para isso vai ser crucial saber se o próximo Congresso se realizará em condições de liberdade efectiva e não como um plebiscito ao Primeiro-ministro e sob a chantagem emocional de manter ou não o partido no governo. Duvido, pelo caminho que as coisas levam, mas já duvidei mais. (E ainda duvidaria menos se se criasse uma nova incompatibilidade impedindo de serem delegados ao Congresso todos os militantes que foram nomeados pelo governo para os muitos cargos recentemente distribuídos…).

O pior que poderia acontecer ao PSD seria a repetição do unanimismo apressado que se verificou, cilindrando tudo e todos, no afã de manter o poder, mesmo que a solução encontrada não tivesse preparação nem competência, como aliás todos os sinais já apontavam. Prestamos um mau serviço a Portugal, esquecendo que antes do partido está o país. Esta é uma frase que gostamos muito de repetir, mas que muito se esqueceu nos idos de Junho. O resultado é uma experiência governativa desastrosa que vai penalizar o partido duramente, descredibilizando-o, e ameaça entregar o poder ao PS durante muito tempo. Vai demorar tempo até que o PSD deixe de ser parte do problema e volte a ser a solução para uma governação credível, reformista, honesta, sólida, de gente competente e dedicada, com vontade de servir o bem público, e que, segura do que faz, não tem medo dos comentadores. Eu sei que este é o desejo profundo de muitos e muitos militantes e eleitores do PSD, que assistem com pasmo, tristeza e revolta aos dias de hoje.
 


RIGOROSOS E ESPECIOSOS

Os blogues são um campo de observação muito interessante da capacidade humana de arranjar pretextos para as mais absurdas das posições. Não digo que seja apenas um mal dos outros, é certamente também meu.

Uma das absurdidades que aqui se manifestam é a substituição do rigor, pela especiosidade, pela mania que nada se pode dizer, ou fazer antes de tudo se saber e, mesmo assim, se o que se sabe não serve, antes de se saber mais ainda. Esta espiral de precauções tem como único objectivo, não aceitar ou não querer tirar conclusões do que toda a gente afinal já sabe.

Vem isto a propósito da história das “pressões”. Querem-nos convencer que não se pode falar de pressões do governo sobre a TVI , sem a implausível comprovação pela TVI ou pelo governo. Bem podem esperar sentados. Nós, os comuns mortais, não precisamos de mais nada: “precipitamo-nos a tirar conclusões”, “com má fé”, porque quando um Ministro, próximo do Primeiro-ministro, um Ministro insisto, (ou isso não significa nada neste governo?), diz o que disse, não é preciso mais nada.

Em qualquer democracia o que ele fez são pressões. São pressões para Marcelo, são pressões para a Media Capital, são pressões para a AACS, são pressões para toda a gente, menos para os especiosos. Ele não é um comentador, ele é o membro de um executivo. Executivo, reparem bem. Faz parte dos que mandam. Reparem bem. Não são só palavras, têm por trás a possibilidade de dar e de negar, de aprovar ou recusar, de fazer ou de desfazer, de empregar ou desempregar. É por isso que são pressões e não são inócuas.
 


AR PURO E ESCURO


J. C. Dahl
 


EARLY MORNING BLOGS 327

La Montagne qui accouche

Une Montagne en mal d'enfant
Jetait une clameur si haute,
Que chacun au bruit accourant
Crut qu'elle accoucherait, sans faute,
D'une Cité plus grosse que Paris :
Elle accoucha d'une Souris.

Quand je songe à cette Fable
Dont le récit est menteur
Et le sens est véritable,
Je me figure un Auteur
Qui dit : Je chanterai la guerre
Que firent les Titans au Maître du tonnerre.
C'est promettre beaucoup : mais qu'en sort-il souvent ?
Du vent.

(La Fontaine)

*

Bom dia!

6.10.04
 


POBRE PAÍS

o nosso. Isto está pior do que se imaginava, e eu sempre o imaginei muito mal. Ouvi, com alguma impaciência confesso, os apelos a um "talvez não venha a ser tão mau como se prevê", que me pareciam da ordem da extrema bondade e de uma fé absoluta. Mas por que razão tinha que acreditar em milagres em política, quando não acredito neles no dia a dia?

Depois, a confirmação vinha em excesso, era tudo tão mau, tão mau que ultrapassava as piores expectativas. Eu sei e eles sabem. Esta é que é a questão: eles sabem que tem sido péssimo, asneiras sobre asneiras, como se a realidade viesse a correr a galope mostrar que milagres, se os há, é noutra esfera. Não. Aqui as coisas são o que são. Se são más, continuam más. O pior é que eles sabem que já perderam muito, e o desnorte e o desespero instalam-se. E com o desnorte vem ao de cima a tentativa de controlo, usando todos os meios do estado. Fraquezas, fragilidades perigosas, porque quanto mais fracos mais perigosos.


PS: sobre o que aconteceu hoje com a saída de Marcelo Rebelo de Sousa da TVI, não vale a pena adiantar muito mais do que já disse no Abrupto. Na Quadratura do Círculo discutimos o assunto, antes de ser conhecida a saída, e não é preciso mudar nada. Também não houve contraditório na Quadratura do Círculo: todos , eu, o António Lobo Xavier e o José Magalhães estamos de acordo em criticar o grosseiro ataque à liberdade de expressão, só não sabíamos que ia ter sucesso. Amanhã no Público sai um artigo, que também já tinha escrito antes, e a que não tenho que mudar uma vírgula.
 


EARLY MORNING BLOGS 326

On the Extinction of the Venetian Republic


Once did She hold the gorgeous east in fee;
And was the safeguard of the west: the worth
Of Venice did not fall below her birth,
Venice, the eldest Child of Liberty.
She was a maiden City, bright and free;
No guile seduced, no force could violate;
And, when she took unto herself a Mate,
She must espouse the everlasting Sea.
And what if she had seen those glories fade,
Those titles vanish, and that strength decay;
Yet shall some tribute of regret be paid
When her long life hath reached its final day:
Men are we, and must grieve when even the Shade
Of that which once was great is passed away.


(William Wordsworth)

*

Bom dia!

 


KENNEDY E A "ESQUERDA"

Seria bom lembrar ao secretário-geral do PS que não é muito prudente aplicar a dicotomia europeia esquerda/direita à política americana sem dar asneira. Dizer que Kennedy é da "esquerda americana" é no mínimo bizarro. Kennedy, o amigo da Mafia, o invasor da Baía dos Porcos, o "eu sou berlinense", encaixa mal na classificação, se a levarmos a sério. Já Lyndon Johnson, por estranho que pareça, encaixa melhor.

5.10.04
 


DESAFIO

Por que razão o Ministro dos Assuntos Parlamentares não desafia Marcelo Rebelo de Sousa para um debate sobre a governação, em que assegurará ele mesmo o contraditório face ao "ódio", às "mentiras e falsidades" proferidas todos os domingos "por um comentador que tem um problema com o primeiro-ministro" Pedro Santana Lopes. Tenho a certeza que Marcelo aceitaria e que as televisões competiriam entre si pelo debate. É certamente mais sensato e corajoso do que propor a censura dos comentários de Marcelo.

 


SCRITTI VENETI 15



Em S. Michele in Isola, a ilha dos mortos, procurei Ezra Pound, que sabia lá estar. Campa a campa, não aparecia. Havia uma névoa matinal e as grandes arvores, ciprestes dos cemitérios, escondiam a luz. O verde abundante era carregado. Naquela parte da ilha não estava ninguém excepto um casal de dois homens, americanos, que também procurava Pound. Perguntaram-me se eu sabia. Não sabia. Procuramos juntos, eu fui para outra ala, onde havia marinheiros ingleses, na sua maior parte mortos no final do século XIX, as campas partidas e abandonadas. Morreram longe. Febres, naufrágios. De repente encontraram-no, pouco mais do que uma placa de pedra à face do solo, coberta de heras e folhas caídas. Fui ter com eles e um debruçou-se e, com enorme gentileza, sacudiu com a mão as folhas que tinham caído em cima do EZRA POVND. Nestes gestos simples agradece-se muita coisa, fez-se silêncio. Algum incómodo. Onde estiver, o velho poeta fascista deve ter dado pela carícia.
 


SCRITTI VENETI

Em breve, mais do mesmo.
 


OUTRO VULCÃO QUE SE TOMA A SÉRIO


Monte S. Helena
 


A LER

No Bloguitica a série "SANTANA LOPES E GOMES DA SILVA", "GOMES DA SILVA NA BLOGOSFERA", "O VENTRÍLOCO E A MARIONETE".

Trata-se nem mais nem menos do que denunciar algo que numa democracia sempre seria tido como muito grave: um apelo de responsabilidade do Primeiro-ministro, via Ministro dos Assuntos Parlamentares, à utilização do aparelho de Estado para punir um delito de opinião de um comentador político, que fala numa televisão privada, em moldes que só a ambos dizem respeito, à TVI e a Marcelo Rebelo de Sousa. É de liberdade de expressão que se trata, e isso por si só justificaria a demissão do ministro.

4.10.04
 


INTENDÊNCIA

Colocados no VERITAS FILIA TEMPORIS os textos da Lagartixa e o Jacaré de duas semanas de Setembro de 2004.
 


 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: POESIA BRITÂNICA CONTEMPORÃNEA

"Não resisto a enviar-lhe mais um poema que ajuda um pouco a compreender a marginalização de figuras como Bunting pelo establishment literário britânico. É, de facto, curioso verificar como a poesia britânica contemporânea mais genial e inovadora circula, ainda hoje, de forma quase clandestina em pequenas revistas e edições marginais (muitas vezes a cargo dos próprios poetas), e é ignorada quer pelo meio académico, quer pelas principais revistas e jornais literários. Como escreve o poeta e crítico inglês "dissidente" Clive Bush, no seu livro sugestivamente intitulado Out of Dissent, "the truly innovative are marginalised beyond the borders of silent itself." Talvez daqui a um século se ouça falar mais deles!
Aqui vai o poema:


Deconstruction Co.

Dear Sir, they write, we want clean literature,
nothing controversial or near the truth,
nothing committed, what we recommend
is writers' work for the establishment,
it's the best way to get reviewed, we hope
you'll consider the TLS,
and give up wearing mascara, lipstick,
it's bad for the image. You know, men just don't,
the Brit author is macho, conformist,
and wouldn't think like you to make a life
of poetry, who ever would?
And our advice is not to keep apart
surrounded by a small adoring cult
who look and act like you, but to participate

in parties, literary functions,
things that get you on. You seem to have no friends
in publishing, and not to be a parasite,
and this will never do. You're exclusive
and have too much mystique, what do you do
to write such censored off-beat books
that have reviewers chop your hands and feet,
and yes, we're told you wear leopardskin boots
and that's outrageous. Please, be sensible,
adopt the Andrew Motion style of dress,
blended conventionality. We hear
you have too many women friends,
all of them beautiful, and that's not done,
in terms of advancement, men stick with men.
We feel you need another reprimand
for all those seething derisive reviews
have failed to stop you writing. 30 books?
We'd burn the lot. And please pay for the stamp.

(Jeremy Reed)

PS. Curiosamente, aquele poema de Bunting que colocou no Abrupo há uns dias atrás, "What the Chairman Told Tom", refere a situação de um poeta brilhante do norte de Inglaterra, Tom Pickard, a quem foi recusado qualquer apoio que lhe permitisse dedicar-se à poesia.

(Daniela Kato)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

"Pela primeira vez desde o primeiro ano de trabalho, cerca de 24 anos volvidos, não fui colocado no quadro da zona pedagógica de Bragança. Do número 89 da lista graduada no ano lectivo anterior passei neste para mais de 500. Razão: opus-me a usar métodos incorrectos, isto é, apresentar um atestado médico de uma doença incapacitante ou de ascendente ou descendente directo como o apontam ter feito mais de 60% dos meus colegas de 1.º Ciclo no distrito. Fui aconselhado por alguns, a grande maioria estava a fazê-lo, porém sempre acreditei na transparência e lisura de processos, fundamentalmente porque sou educador e estes são valores subjacentes ao acto educativo! Estava redondamente enganado, colegas tão ou mais saudáveis, com muito menos anos de serviço e graduação académica ultrapassaram-me. Um qualquer médico menos "atento" ou sem “escrúpulos” possibilitou-lhes este expediente manhoso que foi simples artifício para obter boa colocação para prejuízo de milhares de professores e de muitos outros que necessitariam, por razões de saúde, desta especificidade. Imperdoável! Da entidade patronal, o Ministério da Educação, a garantia de fiscalização redundou em nada, pois os destacamentos prosseguiram normalmente. O que interessava era começar o ano lectivo, quando o mais lógico e justo seria suspender o destacamento por condições específicas nos distritos em que claramente os números indiciavam ilegalidades e situações menos claras. Dos sindicatos nem uma palavra para esta abominável situação, numa atitude corporativista e intolerável. Da ordem dos médicos nem o mais pequeno passo para uma investigação, quando os indícios são mais que óbvios. "

(José Alegre Mesquita)

*

"Colocações de Professores: tudo está mal quando acaba bem

Depois da publicação da lista de colocações em 28 de Setembro de 2004, há definitivamente algo que não bate certo.
Numa mensagem anterior, levantámos a hipótese da natureza matemática do problema impedir a resolução do mesmo. Na mesma mensagem, foi feita a sugestão de divulgar os dados do problema de forma a aproveitar o conhecimento existente sobre esse tipo de problemas por qualquer pessoa que por eles se interesse. Julgamos que ainda se vai a tempo de aproveitar esta oportunidade de Divulgação Científica.
Este assunto ir rapidamente desaparecer dos noticiários, não quer dizer que tenha sido resolvido. Das duas uma: ou o algoritmo é correcto e dá uma lista sem erros, ou não é correcto e desrespeita as regras do concurso (excluindo a arrepiante hipótese de os profissionais encarregues do sistema informático não serem capazes de lidar com uma base de dados, implementar um algoritmo ou ordenar uma lista, e excluindo outras hipóteses igualmente assustadoras).
Sugere-se que o algoritmo utilizado seja divulgado - só assim se poderá saber se as regras do concurso foram desrespeitadas ou não.
Sendo esta sugestão, porventura, demasiado ambiciosa, ficamos à espera do que a Comissão de Inquérito terá a dizer sobre problemas NP...
Bom ano lectivo!"


(Filipe Pereira e Alvelos / Acácio Costa)
 


SCRITTI VENETI 14

Na loja Internet, de onde de vez em quando escrevo, chegado aqui no labirinto das ruas por um simples @ colado nas paredes com uma seta, parece que está sempre a chover. De noite, a sensação era mais forte. Parava de escrever, e olhava para a vitrina a ver se estava a chover. Nada. Era o canal atrás cujo ruído das águas chega como se fosse chuva. Ali chove sempre, não se pode fugir.
 


SCRITTI VENETI 13



O que é a cultura? Eu respondo olhando esta escultura que está num dos lados da Catedral de S. Marcos. Nada do que ela representa existe, a não ser o doge ajoelhado. Existe? Não existe nenhum doge que se tenha ajoelhado diante de um leão. Não há na terra nenhum leão alado, com face humana, segurando um livro. O leão olha para a cidade, para o mar, o doge para o leão. Tudo é símbolo, sobre símbolo, sobre símbolo. O leão representa, como se sabe, uma abstracção: a república. A primeira palavra do livro é outra abstracção, mais desejada do que tudo, “Pax”. O doge ajoelha-se perante abstracções: o poder está no leão e não no doge, o leão fala-lhe de paz e mostra o livro aberto ao povo, que não se vê, mas vê.

É isto a cultura: uma invenção da imaginação humana, contra natura, contra o terror, contra o caos, por uma ordem superior feita de um teatro de convenções simbólicas que nos protegem, e que são a civilização. Tudo muito frágil, tudo construído, tudo inventado, tudo quase no limiar de nada. O doge pode pôr-se a pé e matar o leão, ou o leão comer o doge, o livro cair para a populaça o destruir, a primeira palavra pode não ser “Pax”, mas guerra. A cultura é uma frágil defesa, mas existe. Está ali, em pedra, símbolo de obediência do homem a convenções abstractas que ele criou e que só existem quando há vontade que existam. Nada depende mais da vontade do que a cultura e a civilização. Somos nós que as fazemos, somos nós que as desfazemos.
 


EARLY MORNING BLOGS 325

A list of some observation. In a corner, it's warm.
A glance leaves an imprint on anything it's dwelt on.
Water is glass's most public form.
Man is more frightening than its skeleton.
A nowhere winter evening with wine. A black
porch resists an osier's stiff assaults.
Fixed on an elbow, the body bulks
like a glacier's debris, a moraine of sorts.
A millennium hence, they'll no doubt expose
a fossil bivalve propped behind this gauze
cloth, with the print of lips under the print of fringe,
mumbling "Good night" to a window hinge.


(Joseph Brodsky)

*

Bom dia!

3.10.04
 


SCRITTI VENETI 12












Numa rua que não tem mais de três metros de largura, a Casselleria, está a pequena livraria Filippi, especializada em livros sobre Veneza. Lá estava uma edição moderna da Hypnerotomachia Poliphili, e uma série de livros antigos e modernos sobre a cidade. Vi, com gosto, no catálogo a frase de Aulio Gélio que dá nome ao blogue irmão VERITAS FILIA TEMPORIS.
 


SCRITTI VENETI 11



Na ilha dos mortos, um retrato da dor absoluta. Bambino mio.
 


SCRITTI VENETI 10

Veneza tem duas caras. Uma, a da beleza infinita, do orgulhoso poder, da vontade imperial de uma república aristocrática e comercial, um pequeno estado eficaz e civilizado. Outra, é a da decadência. É verdade que a decadência toca a tudo e a todos, mas, nos momentos decisivos da história, essa decadência nem sempre se vê. Os gregos decaíram pouco a pouco, mas para se falar da decadência dos gregos é quase preciso saltar dois mil anos. Os romanos conheceram a decadência e, nalgumas páginas magníficas, Gibbon fala dessa decadência de forma pungente, no retrato que faz das personagens do fim do império. É muito uma decadência de valores, que, a seu tempo, corrói também as pedras. Poetas como Bellay e pintores como Piranesi identificaram essa decadência nas ruínas imperiais, mas estavam a falar mais de mil anos depois, e no caso deste último, no limiar de uma sensibilidade romântica que gostava de ruínas.

Mas em Veneza há uma espécie de decadência sempre presente, como se estivesse literalmente nas costas da cidade “sereníssima”, como se a cidade se pudesse deixar do lado dos mármores e chegar ao lado da terra, de uma terra que misturada com a água produz lama e não transparência. A cidade, talvez porque sempre teve presente o mau cheiro do metano, do enxofre, da podridão, das águas mortas dos canais, suspeitou sempre que alguma coisa estava a morrer dentro de si. As epidemias, a peste, também ensinavam isso regularmente aos venezianos, que sabiam que viviam numa terra miasmática e num porto onde arribavam mercadorias, mas também ratos e doenças.



Um homem retrata isso melhor que ninguém, António Canal dito Canaletto, mais nas suas gravuras do que nas suas pinturas. Sempre que Veneza não me está presente no olhar, mas na memória, é antes de tudo Canaletto que vejo. Ninguém como ele retrata a fronteira de trás, o abandono das construções do passado, os remendos de madeira sobre a pedra, os panos transformados em farrapos, as personagens perdidas num caminho esboçado na terra, mas que não conduz a lado nenhum.
 


INTENDÊNCIA

Corrigida a nota SCRITTI VENETI 4, acrescentada de umas fotos telefónicas, ou seja , más.
 


SCRITTI VENETI 9



Eu não sei se há segredos nesta cidade. Não deve haver nenhum que sobre. Não há pedra, inscrição, graffiti, poço, canal obscuro, rua perdida, jardim interior, sobre o qual não se tenha escrito. Não há lenda, fantasma, assombração, raio de sol, posição da lua, silêncio súbito, sobre o qual não se tenha escrito. Passeia-se em Veneza, longe dos turistas, para os lados de trás da cidade, para junto da Madonna do Orto, onde tudo parece diferente da multidão entre San Marco e o Rialto e olha-se para os pés e vê-se o traço de mil palavras também ali. A última vaga de palavras, o último recenseamento dos segredos, veio dos amadores de Corto Maltese trazidos pelos mistérios e as sombras. É, não há segredos. E, no entanto, que faz ali aquela marca de giz que parece um ómega…

2.10.04
 


SCRITTI VENETI 8



Não é todos os dias. Ter nas minhas mãos, tocar ao de leve, a Hypnerotomachia Poliphili.

*

Cortesia da Isabel Goulão fico a saber que o livro também existe na Biblioteca Nacional. A ficha completa é esta:

COLUMNA, Franciscus, O.P. 1433-1527,
Hypnerotomachia Poliphili / [adc. Leonardus Crassus, Johannes Baptista Scytha e Andreas Maro] . - Venezia : Aldo Manuzio, Dezembro 1499. - [234] f. : il. ; 2º . - HC 5501, GW 7223, Pell 3867, Polain 1126, IGI 3062, Goff C-767, BMC V 561 (IB 24500). - Assin.: 2//4 a-y//8 z//10 A-E//8 F//4. - Grav. ilustrando o texto sobre desenhos de autor desconhecido; cap. grav. - Variante na f. [5], l.5: O E final da palavra SANEQVE raspado e substítuido por AM (cfr. GW)
BN F. 4710 Microfilme
 


TELEVISÕES

Em Itália há um caso actual muito parecido com o do crime de Figueira, em que também se procura um corpo de uma criança, sendo os familiares suspeitos. As televisões italianas são o que são, mas nem imaginam a diferença do tratamento e a respiração dos noticiários, apesar de tudo centrados no que conta: política, nacional e internacional, economia, eventos. Mesmo em Itália, insisto.
 


INTENDÊNCIA

Corrigido os SCRITTI VENETI 3 e acrescentadas umas fotos de telefone, de má qualidade.
 


SCRITTI VENETI 7

Acabou finalmente a rodagem do filme sobre o libertino. Desmontou-se a forca, que estava fora do seu sítio histórico, mais à frente do que devia. O local certo era entre as colunas de S. Marcos e S. Teodoro, o lugar mais aziago da cidade. Há um dito veneziano do género: “ainda te ponho a ver as horas”, porque o condenado a última coisa que via era o grande relógio em frente. Via o seu último minuto.

(foto de telefone)

(Note-se, de passagem, que Casanova nunca correu tal risco. A sua prisão tornada célebre pela fuga do inexpugnável cárcere de Piombi, mesmo atrás do Palácio, nos telhados da ala renascentista, foi por blasfémia e suspeitas de alquimia, crimes que na época já só levavam à prisão quando o comportamento era demasiado escandaloso ou quando serviam de pretexto para suspeitas políticas.)
 


SCRITTI VENETI 6

Tarde na noite, por volta das quatro, cinco da manhã, os jornais encontram-se com os penúltimos boémios. O barco dos jornais, um dos que dizem “trasporto cose”, vai, de cais em cais, com a sua equipe de dois homens deixar os jornais do dia. Um atira os maços do barco, outro recebe-os e coloca-os numa arca de metal com cadeado. Depois, partem rápido para o cais seguinte. Mais tarde, o povo das tabacarias desce da cidade até junto à água a buscar as novidades. Nos cais, pequenos grupos, semi-adormecidos, encostam-se aos vidros à espera do vaporetto, o 1 ou o 42, para a grande volta circular.
 


OS ACENTOS COMO FORMA DE CHUVA

Hoje, finalmente, choveu nas minhas palavras. Mesmo longe, consegui ter acentos. Ja já é já.

1.10.04
 


SCRITTI VENETI 5

Continua o filme sobre o Casanova entre o Palacio dos Doges e as colunas de S. Marcos e S. Teodoro. Ao meu lado passa um cardeal conversando com uma camponesa, um peralvilho pega numa garrafa de agua e poe uma mochila as costas. Um coche dourado repete vezes sem conta a mesma cena de trazer alguem para junto do cadafalso. Umas vezes tapam os cavalos pretos com uma colcha, outra variam a companhia do cocheiro e o cocheiro, outras colocam um criado qualquer dependurado na porta. O mesmo coche faz por cinco, sempre igual, sempre diferente. As pombas entram no cenario `as centenas, os segurancas dizem aos turistas: "No flash". Se fosse a Guerra das Estrelas ficava a ver, assim fujo para a Riva dei Schiavoni. Aproxima-se o por do Sol sobre as ilhas, e sempre posso falar com o Leao e o Crocodilo.

(Sem acentos)
 


CLUBE DOS JORNALISTAS

Presumo que uma entrevista que dei ao Clube dos Jornalistas da 2 terá passado ontem na televisão. Nela cometo um erro que queria corrigir: embora tenha havido ocasiões em que a SIC Noticias ultrapassou a 2 em audiências, isso não é a regra mas a excepção.
 


SCRITTI VENETI 3



De manha cedo. Na ilha dos mortos. Campa de Brodsky, abandonada, num canto de cemitério evangélico. No meio da campa, um pinheiro manso tenta crescer. Um ramo de flores ressequidas. Em cima da lápide, um monte de pedrinhas e conchas segura um pequeno colar barato de fantasia. Um rebuçado dourado. No chão, de um lado, uma garrafa pequena de lemoncello, um seixo. Do outro lado, uma pasta de plástico com papéis, suja da chuva e um vaso com canetas e lápis. Cheio. Deixei mais uma. Coisas.

 


SCRITTI VENETI 4




Um velho encosta o corpo nos Tetrarcas. Não sei se nos de Ocidente, ou nos de Oriente.

© José Pacheco Pereira
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