ABRUPTO

31.7.04
 


BLUE MOON


(Cortesia de Astronomy Picture of the Day)

Hoje é noite de Lua Azul, de “blue moon”, duas luas cheias no mesmo mês. Desde Novembro de 2001, não havia nenhuma. Vê-la-ei a cair para dentro de quatro paredes brancas, por entre os ramos de um loureiro.
 


INTENDÊNCIA

ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO


em actualização.
 


OUVINDO “SWINGING ON A STAR”






divertindo-me, sem inocência que sobre. Não é que estes velhos tipos das canções de Hollywood sabiam todas as perguntas certas: vejam lá se a mula, o porco e o peixinho “slippery” não andam aí à volta? Perguntem ao Bing Crosby.

Would you like to swing on a star
Carry moonbeams home in a jar
And be better off than you are
Or would you rather be a mule?

A mule is an animal with long funny ears
Kicks up at anything he hears
His back is brawny but his brain is weak
He's just plain stupid with a stubborn streak
And by the way, if you hate to go to school
You may grow up to be a mule

Or would you like to swing on a star
Carry moonbeams home in a jar
And be better off than you are
Or would you rather be a pig?

A pig is an animal with dirt on his face
His shoes are a terrible disgrace
He has no manners when he eats his food
He's fat and lazy and extremely rude
But if you don't care a feather or a fig
You may grow up to be a pig

Or would you like to swing on a star
Carry moonbeams home in a jar
And be better off than you are
Or would you rather be a fish?

A fish won't do anything, but swim in a brook
He can't write his name or read a book
To fool the people is his only thought
And though he's slippery, he still gets caught
But then if that sort of life is what you wish
You may grow up to be a fish
A new kind of jumped-up slippery fish

And all the monkeys aren't in the zoo
Every day you meet quite a few
So you see it's all up to you
You can be better than you are
You could be swingin' on a star”


(Johnny Burke, Jimmy Van Heusen)
 


O MAR


Johann Christian Dahl

Como é que se pode olhar para o mar sem solidão? Como é que se pode olhar para o mar e ter que ver antes a multidão têxtil a cores, ver a praia, não a praia da areia mas a praia dos corpos, a balbúrdia?

(Eu sei que esta nota é reaccionária. Eu sei da história toda. Eu sei que também aqui há um bem escasso e suposto ser para todos, logo estar cheio. Eu sei que desde que a Frente Popular concedeu férias pagas, também os operários têm direito ao seu Deauville particular. Eu sei que a ecologia acabou naquele dia, eu sei que a terra é pequena e as gentes muitas. Eu sei que cada chinês tem direito inalienável ao seu automóvel e frigorífico, pese embora à camada de ozono, a abundância da abundância. Eu sei que hoje a praia é o povo voltado de costas a dourar, ou pelo menos uma parte substancial do dito. Eu sei disso tudo. Mas, Senhor, porque não nos dás mais espaço, para se poder olhar o mar como deve ser?)


*

«Mas, Senhor, porque não nos dás mais espaço, para se poder olhar o mar como deve ser?» Dá e generosamente, por esta costa fora. Onde? Em todos os recantos onde só se chegue a pé e com mais de dez minutos de caminhada."

(M.H.)
 


EARLY MORNING BLOGS 268

maggie and milly and molly and may


maggie and milly and molly and may
went down to the beach(to play one day)

and maggie discovered a shell that sang
so sweetly she couldn't remember her troubles,and

milly befriended a stranded star
whose rays five languid fingers were;

and molly was chased by a horrible thing
which raced sideways while blowing bubbles:and

may came home with a smooth round stone
as small as a world and as large as alone.

For whatever we lose(like a you or a me)
it's always ourselves we find in the sea


(e. e. cummings)

*

Maggie and milly and molly and may, bom dia!

30.7.04
 


POEIRA DE 29 DE JULHO



Hoje, há cento e trinta e dois anos, Whistler pintava um dos seus mais famosos retratos, o de Thomas Carlyle. Carlyle não queria posar mais do que uma ou duas vezes, Whistler acabou por exigir que o fizesse muitas vezes. Carlyle achava a experiência insuportável, e, todas as vezes que se movia um pouco, Whistler berrava: “Por amor de Deus, não se mexa!” Carlyle, que já estava com pouca paciência, acabou por perceber que o que mais interessava a Whistler era o seu casaco... Dizia de Whistler “que era a mais absurda criatura à face da terra”. Pode ter sido, mas que o casaco ficou bem pintado neste Arrangement in Grey and Black Number 2, ficou.

29.7.04
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: DO OUTRO LADO DO ESPELHO

"A propósito deste nosso cada vez mais pobre país, lembrei-me de uma das cenas de Alice do Outro Lado do Espelho de Lewis Carroll; em que depois de passar para a casa do espelho, Alice descobre que quando quer ir ter com alguma coisa, tem de caminhar no sentido contrário. Hilariante situação.
Pois parece-me, que nós por cá, na terra da realidade, definimos as políticas, definimos os objectivos, escolhemos os políticos e estabelecemos as metas (agora de dois em dois anos), e caminhamos, igualmente, em sentido contrário. Com a óvia diferença de que enquanto Alice se aproxima do desejado, nós nos afastamos cada vez mais."

(Ivo Monteiro)
 


EARLY MORNING BLOGS 267

Hymn to the Neck


Tamed by starched collars or looped by the noose,
all hail the stem that holds up the frail cranial buttercup.
The neck throbs with dread of the guillotine's kiss, while
the silly, bracelet-craving wrists chafe in their handcuffs.
Your one and only neck, home to glottis, tonsils,
and many other highly specialized pieces of meat,
is covered with stubble. Three mornings ago, undeserving
sinner though she is, yours truly got to watch you shave
in the bath. Sap matted your chest hair. A clouded
hand mirror reflected a piece of your cheek. Vapor
rose all around like spirit-infested mist in some fabled
rainforest. The throat is the road. Speech is its pilgrim.
Something pulses visibly in your neck as the words
hand me a towel flower from your mouth.


(Amy Gerstler)

*

Bom dia!

28.7.04
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: FOGO PURO



Esta mancha está a atravessar o Sol por estes dias. Poucas imagens existem que retratem tanta violência, o tumulto do Inferno, do absoluto inabitável, como estas correntes de plasma, estes rios de fogo puro contorcendo-se, presos por forças ainda maiores do que as suas, presos pelas linhas invisíveis da natureza, presos pela gravidade, presos pelo campo magnético do Sol.

(Esta magnifica imagem é de um astrónomo amador Jack Newton.)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O EGO POLÍTICO

"De como o ego político se manifesta nas conversas faladas e escritas:

(1) Do Programa "Outras Conversas" em 25 de Julho de 2004 Entrevista ao Dr. Marques Mendes:

"As minhas ideias, as minhas convicções..."

Quais? Já agora faz-nos o favor de nos dizer quais são? Muito obrigado!

(2) Da "Única" do Expresso de 24 de Julho de 2004. Entrevista ao Dr. José Sócrates:

"Sou um animal feroz"

"Fui ao estrangeiro pela primeira vez aos 20 anos"

"A televisão mata (...) Eu estive lá ano e meio"

"Acho escandalosos os ordenados dos gestores"

"Também sou um esteta"

(3) O que está escondido:

Na mesma entrevista a Sócrates fala-se de género:

(...)"A nova família é baseada na igualdade entre géneros ."

Fala-se também de beleza:

"Receita de mulher: As feias que me perdoem mas beleza é fundamental. Sim, também sou um esteta".

Será que a igualdade entre géneros é compatível com a idolatria da beleza e o medo do fogão?

Então quem faz a comida lá em casa? A criada? Vem de fora? Ou lá em casa não se come?
(...)"

(H. Preto)


 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: SUDÂO

"(...) estranho o seu silêncio sobre a situação no Sudão e estranho mais ainda porque me recordo das suas palavras críticas sobre a inércia da comunidade internacional, nomeadamente da ONU, aquando do genocídio no Ruanda.

No seguimento do recorrente conflito no Iraque e, utilizando as suas palavras, "numa altura em que nada acontece de relevante", seria bom que "as televisões, o mais poderoso meio de comunicação social" dispensassem alguns segundos para o seguinte:

O Congresso americano aprovou por unanimidade uma resolução considerando a crise do Darfur um genocídio e pediu a intervenção urgente dos Estados Unidos. Foi entregue um projecto americano no Conselho de Segurança da ONU a prever sanções contra Cartum caso o Governo não desarme as milícias árabes.
O Congresso pediu também à Administração do Presidente George W. Bush que assuma a palavra genocídio e que lidere uma acção internacional para lhe pôr cobro, eventualmente uma intervenção unilateral para impedir o genocídio caso as Nações Unidas não intervenham. A juntar a isto o Exército britânico está preparado para enviar 5000 soldados para o Darfur.

As associações a outras intervenções militares e o mediatismo de palavras como petróleo, interesses económicos e neo-imperialismo ficam para um próximo comentário."

(Luís Faria)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O "DIRECTOR DE ESCOLA"...

"Pensar é cada vez mais raro…talvez venha a ser mesmo rotulado, num futuro próximo, de acto pouco recomendável. Já quase ninguém usa um discurso próprio. Ouve-se, até ao fio, réplicas e colagens das já banalidades, alheias, na comunicação social e no meiozinho de cada um de nós. Pensar está mesmo fora de moda. Fala bem, você, na nossa menoridade cívica, no caso, barrigadas de futebol versus ausência de debate do programa do governo. Mas que programa? Há dias, quando o programa foi conhecido, procurei avidamente as páginas das intenções e das medidas na Educação… lá só encontrei, além de umas banalidades, umas deseducações como a figura de Director de Escola que já não existe…e de resto…ausência."

(Conceição Lopes)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: FOGO


Foto do fogo de Mafra de ontem, enviada por António Rodrigues 2.º Comandante QH Bombeiros Voluntários da Pontinha.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: “A different kind of life? I didn’t know life came in kinds.”

"Quando Coetzee ganhou o Nobel e vi as notícias desencadeadas pela atribuição do prémio, mais do que o que li escrito sobre ele e por ele, gostei do que as suas fotografias me revelavam. Uma cara de traços equilibrados e finos, um ar elegante, quase seco e ascético. Fiquei com vontade de conhecer a sua obra e por diversas vezes os seus livros me saltaram para a mão, mas acabei sempre por sacudi-los por tanto me incomodar a capa de “Disgrace” com aquele cão faminto e sarnento no meio de “nada”, ou melhor de lixo parco, metálico, seco e desolado.

(…)Aderi de imediato à escrita de frases curtas e depuradas de Coetzee que, apesar da elegância e subtileza, não deixa de ser acutilante e por vezes quase cirúrgica tom que lhe é dado pela sensação de distância, alguma ironia e por vezes algum humor quase negro: frisando a ambivalência da palavra “negro” no contexto deste romance. Os diálogos são espelho desta linguagem e transmitem de forma clara, na minha opinião, mais do que a “condição humana” em abstracto a condição do “ser homem”, “ser divorciado”, “ter sido marido”, “ser sul-africano”, “ser “branco-sul-africano”, “ser pai”, “ser filha”, “ser branca no meio de negros”, e todos os outros “ser isto ou aquilo”. As personagens através do diálogo (“Disgrace” é um romance pouco descritivo) mostram sem contemplações ou convenientes compromissos a essência deles mesmos e das suas opções, algumas delas ditadas por um “fado” ao qual não escapam e que é indissociável do “ser…”.

Retomaria o adjectivo metálico ao qual juntaria o estéril para qualificar muito mais no livro: as relações entre as personagens, o tipo de interacções sexuais no romance mesmo quando aparentemente existe desejo ele aparece sempre com não correspondido; uma pequena excepção: a recordação sensual dos primeiros tempos com Rosalind. Também a paisagem rural tem esse cunho estéril do metal, tal como a presença constante como pano de fundo dos cães. A marca do “estéril” está presente até na criatividade fecunda (a “ópera”, por exemplo, que nunca evolui) e tem apenas uma excepção marcada pela violência do destino.

A desolação da desagradável capa do cão é um bom indício do que espera o leitor ao abrir o romance; mas a beleza da linguagem, a riqueza das personagens e o absurdo dos seus dilemas, dificilmente se adivinharia."

(JPC)

 


O INCÊNDIO DE BOTICAS

é como se fosse na minha terra, aos pés de minha casa. Também eu tive “casa” em Boticas e quando lá cheguei tinha havido um grande incêndio, a sul do que ocorreu agora, na mata que ia de Boticas para a Praia de Vidago. No Inverno, as luzes do carro eram “engolidas” pelo negro que cobria tudo à volta. Não sabia que este fenómeno existia: por mais brilhantes que fossem os faróis, máximos ligados, e a subida da encosta para Pinho era feita quase às escuras. A mesma escuridão caminha agora na direcção do Larouco, monte de nome mais antigo que a colonização romana, e as faces dos que combatem o incêndio são de meus amigos e conhecidos. Corrijo: em Boticas, os conhecidos são amigos. Espero que tudo acabe em bem, ou em menos mal.

 


SABEDORIA POPULAR

Para os que, distraídos, a esquecem : “o peixe apodrece pela cabeça”.

 


POEIRA DE 28 DE JULHO

Hoje, há sessenta e dois anos, uma jovem judia holandesa, Etty Hillesum, dirigiu-se para a sua caixa do correio. Lá estava um envelope com um formulário para preencher como “judia”. Eram sete e meia da manhã. Etty sabia o que estava a começar dentro daquele envelope e suspeitava como ia acabar. Entregou-se primeiro a Deus, depois a Rilke e a Jung, por esta ordem. Pensou: “vou deixar que a cadeia deste dia se desenrole elo a elo, não vou interferir, apenas ter fé.” Depois: “trarei Jung e Rilke comigo, aconteça o que acontecer”. Olhou para a sua casa: aconteça o que acontecer “estes dois últimos anos brilharão sempre no limite da minha memória como uma paisagem gloriosa”. Forçou interiormente a memória: “quando tiver que me ir embora, levarei tudo comigo.

IR EMBORA. Etty decidiu voluntariamente ir para Westerbork, o campo de trânsito. Próxima paragem: Auschwitz. Lá morreu, com vinte e nove anos, pouco mais de um ano depois deste dia, abandonada por Deus e com o seu Jung e o seu Rilke.
 



Fede Galizia
 


EARLY MORNING BLOGS 266

Home

I didn't know I was grateful
for such late-autumn
bent-up cornfields

yellow in the after-harvest
sun before the
cold plow turns it all over

into never.
I didn't know
I would enter this music

that translates the world
back into dirt fields
that have always called to me

as if I were a thing
come from the dirt,
like a tuber,

or like a needful boy. End
Lonely days, I believe. End the exiled
and unraveling strangeness.


(Bruce Weigl)

*

Bom dia!

27.7.04
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: GIGANTOMAKHIA






Mimas, o gigante, filho da castração de Urano, lá está, parecido com a “Estrela da Morte” da Guerra das Estrelas, brilhando no escuro. Quando Herschel o descobriu era apenas um ponto de pouca luz. Agora mostra-se à Cassini, quase partido pelo impacto que lhe moldou a cratera, mas sem se ver o corpo destruído pelo ferro em brasa, com que Hércules o matou, nem os cabelos negros que Hesíodo ( ou Apolodoro, ou Pausanias, não me recordo) dizia que ele tinha.

 


TEORIA POLÍTICA DO SABONETE: “SABONETIZÁVEL” / “NÃO-SABONETIZÁVEL”

Agora passa a haver uma nova categoria política, desenvolvendo uma velha afirmação de Rangel sobre a capacidade da televisão para vender presidentes como sabonetes. Essa categoria, formulada por um par de opostos, é “sabonetizável” / “não-sabonetizável”. Proponho um novo barómetro medindo a qualidade virtual de “sabonetizável”, a confrontar depois com as audiências do “sabonete”.

 


LEITURA OBRIGATÓRIA

Nota de Gabriel Silva "CORTES? AQUI NÃO, OBRIGADA!" no Blasfémias.

Nota de "Neptuno" "UM DIA SEM DEMAGOGIA" no Mar Salgado .
 


EARLY MORNING BLOGS 265

A Cada Qual


A cada qual, como a 'statura, é dada
A justiça: uns faz altos
O fado, outros felizes.
Nada é prémio: sucede o que acontece.
Nada, Lídia, devemos
Ao fado, senão tê-lo.

(Ricardo Reis)

*

Bom dia!
 


UM MILHÃO DE "PAGEVIEWS"

Já há algum tempo que o Abrupto ultrapassou um milhão de "pageviews". Já o devia ter assinalado, mas, no meio desta confusão toda, passou. Obrigado aos seus leitores.

26.7.04
 


A CAMINHO DO ZERO

As televisões, o mais poderoso meio de comunicação social, falam de incêndios e futebol. Os incêndios justificam-se, embora não se justifique de todo a exploração das pessoas atingidas pelo fogo, das suas emoções e do seu medo. Nestas ocasiões, a câmara e o microfone são coisas obscenas. O futebol, numa altura em que nada acontece de relevante, tornou-se um contínuo, as televisões já não sabem viver sem futebol.

Tudo o resto não existe. Alguém se deu ao trabalho, na televisão generalista e ,por maioria de razão, na pública, de fazer uma discussão séria do programa de governo, essa coisa ínfima frente ao futebol? Assim se consolida a nossa menoridade cívica.
 


BIBLIOFILIA



Com os livros vindos de Bruxelas, estão alguns que ainda nem sequer folheei. Para o amador de livros é como se os tivesse comprado hoje. Dois entre eles: Iaroslav Lebedynsky, Les Cosaques. Une Societé Guerrière entre Libertés et Pouvoirs. Ukraine- 1490-1790, Paris, Editions Errance, 2004 e Hans Küng, The Catholic Church, Londres Phoenix Press, 2002.
Deles darei notícia.

 


POEIRA DE 26 DE JULHO

Hoje , há setenta e um anos, Elizabeth Smart sentia-se preguiçosa. Os dias passavam e tinha a sensação que não fazia nada. Lia . Estava a ler o Amante de Lady Chatterley. Ao almoço comentou com as amigas que estava a ler o “livro proibido”. Uma das suas companheiras de almoço indignou-se: “I think it’s perfectly disgusting to want to read a book my country won’t allow”.

Elizabeth não sabia bem o que lhe dizer. “Será que não quer formar a sua própria opinião?” Não queria, estava bem assim.
 



Roy Lichtenstein, Washing Machine
 


UMA CASA EMPACOTADA

A “minha” casa belga chegou empacotada. Dividida em caixas de cartão: livros, computador, louça – FRÁGIL -, papéis “que estavam em cima da mesa”, material de escritório. Os móveis falam por si, não precisam de etiqueta. “Objectos”, quadros, mais livros.

A geografia transporta o tempo. Quem olhará agora da varanda sobre o jardim da Porte de Halle? A “bouquinerie marxiste-leniniste” continuará por quanto tempo? A mercearia grega, com a fila clara das garrafas de retsina, está aberta ou fechada? E L’Ecrit Vint com o seu silêncio? Como crescerá a criança que lá costumava estar? O Vasco continuará a ir aos livros na Waterstone's e a dizer "se não fosse este vício ficávamos ricos". E o meu supermercado de estimação, escondido numa garagem, com uma fila de pedintes à porta e cem línguas lá dentro? E o café do Porto? Nevará no escuro, como numa noite, de repente. «Rien ne m'est sûr que la chose incertaine».

 


EARLY MORNING BLOGS 264

If You Get There Before I Do

Air out the linens, unlatch the shutters on the eastern side,
and maybe find that deck of Bicycle cards
lost near the sofa. Or maybe walk around
and look out the back windows first.
I hear the view's magnificent: old silent pines
leading down to the lakeside, layer upon layer
of magnificent light. Should you be hungry,
I'm sorry but there's no Chinese takeout,
only a General Store. You passed it coming in,
but you probably didn't notice its one weary gas pump
along with all those Esso cans from decades ago.
If you're somewhat confused, think Vermont,
that state where people are folded into the mountains
like berries in batter. . . . What I'd like when I get there
is a few hundred years to sit around and concentrate
on one thing at a time. I'd start with radiators
and work my way up to Meister Eckhart,
or why do so few people turn their lives around, so many
take small steps into what they never do,
the first weeks, the first lessons,
until they choose something other,
beginning and beginning their lives,
so never knowing what it's like to risk
last minute failure. . . .I'd save blue for last. Klein blue,
or the blue of Crater Lake on an early June morning.
That would take decades. . . .Don't forget
to sway the fence gate back and forth a few times
just for its creaky sound. When you swing in the tire swing
make sure your socks are off. You've forgotten, I expect,
the feeling of feet brushing the tops of sunflowers:
In Vermont, I once met a ski bum on a summer break
who had followed the snows for seven years and planned
on at least seven more. We're here for the enjoyment of it, he said,
to salaam into joy. . . .I expect you'll find
Bibles scattered everywhere, or Talmuds, or Qur'ans,
as well as little snippets of gospel music, chants,
old Advent calendars with their paper doors still open.
You might pay them some heed. Don't be alarmed
when what's familiar starts fading, as gradually
you lose your bearings,
your body seems to turn opaque and then transparent,
until finally it's invisible--what old age rehearses us for
and vacations in the limbo of the Middle West.
Take it easy, take it slow. When you think I'm on my way,
the long middle passage done,
fill the pantry with cereal, curry, and blue and white boxes of macaroni, place
the
checkerboard set, or chess if you insist,
out on the flat-topped stump beneath the porch's shadow,
pour some lemonade into the tallest glass you can find in the cupboard,
then drum your fingers, practice lifting your eyebrows,
until you tell them all--the skeptics, the bigots, blind neighbors,
those damn-with-faint-praise critics on their hobbyhorses--
that I'm allowed,
and if there's a place for me that love has kept protected,
I'll be coming, I'll be coming too.

(Dick Allen)

*

Bom dia!

25.7.04
 


APRENDAM A CONGA, QUE VAI SER ÚTIL,

Ouvindo Doris Day a cantar "(I Ain't Hep To That Step, But I'll) Dig It”, a canção que Fred Astaire usa para “levar” Paulette Godard em Second Chorus. Parece que a Godard nunca tinha dançado verdadeiramente e por isso não teve outro remédio senão aprender a conga, a mazurka, a polka e o charleston (como pot-pourri, não está mal).

DIG IT!
(Johnny Mercer/H.Borne)

(Band members:)

Dig it! Dig it! Dig it Doris on the vocal chorus!


I never could do the conga

Could never get through the conga

But if you say do the conga

I ain't hep to that step

But I'll dig it

I never could see mazurkas

They're poison to me, mazurkas

But if it's to be mazurkas

I ain't hep to that step

But I'll dig it

When they invented the charleston

I was a total flop

But say if you want to charleston

I'll never stop

I'll dance till I drop

I never could dig the polka

The corniest jig, the polka

But if you say dig the polka

I ain't hep to that step

But I'll dig it!

I ain't hep but I'll dig it!


Ouçam a letra, e depois digam-me se não vamos todos ter que dançar isto tudo e mais alguma coisa, em particular a tarantela.


 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: FONS VITAE



Não é de hoje, já tem quatro anos e foi tirada pelo satélite TRACE. O Sol abrindo-se, explodindo-se, num abraço maior do que a Terra. Neste abraço cabemos todos .
 


EARLY MORNING BLOGS 263

PINTA EL ENGAÑO DE LOS ALQUIMISTAS

Podrá el vidro llorar partos de Oriente?
¿Cabrá su habilidad en los crisoles?
¿Será la Tierra adúltera a los Soles,
Por concebir de un horno siempre ardiente?

¿Destilarás en baños a Occidente?
¿Podrán lo mismo humos que arreboles?
¿Abreviarán por ti los Españoles
El precioso naufragio de su gente?

Osas contrahacer su ingenio al día;
Pretendes que le parle docta llama
Los secretos de Dios a tu osadía.

Doctrina ciega y ambiciosa fama:
El oro miente en la ceniza fría,
Y cuando le promete, le derrama.

(Francisco de Quevedo)


*

Bom dia!


24.7.04
 


INTENDÊNCIA

- O último (para já) POBRE PAÍS de ontem actualizado.

- VERITAS FILIA TEMPORIS

- Viver na Twilight Zone (Outubro 2001)

- Feito pelo Cavaleiro Andante (Outubro 2002)


- ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO

em actualização.

Sobre Carlos Paredes / "Franco", militante comunista.


De uma nota da PIDE de 4 de Março de 1959.
 


BIBLIOFILIA






Escrevi na Sábado sobre a antologia de ensaios editada por David Lavery, This Thing of Ours. Investigating the Sopranos, Columbia University Press , 2002, livro sobre o qual já tinha feito uma nota no Abrupto . Para a semana coloco em linha.
 


EARLY MORNING BLOG 262

La Poule aux oeufs d'or

L'avarice perd tout en voulant tout gagner.
Je ne veux, pour le témoigner,
Que celui dont la Poule, à ce que dit la Fable,
Pondait tous les jours un oeuf d'or.
Il crut que dans son corps elle avait un trésor.
Il la tua, l'ouvrit, et la trouva semblable
A celles dont les oeufs ne lui rapportaient rien,
S'étant lui-même ôté le plus beau de son bien.
Belle leçon pour les gens chiches :
Pendant ces derniers temps, combien en a-t-on vus
Qui du soir au matin sont pauvres devenus
Pour vouloir trop tôt être riches ?

(La Fontaine)

*

Bom dia!

 


BRINCAR ÀS CASINHAS

O que é que aqueles génios das finanças e da economia, que nos andaram a dizer que este governo tinha, que nos garantiram que “nunca” permitiriam políticas despesistas e insensatas, os “avalistas” do governo para evitar “loucuras”, fizeram em Conselho de Ministros para impedir que o Primeiro-ministro ande a brincar às casinhas despachando meia dúzia de governantes menores para gabinetes fora de Lisboa, sem qualquer nexo, racionalidade ou vantagem?

 


LEITURA OBRIGATÓRIA

Nota de João Miranda no Blasfémias intitulada Orgasmo Múltiplo.
 



Juan Gris

23.7.04
 


POBRE PAÍS

o nosso.

No dia 26 de Junho escrevi o seguinte:

eu quero um governo que pense em Portugal em primeiro lugar, que não se importe de perder as eleições, se estiver convicto que políticas difíceis são vitalmente necessárias. Não quero uma comissão eleitoral uninominal (ou binominal) que fará tudo apenas com um fito: ganhar as próximas eleições.
Porque esse será o seu programa não escrito.

Nada do que aconteceu até hoje nega o que disse. Não há nenhuma razão económica para a baixa do IRS, a não ser os seus efeitos eleitorais. Não há nenhuma razão para esta absurda criação de embaixadas do governo em cidades do litoral (no Alentejo, o “litoral” é interior), a não ser a pouca sorte (para nós) do Ricardo Costa ter feito a pergunta que fez e ter encravado o orgulho volátil do Primeiro-Ministro em meia dúzia de promessas insensatas. Para quê: para facilitar a concessão de audiências ou a distribuição de benesses? Inútil e caro. E há mais. Pode estar a esboçar-se uma nova subsidiação ao subemprego com entradas pela porta do cavalo na função pública para absorver o desemprego. O que é que tudo isto tem em comum? Sabemos todos demasiado bem.

*

"A par dos inconvenientes que todos vemos, adivinho também algumas vantagens em ter secretarias de Estado noutras cidades do país e reuniões "saltitantes" do Conselho de Ministros.

1) Para os próprios governantes é fundamental terem a percepção permanente de que há vida fora de Lisboa. Um dos problemas recorrentes é precisamente que mesmo as pessoas com origem fora da capital se esquecem disso quando "emigram" para o Governo. Lisboa é grande, Lisboa é muito melhor do que o resto do país em inúmeros aspectos (e especialmente na vitalidade económica, digo eu que sou do Porto), Lisboa faz aparecer em quem lá está a "síndrome Vitorino" em relação ao resto do país.

2) Em paralelo com os aspectos estritamente racionais, há um efeito emocional positivo na proximidade física entre o "povo" e os governantes que depois se traduz em maior participação cívica, em maior dinamismo económico, etc., etc. (Esta afirmação carecia de alguma justificação adicional, mas agora não vai dar tempo...) Já sei também que a "deslocalização" não irá abranger todo o país, mas mais vale pouco do que nada.

3) Sempre achei que o Governo tenta fazer coisas demais. Mais vale pouco mas bem. Tenho muito receio de grandes planos, especialmente com este Primeiro-Ministro. Prefiro projectos simples (que podem no entanto ser passos intermédios de algo mais ambicioso) com resultados que possam ser avaliados rigorosamente num prazo razoavelmente curto.
Ao realizar reuniões fora de Lisboa, o Governo vai ser pressionado a apresentar resultados concretos dessas estadias. Pode ser que assim seja obrigado a adoptar uma postura realista e responsável – o português deixa-se iludir frequentemente por medidas populistas, mas não é eternamente enganado e acaba por ver a luz. ;-)"

(Tiago Azevedo Fernandes)

   


TRETAS

O Público escreve hoje seguinte: "O PSD exigiu a Pedro Santana Lopes que houvesse um lugar de secretário de Estado atribuído a este partido no Ministério da Defesa de Paulo Portas e foi, por isso, que à última hora a lista dos secretários de Estado foi alterada." Gostava muito de saber quem é o sujeito da frase, quem é esse "PSD" que "exige" coisas ao Primeiro-Ministro. O nosso jornalismo comprova todos os dias que há gente capaz de comer tudo o que se lhes dá.
 


EARLY MORNING BLOGS 261


Liberté

Le vent impur des étables
Vient d'ouest, d'est, du sud, du nord.
On ne s'assied plus aux tables
Des heureux, puisqu'on est mort.

Les princesses aux beaux râbles
Offrent leurs plus doux trésors.
Mais on s'en va dans les sables
Oublié, méprisé, fort.

On peut regarder la lune
Tranquille dans le ciel noir.
Et quelle morale ?... aucune.

Je me console à vous voir,
A vous étreindre ce soir
Amie éclatante et brune.

(Charles Cros)

*

Bom dia!
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: EXACTAMENTE COMO ELES SÃO



sem qualquer pintura, sem sombra, sem maquilhagem, sem falsas cores. Se lá estivéssemos, e não a pequena máquina, é isto que veríamos. Tom sobre tom perfeito.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:: "We certainly do not forget you as soon as you forget us. It is, perhaps, our fate rather than our merit."

"Diálogo (…) entre Anne Elliot e Captain Harville sobre como amam os homens e as mulheres. É Jane Austen; Persuation capítulo XXIII (e penúltimo). Claro que o Captain Wentworth que deixa cair a pena enquanto finge escrever, é o objecto do amor e devoção de Anne e as emoções não se ficam com o fim deste diálogo. São páginas finais de grande beleza e emoção de uma das mais lindas histórias de amor que a Literatura nos oferece e que “salvam” este romance “menor” de Jane Austen."

(Enviado por JPC)

"Poor Fanny! she would not have forgotten him so soon!"

"No," replied Anne, in a low, feeling voice. "That I can easily believe."

"It was not in her nature. She doted on him."

"It would not be the nature of any woman who truly loved."

Captain Harville smiled, as much as to say, "Do you claim that for your sex?" and she answered the question, smiling also, "Yes. We certainly do not forget you as soon as you forget us. It is, perhaps, our fate rather than our merit. We cannot help ourselves. We live at home, quiet, confined, and our feelings prey upon us. You are forced on exertion. You have always a profession, pursuits, business of some sort or other, to take you back into the world immediately, and continual occupation and change soon weaken impressions."

"Granting your assertion that the world does all this so soon for men (which, however, I do not think I shall grant), it does not apply to Benwick. He has not been forced upon any exertion. The peace turned him on shore at the very moment, and he has been living with us, in our little family circle, ever since."

"True," said Anne, "very true; I did not recollect; but what shall we say now, Captain Harville? If the change be not from outward circumstances, it must be from within; it must be nature, man's nature, which has done the business for Captain Benwick."

"No, no, it is not man's nature. I will not allow it to be more man's nature than woman's to be inconstant and forget those they do love, or have loved.

I believe the reverse. I believe in a true analogy between our bodily frames and our mental; and that as our bodies are the strongest, so are our feelings; capable of bearing most rough usage, and riding out the heaviest weather."

"Your feelings may be the strongest," replied Anne, "but the same spirit of analogy will authorise me to assert that ours are the most tender. Man is more robust than woman, but he is not longer lived; which exactly explains my view of the nature of their attachments. Nay, it would be too hard upon you, if it were otherwise. You have difficulties, and privations, and dangers enough to struggle with. You are always labouring and toiling, exposed to every risk and hardship. Your home, country, friends, all quitted. Neither time, nor health, nor life, to be called your own. It would be hard, indeed" (with a faltering voice), "if woman's feelings were to be added to all this."

"We shall never agree upon this question," Captain Harville was beginning to say, when a slight noise called their attention to Captain Wentworth's hitherto perfectly quiet division of the room. It was nothing more than that his pen had fallen down; but Anne was startled at finding him nearer than she had supposed, and half inclined to suspect that the pen had only fallen because he had been occupied by them, striving to catch sounds, which yet she did not think he could have caught.

"Have you finished your letter?" said Captain Harville.

"Not quite, a few lines more. I shall have done in five minutes."

"There is no hurry on my side. I am only ready whenever you are. I am in very good anchorage here," (smiling at Anne,) "well supplied, and want for nothing. No hurry for a signal at all. Well, Miss Elliot," (lowering his voice,) "as I was saying we shall never agree, I suppose, upon this point.

No man and woman, would, probably. But let me observe that all histories are against you--all stories, prose and verse. If I had such a memory as Benwick, I could bring you fifty quotations in a moment on my side the argument, and I do not think I ever opened a book in my life which had not something to say upon woman's inconstancy. Songs and proverbs, all talk of woman's fickleness. But perhaps you will say, these were all written by men."

"Perhaps I shall. Yes, yes, if you please, no reference to examples in books. Men have had every advantage of us in telling their own story.

Education has been theirs in so much higher a degree; the pen has been in their hands. I will not allow books to prove anything."

"But how shall we prove anything?"

"We never shall. We never can expect to prove any thing upon such a point.

It is a difference of opinion which does not admit of proof. We each begin, probably, with a little bias towards our own sex; and upon that bias build every circumstance in favour of it which has occurred within our own circle; many of which circumstances (perhaps those very cases which strike us the most) may be precisely such as cannot be brought forward without betraying a confidence, or in some respect saying what should not be said."

"Ah!" cried Captain Harville, in a tone of strong feeling, "if I could but make you comprehend what a man suffers when he takes a last look at his wife and children, and watches the boat that he has sent them off in, as long as it is in sight, and then turns away and says, `God knows whether we ever meet again!' And then, if I could convey to you the glow of his soul when he does see them again; when, coming back after a twelvemonth's absence, perhaps, and obliged to put into another port, he calculates how soon it be possible to get them there, pretending to deceive himself, and saying, `They cannot be here till such a day,' but all the while hoping for them twelve hours sooner, and seeing them arrive at last, as if Heaven had given them wings, by many hours sooner still! If I could explain to you all this, and all that a man can bear and do, and glories to do, for the sake of these treasures of his existence! I speak, you know, only of such men as have hearts!" pressing his own with emotion.

"Oh!" cried Anne eagerly, "I hope I do justice to all that is felt by you, and by those who resemble you. God forbid that I should undervalue the warm and faithful feelings of any of my fellow-creatures! I should deserve utter contempt if I dared to suppose that true attachment and constancy were known only by woman. No, I believe you capable of everything great and good in your married lives. I believe you equal to every important exertion, and to every domestic forbearance, so long as--if I may be allowed the expression--so long as you have an object. I mean while the woman you love lives, and lives for you. All the privilege I claim for my own sex (it is not a very enviable one; you need not covet it), is that of loving longest, when existence or when hope is gone."

She could not immediately have uttered another sentence; her heart was too full, her breath too much oppressed.

"You are a good soul," cried Captain Harville, putting his hand on her arm, quite affectionately. "There is no quarrelling with you. And when I think of Benwick, my tongue is tied."


22.7.04
 



Leger
 


EARLY MORNING BLOGS 260


En la televisión


Televisión. De pronto campo

Confuso de gentes, un día

Cualquiera.

Si es guerra, no hay crimen.

Se ve a un prisionero. Camina

Con paso forzado hacia donde

Se concentra alguna milicia

Que sin más,

vivir cotidiano,

-No hay pompa-dispara, no avisa.

La figura del prisionero

Se doblega, casi caída.

Inmediatamente un anuncio

Sigue.

Mercenarias sonrisas

Invaden a través de música.

¿Y el horror, ante nuestra vista,

De la muerte?

Nivel a cero

Todo. Todo se trivializa.

Un caos, y no de natura,

Va sumergiendo nuestras vidas.

¿De qué poderío nosotros,

Inocentes, somos las víctimas?


(Jorge Guillén)


*

Bom dia!

 

21.7.04
 


UMA EUROPA À REVELIA DA DEMOCRACIA

O acordo que deu a Presidência do Parlamento Europeu aos socialistas neste primeiro mandato mostra o desprezo dos grandes grupos políticos pela democracia. Normal seria que quem ganhasse as eleições europeias ficasse a presidir ao Parlamento, e seria o PPE a ter a Presidência. Foi esse um dos argumentos principais do PPE contra as pretensões do socialista Mário Soares em 1999, e pareciam-me ter sentido. Mas agora já é tudo ao contrário - o PPE, que ganhou as eleições, só terá a Presidência na segunda parte do mandato porque isso favorece os planos eleitorais dos partidos alemães do PPE. Os eleitores votaram maioritariamente PPE, mas vão ter o PSE, porque, por razões diferentes, a ambos convém que assim seja. A vontade eleitoral expressa nas urnas interessa pouco.

(Diga-se, de passagem, que a eleição de José Barroso nada tem a ver com este acordo, cujas linhas gerais já se preparavam desde antes das eleições.)

 


À SOLTA

e mandando, é o caos.
 



Lucien Freud
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES (Actualizado)

"Pode ser um preciosismo mas não deixa de ser interessante.
Pedro Santana Lopes afirmou, antes da constituição do Governo que a proporção de pastas ministeriais atribuídas ao CDS/PP se manteria. Ora, tal não se verificou: 3 ministros em 17 no anterior Governo representa 17,6% enquanto que 4 ministros em 19 representa 21,0% do actual Governo. Em termos relativos o CDS/PP viu aumentar em 19,3%, (21-17,6)/17,6, o número de ministérios sob a sua alçada. É um aumento significativo em termos quantitativos.!"
(MJM)

*

"Penso que quando se fazem contas com percentagens, deve-se apenas somar e subtrair. É verdade que aumentou o peso do PP, mas apenas 3,4% (21 - 17,6). Imaginemos que o Governo tinha 100 ministros: se 18 eram do PP e passam a ser 21, aumentaram 3 em 100, e não 19 em 100. Em todo o caso, era impossível manter o equilíbrio inalterado com 19 ministros, uma vez que o peso do PP diminuiría para 15,8% se mantivesse três ministros."

(Paulo Almeida)

*

"Envio-lhe um poema de Vinicius de Moraes, "Gente Humilde", a que volto agora, nestes tempos em que a gente humilde do nosso país está tão longe ... tão longe de tudo, e em que é mais urgente recordar as palavras que esbofeteiam as consciências adormecidas."

(Pedro Leite Alves)

Gente Humilde

Tem certos dias em que eu penso em minha gente
E sinto assim todo o meu peito se apertar
Porque parece que acontece de repente
Como um desejo de eu viver sem me notar

Igual a como quando eu passo no subúrbio
Eu muito bem, vindo de trem de algum lugar
E aí me dá como uma inveja dessa gente
Que vai em frente sem nem ter com quem contar

São casas simples, com cadeiras na calçada
E na fachada escrito em cima que é um lar
Pela varanda flores tristes e baldias
Como a alegria que não tem onde encostar

E aí me dá uma tristeza no meu peito
Feito um despeito de eu não ter como lutar
E eu que não creio, peço a Deus por minha gente
É gente humilde, que vontade de chorar

(Vinicius de Moraes)

*

"Perante o divórcio recente de muitas personalidades do PSD, e porventura da vida politica e social portuguesa, de confrontos ou de alternativas sérias e sensatas a Santana Lopes, recordei-me do texto que envio abaixo, citado do "Il Gattopardo" de Tommasi di Lampedusa (...).
A recordação deste texto não foi sem susto -enfim, daqueles razoavelmente moderados que ocorrem quando constatamos, em alguns livros maiores, um número impressionante de analogias com a realidade - porque, por um lado ,aquele grupo de politicos que, com credibilidade e valores, como Mario Soares, Cavaco Silva, Freitas do Amaral,etc, ou mais recente, António Vitorino, Durão Barroso ou outros, me parece que se assemelham cada vez mais com o Principe de Salina; e por outro lado, dou comigo a pensar que o Principe pode ter razão: que apesar de aqui e ali, parecer vislumbrar-se alguns acenos de sobressalto da sociedade civil, no fundo, a maioria dos Portugueses se acha desde já perfeita, inclusive muitas, demasiadas, das suas ditas 'elites' e 'forças vivas' à esquerda e á direita- e que, revestindo tudo com fútebois (que aliás eu aprecio muito, dentro dos seus limites naturais) e outros fogos-fátuos, aspiram a um grande sono sem serem acordados por exigências de reforma, de mudanc,a, de rigor e de empenho. "

(Artur Frias Rebelo)

(...) Volle fare un ultimo sforzo; si alzó e l'emozione conferiva Pathos alla sua voce: "Principe, ma é proprio sul serio che lei si rifiuta di fare il possibile per alleviare, per tentare di rimediare allo stato di povertà materiale, di cieca miseria morale nelle quali giace questo che é il suo stesso popolo? Il clima si vince, il ricordo dei cattivi governi si cancella, i Siciliani vorranno migliorare; se gli uomini onesti si ritirano, la strada rimarrà libera alla gente senza scrupoli e senza prospettive, ai Sedàra; e tutto sarà di nuovo come prima, per altri secoli. Ascolti la sua coscienza, principe, e non le orgogliose verità che ha detto. Collabori."

Don Fabrizio gli sorrideva, lo prese per la mano, lo fece sedere vicino a lui sul divano: "Lei é un gentiluomo, Chevalley, e stimo una fortuna averlo conosciuto; Lei ha ragione in tutto; si é sbagliato soltanto quando ha detto: 'i Siciliani vorranno migliorare.' Le racconterò un aneddoto personale. Due o tre giorni prima che Garibaldi entrasse a Palermo mi furono presentati alcuni ufficiali di marina inglesi, in servizio su quelle navi che stavano in rada per rendersi conto degli avvenimenti. Essi avevano appreso, non so come, che io posseggo una casa alla Marina, di fronte al mare, con sul tetto una terrazza dalla quale si scorge la cerchia dei monti intorno alla città; mi chiesero di visitare la casa, di venire a guardare quel panorama nel quale si diceva che i Garibaldini si aggiravano e del quale, dalle loro navi non si erano fatti una idea chiara.

Vennero a casa, li accompagnai lassù in cima; erano dei giovanottoni ingenui malgrado i loro scopettoni rossastri. Rimasero estasiati dal panorama, della irruenza della luce; confessarono però che erano stati pietrificati osservando lo squallore, la vetustà, il sudiciume delle strade di accesso. Non spiegai loro che una cosa era derivata dall'altra, come ho tentato di fare a lei. Uno di loro, poi, mi chiese che cosa veramente venissero a fare, qui in Sicilia, quei volontari italiani.'They are coming to teach us good manners' risposi 'but won't succeed, because we are gods.' 'Vengono per insegnarci le buone creanze ma non lo potranno fare, perchè noi siamo dei.' Credo che non comprendessero, ma risero e se ne andarono.

Cosi rispondo anche a Lei; caro Chevalley: i Siciliani non vorranno mai migliorare per la semplice ragione che credono di essere perfetti: la loro vanità é più forte della loro miseria; ogni intromissione di estranei sia per origine sia anche, se si tratti di Siciliani, per indipendenza di spirito, sconvolge il loro vaneggiare di raggiunta compiutezza, rischia di turbare la loro compiaciuta attesa del nulla; calpestati da una diecina di popoli differenti essi credono di avere un passato imperiale che da loro diritto a funerali sontuosi. Crede davvero Lei, Chevalley, di essere il primo a sperare di incanalare la Sicilia nel flusso della storia universale? Chissà quanti imani mussulmani, quanti cavalieri di re Ruggero, quanti scribi degli Svevi, quanti baroni angioini, quanti legisti del Cattolico hanno concepito la stessa bella follia; e quanti viceré spagnoli, quanti funzionali riformatori di Carlo III; e chi sa più chi siano stati? La Sicilia ha voluto dormire, a dispetto delle loro invocazioni; perchè avrebbe dovuto ascoltarli se é ricca, se é saggia, se é onesta, se é da tutti ammirata e invidiata, se é perfetta, in una parola?'

(Il Gattopardo, Giuseppe Tommasi di Lampedusa)


 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS VISTOS PELOS LEITORES DO ABRUPTO


"Uma leitura diagonal da transcrição completa das comunicações entre Houston e o Mar da Tranquilidade, onde o módulo lunar aterrou, também é útil para constatar o notável grau de concentração com que Neil Armstrong e Aldrin executaram todas as tarefas necessárias à alunagem, à saída do módulo e ao estudo da superfície. Com efeito, tirando os momentos protocolares - a frase de Armstrong, a chamada do Presidente dos EUA e a leitura da placa comemorativa deixada na Lua - nenhum dos homens deixou transparecer, durante as duas horas e meia em que se aventuraram na superfície lunar (duas horas em que o planeta inteiro por cima das suas cabeças acompanhou atentamente cada um dos seus passos), nenhuma emoção com a paisagem diante si. Mais do que nas suas tarefas, eles estavam plenamente conscientes do privilégio e da gigantesca responsabilidade neles depositada. De toda a troca de comunicações, alguns raros momentos deixam a descoberto, no entanto, a ânsia dos dois astronautas, algo perfeitamente visível quando, logo após aterrarem, pedem autorização a Houston para saltarem o período de sono inicialmente previsto e começarem imediatamente a preparação para caminharem na Lua. Com uma paisagem daquelas pela janela, é impossível censurá-los.

Foi hoje, há trinta e cinco anos."

(Pedro)
 


EARLY MORNING BLOGS 259

We Wear the Mask


WE wear the mask that grins and lies,
It hides our cheeks and shades our eyes,—
This debt we pay to human guile;
With torn and bleeding hearts we smile,
And mouth with myriad subtleties.

Why should the world be over-wise,
In counting all our tears and sighs?
Nay, let them only see us, while
We wear the mask.

We smile, but, O great Christ, our cries
To thee from tortured souls arise.
We sing, but oh the clay is vile
Beneath our feet, and long the mile;
But let the world dream otherwise,
We wear the mask!


(Paul Laurence Dunbar)

*

Bom dia!

20.7.04
 


OREMOS

Começou a normalidade anormal. Adaptemo-nos. Revoltemo-nos. Oremos. O que soa melhor ainda é o oremos, mas só com o batalhão dos Santos todos. E mais a Santíssima Trindade. E mais o Olimpo. E mais...
 



Juan Genoves
 


EARLY MORNING BLOGS 258
                                                             
The world is too much with us; late and soon,    
Getting and spending, we lay waste our powers:    
Little we see in nature that is ours;    
We have given our hearts away, a sordid boon!  
  
 This Sea that bares her bosom to the moon;    
The Winds that will be howling at all hours    
And are up-gathered now like sleeping flowers;    
For this, for every thing, we are out of tune;   
 
It moves us not—Great God! I'd rather be    
A Pagan suckled in a creed outworn;    
So might I, standing on this pleasant lea,  
  
Have glimpses that would make me less forlorn    
Have sight of Proteus coming from the sea,    
Or hear old Triton blow his wreathed horn.
 
 (William Wordsworth) 
 
*
 
Bom dia!

19.7.04
   



Juan Gris
 


EARLY MORNING BLOGS 257
 
In the Long Run

IN the long run fame finds the deserving man.
The lucky wight may prosper for a day,
But in good time true merit leads the van,
And vain pretense, unnoticed, goes its way.
There is no Chance, no Destiny, no Fate,
But Fortune smiles on those who work and wait,
            In the long run.

In the long run all goodly sorrow pays,
There is no better thing than righteous pain,
The sleepless nights, the awful thorn-crowned days,
Bring sure reward to tortured soul and brain.
Unmeaning joys enervate in the end,
But sorrow yields a glorious dividend
            In the long run.

In the long run all hidden things are known,
The eye of truth will penetrate the night,
And good or ill, thy secret shall be known,
However well 't is guarded from the light.
All the unspoken motives of the breast
Are fathomed by the years and stand confest
            In the long run.

In the long run all love is paid by love,
Though undervalued by the hosts of earth;
The great eternal Governemnt above
Keeps strict account and will redeem its worth.
Give thy love freely; do not count the cost;
So beautiful a thing was never lost
            In the long run.

(Ella Wheeler Wilcox)
 
*
 
Bom dia! In the long run ...

18.7.04
 


POEIRA DE 18 DE JULHO
 
Hoje, há cento e setenta e três anos, Mary Shelley ouviu Paganini a tocar. Ficou histérica, escreveu “he had the effect of giving me hysterics”. Assim mesmo. Acrescentou: “poderia passar a minha vida a ouvi-lo, porque nada foi mais sublime”. Outros tempos.
 


CATÁLOGO DE ATITUDES
 
Nenhuma dúvida, dúvidas, benefício da dúvida, complacência, fila de cumprimentos, palmas, muitas palmas, e “agora é que vai ser”.
 


INTENDÊNCIA
 
OS VINTE LIVROS PORTUGUESES – actualizado  

 VERITAS FILIA TEMPORIS

Carta a um Amigo da UDP sobre a mudança (Outubro 1994)
 
Memórias da "Leitura" (Dezembro 1994)


 
  
  
  
  
  
 


Traidora Tradução - A Grande Perturbação: A Luxúria (Julho 2004)” , a crítica a Simon Blackburn, Lust, Oxford University Press, 2004 , publicada na Sábado da semana passada. 
 
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: RENTE AO CHÃO


 
correu por aqui um qualquer, rápido, fluído. No chão de Marte.
 


EARLY MORNING BLOGS 256

A Considerable Speck
(Microscopic)

A speck that would have been beneath my sight
On any but a paper sheet so white
Set off across what I had written there.
And I had idly poised my pen in air
To stop it with a period of ink
When something strange about it made me think,
This was no dust speck by my breathing blown,
But unmistakably a living mite
With inclinations it could call its own.
It paused as with suspicion of my pen,
And then came racing wildly on again
To where my manuscript was not yet dry;
Then paused again and either drank or smelt--
With loathing, for again it turned to fly.
Plainly with an intelligence I dealt.
It seemed too tiny to have room for feet,
Yet must have had a set of them complete
To express how much it didn't want to die.
It ran with terror and with cunning crept.
It faltered: I could see it hesitate;
Then in the middle of the open sheet
Cower down in desperation to accept
Whatever I accorded it of fate.
I have none of the tenderer-than-thou
Collectivistic regimenting love
With which the modern world is being swept.
But this poor microscopic item now!
Since it was nothing I knew evil of
I let it lie there till I hope it slept.

I have a mind myself and recognize
Mind when I meet with it in any guise
No one can know how glad I am to find
On any sheet the least display of mind.

(Robert Frost)
 
*
 
Bom dia!

17.7.04
 


BIBLIOFILIA: UMA MÁQUINA DO TEMPO 
  
Na mesma feira comprei este Anuário de 1944, uma verdadeira máquina do tempo. Raro, mesmo raro, é encontrar livros destes. Primeiro porque é um livro consumível, de usar (logo deteriorar) e deitar fora, depois porque é enorme, quase duas mil e quinhentas páginas, pesadíssimo, com capa dura, difícil de manusear.
 
Agora que é um fabuloso retrato desse ano de viragem, 1944, é. Lá estão as fotografias de Carmona e Salazar, como nas publicações soviéticas, e todo um mundo de pequenos artigos, fotografias, e endereços, rua a rua, por profissões e ramos de negócio, um retrato de um mundo desaparecido, de empresas hoje inexistentes, de um Portugal tão diferente. Valeu os euros que custou, porque é raro ver este tipo de livros no mercado alfarrabista. 
 


BIBLIOFILIA

 

 
Descoberta, numa feira de livros ao ar livre, esta raridade de Mário Saa, um dos poucos textos anti-semitas publicados em Portugal no século XX. Lá se lê isto: 

e isto:
 

 


OS VINTE LIVROS PORTUGUESES

Aqui há uns anos respondi a um desses inquéritos sobre os livros da “vida”, neste caso portugueses. Encontrei essa resposta que reproduzo a seguir:

Os vinte livros portugueses da “vida” (até agora) são mais de vinte. Aqui segue uma lista apressada (comme il faut pour les journaux...), que pode deixar de fora algum enorme esquecimento súbito.
Primeiro, os “romances” como a “Nau Catrineta”, a que se segue o Amadis de Gaula. O terceiro é a Menina e Moça de Bernardim, a que se soma o Crisfal. Depois vem a lírica de Sá de Miranda e de Camões. Do primeiro me perseguirá sempre um verso : “que farei quando tudo arde?”. Depois os Lusíadas. Depois a "navegação" que todos nós fizemos sobre a forma de Peregrinação de Fernão Mendes Pinto e da História Trágico-Marítima. Depois os altíssimos Padre António Vieira nos Sermões e a “floresta” e o “pão” do Padre Manuel Bernardes, o mais belo português em prosa. Depois salto para o século XIX, bem para dentro da nossa fluidez moderna, longe da rocha clássica: o “Noivado do Sepulcro” de Soares de Passos que sei de cor, e já a partir para o século XX, os excessos de Eugénio de Castro e a Clepsidra de Camilo Pessanha. Inumeráveis livros de Eça, os Maias, A Cidade e as Serras, Conde de Abranhos, o Fradique, Os Contos e, com a “ramalhal figura”, As Farpas. Também Oliveira Martins. E de Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais, cujas primeiras páginas é talvez o princípio de um livro português que mais vezes li, vá-se lá saber porquê. Depois o número treze (il faut tricher...) é Pessoa, ele mesmo e Álvaro de Campos e Ricardo Reis, este último o preferido. Catorze, são as traduções para português que Paulo Quintela fez de Rilke e de Hölderlin - e que são livros seminais do português poético do século XX. Vêm a seguir três prosadores - Raul Brandão do Húmus, Ruben A. e Nuno Bragança - e um ensaista, o Eduardo Lourenço de Heterodoxia. E, por fim, de Eugénio de Andrade, Herberto Helder, Cesariny e Joaquim Manuel Magalhães, as “poesias todas”.
Se tudo o mais desaparecesse, mesmo com enormes injustiças, continuava a poder haver Portugal e a sua língua. Sem isto não havia.

Verifico agora pelo menos uma enorme injustiça e esquecimento, Cesário Verde.

*

"Como "escolher" os livros portugueses mais representativos da nossa literatura, se a própria escola ajuda tão pouco? Nasci numa casa sem livros, que os foi ganhando com as minhas escolhas, um pouco arbitrárias... Seguindo o seu exemplo, fiz uma lista dos livros ou textos que mais me marcaram. (Alguns marcaram-me pela negativa - não gostei deles - e não os incluí.) Falta conhecer muitos, bem sei. Haja tempo para mais!

A minha lista:
"Auto da Barca do Inferno" - Gil Vicente "Os Lusíadas" e "Lírica" (Círculo de Leitores) - Luís Vaz de Camões "Peregrinação" - Fernão Mendes Pinto "Sermões" (Público) - Padre António Vieira "Folhas Caídas" e "Romanceiro"- Almeida Garrett "As Pupilas do Senhor Reitor" - Júlio Dinis "Os Maias" - Eça de Queirós "O Primo Basílio" - Eça de Queirós "Só" - António Nobre "O Livro de Cesário Verde" - Cesário Verde "Mensagem" - Fernando Pessoa "O Guardador de Rebanhos" - Alberto Caeiro "Livro do Desassossego" - Bernardo Soares "Charneca em Flor" e "Livro de Mágoas" - Florbela Espanca "Poemas de Deus e do Diabo" e "Filho do Homem" - José Régio "Húmus" - Raúl Brandão "O Fogo e as Cinzas" - Manuel da Fonseca "Manhã Submersa" - Virgílio Ferreira "Livro Sexto" - Sophia de Mello Breyner Andresen "As Mãos e os Frutos" - Eugénio de Andrade "Memorial do Convento" e "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" - José Saramago


Não faltará na sua lista o Gil Vicente?..."

(ASN)

*

"Graças à escola de então, no meu caso, e ao contrário da leitora ASN, a bons professores de português, e a uma casa cheia de livros, abriu-se cedo todo um mundo para mim.
Também concordo com a leitora que se surpreende (verbo definitivamente na moda como a comunicação social nos lembrou toda a semana que passou) da ausência de Gil Vicente. No meu caso, e gostando de quase toda a sua obra nomeadamente do "Auto da Barca do Inferno" tenho preferência pelo "Auto da Alma".
Também estranhei a ausência daquele que por muitos é considerado o melhor romance de língua portuguesa do séc. XX. Do Vitorino Nemésio "Mau tempo no Canal".
(A minha lista seria diferente, mas estes dois casos são os que mais me chamaram a atenção)
"

(JPC)


 


DESPESISMO

Há duas formas de despesismo: uma, é gastar mais dinheiro; outra, é gastar mal o dinheiro. Normalmente andam a par.
 


EARLY MORNING BLOGS 255

La Grenouille qui veut se faire aussi grosse que le Boeuf


Une Grenouille vit un Boeuf
Qui lui sembla de belle taille.
Elle, qui n'était pas grosse en tout comme un oeuf,
Envieuse, s'étend, et s'enfle, et se travaille,
Pour égaler l'animal en grosseur,
Disant : "Regardez bien, ma soeur ;
Est-ce assez ? dites-moi ; n'y suis-je point encore ?
- Nenni. - M'y voici donc ? - Point du tout. - M'y voilà ?
- Vous n'en approchez point. "La chétive pécore
S'enfla si bien qu'elle creva.
Le monde est plein de gens qui ne sont pas plus sages :
Tout bourgeois veut bâtir comme les grands seigneurs,
Tout petit prince a des ambassadeurs,
Tout marquis veut avoir des pages.

(La Fontaine)

*

Bom dia!

16.7.04
 


BIBLIOFILIA











José Ribeiro Ferreira, Amor e Morte na Cultura Clássica, Coimbra, Ariadne Editora, 2004

Vale mesmo a pena. Afinal está aqui quase tudo. Quase.
 


OS MINISTROS DE SALAZAR

sabiam que não eram ministros quando os seus sucessores apareciam nomeados. Antigamente era prepotência autoritária, hoje é essencialmente má educação. Aconteceu.

 


MINISTÉRIOS DE PRIMEIRA E DE SEGUNDA, ATENÇÃO DE PRIMEIRA E DE SEGUNDA 2

Nesta diferença de tratamento, há dois aspectos interessantes: um, o peso do Estado na economia, e a sua politização; outro, a ignorância da comunicação social sobre o mundo universitário e científico. Um dos efeitos daí decorrentes é que se sabe sempre quem são os gestores que vão para os governos e se ignora sempre quem são os universitários. De uns, há sempre filmes e fotografias; de outros, nem o nome certo se conhece.


 


MINISTÉRIOS DE PRIMEIRA E DE SEGUNDA, ATENÇÃO DE PRIMEIRA E DE SEGUNDA

Na atenção que a comunicação social dá ao governo, prevalece uma visão muito arcaizante da governação: centra-se tudo na economia e nas finanças, e pouco nas áreas mais qualitativas, como a educação, a ciência, o ambiente, a cultura. Esta disfunção da atenção comunicacional é espelhar face à dos políticos, que também consideram essa a parte secundária dos governos.

Num certo sentido, as primeiras são instrumentais, as segundas fundamentais. Andou tudo muito atento às pastas económicas e financeiras, e desatento em relação às pastas estratégicas para o nosso futuro. Esqueceu-se que, enquanto os interesses económicos nunca deixam um vazio no governo, no resto as coisas fiam mais fino e mais difícil.


 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: O BELO E O TERRÍVEL




estão aqui. Kant reconheceria os seus conceitos. Há nesta mecânica silenciosa do grande planeta dos Anéis uma sombra que se estende como o terror sublime e que apaga tudo. Há um frio especial, uma solidão especial lá longe. O mais humano são os pequenos pontos que parecem defeitos da fotografia, Encelado, Prometeu e Epimeteu, fragmentos de mundos. Um rapaz pequeno deve ter medo desta fotografia como da noite escura. Um rapaz grande, não sei.
 


UM ABRAÇO

à Desesperada Esperança. Por razões muito próprias.

 


SOBRE A UNESCO

(Em breve, logo que tenha tempo. Entretanto esta notícia do Público diz quase tudo quanto há a dizer.)
 


FUTURO PRESIDENTE DA COMISSÃO ATACA POLÍTICA EXTERNA DE PORTUGAL

Quando se pronunciou sobre a “arrogância” e o “unilateralismo” americano, que, pelos vistos, “detesta”, (não percebo se na época da Cimeira das Lajes essa “arrogância” era menor), o futuro Presidente da Comissão Europeia atacou a política externa portuguesa, criando dificuldades para Portugal.

 


 


EARLY MORNING BLOGS 254

Epitaph


Beyond the traceries of the auroras,
The fires of tattered sea foam,
The ghost-terrain of submerged icebergs;
Beyond a cinder dome's black sands,
Beyond peninsula and archipelago,
Archipelago and far-flung islands,
You have made of exile a homeland,
Voyager, and of that chosen depth, a repose.

The eel shimmers and the dogfish darts,
A dance of crisscrosses and trespasses
Through distillate glints and nacreous silts,
And the sun, like fronds of royal palm
Wind-torn, tossed, lashes upon the wake,
But no lamplight mars or bleaches your realm,
A dark of sediment, spawn, slough, and lees,
Runoff, pitch-black, from the rivers of Psalms.

(Eric Pankey)

*

Bom dia!


15.7.04
 


UMA PERGUNTA SIMPLES

Porque é que "surpreender" é tão importante?

*

"Não me parece que seja por acaso que a língua Inglesa é tão fértil no uso da voz passiva. Será que é “surpreender” que é “tão importante” ou será que “ser surpreendido” tem primazia?"

(JPC)
 


POBRE PAÍS

o nosso.
Ouvindo a confrangedora série de banalidades e vacuidades, ditas com ar pomposo, por Sócrates, o candidato com mais apoios no PS.
A crise que nestes dias se revelou, e que já cá estava, é muito pior do que se imagina.
 


EARLY MORNING BLOGS 253

L'Ane chargé d'éponges, et l'Ane chargé de sel


Un Anier, son Sceptre à la main,
Menait, en Empereur Romain,
Deux Coursiers à longues oreilles.
L'un, d'éponges chargé, marchait comme un Courrier ;
Et l'autre, se faisant prier,
Portait, comme on dit, les bouteilles :
Sa charge était de sel. Nos gaillards pèlerins,
Par monts, par vaux, et par chemins,
Au gué d'une rivière à la fin arrivèrent,
Et fort empêchés se trouvèrent.
L'Anier, qui tous les jours traversait ce gué-là,
Sur l'Ane à l'éponge monta,
Chassant devant lui l'autre bête,
Qui voulant en faire à sa tête,
Dans un trou se précipita,
Revint sur l'eau, puis échappa ;
Car au bout de quelques nagées,
Tout son sel se fondit si bien
Que le Baudet ne sentit rien
Sur ses épaules soulagées.
Camarade Epongier prit exemple sur lui,
Comme un Mouton qui va dessus la foi d'autrui.
Voilà mon Ane à l'eau ; jusqu'au col il se plonge,
Lui, le Conducteur et l'Eponge.
Tous trois burent d'autant : l'Anier et le Grison
Firent à l'éponge raison.
Celle-ci devint si pesante,
Et de tant d'eau s'emplit d'abord,
Que l'Ane succombant ne put gagner le bord.
L'Anier l'embrassait, dans l'attente
D'une prompte et certaine mort.
Quelqu'un vint au secours : qui ce fut, il n'importe ;
C'est assez qu'on ait vu par là qu'il ne faut point
Agir chacun de même sorte.
J'en voulais venir à ce point.


(La Fontaine)

*

Repito: là qu'il ne faut point / Agir chacun de même sorte. Não sei porquê mas suspeito que vamos ter muito La Fontaine e Esopo nestes tempos. Ou melhor, sei: a sabedoria deles, é muita e só ela nos protege da força enorme que nos leva a voar cada vez mais baixo e a achar que ainda estamos muito longe do chão. Sejam bem-vindos, o corvo, a raposa, os múltiplos ratos, a rã, os burros, etc., etc.,,

Bom dia!

14.7.04
 


ATENÇÃO

Circula na Internet um texto intitulado "PACHECO PEREIRA NO SEU MELHOR ..." que me é atribuído. Podem deitar ao lixo. É falso.
   


BIBLIOFILIA

O que encontramos dentro dos livros usados.
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: AS OUTRAS NUVENS



lá em cima, no canto esquerdo. Nuvens como as nossas (em Marte há outras), anunciando o Inverno pela fresca manhã. Tudo como sempre: simples. Nós é que complicamos.
 


LEITURA OBRIGATÓRIA

a nota dos Jaquinzinhos intitulada o Ministro das Bolachas, sobre do que falamos quando falamos do Ministério da Agricultura. Um retrato da nossa administração pública e um bom exemplo do "trabalho" dos blogues.
 


EARLY MORNING BLOGS 252

EL INFANTE ARNALDOS

¡Quién hubiera tal ventura sobre las aguas del mar
como hubo el infante Arnaldos la mañana de San Juan!
Andando a buscar la caza para su falcón cebar,
vio venir una galera que a tierra quiere llegar;
las velas trae de sedas, la ejarcia de oro terzal,
áncoras tiene de plata, tablas de fino coral.
Marinero que la guía, diciendo viene un cantar,
que la mar ponía en calma, los vientos hace amainar;
los peces que andan al hondo, arriba los hace andar;
las aves que van volando, al mástil vienen posar.
Allí habló el infante Arnaldos, bien oiréis lo que dirá:
—Por tu vida, el marinero, dígasme ora ese cantar.
Respondióle el marinero, tal respuesta le fue a dar:
—Yo no canto mi canción sino a quién conmigo va.


(Anónimo)

*

Bom dia!

13.7.04
 


ALTOGETHER, ELSEWHERE, VAST / HERDS OF REINDEER MOVE ACROSS


Roy Lichtenstein
 


EARLY MORNING BLOGS 251

The Fall Of Rome

The piers are pummelled by the waves;
In a lonely field the rain
Lashes and abandoned train;
Outlaws fill the mountain caves.

Fantastic grow the evening gowns;
Agenst of the Fisc pursue
Absconding tax-defaulters through
The sewers of provincial towns.

Private rites of magic send
The temple prostitutes to sleep;
All the literati keep
An imaginary friend.

Cerebrotonic Cato may
Extol the Ancient Disciplines,
But the muscle-bound Marines
Mutiny for food and pay.

Caesar's double-bed is warm
As an unimportatnt clerk
Writes I DO NOT LIKE MY WORK
On a pink official form.

Unendowed with wealth or pity
Little birds with scalet legs,
Sitting on their speckled eggs,
Eye each flu-infected city.

Altogether elsewhere, vast
Herds of reindeer move across
Miles and miles of golden moss,
Silently and very fast.


(W.H. Auden)

*

Bom dia!

12.7.04
 


VERITAS FILIA TEMPORIS

Para me complicar ainda mais a vida resolvi, a exemplo do que fazem a Bloguitica e a Causa Nossa, criar um blogue secundário para armazenar alguns textos que já não estão em linha e que penso terem utilidade no debate actual. O que lá está dito, em conjunção com a data (tenho a ilusão que a data é relevante...), podem servir para precisar melhor o que penso.

O primeiro texto é "As Três Fontes E As Três Partes Da Social-Democracia Portuguesa" (Novembro 1992)

NOTA: as versões dos textos e a formatação final ainda são provisórias.

 


TEMPOS DUROS 3: O ARGUMENTO HEGELIANO

Já se esperava que voltasse, e em força, aquilo a que chamo o argumento hegeliano. O argumento hegeliano pode ser exposto assim: o que tem que ser, tem muita força; logo, o que acontece teve que acontecer; logo o que acontece tem que acontecer. Não adianta esbracejar (e reparem como eu uso já uma palavra condenada pelo ridículo, “esbracejar”, que é para entrar bem dentro do argumento hegeliano e de uma das suas sequelas: ou se fica “senhor”, ou se fica “escravo”). A força do que “é”, é inelutável, e era disto que gostavam os hegelianos de direita, e, de um modo geral, os que aceitam o que é, porque o que é tem muita força e eles nenhuma. Os de esquerda gostavam do princípio da negação e não gostavam da “negação da negação”. Mas isso é para o BE, que se construiu na base da negação da “negação da negação” (por isso é que são pós-trotsquistas e são muito afirmativos da negação - dos outros).

Daqui decorrem depois múltiplas conclusões, todas elas assentes na inevitabilidade do que “é”. O que “é” ganha então uma explicação retrospectiva, intelectual, afectiva, e, a um dado momento, moral. Entra então em funcionamento o famoso “caixote do lixo da história”, para onde vão todos os que o “é” nega, pelo próprio facto de existir. O “é” só pode ter sido feito de qualidades e virtudes, senão como é que seria “é”? Pelo contrário, os que o “é” nega têm que ter algum mal intrínseco, ou são irrealistas (leia-se parvos, já que não conhecem a realidade que gerou o “é”), ou são preguiçosos (argumento contraditório com o anterior, porque não há labor que contrarie a marcha inevitável da História, ou seja, da realidade), ou então não fizeram o que o “é” fez, mesmo que isso tenha sido condenado quando o “é” ainda não o era. Mas a vitória que transforma o não-ser em ser dá-lhe retrospectivamente o direito de ver os defeitos transformados em virtudes. Veja-se como exemplo de argumento hegeliano o editorial do Público de hoje.

Esta forma de argumento hegeliano esquece a “ironia” da História, com H grande, que também vem em Hegel, e que neste caso se chama a “partida inesperada” ou a “deserção inimaginável”, mas não importa. A força do “é” é tanta que até o inesperado se torna esperado. Não esperavam, pois não? Deviam era ter-se posto na bicha da História.

O “é” antes de ser já o era. Inevitavelmente. Aliás é onde vai desaguar o argumento hegeliano: tudo o que acontece é inevitável, o que explica o cem a zero. E o cem tem muita força, não é?
 



Hans Memling
 


EARLY MORNING BLOGS 250

Recuerdo


WE WERE very tired, we were very merry--
We had gone back and forth all night on the ferry.
It was bare and bright, and smelled like a stable--
But we looked into a fire, we leaned across a table,
We lay on a hilltop underneath the moon;
And the whistles kept blowing, and the dawn came soon.

We were very tired, we were very merry--
We had gone back and forth all night on the ferry,
And you ate an apple, and I ate a pear,
From a dozen of each we had bought somewhere;
And the sky went wan, and the wind came cold,
And the sun rose dripping, a bucketful of gold.

We were very tired, we were very merry,
We had gone back and forth all night on the ferry,
We hailed "Good morrow, mother!" to a shawl-covered head,
And bought a morning paper, which neither of us read;
And she wept, "God bless you!" for the apples and pears,
And we gave her all our money but our subway fares.


(Edna St.Vincent Millay)

*

Bom dia!
 


COMEÇOU

A entrevista de Santana Lopes à SIC, para além de um exercício de simulação política tão exagerado quanto ao Presidente que roça o absurdo - nenhum Primeiro Ministro que se preza se coloca de forma tão subserviente sob a tutela presidencial – mostra, infelizmente, que já começou a revelar-se a marca de água do entrevistado. As únicas coisas que foram ditas de concreto – número de ministérios, descentralização de ministérios, o Ministério da Agricultura em Santarém – são claramente coisas ditas sem qualquer pensamento de fundo, estudo, preparação e ponderação sobre a estrutura do Governo e o modo como se relaciona com o país. São daquelas coisas que são ditas e, depois, se levadas à prática na forma como foram “prometidas”, representam “experiências” com custos enormes. São caras, desorganizam o pouco que funciona e não resolvem problema nenhum.

Não, não é má vontade. É que é exactamente isto que é o costume.

11.7.04
 


O BIBLIÓFILO


Ilustração retirada de Bertrand Galimard Flavigny, Être Bibliophile - Petit Guide Pratique, Anglet, Atlantica, 2004
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: DITOS DO CHIFRUDO RECOLHIDOS POR GIL VICENTE

"E que dizia o chifrudo, ao entrar de penetra na Feira convocada por Mercúrio? Que alegava o demo para poder assentar arraiais naquilo que não lhe pertencia?

Dizia que "eu bem me posso gabar, e cada vez que quiser, que na feira onde eu entrar sempre tenho que vender, e acho quem me comprar. E mais, vendo muito bem, porque sei bem o que entendo; e de tudo quanto vendo não pago siza a ninguém por tratos que ande fazendo.Quero-me fazer à vela nesta santa feira nova. Verei os que vêm a ela, e mais verei quem m' estorva de ser eu o maior dela".

E questionado sobre porque não vende ele a Verdade, valor tão mais caro e útil ao Povo, remata o Diabo a questão, assim respondendo: "a verdade pera quê? Cousa que não aproveita, e aborrece, pera que é?"

Mentiras, enganos, homens que se vendem, homens que se compram, homens mexeriqueiros, homens mentirosos, homens lisonjeiros, assim eram os homens do Portugal quinhentista, "os homens de merda" que em vez de servir a Pátria se serviam a si próprios em primeiro lugar. Deles se queixava em 1546 o Vice-Rei da Índia, Dom João de Castro em carta ao seu filho, enquanto esperava em vão pelas caravelas que de Portugal tinham sido enviadas para o aliviar do Cerco que sofria em Diu: "e estou para me enforcar dessas caravelas lá não serem, e merda para elas e para os que vão dentro, e para Gomes Vidal, porque são homens de merda que não sabem navegar senão para tomarem portos e comerem pão fresco e rabãos e saladas, e andarem às putas; e dizei-o assim ao capitão e a Vasco da Cunha e a Fr. Paulo, porque já não hei-de falar senão desta maneira; e merda para mestre Diogo e para quantos apóstolos vêm de Portugal, porque eu sirvo muito bem El-Rei nosso senhor, e eles são grandes hipócritas, que querem haver bispados para darem renda a seus filhos e terem mancebas gordas."

Era essa a grande maioria da nossa "gesta heróica" dos Descobrimentos, é essa também quase toda a nossa classe dirigente, no dealbar do século XXI.

Diz o povo que prefere mil vezes um Diabo que não conhece a um Anjo que conhece de ginjeira. E eu digo que, se, à sua maneira, o Diabo de Gil Vicente era um mercador honesto - "vender-vos-ei nesta feira mentiras vinta três mil, todas de nova maneira, cada üa tão subtil, que não vivais em canseira: mentiras pera senhores, mentiras pera senhoras, mentiras pera os amores. Vender-vos-ei como amigo muitos enganos infindos, que aqui trago comigo" - já Santana Lopes consegue dizer as coisas que diz sem se rir, parecendo completa e totalmente genuíno.

E isso, senão fosse tão perigoso, seria deveras caricato. Como as peças de Gil Vicente.

Que, mais do que comédias, são verdadeiras tragédias portuguesas.
"

(Alexandre Monteiro)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: SOBRANCERIA

"Sou seu leitor habitual e escrevo-lhe esta mensagem para reagir ao seu artigo no Público «Crise? Que crise?», na edição de 8 de Julho. Penso que o seu texto tem um problema básico: ele cria uma imagem romanceada do povo português e revela alguma sobranceria em relação a esse mesmo povo. Poderia dizer-se que isso é estranho, vindo da parte de um intelectual e político activo, mas provavelmente não é. Esta história (na realidade, trata-se de uma pequena peça literária, não um texto de opinião tradicional) mostra com nitidez um dos instintos mais comuns da elite nacional, nomeadamente um certo desprezo pelo que essa mesma elite imagina ser o povo. Quero dizer com isto que as suas personagens mexem, têm consistência, parecem vivas, mas duvido que elas correspondam a um exemplo demasiado significativo do povo português. Podiam muito bem ser franceses (teria de colocar uns árabes a complicar o cenário suburbano), podiam ser alemães (ajudaria um pouco mais de angústia existencial). Acho que, do ponto de vista literário, estas personagens têm o problema do artifício causado pela falta de vivência. Há coisas justas no texto. Também me surpreenderam os sinais de patriotismo superficial e um pouco histérico, a futebolândia (expressão sua, a meu ver feliz); acho que tem razão quando pensa (o sentido talvez mais profundo do artigo) que há muitas pessoas a viverem mal. Talvez o nosso país seja um pouco bipolar, incapaz de se avaliar, oscilando entre o melhor e o pior, entre a histeria e a depressão, hesitando entre a modernidade e a paróquia, indeciso entre Europa e isolamento. O povo português tem certamente muitos defeitos e virtudes. Mas frequentemente, quando ouço ou leio alguns comentários de intelectuais portugueses, fico sempre com a sensação de estranheza que provocam as visões distorcidas ou incompletas que eles têm do seu próprio povo."

(Luís Naves)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: OS JORNALISTAS SÃO AS FONTES

Sobre TEMPOS NOVOS 2

"Os jornalistas são as fontes. A figura do jornalista enquanto espectador da realidade e seu reporter objectivo não existe mais (engraçado como o termo reporter vai caindo no esquecimento). Penso mesmo que nunca existiu, mas a falta de vergonha em admiti-lo é hoje cada vez maior.

Tal como os costureiros se converteram em criadores de moda, também os jornalistas se converteram em criadores de notícias. A noção de verdade é intrinseca à mensagem e não resultante de um qualquer critério exteriormente verificável, ou como poderia Descartes dizer "Eu escrevo logo existe".

Daí eu achar que os jornalistas se classificam hoje no grupo de profissões do Marketing, onde incluo os Relações Públicas, os Criativos de Publicidade, os Organizadores de Eventos e por aí fora. Um jornalista é cada vez mais um profissional que alguém tem à mão, pago para criar a realidade que se quer transmitir, dentro da máxima do marketing que consiste em oferecer o produto certo ao público alvo certo tendo em vista a satisfação de uma determinada necessidade (aqui sou mais mauzinho que os teóricos do marketing afirmando que as necessidades são mútuas, tanto de quem vende como de quem compra).

Penso que nada disto é novo. O que é grave é a falta de preparação dos públicos alvo para as técnicas de marketing que lhes são aplicadas. Para os carros, aparelhagens e televisores existe o conceito de defesa do consumidor. Mas tudo quanto seja defender o consumidor de notícias, é, até ver, censura.

Por mim, há muito que deixei de ler jornais e ver telejornais como um relato daquilo que se passou durante o dia. Hoje sento-me frente ao televisor e tento perceber quem é que está a tentar vender o quê a quem."


(Mário Almeida)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: CONFÚCIO ...

Como escrevia (?) Confúcio - escreveu mesmo, ou só ensinou? - tratemos primeiro de nós próprios, da nossa família, da nossa cidade, e se tudo estiver bem, o Estado estará bem. Ou mais ou menos assim: «Quando os pensamentos são sinceros, a alma torna-se perfeita. Quando a alma se torna perfeita, o homem está em ordem. Quando o homem está em ordem, a sua família também fica em ordem. Quando a família está em ordem, o estado que ele dirige também pode alcançar a ordem. E quando os estados alcançam a ordem o mundo inteiro goza de paz e felicidade.»

Texto atribuído a CONFÚCIO (Kung Fu-Tzé), Os Grandes Pensadores, de Will Durant, Companhia Editora Nacional, S. Paulo, 1965


(Paulo Salgado)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: DISCORDO COMPLETAMENTE ...

"Discordo completamente da equivalência que faz entre as políticas culturais de Carrilho e Santana Lopes. O facto de, para usar a sua expressão, um falar para as vanguardas e outro para as retaguardas, é diferença de não pouca monta. O que nos temos de perguntar é: que lógica subjaz a cada uma das políticas? No caso de Santana Lopes, do que se trata é de gerar clientelas, como você muito bem apontou, e como se viu nos jantares de apoio com Eunice Muñoz, Ruy de Carvalho e uns tantos actores de revista. Que eu saiba nuca vi apoio explícito de Luís Miguel Cintra, Jorge Silva Melo ou João Mário Grilo à figura de Carrilho ou ao PS. Goste-se ou não do bolchevismo chique que foi a política cultural de Carrilho (para utilizar a expresão de Jorge Silva Melo) é inegável que apoiou trabalhos artísticos que normalmente não sobreviveriam se tivessem de contar apenas com o público. E deve ser essa a orientação de qualquer política cultural hoje: abrir espaços onde possam emergir propostas que sejam radicalmente heterogéneas em relação aos modelos culturais dominantes, que são os que garantem sucesso imediato. Ou o acto estético como utopia antropológico, como o concebeu Ernst Bloch."

(Bruno Peixe Dias)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: CHORAR OU NÃO CHORAR EIS A QUESTÃO

"Não chorou hoje o Presidente."

(João)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES. VISTO DE LONGE

"Não sei se ria, se bata palmas, ou se fique no mais profundo dos amúos - tal como se encontra o Abrupto neste preciso momento. Daqui do Brasil, para um figueirense habituado à política espectaculo do Lula e de todos os outros, não há espaço para ficar tomado pelo espanto, nem como Sá de Miranda, envergonhado. Tudo isto começou à muito, com Mário Soares fazendo da política a arte do circo, ou neste caso, da telenovela. Sampaio soube ver isso com precisão e inteligência: são os desejos do Povo que importam. O Povo - ou a sua grande maioria - quer novela, bandidos que prometem e não cumprem, mulheres despeitadas suspirantes, mocinhos da mais fina lábia que viram heróis em uma só penada.
O Presidente foi sensato, poupou dinheiro ao País e uma escandalosa derrota ao Partido Socialista. Quanto ao mocinho que virou herói.. bom, a ver vamos quanto tempo falta para disparar sobre o próprio pé.
"

(Paulo Madureira, São Paulo - Brasil)

*

"Estou chocado com esta decisão do Presidente da Republica. Estou verdadeiramente chocado.
Podem usar os argumentos formais que quiserem. A verdade é que nem eu, nem ninguém, alguma vez teve a possibilidade de dizer que não queria o Santana Lopes como primeiro ministro.
Estou profundamente arrependido de, há 10 anos, quando tive de optar entre o Sampaio e o Cavaco ter feito a escolha errada. Nunca, como agora, estive tão próximo de tomar a decisão de não voltar para Portugal. Estou verdadeiramente sem palavras.
"

(Luís Aguiar-Conraria, Economics Doctoral Student, Cornell University)

*

"Não tenho muito a dizer, se não que isto que se está a passar no nosso pais só me faz lembrar este poema de Florbela Espanca:

Nostalgia

Nesse País de lenda, que me encanta,
Ficaram meus brocados, que despi,
E as jóias que plas aias reparti
Como outras rosas de Rainha Santa!

Tanta opala que eu tinha! Tanta, tanta!
Foi por lá que as semeei e que as perdi...
Mostrem-se esse País onde eu nasci!
Mostrem-me o Reino de que eu sou Infanta!

Ó meu País de sonho e de ansiedade,
Nao sei se esta quimera que me assombra, É feita de mentira ou de verdade!

Quero voltar! Nao sei por onde vim...
Ah! Nao ser mais que a sombra duma sombra Por entre tanta sombra igual a mim!

Florbela Espanca

nao sei exactamente porquê, mas deve ser por estar longe...

ANS

PS: vivo na dinamarca
"
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: O HOMEM EM ECLIPSE

O homem em eclipse


Ora foi que certo dia
o homem eclipsou-se
a data digam a data
a datazinha faz favor
qual data foi por decreto
que a gente se eclipsou
foi só manobra espertice
um dois três e pronto é noite
que nem a lua apareça
seja de que lado for
Uns seguraram-se logo
eram espertos bem se viu
outros cairam ao mar
com cabeça pernas e tudo
quanto a mim perdi a calma
fiquei desaparafusado
tradição cultura estilo
certeza amigos fatiota
tudo fora do seu sítio
um desaparafuso terrível


Segurem-me camaradas
sinto pernas a boiar
cheiro fantasmas enxofre
estou aqui mas posso voar
o parafuso da língua
vai partido vai saltar
agarrem-me! agarra!
pronto
pari o mais leve que o ar


Mário Cesariny, nobilíssima visão, Colecção Poesia e Verdade, Guimarães & C.ª Editores, 1976

Enviado por Jorge Daniel Carvalho.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES. "O BE NÃO É UM PP INVERTIDO"

"Ouvi-o esta noite na Quadratura do Círculo, naturalmente concordando e discordando de si e sobre isso nada há a dizer, mas não resisto a reflectir escrevendo-lhe sobre algo não por me soar discordante, mas por me soar dissonante, desafinado, o seu «pó» ao BE.

O BE é um partido anti-sistema? Eu acho que o é a nível da utopia, embora, como qualquer de nós, viva abaixo das suas utopias. Mas o BE não é um partido de sem-terra e excluídos do sistema, nem um ninho de desperados e banqueiros- anarquistas, nem o braço legal de um grupo guerrilheiro como o JPP às vezes parece supor. Basta acompanhá-lo de perto para ver que quem milita e simpatiza é cada vez mais gente (como eu) fortemente dependente e integrada no sistema, que não viveria três meses se o Estado colapsasse, e que não é disso inconsciente.

Diz o JPP que o PS só perde ao deixar correr como plausível um qualquer acordo com o BE, e tem razão ao dizê-lo, só que deveria dizer também que o BE perderia muito mais nesse quadro. O BE não é um PP invertido, P.Portas eventualmente ganha apoios por conseguir levar o PSD para a direita e a cumprir os seus desígnios, pois dirige uma confraria de interesses práticos, mas Louçã perderia metade dos votos se comprometesse a sua liberdade crítica num acordo com o PS, pois representa uma aglutinação de escapes teóricos, mas cujos apoiantes sabem muito bem que com um governo PS-BE adeus concertos de elites no C.C.B, adeus almoços à conta do Instituto, adeus esperadas mais-valias bolsistas aquando da retoma.

O BE tem ganho com o esvaziamento do centro político, naturalmente, mas não manteria os ganhos colando-se ao centro quando o harmónio inverter o movimento, mas sim reservando-se o papel de referencial e contraponto duma esquerda que sabe que no canto europeu de hoje não existem nem ferramentas nem matéria prima para um programa de esquerda. Quem pensa que existem são as Ana Gomes, não os Louçãs. Nesta resignação ao possível, mas sempre acenando à utopia, até acharemos poético a devolução da Bruxelas de um 1º Ministro (Vitorino) novinho em folha em troca do velho que levou, pode crer.
"

(L.Corte Real)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: SIRI USTVED, PHILIP ROTH E NAGUIB MAHFUZ E OS "ESTADOS DE ALMA"

"De tanto ler sobre a boa literatura americana contemporânea, decidi que teria de me obrigar a lê-la. Tinha um romance comprado há uns meses com um lindo título “What I loved” de Siri Ustved, escritora norueguesa há muito nos EUA e a conhecida mulher de Paul Auster. Tenho uma forma (não temos todos?) muito subjectiva de escolher e comprar livros, não a saberia explicar, mas o que é um facto é que, como já me vou conhecendo um pouco, não me costumo enganar e a grande parte das vezes fico satisfeita com o que compro, querendo repetir a dose. Comecei pelo “What I loved” continuei com o “The Human Stain” de Philip Roth, mas pelo meio quis respirar do “meu” ar e li um pequeno livro de Naguib Mahfuz (já vi escrito Mahfouz!) “As Noites das Mil e Uma Noites” (da edição “Prémio Nobel” barata e de capa dura que a FNAC tem, só não percebi que tipo de tradução era, fiquei com a sensação que era tradução da versão espanhola!). Foi este último que referi, que me levou aos estados de alma. Não se trata de um romance: é mais uma sequência com alguma lógica de pequenas histórias ou contos passados no “mundo real” (?) e fora dos palácios onde Sherazade vive (feliz para sempre?) depois de ter escapado da morte. Encontramos algumas personagens que já conhecíamos tipo Aladino, Sindbad, e também génios do bem e génios do mal que manobram as personagens, criam conflito ou resolvem problemas; o poder do dinheiro e a corrupção; o amor e o desej; e a todo o momento nos confrontamos com o bem e como mal (só num pequeno e subtil momento, que se relaciona com a própria Sherazade, senti a hesitação do narrador em relação ao bem ou mal e a essa nitidez de fronteiras!). Com este livro respira-se um ar fresco e de simplicidade (...) existencial e psicológica que me encantou. E que em tudo contrasta com o ar mais turvo que se respira nos dois romances americanos que referi. São, no entanto, dois bons romances e nunca poderia dizer o contrário."

SIRI USTVED

"O de Siri Ustved tem uma bela linguagem e é escrito com muita sensibilidade, alguma nostalgia que vai aumentando à medida que o romance se desenvolve e existe nele uma interessante teia de personagens com interligações ora subtis, ora bizarras, ora insólitas, ora profundas, entre elas; e este elemento, esta teia, é para mim a grande força do romance. O romance de Philip Roth está muitíssimo bem escrito, tem uma linguagem forte, original e cuidada. Tenho, no entanto, pouca simpatia pela linguagem excessivamente crua, e as ocasionais páginas cheias de “four letters words” ou descrições hiper-realistas da guerra no Vietnam são passadas a velocidade turbo com uma leitura diagonal que faria inveja a muitos! (Dantes nunca fazia isto, hoje já não tenho paciência para, quando posso escolher, fazer o que não gosto ou o que não quero). O tipo de narrador escolhido, uma personagem menor, mas pivot importante do enredo fez-me lembrar o “Quiet American” de Graham Green. Dito isto: foi com verdadeiro prazer que li este livro, não só pela qualidade da escrita mas também pelas ideias e sentimentos veiculados de forma curiosa, intensa e viva, e nalguns momentos que considerei muito belos senti o impulso de parar e reler a frase ou o parágrafo (sou, normalmente, leitora lenta que gosta de apreciar o que lê, e este meu impulso é o meu melhor cumprimento). Mas (pois é: é agora que entra o “mas”) foi um prazer maioritariamente cerebral, não tendo existido uma completa entrega mútua, embora em dois ou três momentos a faísca tenha surgido. A total adesão afectiva parece portanto ser fundamental para que um romance se torne n’ “O” romance!"

PHILIP ROTH e NAGUIB MAHFUZ

"A explicação que hoje tenho para dar (talvez descubra outras) tem uma dimensão quase infantil, e é o que me afasta afectivamente, e diria quase sistematicamente, desta literatura. Trata-se da identificação e/ou simpatia pelo herói/heroína, ou pelas personagens de uma forma geral, pela parte do leitor – eu. No livro de Naguib Mahfuz há essa adesão (no bom ou mau sentido que será, então, a repulsa) automática e instantânea às personagens, e o mesmo se passou, talvez não tão automaticamente, mas em crescendo, aquando da leitura das atormentadas personagens da literatura russa com personagens em que nós nos revemos. As personagens desta moderna literatura americana não me provocam muito, nem simpatia nem repulsa. Sinto-as um pouco longe, como se não fossem feitas da “mesma massa”, como se tivessem uma alma diferente, num mundo que não é o meu, com complicados problemas existenciais (aos quais me sinto alheia) criados pelos excessos que referi, e rapidamente suprimidos e anestesiados pelas terapias, pelos Xanax, pelos Viagra. Parece que os problemas são problemas que se consomem como outro qualquer bem que se compra no supermercado para consumo imediato ou a prestações, tudo dentro do espírito consumista da visão do mundo do outro lado do Atlântico. Adiro mais facilmente a um “génio” do mal que, sentado na borda de um lago, conspira sobre a melhor maneira de tornar a vida de duas simpáticas pessoas infernais, do que a um homem de 71 anos que se fez passar por branco sendo negro, e que tem problemas por isso e por ter um caso (digo um caso não digo amor ou paixão) com uma mulher mais nova com um passado marcado pela tragédia e que é analfabeta funcional. Essa dimensão afectiva de adesão às personagens, como as crianças que se revêem nos heróis, nas princesas, falha entre mim leitora e estes romances por pouca empatia para com as personagens."

"Neste livro que referi de Naguib Mahfuz os estados de alma ainda não tinham sido inventados. Nos romances russos os estados de alma parecem ter razão de existir, ou melhor, a existência e a razão de existir parecem chamar os estados de alma, há uma forte dimensão de “tragédia” de fado, de inevitabilidade. Como já referi, nos romances americanos fica sempre aquela impressão de maior superficialidade, de problemas criados por quem tudo tem, da ausência da inevitabilidade do fado; nestes romances fica a sensação que tudo está nas mãos das personagens, nas suas opções. E talvez seja esse conjunto de circunstâncias que a minha adesão simpatia/repulsa não acontece da mesma forma. Mas lerei mais americanos e conviverei com os seus “inventados” estados de alma. Daqui a uns tempos!"

(JPC)
 


BIBLIOFILIA

Esta "bibliofilia" ficou esquecida e incompleta lá no limbo em baixo.


Simon Blackburn, Lust, Oxford University Press, 2004







Escrevi sobre esta Luxúria na Sábado desta semana e, logo que a revista for ela própria para o limbo, na próxima semana, colocarei aqui o texto.




Bertrand Galimard Flavigny, Être Bibliophile - Petit Guide Pratique, Anglet, Atlantica, 2004


Para vos dar o "sabor" deste livro, veja-se a citação com que ele abre:

Le bibliophile est un mammifére bipède et bigame, habitant généralement les villes et parfois la campagne, surtout l’été. Il ya deux espèces, celui qui ne lit pas , celui qui lit.” (Alfred Dinar, La fortune des livres, 1939)
 


EARLY MORNING BLOGS 249

"Speech"—is a prank of Parliament

"Speech"—is a prank of Parliament—
"Tears"—is a trick of the nerve—
But the Heart with the heaviest freight on—
Doesn't—always—move—


(Emily Dickinson)

*

Bom dia!

10.7.04
 


APOLOGIA DA DIVERSIDADE DO MUNDO


Christian Gottlieb Geissler
 


EARLY MORNING BLOGS 248

É inútil dizer o que se pensa.
Se é frouxa a frase, é nada; e é vã se é intensa
Cada um compreende só o que sente,
E entre alma e alma a estupidez é imensa”
.

(Fernando Pessoa, lembrado por Pedro Marques Lopes)

*

Chegados à fase do “que fazer?”, vamos começar a falar do que é possível fazer, na sequência que se usava nas velhas reuniões associativas: “Informações. Análise da situação. Medidas a tomar”. É só um começo.Bom ânimo!

Bom dia!

9.7.04
 


AMANHÃ

voltarei a falar dos TEMPOS DUROS que aí estão.
Adeus, silêncio.
 


 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

Sobre a ICONOLOGIA DA FUTEBOLÂNDIA

"A “blusa patriótica da Senhora do Presidente”: reacção minha um pouco tardia, agora que já ninguém se lembra. Euro quê? E andava JPP preocupado com a síndrome de abstinência! Agora são transferências, contratações, mudanças de camisolas, medalhas, lavar de roupa suja, e todo o frenesim da pré-época!
Fiquei mais tranquila por ter percebido que não fui a única a estremecer de emoção com a visão de tão subtil gesto patriótico e respectivo adereço, (não vá o diabo tecê-las e ter sido criação personalizada, especialmente para o evento, do Augustus). Qual “suspense” para saber que criação levaria a Senhora em causa ao Casamento Real Espanhol! Nas meias-finais e na final do Euro, as nossas expectativas foram amplamente recompensadas e creio que não deixou nenhuma alma lusitana indiferente. Nada é deixado ao acaso nesta espontaneidade que o Futebol convida!

(Há casos em que nem com treino, nem com educação, nem com os dois!)

(não, não é maldade… antes fosse…)
"

(JPC)

*

Sobre TEMPOS DUROS

Le peuple avait sur la Convention une fenêtre ouverte, les tribunes publiques, et, quand la fenêtre ne suffisait pas, il ouvrait la porte et la rue entrait dans l´assemblée.» Victor Hugo, Quatrevingt-treize.

Vão longe os tempos da Convenção.

Vivemos em tempo de abulia, só os interesses corporativos determinam alguns movimentos e fazem barulho. Mas os interesses corporativos são, por natureza, reaccionários. O acantonamento dos discursos à esquerda e à direita não vai se não separar as claques, cada vez mais fanatizadas e menos esclarecidas. Fora delas, a multidão, continuará indolente. Como separar as manas siamesas e marcar a demagogia?

Compete-nos escolher, claro, mas a demagogia lá estará a pegar na mão de muita gente.


(Rui Fonseca)

*

Exacto; e é preciso não esquecermos a "pergunta de Croce" ( de Benedetto Croce), citada por Bobbio: " se dall'uso di un certo metodo nasce un certo sistema, cadendo il sistema, resta valido il metodo?" (Norberto Bobbio, "Dal fascismo alla democrazia; il regimi, le ideologie, le figure e le culture politiche", Baldini&Castoldi, Milano 1997 pp224).

(Filipe Nunes Vicente)
 


EARLY MORNING BLOGS 247

Como el viento


Como el viento a lo largo de la noche,
Amor en pena o cuerpo solitario,
Toca en vano a los vidrios,
Sollozando abandona las esquinas;

O como a veces marcha en la tormenta
Gritando locamente,
Con angustia de insomnio,
Mientras gira la lluvia delicada;

Sí, como el viento al que un alba le revela
Su tristeza errabunda por la tierra,
su tristeza sin llanto,
su fuga sin objeto;

Como él mismo extranjero,
Como el viento huyo lejos.
Y sin embargo vine como luz.


(Luis Cernuda)

*

Bom dia!

8.7.04
 


TEMPOS DUROS

Aproximam-se tempos duros na nossa vida política, seja qual for a decisão do PR. Haverá um maior radicalismo no discurso político, efeito da deserção do centro e do reforço dos extremos. Os alinhamentos, parte artificiais, parte naturais, das “esquerdas” e das “direitas” em blocos trarão mais veneno ideológico do que clarificação. Todos vão falar uma linguagem do passado, que é a que vem ao de cima quando o debate se faz debaixo das bandeiras da “esquerda” e da “direita”, num mundo cuja complexidade está para além do legado da revolução francesa e da revolução industrial que construíram essa dualidade arcaica. Depois da Bomba, depois do Holocausto, depois do Gulag, depois da globalização, depois da revolução mediática (no sentido de McLuhan), depois da Rede e das redes, depois do terrorismo apocalíptico, depois de tanta coisa, ainda tendemos a sentar-nos na Convenção como descrevia Victor Hugo no Quatre-vingt-treize:

“Qui voyait l'Assemblée ne songeait plus à la salle. Qui voyait le drame ne pensait plus au théâtre. Rien de plus difforme et de plus sublime. Un tas de héros, un troupeau de lâches. Des fauves sur une montagne, des reptiles dans le marais. A droite, la Gironde, légion de penseurs; à gauche, la Montagne, un groupe d'athlètes."


Todos vão acentuar a identidade dos extremos, que passarão a falar por dentro dos grandes partidos, adormecidos e acomodados, presos ao poder pela clientelização interna. O PP e o BE serão os fiéis de partidos que, ao abandonarem o centro político, perdem a possibilidade de terem maiorias estáveis de governo, maiorias absolutas. Nem o Diabo tem capacidade para escolher.
Temos que ser nós.
 


INGENUIDADES

Existe em certos sectores da direita e da esquerda intelectual portuguesa a ilusão que um governo Santana Lopes será um governo que prosseguirá políticas liberais, ou, como pejorativamente agora se diz, “neo-liberais”. Enganam-se completamente. Se há coisa que em Portugal sofrerá com o populismo é o discurso genuinamente liberal. O populismo é nacionalista, defensor da closed shop, “social” e clientelar. O populismo será alicerçado em duas coisas muito próximas na vida política portuguesa: um discurso social, que pode mesmo chegar a ser socializante, e na gestão de clientelas. É uma fórmula muito eficaz em Portugal, potenciada agora pela forma como actuam os media.

Aliás a experiência de Santana Lopes na área da cultura é disso um bom exemplo. Não difere, a não ser nas clientelas e na simbólica cultural, da de Manuel Maria Carrilho. Um falava para as "vanguardas" outro para as "rectaguardas", ambos subsidiavam activamente. Basta ver como Eduardo Prado Coelho, um bom barómetro nos momentos decisivos, hesitou em condena-la, como num celebre debate - comício sobre a reconversão do Parque Mayer que passou na televisão há uns anos. É uma política à Malraux / Lang, com uma forte componente estatista e proteccionista, feita a favor da glória do estado, e pela glória dos governantes, a forma mais eficaz da propaganda moderna.
 


 


ARTIGO DO PÚBLICO

Está publicado truncado da primeira frase:

"CRISE? QUE CRISE?

Não. Não é sobre a crise, nem sobre futebol, nem sobre Santana Lopes. Sobre todas estas coisas já disse o que tinha a dizer para já. É sobre o que está atrás, ao lado, em cima, à frente. Nós, os portugueses. Onde está o meu casal que protestava na Ponte 25 de Abril, há exactos dez anos?

*

Mais velho, certamente." (O resto está lá.)


Estou à procura a ver se coloco no Abrupto o artigo sobre o casal que atravessa a Ponte, publicado há dez anos. O casal é o mesmo, mudado pelo tempo. A crise também é a mesma, mudada pelo tempo.

 


EARLY MORNING BLOG 246

Déserts où j'ai vécu dans un calme si doux


Déserts où j'ai vécu dans un calme si doux,
Pins qui d'un si beau vert couvrez mon ermitage,
La cour depuis un an me sépare de vous,
Mais elle ne saurait m'arrêter davantage.

La vertu la plus nette y fait des ennemis ;
Les palais y sont pleins d'orgueil et d'ignorance ;
Je suis las d'y souffrir, et honteux d'avoir mis
Dans ma tête chenue une vaine espérance.

Ridicule abusé, je cherche du soutien
Au pays de la fraude, où l'on ne trouve rien
Que des pièges dorés et des malheurs célèbres.

Je me veux dérober aux injures du sort ;
Et sous l'aimable horreur de vos belles ténèbres,
Donner toute mon âme aux pensers de la mort.


(François Maynard)

*

Bom dia!

7.7.04
 


EARLY MORNING BLOGS 245

País de la ausencia
extraño país,
más ligero que ángel
y seña sutil,
color de alga muerta,
color de neblí,
con edad de siempre,
sin edad feliz.

No echa granada,
no cría jazmín,
y no tiene cielos
ni mares de añil.
Nombre suyo, nombre,
nunca se lo oí,
y en país sin nombre
me voy a morir.

Ni puente ni barca
me trajo hasta aquí,
no me lo contaron
por isla o país.
Yo no lo buscaba
ni lo descubrí.

Parece una fábula
que yo me aprendí,
sueño de tomar
y de desasir.
Y es mi patria donde
vivir y morir.

Me nació de cosas
que no son país;
de patrias y patrias
que tuve y perdí;
de las criaturas
que yo vi morir;
de lo que era mío
y se fue de mí.

Perdí cordilleras
en donde dormí;
perdí huertos de oro
dulces de vivir;
perdí yo las islas
de caña y añil,
y las sombras de ellos
me las vi ceñir
y juntas y amantes
hacerse país.

Guedejas de nieblas
sin dorso y cerviz,
alientos dormidos
me los vi seguir,
y en años errantes
volverse país,
y en país sin nombre
me voy a morir.


(Gabriela Mistral)


*

Bom dia!

6.7.04
 



Klimt
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: "O SEU PORTUGAL É DIFERENTE DO MEU"

"O seu Portugal é diferente do meu. O seu Portugal é diferente daquele que nestas últimas 3 semanas fez um povo soltar-se e esquecer-se de querelas e rixas políticas. Dito isto, parecerá certamente que sou mais um daqueles jovens que desprezam a política e não estão devidamente alertados para a sua importância. Interesso-me por política, milito num partido e mesmo assim não consigo compreender as suas críticas incessantes contra o futebol. Chego até a perder algum tempo formulando possíveis explicações para tamanho répúdio. Aconselho-o a repensar a sua infância, procurar algum especialista, para ajudá-lo a desembaraçar-se de uma qualquer frustração que o leva a lançar sobre o futebol o anátema de indignidade. Sei que me vai dizer que não, que não é o futebol em si que é indigno, mas sim a atenção excessiva - a seu ver - que merece por parte da comunicação social e especialmente pelo tal "serviço público", como faz questão de notar ou da tão afamada promiscuidade futebol-política. Mas não é só isso. O Sr. não gosta mesmo de futebol. Mas repare, as pessoas já perceberam. Escusa de insistir. Escusa de se lamentar pelo estado pretensamente sub-desenvolvido do país, que para si, se manifesta na paixão desenfreada dos portugueses pelo Futebol. Fale do que sabe. A análise sociológica nunca foi o seu forte.
Aposto que terá sido um daqueles que mais torceu para que Portugal perdesse no dia 4. Seja sincero. Não escamoteie a verdade. O que o senhor gosta é de um povo deprimido e enconchado numa realidade pacata e tacanha. Deixe o povo sonhar (o futebol é algo que tende a propiciá-lo).

Relembrando agora um artigo seu no Público.. COISAS QUE TÊM QUE (LHE) SER DITAS

- Seja coerente. Criticar tudo e todos não é solução. Defina-se. Uma crítica pressupõe a adopção de uma solução contraposta, de um modelo que contrarie o criticado. A continuar assim, arrisca-se a ser comparado ao Miguel Sousa Tavares. Ser sempre do contra não o credibiliza. Procure ser a favor de alguma coisa. (Tanto espírito contestário poderá inclusive ser conotado com um comunismo letárgico ou até com experiências mais radicais, como p. ex., o anarquismo). Não quero que me reveja num qualquer Luís Filipe Menezes (abomino o personagem), mas cumpre perguntar: dê-me o nome de um líder do PSD que não tenha contestado?

- Deixe de estudar o comunismo. Acho ridículo. É algo que nunca percebi: um homem que se assume de centro-direita perder tanto tempo a estudar aquilo que mais veementemente critica. Fizesse antes uma biografia séria sobre Sá Carneiro, ao invés daquela que fez sobre Álvaro Cunhal, e teria tido um muito maior reconhecimento. Não sei se se conseque aperceber, mas a esquerda começa a gostar de si. Vê em si um aliado.

- Aprenda qualquer coisa com o Lobo Xavier.

- Os esoterismos não ficam bem a um homem, para mais ainda, de direita.

- Se não sente o país como o resto dos portugueses, não se esforce muito. Não queira ser mais um fleumático incompreendido, por estar "acima do seu tempo". Acredite: não é. "

(Tiago Geraldo)
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: O QUE É ISTO?



Não sei. Não se sabe. Ninguém sabe muito bem como interpretar as primeiras imagens do solo de Titã, a Lua de Saturno que parece viva. Gelo puro, parece haver. Lagos de metano, não aparecem. Continua a não se descobrir nenhum líquido fora da terra. Nuvens com uma composição química estranha, moléculas grandes de mais, também há. Água, parece haver, “misturada com outras coisas”, disse um cientista. “Outras coisas”? “Parece um gelado a derreter-se” disse outro. Uma espécie de congelador com as matérias primordiais, disse outro.

Magnífico, estamos bem.Sempre a abrir.
 


EARLY MORNING BLOGS 244

La Fortune et le jeune Enfant


Sur le bord d'un puits très profond
Dormait étendu de son long
Un Enfant alors dans ses classes.
Tout est aux Ecoliers couchette et matelas.
Un honnête homme en pareil cas
Aurait fait un saut de vingt brasses.
Près de là tout heureusement
La Fortune passa, l'éveilla doucement,
Lui disant : Mon mignon, je vous sauve la vie.
Soyez une autre fois plus sage, je vous prie.
Si vous fussiez tombé, l'on s'en fût pris à moi ;
Cependant c'était votre faute.
Je vous demande, en bonne foi,
Si cette imprudence si haute
Provient de mon caprice. Elle part à ces mots.
Pour moi, j'approuve son propos.
Il n'arrive rien dans le monde
Qu'il ne faille qu'elle en réponde.
Nous la faisons de tous Echos.
Elle est prise à garant de toutes aventures.
Est-on sot, étourdi, prend-on mal ses mesures ;
On pense en être quitte en accusant son sort :
Bref la Fortune a toujours tort.


(La Fontaine)

*

Bom dia! Como diz a fábula: fiem-se na Virgem e não corram...

5.7.04
 


POBRE PAÍS

o nosso.
No dia em que o Primeiro-ministro se demite, e em plena crise política, todos os noticiários da televisão, trinta minutos depois, só falam de futebol. Mastigam e mastigam e mastigam. Particularmente escandaloso no chamado “serviço público”, onde tudo o que é importante para Portugal e o mundo passa envergonhadamente na faixa de baixo a correr.
Vai ser bonito ver como vai funcionar a síndrome de abstinência, quando, pela enésima milionésima vez, já não se puder falar de futebol.
 


PONTO SEM RETORNO


Eugene Delacroix, Prise de Constantinople par les Croisés
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES


"Segunda-feira perguntem aos jovens que apitam a noite toda por uma vitória num jogo de futebol “o que é Portugal?”

Segunda-feira saberemos um pouco menos o que é Portugal.
"

(João Miguel Amaro Correia)

*

"Decorrente do “essencial e acessório” (é impressionante como estes conceitos todos parecem unir-se num só, mas essa reflexão fica para os filósofos da linguagem) vou referir brevemente o “ser e parecer”. Hoje o que parece é, e um dos exemplos, entre tantos outros que poderia dar, mais gritante deste equívoco na nossa sociedade são os “famosos”. Habituámo-nos a olhar para os famosos como exemplos de algo conquistado, de mérito e esforço, ou do puro “glamour” que justificava a fama daqueles cuja profissão os expunha aos olhos de todos (locutores de televisão, actores, cantores, etc). Hoje é com alguma pena, senão mesmo com desdenhosa indiferença, que olhamos para os “famosos” que a sociedade fabrica. Não são famosos que se impõem por terem conquistado ou feito algo de relevo, não o são por mérito, nem sequer têm “glamour”. São de uma banalidade confrangedora, e em vez de fazerem “sonhar” alto com o seu trabalho, conquista, mérito ou “glamour”, a sua “igualdade” desperta sentimentos baixos de maledicência e inveja. Os famosos por mérito próprio estão nessa amálgama da “fama” que já não faz ninguém sonhar alto. Hoje qualquer pessoa é mediatizada e fabricam-se famosos a uma velocidade alucinante, que também rapidamente caiem no esquecimento. Também aqui a fasquia dos “critérios de qualidade” desce para essa noção de “ficarmos todos mais iguais”.

(JPC)
 


EARLY MORNING BLOGS 244

Sonnet XVI: To the Lord General Cromwell


On the proposals of certain ministers at the Committee for Propagation of the Gospel

Cromwell, our chief of men, who through a cloud
Not of war only, but detractions rude,
Guided by faith and matchless fortitude,
To peace and truth thy glorious way hast plough'd,

And on the neck of crowned Fortune proud
Hast rear'd God's trophies, and his work pursu'd,
While Darwen stream with blood of Scots imbru'd,
And Dunbar field, resounds thy praises loud,

And Worcester's laureate wreath; yet much remains
To conquer still: peace hath her victories
No less renown'd than war. New foes arise

Threat'ning to bind our souls with secular chains:
Help us to save free Conscience from the paw
Of hireling wolves whose gospel is their maw.


(Milton)

*

Bom dia realidade!

4.7.04
 


ELOGIO DO ALMOCREVE DAS PETAS



Este é o logótipo dos blogues de que eu gosto mais. Não gosto das letras, mas sim do fundo.

Que mais me interessa. Que mais me lembra. Quem já viveu em casas antigas reconhece aquele sótão, aquelas paredes, aqueles papéis, aquele ar, aquela poeira que está em cima de tudo. Reconhece o que aquilo é, os restos de vidas outras. Tudo aquilo já teve outro sentido. Já foi novo. Aqueles restos de jornais já foram lidos com interesse. Aqueles restos de mobílias, cadeiras a que falta uma perna, mármores de toucador partidos, camas de ferro enferrujadas, pequenas demais para os gigantescos adolescentes de hoje, espelhos sem espelho. Coisas que não servem, nem ninguém quis deitar fora. Até um dia.

Que mais Luz tem naquela luz. Que não me deixa parar de olhar. A Luz é platónica, é a luz da caverna: olhamos mas não vemos nada. Brilha demais.

O autor anónimo do Almocreve é um homem “antigo”, percebe-se. Iniciado, percebe-se. Alimentado por aquela Luz, percebe-se. As leituras, percebem-se. O sítio de Lisboa, percebe-se. Os alfarrabistas, percebe-se. Aquela mistura de surrealismo com bibliofilia, percebe-se. Aquela mistura de radicalismo político com memória, percebe-se. O bom observador percebe quase tudo daquele anonimato, mas não interessa. O homem sabe o que é um “almocreve”, sabe o que são “petas” e sabe o que é o “Almocreve das Petas”. E produz uma fala única, uma mistura única, uma leitura única.
 


ICONOLOGIA DA FUTEBOLÂNDIA (Actualizado)

(Subsídios para um livro da Taschen)

1) A gravata da sorte do Primeiro-ministro.

2) O balneário como local onde se aprisionam os demónios do azar.

3) As meninas a cantarem o “Com uma força” transformado em “come-me à força”.

4) Uma portuguesa segura uma estátua de N. S. de Fátima com um cachecol da selecção.

5) A bandeira com os pagodes chineses.

6) A blusa patriótica da Senhora do Presidente da República.

7) O Presidente a chorar quando entregava as medalhas aos jogadores.

(Continua)
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES : A GRAVATA DO PRIMEIRO MINISTRO, A IDA PARA O BALNEÁRIO DE GILBERTO MADAIL E , PORQUE NÃO, ESCREVER PARA O ABRUPTO

"Se bem me lembro era este o nome de um daqueles primeiros programas revolucionários da SIC, que louvam o realismo emotivo, igualitário e massificador e que, “por junto” e incluindo zapping, não devo ter conseguido ver mais de 5 minutos! Hoje roubo-lhe o título! Como sub-título proponho o “In vain have I struggled” (para citar o herói de Jane Austen in “Pride and Predjudice”).

Fica aqui um duplo pedido de perdão: por tornar o Abrupto “cúmplice” dos meus impulsos de irracionalidade, e por tentar explicá-los. Quando da primeira vez que exprimi o desejo de uma vitória futebolística da nossa Selecção numa nota para aí, para além da vontade natural de que ela ocorresse, andava mesmo nauseada com tanto tronco nu de inglês de cerveja na mão. Mas Portugal venceu! Da segunda vez que escrevi para aí essa intenção de vitória, foi “por brincadeira” e ela ia atrelada a uma outra nota. Mas Portugal venceu! Quando me lembrei que dessas duas vezes tinha escrito para aí, e Portugal tinha ganho, disse para comigo: “Não! Não vou ficar presa a essas tretas sem nexo nem objectividade; nem nada nem ninguém tem que aturar tais pseudo-superstições. Não volto a escrever essa intenção!” Repeti esta resolução (só não digo mantra porque é muito palavrosa e devo ter variado os vocábulos) várias vezes, para tentar apaziguar a exaltação emotiva e irracional que é o rasto deixado pelo futebol em nós. Tentei.

Mas hoje cedo de manhã, pouco após aquele mágico momento que é o “gathering oneself together”, já só tinha um pensamento e uma preocupação: encontrar oportunidade de, sem vergonha, para aí escrever: Espero que Portugal vença!

Porque se, por acaso, Portugal perder, que não seja por eu não ter cumprido o meu “ritual” e não ter exprimido a minha “fé” (até coro ao escrever esta palavra: isto sim, isto é que é pecado!) A irracionalidade venceu! E a vergonha na cara (que nunca está ausente por muito tempo) obrigou-me a estas explicações.
"

(JPC)
 


EARLY MORNING BLOGS 243

La fortune de l'Hermaphrodite


Les dieux me faisaient naître, et l'on s'informa d'eux
Quelle sorte de fruit accroîtrait la famille,
Jupiter dit un fils, et Vénus une fille,
Mercure l'un et l'autre, et je fus tous les deux.

On leur demande encor quel serait mon trépas
Saturne d'un lacet, Mars d'un fer me menace,
Diane d'une eau trouble, et l'on ne croyait pas
Qu'un divers pronostic marquât même disgrâce.

Je suis tombé d'un saule à côté d'un étang,
Mon poignard dégainé m'a traversé le flanc,
J'ai le pied pris dans l'arbre, et la tête dans l'onde.

Ô sort dont mon esprit est encore effrayé !
Un poignard, une branche, une eau noire et profonde
M'ont en un même temps meurtri, pendu, noyé.


(François Tristan L'Hermite)

*

Bom dia!

3.7.04
 


TEMPOS NOVOS 3

Estamos em tempos de elevada intoxicação dirigida à comunicação social. Ela é feita por mestres que sabem muito bem o que fazer para obter resultados. Um exemplo: o artigo do Público de hoje intitulado Santana Apreensivo com Novos Desafios. Exemplos de “recados” transmitidos com sucesso:

"O novo presidente do PSD, Pedro Santana Lopes, reconhece a situação de dificuldade em que se encontra para (eventualmente) formar Governo sob o olhar atento do Presidente da República e para liderar um partido, onde apesar do consenso alargado continua a ser olhado por desconfiança por alguns sectores. Por isso, Santana não quererá hostilizar nenhuma das alas do PSD - a "limpeza" que alguns sociais-democratas previam não deverá concretizar-se. E tem emitido sinais de que está disposto a receber a contribuição de quase todos os lados - leia-se, mesmo do lado dos cavaquistas.
(...)
O discurso de Santana têm sido o de reconciliação, quando no final da semana passada alguns sectores do PSD começaram por recear que, assim que este chegasse à liderança do partido e formasse Governo, quisesse "correr" com quem no passado o criticou.
(...)
Fonte próxima do autarca de Lisboa garante que Santana "não fará um Governo de amigos".


Não são nada mais que “recados”; não são factos, são frases que fica bem dizer-se e intenções que não se sabe que fundamento têm, ou se têm o significado que lhes é atribuído. Aqui junta-se o wishfull thinking, a suggestio falsi e a interpretação em causa própria – um “recado” com sucesso.
 


POEIRA DE 3 DE JULHO

Hoje, há quarenta e quatro anos, Kenneth Williams (o actor inglês da série Carry On, “exercises in wholesale vulgarity, adenoidal whinnying and the double entendre”, escrevia um crítico, mas que também representara Ibsen, Shaw, Wilde e fizera uma revista intitulada Partilha a minha alface, boa para o Parque Mayer), limpou o seu apartamento e foi fazer compras.

Foi ao talho comprar um bife para o almoço. O talhante olhou para ele e disse: “I think you’re a lot of prime meself, there you are – four & six pence my angel….” Acrescenta Kenneth : “I giggled & felt like a little school girl- It was nice.

*

Hoje, há cento e catorze anos, o conde Tolstoy acordou mal-humorado.

(a seguir)

 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: CIÚMES


("Espírito" observa uma rocha chamada "bread-basket")

Onde estás tu? Com que então, distraído com a fresca da Cassini, ainda por cima com o Huygens às costas, que já não nos ligas nenhuma… Nós aqui a trabalhar, a fazer furinhos no deserto, a olhar de perto as pedras, a descer buracos sem saber se somos capazes de subir outra vez, a subir montanhas sem saber se somos capazes de as descer outra vez, e tu corres atrás dos anéis? E em que ficam os dedos? Eu aqui a mexer no “cestinho do pão”. Maledetto, vai lá falar italiano com a Cassini, essa mafiosa meio americana, meio europeia, meio italiana, que nós aqui somos filhas só do Império.
 


EARLY MORNING BLOGS 242

La Génisse, la Chèvre, et la Brebis, en société avec le Lion


La Génisse, la Chèvre, et leur soeur la Brebis,
Avec un fier Lion, seigneur du voisinage,
Firent société, dit-on, au temps jadis,
Et mirent en commun le gain et le dommage.
Dans les lacs de la Chèvre un Cerf se trouva pris.
Vers ses associés aussitôt elle envoie.
Eux venus, le Lion par ses ongles compta,
Et dit : "Nous sommes quatre à partager la proie. "
Puis en autant de parts le Cerf il dépeça ;
Prit pour lui la première en qualité de Sire :
"Elle doit être à moi, dit-il ; et la raison,
C'est que je m'appelle Lion :
A cela l'on n'a rien à dire.
La seconde, par droit, me doit échoir encor :
Ce droit, vous le savez, c'est le droit du plus fort
Comme le plus vaillant, je prétends la troisième.
Si quelqu'une de vous touche à la quatrième,
Je l'étranglerai tout d'abord. "


(La Fontaine)

*

Bom dia à "la Génisse, la Chèvre, et la Brebis"! Cuidado com o Leão!
 


TEMPOS NOVOS 2

Se se confirmar o desmentido categórico de Cavaco Silva ao Expresso (que ouvi referido no programa Expresso da Meia Noite) de que teria feito qualquer declaração de apoio a Santana Lopes, estamos perante um segundo exemplo da desinformação ocorrida ontem. Coordenada, organizada e intencional, destinada a obter efeitos políticos imediatos. A reforçar o sentimento de inevitabilidade, a desmoralizar e confundir. Alguém está a “trabalhar” a “informação” muito a sério.

Insisto. Está na altura dos jornalistas fazerem aquilo que sempre disseram que fariam quando as suas "fontes" deliberadamente mentem: denunciar os seus nomes.
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: CORNUCÓPIA





da abundância.

Vale a pena ir quase de hora a hora aqui , para ver as fotografias, os gráficos, os mapas, que jorram das antenas da Cassini para a terra sobre esse mundo complexo que é Saturno. Anéis, falhas nos anéis, pequenos satélites quase invisíveis ( pontinhos que se deslocam com nomes da mitologia grega), cores verdadeiras, filtros, etc., etc. A ciência planetária a dar passos de Atlas.

2.7.04
 


TEMPOS NOVOS

Como se viu com a forma como foi "relatada" aos jornalistas a intervenção e o voto de Manuela Ferreira Leite no Conselho Nacional, já se percebeu como está a funcionar uma estratégia de "informação", ou seja, uma central de desinformação. Coordenada, organizada e intencional, destinada a obter efeitos políticos imediatos. Os jornais foram manipulados para contarem mentiras. Manuela Ferreira Leite nem pediu desculpas, nem votou Santana Lopes.

Está na altura dos jornalistas fazerem aquilo que sempre disseram que fariam quando as suas "fontes" deliberadamente mentem: denunciar os seus nomes.
 



Guillaume Vogels
 


EARLY MORNING BLOGS 241

THE ROAD AND THE END


I SHALL foot it
Down the roadway in the dusk,
Where shapes of hunger wander
And the fugitives of pain go by.
I shall foot it
In the silence of the morning,
See the night slur into dawn,
Hear the slow great winds arise
Where tall trees flank the way
And shoulder toward the sky.

The broken boulders by the road
Shall not commemorate my ruin.
Regret shall be the gravel under foot.
I shall watch for
Slim birds swift of wing
That go where wind and ranks of thunder
Drive the wild processionals of rain.

The dust of the traveled road
Shall touch my hands and face.


(Carl Sandburg)

*

Bom dia!

1.7.04
 


ARTIGO DO PÚBLICO

Para quem me pediu uma ligação, visto que não existe na edição diária do jornal, está aqui.
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: RENDA


Chegou e começou a ver a renda de que somos feitos.
Fotografia de hoje, não editada, de parte dos anéis de Saturno feita pela sonda Cassini.
Hoje.
 


VERSÃO PORTUGUESA DA FÁBULA DE LA FONTAINE DOS EARLY MORNING BLOGS DE HOJE

Versão da fábula “Os ratos reunidos em conselho” de João de Deus Ramos, enviada por Rui Fonseca:

Algures, entre muitos gatos
Um havia
Que era, segundo a fama que corria,
O mais temido caçador de ratos.

Focinho de arreganho,
De grande rabo
E de eriçado pelo,
Para o murganho
Vê-lo,
Era do diabo!....

Nenhum rato caía na tolice
De sair, sem cautela, do buraco,
Por mais fraco
Que o estômago sentisse.

Não, porque ele era o espectro, era a tortura
Que rala, que aniquila, que consome!
Ele era a fome
E a sepultura!

O caçador, porém, não era monge;
E numa linda noite de luar
Soube-se no lugar
Que andava longe…

Então,
(Vejam aqui os homens neste espelho
Como eles, fúteis, tantas vezes são)
Os ratos reuniram em conselho.

Diziam: - Isto assim não pode ser;
Antes a morte que tal sorte:
Passar dias e dias sem comer!

E logo alvitrou um, com alvoroço:
-Sabem o que é preciso?
É pôr-lhe um guiso
Ao pescoço…
Com um guiso ele próprio nos previne…
Muito embora no chão se agache e roje,
Ao menor movimento o guiso tine,
E a gente foge…

-Bravo! - gritaram todos – muito bem!
É assim mesmo! Assim!
Mas quem há-de ir atar o laço? Quem?

Eu não, que não sou tolo! – afirmou um.
Nem eu – disse outro. E enfim,
Não foi nenhum.

Há destes casos neste mundo a rodos;
Se é preciso coragem numa acção,
Todos concordam, ninguém diz que não,
Mas chegado o momento, faltam todos!

 


PÉTALA


Jessie Gordon, o título da pintura é este poema chinês anónimo:

You let fall in the dust
The red tulip I gave you
I picked it up
It became white
In that brief moment
It snowed on our love.
 


POBRE PAÍS

o nosso, tão parecido com aquele a que Unamuno se dirigia falando do Quixote:

"Esto es una miseria, una completa miseria. A nadie le importa nada de nada. Y cuando alguno trata de agitar aisladamente este o aquel problema, una u otra cuestión, se lo atribuyen o a negocio o a afán de notoriedad y ansia de singularizarse.
No se comprende aquí ya ni la locura. Hasta del loco creen y dicen que lo será por tenerle su cuenta y razón. Lo de la razón de la sinrazón es ya un hecho para estos miserables. Si nuestro señor Don Quijote resucitara y volviese a esta su España andarían buscándole una segunda intención a sus nobles desvaríos buscándole una segunda intención a sus nobles desvaríos. Si uno denuncia un abuso, persigue la injusticia, fustiga la ramplonería, se preguntan los esclavos: ¿qué irá buscando en eso? ¿A qué aspira? Unas veces creen y dicen que lo hace para que le tapen la boca con oro; otras que es por ruines sentimientos y bajas pasiones de vengativo o envidioso; otras que lo hace no más sino por meter ruido y que de él se hable, por vanagloria; otras que lo hacen por divertirse y pasar el tiempo, por deporte. ¡Lástima grande que a tan pocos les dé por deportes semejantes!.

Fíjate y observa. Ante un acto cualquiera de generosidad, de heroísmo, de locura, a todos esos estúpidos bachilleres, curas y barberos de hoy no se les ocurre sino preguntarse: ¿por qué lo hará? Y en cuanto creen haber descubierto la razón del acto -sea o no la que ellos se suponen- se dice: ¡bah!, lo ha hecho por esto o por lo otro. En cuanto una cosa tiene razón de ser y ellos la conocen perdió todo su valor la cosa. Para eso les sirve la lógica, la cochina lógica."


Duas coisas mais. Dedico este texto à Teresa Gouveia, que não sofre de acédia e que mostra uma coisa interessante nesta crise – as mulheres são mais tesas que os homens.
A segunda é que está tudo no Quixote, o livro onde mais se aprende de cada vez que se lê, mil vezes que se tenha lido.
 


OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: CHEGOU

a sonda Cassini com o módulo Huygens às costas, a Saturno. Está a 1.5 biliões de quilómetros da terra. É obra.

*

"É perturbante a sua preferencia pela NASA e o seu desprezo pelo que a ESA faz neste campo. Bem sei que o proprio Pacheco Pereira ja louvou a capacidade de inspirar da NASA e criticou o suposto cinzentismo europeu. Mas agora que a missao Cassini-Huyghens esta a chegar ao seu ponto culminante, espero que a fundamental participacao da ESA nesta missao tenha o devido destaque Vem isto acerca do seu do seu post de 23/06, 9:03, "Andar com a cabeca no ar", onde fornece uma serie de links bem interessantes para varias missoes da NASA. Noto que nao parece conhecer este link.

Recomendo-lhe que leia os links acerca das seguintes missoes:

SOHO e Ulysses: estas 2 missoes revolucinaram o estudo do Sol pode ser entusiasmante ver robots em Marte, mas a ciencia que saiu desta missoes cinzentas nao tem paralelo
Giotto: ja completada, foi uma das mais bem sucedidas missoes "deep space", com varios encontros proximos com cometas
Rosetta: vai tentar arpoar e pousar - sim, isso mesmo - num cometa Estas 2 missoe sao o melhor em estudo dos cometas, e em pilotagem! Ninguem pode dizer que a ESA nao tem missoes espectaculares.

Mars e Venus Express - Uma ja esta em Marte, a outra seguira para Venus. Usam como base o desenho da Rosetta, e fazem muita ciencia

E finalmente a missao NASA/ESA Cassini-Huygens, que vai atingir o ponto culminante quando o modulo Huygens tentar pousar en Tita. Esperemos que tudo corra bem!
"

(Nuno Anjos)

*

"Venho fazer um reparo a um dado escrito no "Abrupto". Está escrito que "a sonda Cassini com o módulo Huygens [...] Está a 1.5 biliões de quilómetros da terra." Isso, escrito em português, ou francês - seria igual, - não está correcto. Em inglês, sim estaria correcto.

De facto, tomando as distâncias da Terra e de Saturno ao Sol, mais especificamente o semi-eixo maior das elipses que constituem as suas órbitas, com valores, respectivamente, 1427 e 149.6 milhões de quilómetros, segue-se que as distâncias mínima e máxima da Terra a Saturno são, aproximandamente,

1427 - 149.6 = 1277,4 milhões de quilómetros
1427 + 149.6 = 1576,6 milhões de quilómetros

Ora, em francês ou português, um bilião é um milhão de milhões, pelo que é incorrecto simplificar o segundo resultado para 1,5 biliões de quilómetros. Já entre os anglo-saxónicos, um "billion" é um milhar de milhões (a que os franceses chamam "milliard").

Conclusão: ao fazer traduções de grandes números há que ter atenção a esta diferença, para não introduzir um factor mil, espúrio.
"

(Ana N.)

 


EARLY MORNING BLOGS 240

Conseil tenu par les Rats


Un Chat, nommé Rodilardus
Faisait des Rats telle déconfiture
Que l'on n'en voyait presque plus,
Tant il en avait mis dedans la sépulture.
Le peu qu'il en restait, n'osant quitter son trou,
Ne trouvait à manger que le quart de son sou,
Et Rodilard passait, chez la gent misérable,
Non pour un Chat, mais pour un Diable.
Or un jour qu'au haut et au loin
Le galant alla chercher femme,
Pendant tout le sabbat qu'il fit avec sa Dame,
Le demeurant des Rats tint chapitre en un coin
Sur la nécessité présente.
Dès l'abord, leur Doyen, personne fort prudente,
Opina qu'il fallait, et plus tôt que plus tard,
Attacher un grelot au cou de Rodilard ;
Qu'ainsi, quand il irait en guerre,
De sa marche avertis, ils s'enfuiraient en terre ;
Qu'il n'y savait que ce moyen.
Chacun fut de l'avis de Monsieur le Doyen,
Chose ne leur parut à tous plus salutaire.
La difficulté fut d'attacher le grelot.
L'un dit : "Je n'y vas point, je ne suis pas si sot";
L'autre : "Je ne saurais."Si bien que sans rien faire
On se quitta. J'ai maints Chapitres vus,
Qui pour néant se sont ainsi tenus ;
Chapitres, non de Rats, mais Chapitres de Moines,
Voire chapitres de Chanoines.
Ne faut-il que délibérer,
La Cour en Conseillers foisonne ;
Est-il besoin d'exécuter,
L'on ne rencontre plus personne.


(La Fontaine)

*

Bom dia!

© José Pacheco Pereira
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