ABRUPTO |
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31.5.04
MAIS BIBLIOFILIA
Jean Moorcroft Wilson / Cecil Woolf (Ed.) , Authors take sides on Iraq and the Gulf War, Cecil Woolf Publishers, 2004 Um vasto conjunto de intelectuais responde à simples pergunta se estão ou não de acordo com a guerra no Iraque. A resposta é a que se esperava – na sua esmagadora maioria, são contra. Meia dúzia é a favor, quase sempre em breves palavras, contrastando com a prolixidade e o tom afirmativo dos que são contra. O tom é interessante, para além dos argumentos. Das raras respostas a favor, saliento duas. A de D. M. Thomas, que começa assim: "I would much rather trust the views of taxi-drivers on any matter of great political importance than those of writers and intellectuals. History shows that the latter almost always get it wrong." e a de Alan Sillitoe, que cita (parece que erradamente quanto à referência de origem…) um poema, "The End of Violent Men" de John Milton Oh, how comely it is and how reviving To the Spirits of just men long opprest! When God into the hands of their deliverer Puts invincible might To quell the might of the Earth, th' oppressour, The brute and boist'rous force of violent men... He all their Ammunition And feats of War defeats With plain Heroic magnitude of mind... Their Armories and Magazins contemns, Renders them useless, while With winged expedition Swift as the lightning glance he executes His errand on the wicked, who surpris'd Lose their defence distracted and amaz'd.
BIBLIOFILIA
O amador de livros gosta também de revistas. Muito. As revistas saem todas as semanas, todos os meses, todos os trimestres. Mais do que três meses, é como se fossem um livro. A expectativa tem assim trela mais curta, um sabor mais repetido, um alimento mais regular para o relógio dominatrix do coleccionador-leitor. Muitas revistas, muitos pequenos gostos. Aqui fica a minha favorita nas noites de cozinha solitária, em que o viajante tem o privilégio de ter uma cozinha e uma mercearia italiana ou grega perto: a “boa comida” da BBC. Não tem a exuberância e a civilização das “two fat ladies”, nem o entusiasmo tropical de Ainsley, ( um bocado excessivo para meu gosto, que das Caraíbas prefiro o ritmo do Malibu – “you are late” / “I’m not late” - nesses anúncios de antologia), mas mantém-se fiel ao puro refrigério do palato com coisas simples e essenciais.
EARLY MORNING BLOGS 214
IMITAZIONE. Lungi dal propio ramo, Povera foglia frale, Dove vai tu? Dal faggio Là dov’io nacqui, mi divise il vento. Esso, tornando, a volo Dal bosco alla campagna, Dalla valle mi porta alla montagna. Seco perpetuamente Vo pellegrina, e tutto l’altro ignoro. Vo dove ogni altra cosa, Dove naturalmente Va la foglia di rosa, E la foglia d’alloro. (Leopardi) * Bom dia! 30.5.04
VIAGENS E JORNAIS
Ele há dias em que os jornais são boa companhia para as viagens. Os estrangeiros. Como hoje. Grandes pequenas histórias de blogue, quando os blogues forem melhores. A do padre carmelita Reginald Foster e da sua luta no Vaticano pela sobrevivência do latim – força Reginaldus! - no International Herald Tribune de 29-30 de Maio; a daqueles para quem “blogging never stops “, no mesmo IHT; no Le Monde de 30-31, a notícia de que os “bobos” compram casas na “banlieue rouge” de Paris, e já não há vergonhas que cheguem para o PCF; Saramago é invocado no Finantial Times de 29 para a sua “revolução do voto em branco” ilustrar a abstenção para que se caminha nas europeias; e, no mesmo FT, a fabulosa história de engano e guerra sobre a Sala de Âmbar do palácio do czar, roubada pelos alemães e supostamente desaparecida de vez. Parece que agora, com ajuda de documentos da STASI, se sabe que foi destruída por incúria pelo próprio Exército Vermelho, no local onde os alemães a tinham escondido. (Visitei, há uns anos, a sala, quando esta estava a ser reconstruída de raiz - foi inaugurada em Maio de 2003; à sua volta, acontecia um intenso negócio clandestino de venda de peças de âmbar, envolvendo os trabalhadores do palácio. Se quisesse, tinha trazido um bocado da sala para Portugal…)
BIBLIOFILIA
Comprados, por ler, com excepção de grande parte do Anthony Sampson, Who Runs This Place? The Anatomy of Britain in the 21st Century, Londres, John Murray, 2004. O livro de Sampson, na sequência de outros anteriores, tentando retratar os mecanismos do poder real, entre o estudo académico e o trabalho jornalístico, mostra bem a diferença entre os detentores formais do poder e os reais. Se existisse alguma coisa de semelhante em Portugal, a visão do poder mudaria , ver-se-ia por exemplo a completa irrelevância de orgãos como as Comissões Políticas dos partidos, e de quase todo o Parlamento, a favor de assessores e grupos informais "de aconselhamento" que nunca são escrutinados pelos eleitores. O livro de Richard Holmes, Acts of War. The Behaviour of Men in Battle, Londres, Weidenfield and Nicholson, 2003 é certamente bom, escrito por um notável historiador militar, de que li recentemente Redcoat, um retrato muito vivo do quotidiano do soldado inglês do século XVIII e XIX. Quanto ao livro de Julian Barnes, The Lemon Table, Londres, Jonathan Cape, 2004, é um conjunto de contos que, como toda a ficção, é impossível de comentar sem abrir, ler.A capa é bonita, mas o mérito é de quem fez os limões. 29.5.04
OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: NO SOPÉ
das colinas de Columbia está o "Espírito". Nos EUA e no Canadá, há quatro cidades com o nome de Columbia, uma província do Canadá "britânico", um "district" nos EUA com Washington dentro, um rio, uma universidade, uma enciclopédia, uma nave espacial tombada das alturas, um memorial em Marte com uma parte de uma sonda em forma de flor. "O "Espírito" nasceu lá dentro - lembrar-se-á, agora que vai subir, que também ele está "nel mezzo del cammin di nostra vita" ?
EARLY MORNING BLOGS 213
What thou lovest well remains, the rest is dross What thou lov'st well shall not be reft from thee What thou lov'st well is thy true heritage Whose world, or mine or theirs or is it of none? First came the seen, then thus the palpable Elysium, though it were in the halls of hell, What thou lovest well is thy true heritage What thou lov'st well shall not be reft from thee (Ezra Pound) * Bom dia! 28.5.04
27.5.04
EARLY MORNING BLOGS 212
Cold Morning Through an accidental crack in the curtain I can see the eight o'clock light change from charcoal to a faint gassy blue, inventing things in the morning that has a thick skin of ice on it as the water tank has, so nothing flows, all is bone, telling its tale of how hard the night had to be for any heart caught out in it, just flesh and blood no match for the mindless chill that's settled in, a great stone bird, its wings stretched stiff from the tip of Letter Hill to the cobbled bay, its gaze glacial, its hook-and-scrabble claws fast clamped on every window, its petrifying breath a cage in which all the warmth we were is shivering. (Eamon Grennan) * Bom dia! 26.5.04
OS DEZ DA TRETYAKOV: VASILY PEROV - RETRATO DO AUTOR FEODOR DOSTOYEVSKY (1872)
Verdadeiramente difícil escolher um retrato na Tetryakov, que tem uma das melhores colecções do mundo de retratos do século XIX. O retrato de Pushkin, de Kiprensky, com a face grosseira do poeta, o auto-retrato de Briulov, toda a galeria de Repin, alguns dos retratos do "realismo socialista" na Nova Tretyakov, como o de Staline com o seu estado maior, imensa panóplia do poder nacional soviético, todos podiam aqui estar. Mas há neste Dostoyevsky uma força sombria, um desalinhamento interior que quase não arranca a pintura do fundo escuro, como se a claridade que nos permite ver a cara e o corpo do escritor fossem conseguidos com imenso esforço e o retrato quisesse voltar para trás, para a sombra e o escuro.
OS DEZ DA TRETYAKOV: VASILY SURIKOV - BOYARYNIA MOROZOVA (1897)
O quadro de Surikov é dos mais prejudicados pela reprodução. É um fresco gigantesco, retratando o momento dramático da história russa em que a Igreja ortodoxa se dividiu, no século XVII, com os Velhos Crentes (staroviery) remetidos para a clandestinidade e para a perseguição. Os Velhos Crentes contestavam a reforma da Igreja e foram excomungados até 1971. Sobreviveram, escondidos de todos os regimes, e hoje são cerca de um milhão em vários países da área ex-soviética. O quadro retrata a prisão de Morozova, que acabou por morrer de fome. Gestos iniciáticos, incluindo uma forma diferente de persignação, identificavam os Velhos Crentes e alguns dos presentes fazem esses gestos de identidade.
POEIRA DE 26 DE MAIO
Hoje, há sessenta e sete anos, um grupo de quatro sindicalistas da UAW estava a conversar em frente às portas da fábrica da Ford em Dearborn, Michigan, depois de uma distribuição de panfletos. Meia dúzia de homens de mão da companhia aproximaram-se de Walter Reuther, Bob Kanter, J.J. Kennedy e Richard Frankensteen. Quando eles chegaram mais perto, os sindicalistas começaram a rir e devem ter-lhes dito algumas amabilidades irreproduzíveis. Mas permaneciam calmos e divertidos. A greve estava a correr bem para o ainda jovem sindicato dos trabalhadores do automóvel. Os homens da companhia tinham sido recrutados entre os gangsters da Lei Seca e não vinham para responder às amabilidades do grupo, vinham dar-lhes uma lição sob a forma universalmente consabida do espancamento. Quando começou a pancadaria, mais tarde conhecida com o nome épico da “Batalha do Overpass”, envolveu muitos trabalhadores e resultou em dezenas de feridos. A batalha foi ganha pelos sindicalistas, mas sem ser ao murro. Ganharam-na porque havia um fotógrafo por perto e as fotografias explicavam tudo, ou quase tudo. A esquerda comunista e socialista europeia sempre desprezou o sindicalismo americano. Considerava-o não politizado, anticomunista, infectado pela máfia e demasiado obcecado pelo bem-estar dos trabalhadores e pelos seus fundos de pensões. Personalidades como Jimmy Hoffa, dos Teamsters, simbolizavam esse repúdio. Mas enganam-se – na história da “luta de classes” poucos sindicatos lutaram com mais dureza contra as grandes companhias. Não há na Europa muitos exemplos de confrontos de “classe” como o que opôs o sindicalista Hoffa ao menino rico Robert Kennedy nas audiências do inquérito sobre crime organizado. De antologia.
EARLY MORNING BLOGS 211
Morning Sorrows Sad memory wakes anew at morning's touch And, as some muscles move without our will, She seizes, with involuntary clutch, The sorrow that we hate, our bosom ill; But we are formed with such fine wisdom, such A Providence our moral need supplies, That we can seldom overrate our sighs Nor prize our organs of regret too much; Then welcome still these ever-new returns Of anguish! Who escapes or can escape The burthen, while the great world sins and mourns? Grief comes to all, whatever be her shape To each, but we are framed with pain to cope; And, when we bow, we help our climbing hope. (Charles Turner) * Bom dia!
OS DEZ DA TRETYAKOV: REPIN – RETRATO DA BARONESA VARVARA IKSKUL VON HILDENBANDT (1889)
Escolher um quadro de Repin foi difícil. Havia literalmente outras dez escolhas possíveis, entre as quais um genial retrato de Mussorgsky (à esquerda) e um outro de sua mulher Vera Repina (à direita). Mas se há quadro de mulher que transpira uma altivez absoluta é este retrato da Baronesa Varvara. Apesar de tudo, é raro num retrato feminino tanta vaidade, soberba, postura, aquele vermelho do chapéu em crista, aquele véu a meio rosto, aquela decisão sem tréguasEsta mulher ou viveu muito bem, ou viveu muito mal. Sem meias tintas. 25.5.04
PROBLEMAS COM AS IMAGENS DO ABRUPTO
Alguém me pode ajudar a resolver um problema bizarro de desaparição de imagens, apesar de tudo estar a funcionar normalmente? * Obrigado a Albano Ferreira que identificou o problema: "O problema não é com as imagens, mas com o Blogger.De há uns tempos para cá os endereços com www dão problemas.Ou seja, o http://abrupto.blogspot.com/ funciona bem, mas o http://www.abrupto.blogspot.com/ já não. Como as imagens tem o www no URL, consegue-se ver o Blog mas não as imagens." Experimentei mudar o URL e a última imagem que coloquei ficou visível, mas espero que o Blogger volte ao normal e resolva o problema antes de mexer mais nas outras.
EARLY MORNING BLOGS 210
A Guerra Que Aflige Com Os Seus Esquadrões o Mundo A guerra que aflige com os seus esquadrões o Mundo, É o tipo perfeito de erro da filosofia. A guerra, como tudo humano, quer alterar. Mas a guerra, mais do que tudo, quer alterar e alterar muito E alterar depressa. Mas a guerra inflige a morte. E a morte é o desprezo do universo por nós. Tendo por conseqüência a morte, a guerra prova que é falsa. Sendo falsa, prova que é falso todo o querer-alterar. Deixemos o universo exterior e os outros homens onde a Natureza os pôs. Tudo é orgulho e inconsciência. Tudo é querer mexer-se, fazer cousas, deixar rasto. Para o coração e o comandante dos esquadrões Regressa aos bocados o universo exterior. A química direta da Natureza Não deixa lugar vago para o pensamento. A humanidade é uma revolta de escravos. A humanidade é um governo usurpado pelo povo. Existe porque usurpou, mas erra porque usurpar é não ter direito. Deixai existir o mundo exterior e a humanidade natural! Paz a todas as cousas pré-humanas, mesmo no homem! Paz à essência inteiramente exterior do Universo! (Fernando Pessoa) * Bom dia! 24.5.04
BIBLIOFILIA
Pedro Homem de Mello, Poesias Escolhidas, Porto, Asa, 2004 Uma excelente antologia de Vasco Graça Moura do meu familiar Pedro Homem de Mello. Recordo-o a chamar-me “meu primo” e eu, imbecil, a fazer de conta que não percebia a amabilidade. Era o homem do folclore da televisão da ditadura, dos sargaceiros da Apúlia, dos ranchos e eu detestava esse mundo. Era também um grande poeta, daqueles que brilham numa antologia, escolhidos a dedo, com dedos que descobrem muitos poemas magníficos. Fica este para amostra, mas há muitos mais: SOLIDÃO O solidão! A noite, quando, estranho, vagueio sem destino, pelas ruas, o mar todo é de pedra... E continuas. Todo o vento é poeira... E continuas. A Lua, fria, pesa... E continuas. Uma hora passa e outra... E continuas. Nas minhas mãos vazias continuas, No meu sexo indomável continuas, Na minha branca insónia continuas, Paro como quem foge. E continuas. Chamo por toda a gente. E continuas. Ninguém me ouve. Ninguém! E continuas. Invento um verso... E rasgo-o. E continuas. Eterna, continuas... Mas sei por fim que sou do teu tamanho! Nancy Mitford, Noblesse Oblige, Oxford University Press, 2002 Finalmente vou ler o famoso debate entre os “U” e os “non-U”, que conhecia das referências da irmã comunista. George Steiner, Lessons of the Masters, Harvard University Press, 2003 Por razões mais que obvias. Mohammad-Ali Amir.Moezzi / Christian Jambet, Qu’est-ce que le Shî’isme? , Paris, Fayrad, 2004 Por razões óbvias, para ver se estudo alguma coisa da matéria para além das histórias de Ali e Hussein.
OS DEZ DA TRETYAKOV: ALEXANDER GERASIMOV - STALINE E VOROSHILOV NO KREMLIN (1938)
(Na Nova Tretyakov)
OS DEZ DA TRETYAKOV: NIKOLAY GAY - "O QUE É A VERDADE?". CRISTO E PILATOS (1890)
* Para acrescentar ao quadro, aqui segue uma tradução um pouco apressada do Anticristo de Nietzsche sobre este momento: "Para além disso, no Novo Testamento só aparece uma figura digna de honra: Pilatos, o vice-rei romano. Olhar para um embroglio judaico seriamente – estava muito para além dele. Um judeu a mais ou a menos – interessava a alguém? O desprezo nobre de um romano, diante de quem a palavra verdade era manipulada sem vergonha, enriqueceu o Novo Testamento com a única frase que tem algum valor – e que é ao mesmo tempo a sua crítica e a sua destruição: “o que é a verdade?” * Rui Amaral, do Quartzo, Feldspato e Mica, sugere que este quadro seja visto/lido junto com o poema da Spoon River Anthology, de Edgar Lee Masters OAKS TUTT My mother was for woman's rights And my father was the rich miller at London Mills. I dreamed of the wrongs of the world and wanted to right them. When my father died, I set out to see peoples and countries In order to learn how to reform the world. I traveled through many lands. I saw the ruins of Rome, And the ruins of Athens, And the ruins of Thebes. And I sat by moonlight amid the necropolis of Memphis. There I was caught up by wings of flame, And a voice from heaven said to me: "Injustice, Untruth destroyed them. Go forth! Preach Justice! Preach Truth!" And I hastened back to Spoon River To say farewell to my mother before beginning my work. They all saw a strange light in my eye. And by and by, when I talked, they discovered What had come in my mind. Then Jonathan Swift Somers challenged me to debate The subject, (I taking the negative): "Pontius Pilate, the Greatest Philosopher of the World." And he won the debate by saying at last, "Before you reform the world, Mr. Tutt, Please answer the question of Pontius Pilate: "What is Truth?"
EARLY MORNING BLOGS 209
Complainte des crépuscules célibataires C'est l'existence des passants... Oh ! tant d'histoires personnelles !... Qu'amèrement intéressant De se navrer de leur kyrielle ! Ils s'en vont flairés d'obscurs chiens, Ou portent des paquets, ou flânent... Ah ! sont-ils assez quotidiens, Tueurs de temps et monomanes, Et lorgneurs d'or comme de strass Aux quotidiennes devantures ! ... La vitrine allume son gaz, Toujours de nouvelles figures ... Oh ! que tout m'est accidentel ! Oh ! j'ai-t-y l'âme perpétuelle !... Hélas, dans ce cas, rien de tel Que de pleurer une infidèle !... Mais qu'ai-je donc laissé là-bas, Rien. Eh ! voilà mon grand reproche ! Ô culte d'un Dieu qui n'est pas Quand feras-tu taire tes cloches !... Je vague depuis le matin, En proie à des loisirs coupables, Epiant quelque grand destin Dans l'œil de mes douces semblables Oh ! rien qu'un lâche point d'arrêt Dans mon destin qui se dévide !... Un amour pour moi tout exprès En un chez nous de chrysalide !... Un simple cœur, et des regards Purs de tout esprit de conquête, Je suis si exténué d'art ! Me répéter, oh ! mal de tête !... Va, et les gouttières de l'ennui ! Ça goutte, goutte sur ma nuque... Ça claque, claque à petit bruit... Oh ! ça claquera jusque... jusque ?... (Jules Laforgue) * Bom dia! 23.5.04
TUDO É RELATIVO – NOTAS RUSSAS 3
O destino dos “museus da revolução” depois do fim das ditas é particularmente inglório. Conheci vários, na RDA, na Albânia, na Rússia. O da Rússia era naturalmente o mais ambicioso, embora o da RDA fosse um bom exemplo da “cientificidade”alemã. A sala sobre o Muro era magnífica de humor negro, com o Muro visto do lado dos seus construtores. Uma barreira contra os espiões, a pornografia, o crime e … as salsichas do fetichismo do consumo. O museu albanês tinha tantas salas para Enver Hodja que, expurgado delas, parecia uma arrecadação vazia. O russo chama-se hoje Museu de História Contemporânea da Rússia mas, lá no fundo, mudou pouco na sua ortodoxia expositiva. Tem muita “revolução” do antigamente, bastante Staline, acrescentado recentemente, e que, pelos visto, é popular com os turistas, uma sala apressada com Krutchov e depois … Putin na sua glória de homem de estado. Não se vê o longo Brejnev, nem os breves Andropov e Tchernenko, censurados. Gorbachov, idem. (Continua)
OBJECTOS EM EXTINÇÃO
foi uma série do Abrupto muito participada pelos seus leitores em 2003. José Paulo Andrade colocou agora em linha fotos de alguns desses objectos aqui.
OS DEZ DA TRETYAKOV: VERESHCHAGIN - OS VENCIDOS. OFÍCIO DOS MORTOS (1877-8)
No Abrupto serão reproduzidos dez quadros de pintura russa expostos na Galeria Tretyakov em Moscovo. A escolha é minha, e é como todas as escolhas. A ordem é arbitrária. São quadros muito conhecidos na Rússia, mas quase ignorados fora dela, e o mesmo acontece com os seus autores. É difícil num blogue dar uma ideia da força imensa destes quadros, alguns gigantescos de dimensão, outros com tão fino traço pictórico que os pormenores se perdem na reprodução. Mesmo assim, acho que vale a pena. (Texto sobre Vereshchagin em breve)
TUDO É RELATIVO. NOTAS RUSSAS 2
(Para o Almocreve das Petas no seu aniversário) Moscovo. Biblioteca de Línguas Estrangeiras. Sala Oval. Estantes até ao tecto com livros alemães. Encadernações de luxo. Nenhum livro posterior aos anos vinte. Histórias de regimentos. Livros de aniversário do Kaiser. Pensei que a colecção datava da primeira guerra mundial, tendo talvez como origem uma biblioteca militar especializada, tal era a abundância de militaria. Talvez do exército czarista para estudar o inimigo alemão. Era e não era. Ekaterina Genieva, directora da Biblioteca, no meio de uma conversa sobre a “grande guerra patriótica”, a segunda, disse de repente: “Estão a ver nesta biblioteca toda essa história. Um país normal não tem “bibliotecas de línguas estrangeiras”, tem bibliotecas. Isto foi uma invenção dos soviéticos para separar os livros. Estão aqui cinco milhões de volumes, em mais de cento e quarenta línguas, mas mais de dez mil são “livros-troféus”. Por exemplo, os que estão nesta sala.” “Livros-troféus”, livros saqueados pelo Exército Vermelho de bibliotecas alemães durante e no final da II Guerra Mundial, e trazidos para a URSS como troféus de guerra, cuja devolução, junto com milhares de obras de arte, a Alemanha reclama. Estava tudo explicado.
O VULCÃO TRAIDOR
hoje de manhã está coberto pela bruma, e descansa do fogo. Mas, no sábado passado, o Piton de la Fournaise merecia o nome, embora continue hesitante. Este rio de lava desceu do Piton de Bert, passou ao lado do Nez Coupé du Tremblet, mas assustou-se quando chegou às Grandes Pentes e parou em frente do Grand Brulé. Quando for grande quero ser "nomenclador" de vulcões tropicais.
EARLY MORNING BLOGS 208
Le frais matin dorait Le frais matin dorait de sa clarté première La cime des bambous et des gérofliers. Oh ! les mille chansons des oiseaux familiers Palpitant dans l'air rose et buvant la lumière ! Comme lui tu brillais, ô ma douce lumière, Et tu chantais comme eux vers les cieux familiers ! A l'ombre des letchis et des gérofliers, C'était toi que mon coeur contemplait la première. Telle, au Jardin céleste, à l'aurore première, La jeune Ève, sous les divins gérofliers, Toute pareille encore aux anges familiers, De ses yeux innocents répandait la lumière. Harmonie et parfum, charme, grâce, lumière, Toi vers qui s'envolaient mes songes familiers, Rayon d'or effleurant les hauts gérofliers, O lys, qui m'as versé mon ivresse première ! La Vierge aux pâles mains t'a prise la première, Chère âme ! Et j'ai vécu loin des gérofliers, Loin des sentiers charmants à tes pas familiers, Et loin du ciel natal où fleurit ta lumière. Des siècles ont passé, dans l'ombre ou la lumière, Et je revois toujours mes astres familiers, Les beaux yeux qu'autrefois, sous nos gérofliers, Le frais matin dorait de sa clarté première ! (Leconte de Lisle) * Bom dia! 22.5.04
Isaak Levitan, Outono, 1896
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES
“Hoje a "nossa" RTP concedeu-nos mais um belo exemplo de "má fé". No espaço noticiário das 20h, o jornalista José Alberto Carvalho fala da Feira do Livro. Para dar um exemplo da imensa variedade das obras disponíveis nas bancas, escolhe uma. Um livro sobre a "guerra", de alguém ligado ao Le Monde Diplomatique. Do prefácio, o jornalista selecciona uma passagem que partilha connosco. Não a memorizei, mas criticava a (excessiva, subentendia-se) supremacia dos EUA a todos os níveis. E, "a propósito", eis que se passa para a notícia seguinte, directamente da feira do livro para as torturas no Iraque... “ (Paulo Agostinho) "da má fé de que fala Fernando Gil nos Impasses. Num artigo editorial, do Público de hoje, escreve Amílcar Correia sob o título “horror infinito” (não sei como é que se há-de chamar ao holocausto, ou ao Gulag, ou aos extermínios de Pol Pot ou do Ruanda; talvez “horror ainda mais infinito”…)" (Abrupto) Proponho "horror transfinito", usando o termo que Cantor usou para designar os conjuntos cujo cardinal é maior que o cardinal dos conjuntos infinitos." (António Cardoso da Conceição) “Cachecóis e bandeiras do FCP rivalizam nas varandas da Ribeira, Miragaia e Massarelos por um lugar ao sol entre lençóis, pijamas, camisas de noite, cuecas e gangas. Sempre achei fascinante este “de dentro” por fora! Talvez sirva para, a todo o momento, nos lembrar a nossa humanidade, no que ela tem de mais pragmático e prosaico. O excesso de urbanidade e dependência das máquinas, nomeadamente da de lavar e secar roupa, permitem esconder, ocultar e sobretudo esquecer estes ciclos e rotinas (sujar, lavar, secar, passar, arrumar, usar, sujar…) em que assentam o nosso confortável e higiénico quotidiano. Nada como um passeio por essas zonas do Porto, para estabelecer as devidas proporções, de tal modo é visível o grito “aqui vive-se”! E os muitos turistas não parecem incomodados.” PS. Divirto-me com os correctores ortográficos e sintácticos do “Word”. Este último, comigo, está sempre a “apitar” e o primeiro hoje diz-me que Massarelos é um erro ortográfico! " (Joana) “Vai amanhã (dia 19) a leilão, na Christie’s de Amsterdão, parte da carga de um navio português do século XVI naufragado na Ilha de Moçambique. A carga que agora se vai dispersar foi salva pela empresa de caça aos tesouros Arqueonautas SA. Em todo o mundo se aperta o cerco contra a actividade das empresas de caça ao tesouro. A aprovação de uma convenção da UNESCO para a proteção do património cultural subaquático da Humanidade é um bom exemplo desta tendência. Por outro lado, cada vez mais governos de países com um passado ligado a expansão marítima europeia reclamam direitos sobre os restos dos seus navios, perdidos nos quatro cantos do mundo. Assim, o governo espanhol ganhou recentemente um processo em tribunal, contra uma empresa de caça aos tesouros e o Estado da Virgínia, nos EUA, que havia atribuído a concessão de salvados. Acho que temos o direito de saber porque é que o estado português não faz nada para proteger os restos arqueológicos dos nossos navios, à semelhança dos outros países do mundo.” (Filipe Castro, Ph.D. Assistant Professor Nautical Archaeology Program Texas A&M University - College Station, Texas, USA)
HOJE
continuarão as notas russas. Nos próximos dias, dez quadros da Galeria Tretyakov escolhidos para o Abrupto. 20.5.04
TUDO É RELATIVO - NOTAS RUSSAS
Putin apontou os indicadores económicos de Portugal como um objectivo para a Rússia. * Gaidar, antigo primeiro ministro, conta que o PC da União Soviética o mandou a Portugal em 1988 explicar a perestroika ao PCP. De regresso, encontra-se com uma carta do PCP ao PCUS protestando por lhes ter sido enviado um "comunista pouco firme". * K., académico russo, pergunta: "Se Staline tivesse chegado ao Canal da Mancha, seria que lhe chamavam o "libertador da Europa"? * Outro académico: "Há os russos e os da Rússia". * Chekov dizia da intelectualidade russa: "Vós sois talentosos e também muito perigosos". (Continua)
IMPRESSÕES DE PERTO 2
Aparecem no mercado mais ovos de Fabergé. Já há supermercados e centros comerciais. Mas também há qualquer coisa de estranho no ar. Algumas liberdades estabilizaram-se, mas não há "ar de liberdade". Putin governa com os seus amigos do KGB. Parece um homem sem tentações de corrupção pessoal, mas gosta do poder autocrático. A pompa do poder agrada-lhe e sobe sozinho a longa escadaria do Kremlin, pisando uma passadeira vermelha sem fim, para jurar, num púlpito isolado, a sua fidelidade à Rússia. É natural que pense que, procedendo assim, dá uma nova imagem do poder russo, num país deprimido por anos inglórios e difíceis. Mas tanta solidão do poder ostensiva é também um sinal do autocrata. A Rússia é um grande país e não é de geografia que falo. A Rússia é um grande país, por dentro. Por dentro. Há uma imensa força neste lado do mundo. Para onde vai, não sei.
IMPRESSÕES DE PERTO
A Rússia de Putin revela a sua estranheza, a estranheza dos momentos de transição, em que não se é nem uma coisa, nem outra. O centro de Moscovo está cheio de lojas de luxo, os automóveis, cada vez mais de importação, enchem as gigantescas vias circulares, e todos os preços são exorbitantes. Moscovo é hoje mais cara do que Tóquio. Os excessos de há cinco anos, os magotes de pedintes ou de gente muito pobre vendendo o samovar do avô, ou os patins da juventude, ou cestos de gatinhos, quase desapareceram das escadas do metro e do grande centro comercial de luxo ao lado da Praça Vermelha. Mas a Chechénia, a "questão nacional", permanece tabu. O vocabulário é policiado. As fotos de milionários russos na prisão lembram aos "novos capitalistas" o risco da sua profissão. A diferença entre o que é legal e ilegal permanece discricionária, principalmente na área económica. Quem decide? O poder político. Aparecem no mercado mais ovos de Fabergé. (continua) 18.5.04
EM BREVE,
notícias da cidade mais cara do mundo, entre o Hotel Nacional e a múmia de Lénine, as pinturas da Tretyakov e o ex-museu da revolução, entre Zukov a cavalo e as matrioskas com John Kerry "presidente", entre o soviet-chic e o soviete coisa nenhuma. 17.5.04
EARLY MORNING BLOGS 207
Ô lumineux matin Ô lumineux matin, jeunesse des journées, Matin d'or, bourdonnant et vif comme un frelon, Qui piques chaudement la nature, étonnée De te revoir après un temps de nuit si long ; Matin, fête de l'herbe et des bonnes rosées, Rire du vent agile, oeil du jour curieux, Qui regardes les fleurs, par la nuit reposées, Dans les buissons luisants s'ouvrir comme des yeux ; Heure de bel espoir qui s'ébat dans l'air vierge Emmêlant les vapeurs, les souffles, les rayons, Où les coteaux herbeux, d'où l'aube blanche émerge, Sous les trèfles touffus font chanter leurs grillons ; Belle heure, où tout mouillé d'avoir bu l'eau vivante, Le frissonnant soleil que la mer a baigné Éveille brusquement dans les branches mouvantes Le piaillement joyeux des oiseaux matiniers, Instant salubre et clair, ô fraîche renaissance, Gai divertissement des guêpes sur le thym, - Tu écartes la mort, les ombres, le silence, L'orage, la fatigue et la peur, cher matin... (Anna de Noailles) * Bom dia! 16.5.04
VER A NOITE
com um pequeno telescópio: Vénus está de quarto crescente, Júpiter com os satélites atrás. Ao longe, noutro planeta, passam benfiquistas buzinando. Dava um haikai.
ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO
Actualizados, com uma história sobre Marcello Caetano e a libertação da militante comunista Fernanda Paiva Tomás, incluindo uma carta, que penso inédita, do então Presidente do Conselho.
FICARÁ “OLIMPIANISMO”
Será pois “olimpianismo” o neologismo que utilizarei já esta semana no artigo do Público. O meu pedido recebeu de imediato várias respostas muito interessantes e fundamentadas, que agradeço. Algumas delas ficam aqui registadas e, embora o texto fique longo, sempre estamos a assistir à entrada de um neologismo na língua portuguesa. Por várias razões, falar-se-á o suficiente de “olimpianismo” para o termo se fixar. 1. Segundo compreendi, Kenneth Minogue define-o assim: "Olympianism is the project of an intellectual elite that believes that it enjoys superior enlightenment and that its business is to spread this benefit to those living on the lower slopes of human achievement (...) Olympianism burrowed like a paradise into the most powerful institution of the emerging knowledge economy - the university"(citação indirecta através deste sítio). É para este conceito que é preciso cunhar um termo ou expressão que o exprimam com a maior clareza possível. 1 - Na língua inglesa, segundo o Webster's de 1913, Olympianism \O*lym"pi*an*ism\, n. Worship of the Olympian gods, esp. as a dominant cult or religion. No Webster's de 1993 que tenho em casa, "olympianism" não aparece (talvez uma indicação de pouca ocorrência da palavra nos dias de hoje), apenas há "olympian", sendo a sua introdução na língua inglesa datada de 1585-95. No entanto, na Internet encontrei várias utilizações de "olympianism" que se enquadram com "olimpismo" quando esta palavra define o "espírito que preside as competições desportivas dos Jogos Olímpicos" ou "movimento olímpico internacional". De qualquer modo, pelo tipo de sítios que utilizavam a palavra, ela parecia-me de uso relativamente restrito, quase técnico. Apenas uma pesquisa segundo a "linguística de corpora" seria capaz de me dizer se a palavra, neste sentido, é de uso tão corrente como "olimpismo" em português. Temos assim que, na língua inglesa, a palavra "olympianism" corresponde, pelo menos, a três definições diferentes. 2 - Como traduzir para português? Olimpiano ou olimpismo? Em português, encontrei o adjectivo "olímpico" e o adjectivo e substantivo masculino "olimpiano". "Olímpico" encontra-se em todos os dicionários mas "olimpiano", apenas encontrei no Morais (10.ª edição, publicada a partir de 1949), e no Novo Dicionário Aurélio de Língua Portuguesa, para além do Houaiss (como mencionou no seu blog, pelo que omiti-lo-ei) e o da Porto Editora (8.ª ed.), que não adianta muito para o assunto. Aurélio olímpico (do lat. olimpicu) adj. 1. Pertencente ou relativo ao Olimpo. 2. Pertencente ou relativo aos deuses do Olimpo [sin., nessas acepç: olimpiano] 3. Olímpio (1). 4. Referente às Olimpíadas. 5. Fig. Grandioso, majestoso, divino, nobre, sublime. olimpiano (do lat. olimpianu) adj. olímpico (1 e 2) * s. m. O natural ou o habitante de Olímpia. Morais olimpiano - adj. e s. m. (de Olimpo, top.). Pertencente ou relativo ao Olimpo. Habitante do Olimpo. Mit. Designação dos deuses principais: Júpiter, Marte, Neptuno, Plutão, Vulcano, Apolo, Juno, Vesta, Minerva, Ceres, Diana e Vénus. no entanto, a definição de "olímpico" neste dicionário é bastante interessante: olímpico - adj. (de Olimpo, top.). Relativo a Olímpia, cid. do Pelopeneso. / Relativo ao Olimpo; que habita o Olimpo ou morada dos deuses / Por ext. Tudo quanto é ou tem a pretensão de ser acima do vulgar ou do humano: «Em Portugal, há grande facilidade em criar jerarquias olímpicas; fazem-se anjos, arcanjos, serafins e potestades» Camilo, Ecos Humorísticos, II, I. e ainda define olimpismo - neol. Prática, sistema, instituição dos Jogos Olímpicos. 3 - Que conclusão tiramos de tudo isto? Como se pode ver, em português, "olimpiano" parece ser mais descritivo, ao passo que "olímpico" dispõe do sentido figurado que parece ir, de modo mais adequado, ao encontro da definição de "olympianism" de Kenneth Minogue. Por outro lado, isso parece confirmado pelo uso que o advérbio "olimpicamente" pode ter, denotando o desprezo que alguém pode ter por alguma coisa, devido à sua superioridade, por se considerar acima dessas coisas. No entanto, há uma objecção a que "olimpismo" designe o conceito definido por Minogue. Essa objecção é aquela que a Carla já mencionou no seu blog: a conotação que "olimpismo" tem com o desporto, já bastante enraizada (embora em inglês isso também aconteça em certo grau) Todavia, na terminografia moderna, por influência da sócio-terminologia, já não se procura com tanto afinco um termo absolutamente monossémico. Entende-se que o contexto (entre outras coisas mais que a linguística de texto costuma estudar) é, normalmente, suficiente para esclarecer ou desfazer a ambiguidade sobre o sentido em que a palavra é utilizada. Em princípio, "olimpismo", segundo este raciocínio, deveria ser a palavra que ilustraria o conceito definido por Minogue. Ainda encontrei outros exemplos que poderiam levar à escolha de "olimpismo": Comparando com o francês, encontrei isto: N'oublions pas non plus de mentionner l'influence de Goethe sur Schubert qui a d'ailleurs mis un très grand nombre de ses textes en musique. Il n'a jamais rencontré Goethe mais il lui a envoyé certains de ses ouvrages et Goethe ne lui a pas répondu. Ce côté olympien de Goethe - l'olympisme de Goethe après 1810 - est l'une de ses caractéristiques jusqu'à la fin de sa vie. Il s'est enfermé dans une sorte de tour d'ivoire. Il adopte d'ailleurs le même comportement à l'égard du poète Heinrich Heine qui aura des sentiments extrêmement mitigés vis-à-vis de Goethe. Il y a donc un contact qui ne s'est pas établi, une relation manquée entre Goethe et les intellectuels allemands, de quelque art qu'ils soient, contemporains ou postérieurs à lui. (Fonte) Bem como, este sítio brasileiro com esta definição: OLIMPIANO - Adjetivo usado por Edgar Morin (Cultura de massas no século XX) para designar a categoria sagrada dos campeões, príncipes, reis, astros de cinema, playboys, artistas célebres. Diz Morin: "o olimpismo de uns nasce do imaginário, isto é, dos papéis encarnados nos filmes (astros); o de outros nasce de sua função sagrada (realeza, presidência), de seus trabalhos heróicos (campeões, exploradores) ou eráticos (playboys). É claro que neste caso estamos perante uma tradução do francês "olym= pien". O facto de "olimpismo" em português estar conotado com o movimento olímpico não pode ser razão suficiente, pelo menos à partida, para que esse termo não possa ser tradução de "olympianism". Mas também não me perturba que "olimpianismo" possa ser adoptado para descrever este novo conceito, embora, semanticamente, me parece mais correcto semanticamente a palavra "olimpismo". Não sei é se este sentido pegará, mas o mundo dos termos técnicos está cheio de termos e expressões que veiculam diferentes conceitos conforme o domínio de utilização. Penso que o contexto é normalmente desambiguar o sentido do termo, pois as palavras nunca são utilizadas isoladas, mas em textos (o conceito de texto é algo de interessante, e há já algum tempo que ando às voltas com ele, pois será utilizado na minha dissertação de mestrado). Para mim, "olimpismo" será mais correcto, por razões semânticas. Mas "olimpianismo" também é defensável, até por razões de clareza, que são bastante importantes. E a decisão, quando se cunha um novo termo, nem sempre é só de ordem linguística, embora se apoie nela. E de qualquer modo, precisaria de fazer, mais uma ou duas indagações para ter a certeza em alguns dos pontos. (Rui Oliveira) 2. Apesar de olimpianismo seguir correctamente as regras de formação de neologismos em português, a tradição lexicográfica preconizou o uso da forma olimpismo, que se encontra registada quer em vocabulários mais antigos, mas ainda hoje tidos como referência, como o Vocabulário da Língua Portuguesa de Rebelo Gonçalves, quer noutros mais recentes como o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências/Verbo, ou o portentoso Houaiss, do Instituto Antônio Houaiss/Círculo de Leitores. Parece também haver uma distinção semântica entre essas duas palavras: enquanto olimpianismo poderia ser definido como ‘carácter ou qualidade do que é olimpiano’, ou seja, de tudo o que está relacionado com o Olimpo e com os seus deuses, olimpismo refere-se, como nos informam os dicionários acima referidos, à “organização e instituição dos Jogos Olímpicos e ao espírito que lhes preside”. Do ponto de vista da tradução, se pretender manter-se fiel ao original inglês, e como olympianism parece ser também um neologismo (…), talvez fosse preferível optar pela forma olimpianismo. Olimpismo seria a tradução directa do inglês olympism ou do francês olympisme, que se encontram já dicionarizados. (Pedro Mendes / Priberam Informática ) 3. Em que é que ficamos? O Abrupto pergunta o seguinte: "Como é que traduzo olimpyanism? Por "olimpianismo", fiel ao uso conceptual novo (veja-se nota sobre Kenneth Minogue), ou "olimpismo"? No Houaiss há "olimpiano" e "olímpico", mas não "olimpianismo"..." Pois voto em olimpianismo. Embora "olimpiano" não esteja registado no Dicionário da Academia, nunca poderíamos traduzir esse novo conceito por "olimpismo", uma vez que a palavra tem um determinado significado que o associa aos Jogos Olímpicos e que o afasta do sentido que se pretende. Olimpianismo parece-me um bom aportuguesamento. (Carla na Bomba Inteligente)
OLIMPISMO / OLIMPIANISMO
Em breve, um resumo das respostas que recebi ao pedido de opiniões e saberes sobre que forma adoptar para traduzir “olimpyanism”.
EARLY MORNING BLOGS 206 / O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES
Hoje todo o “early morning” é de autoria de Fernando Almeida e Costa, a que agradeço a colaboração. Composed upon Westminster Bridge EARTH has not anything to show more fair: Dull would he be of soul who could pass by A sight so touching in its majesty: This City now doth like a garment wear The beauty of the morning; silent, bare, Ships, towers, domes, theatres, and temples lie Open unto the fields, and to the sky; All bright and glittering in the smokeless air. Never did sun more beautifully steep In his first splendour valley, rock, or hill; Ne'er saw I, never felt, a calm so deep! The river glideth at his own sweet will: Dear God! the very houses seem asleep; And all that mighty heart is lying still! "Numa manhã do início do sec.XIX, William Wordsworth viajava com a sua irmã Dorothy, de Londres para Calais. Era ainda muito cedo quando atravessaram a Westminster Bridge, e a visão matinal da cidade e do rio tocou-os profundamente. Dorothy escrevia magnificamente e, nos seus diários - que foram publicados - surge a seguinte descrição [Journal July 31, 1802]: "It was a beautiful morning. The city, St. Paul's, with the river, and a multitude of little boats, made a most beautiful sight as we crossed Westminster Bridge. The houses were not overhung by their cloud of smoke, and they were spread out endlessly, yet the sun shone so brightly, with such a fierce light; that there was something like the purity of one of nature's own grand spectacles." Wordsworth parece que não gostava particularmente de cidades, demasiado sujas, complexas e perigosas. Mas escreveu um belíssimo soneto sobre esse instante em que o coração poderoso e perigoso de Londres está ainda adormecido. Na "early morning" da Londres de hoje é possível ter uma experiência, apesar de tudo, muito semelhante. " 15.5.04
MEUS OLHOS
("Espírito", há dois dias, olha para trás.) Que me valem longe, olhando esse deserto marciano, terrível e limpo. Lembrando Nietzsche : “infeliz daquele que ama o deserto”. Que me valem junto do fogo, traidor vulcão, fornalha que só se acendeu quando lhe virei costas. (Erupção em curso.)
UM EXEMPLO TÍPICO ENTRE MUITOS
da má fé de que fala Fernando Gil nos Impasses. Num artigo editorial, do Público de hoje, escreve Amílcar Correia sob o título “horror infinito” (não sei como é que se há-de chamar ao holocausto, ou ao Gulag, ou aos extermínios de Pol Pot ou do Ruanda; talvez “horror ainda mais infinito”…): “Um grupo alegadamente ligado à Al-Qaeda exibiu um vídeo com imagens da decapitação de um civil norte-americano, Nick Berg, cuja morte deveria ter sido prontamente condenada por todas as comunidades muçulmanas. Militantes do Hamas exibiram orgulhosos os restos mortais de seis soldados israelitas atingidos mortalmente em Gaza; no mesmo dia em que o exército de Israel fazia mais sete vítimas palestinianas. Como se isto não bastasse, as imagens insuportáveis da prisão iraquiana de Abu Ghraib multiplicam-se e muitas (e piores) imagens estão ainda por divulgar. O mundo não está, de facto, mais seguro depois da morte política de Saddam e o horror ameaça reproduzir-se até ao infinito. “ Muito bem. Três casos de horror. Melhor, quatro, porque também lá estão “as sete vítimas palestinianas” (quem serão? Civis? Militantes do Hamas? Não sabemos, só sabemos que estão lá para servir de contrapartida da “exibição” dos restos mortais dos soldados israelitas). Mas é sobre este “horror” que Amílcar Correia vai escrever? Não. Não é. O resto do artigo é só sobre um fragmento desse horror: "À medida que nos vamos aproximando da data prevista para a transição de poder no Iraque, é cada vez mais evidente a contradição e a falácia entre o discurso da liberdade e da democracia que conduziu a guerra e a prática de torturas e de todo o tipo de arbitrariedades durante o pós-guerra (70 a 90 por cento dos detidos são presos por engano)." E é assim até ao fim. No caminho, ficou o “grupo alegadamente ligado à Al-Qaeda” (que prudência!) e os militantes do Hamas; o “horror”, afinal, é bem mais finito do que parece. É americano.
DESONESTIDADE INTELECTUAL
Deixo de parte a questão das torturas do Iraque, que condenei sempre desde o primeiro momento de forma inequívoca, facto que não convém lembrar por aqueles que hoje as usam essencialmente para propaganda política. Sim, porque salvo raras e honrosas excepções, as torturas estão a ser usadas de forma puramente instrumental para atacar a intervenção americana. Foi esse carácter instrumental do uso das torturas para a propaganda política que eu “estraguei” lembrando a existência do chamado “relatório das sevícias” de 1976, e daí a evidente irritação. Não foi qualquer equivalência moral ou relativismo, como se pode ver lendo os textos originais que escrevi e o que disse sobre a matéria, prática sempre saudável nestas coisas. Mas este título de “desonestidade intelectual” refere-se a uma frase do artigo do Público de Eunice Lourenço hoje. “Pacheco Pereira, que há bem pouco tempo tinha andado a desvalorizar as torturas feitas pela PIDE”. Isto já não é matéria de política, é de pura e simples honestidade. Eunice Lisboa está a referir-se à crítica que fiz (numa nota publicada no Abrupto, em 25 de Janeiro de 2004) à sua colega de jornal São José Almeida, e que reproduzo a seguir integralmente: “Num artigo de hoje do Público São José Almeida escreve o seguinte sobre as torturas utilizadas pela PIDE: Depois acrescentei posteriormente: “Esta nota motivou uma reacção indignada de São José Almeida e de outros jornalistas do Público no Glória Fácil, reafirmando a veracidade e o fundamento do que se escrevera no artigo. Entendi nada dizer porque todas as pessoas que conhecem a história da repressão em Portugal sabem do completo infundado das afirmações de São José Almeida e não valia a pena qualquer comentário pelo que era uma manifestação de ignorância solidária. “ Ainda estou à espera que me provem que na PIDE era “também usual interrogar os presos despidos, sobretudo quando se tratava de mulheres. “ Foi esta a minha “desvalorização das torturas da PIDE”. Julguem como entenderem, mas isto é mau jornalismo em nome do antifascismo, e desonestidade intelectual na imputação a outrém de posições que nunca teve, para obter efeitos políticos.
EARLY MORNING BLOGS 205
La belle matineuse Le silence régnait sur la terre et sur l'onde, L'air devenait serein et l'Olympe vermeil, Et l'amoureux Zéphire affranchi du sommeil Ressuscitait les fleurs d'une haleine féconde. L'Aurore déployait l'or de sa tresse blonde, Et semait de rubis le chemin du Soleil ; Enfin ce dieu venait au plus grand appareil Qu'il soit jamais venu pour éclairer le monde, Quand la jeune Philis au visage riant, Sortant de son palais plus clair que l'Orient, Fit voir une lumière et plus vive et plus belle. Sacré flambeau du jour n'en soyez pas jaloux ! Vous parûtes alors aussi peu devant elle Que les feux de la nuit avaient fait devant vous. (Claude Malleville) * Bom dia! 14.5.04
THE ARTIST’S LETTER RACK
Agora já se pode revelar o quadro que escolhi para comentar na Fundação de Serralves, numa série organizada em que um convidado escolhe um quadro e comenta-o com mais duas pessoas. No meu caso, o crítico de arte Bernardo Pinto de Almeida e o psiquiatra Jaime Milheiro. O quadro, datado de 1879, é de William Harnett, que, com John Peto, é autor de uma série de naturezas mortas e composições hiper-realistas, na segunda metade do século dezanove. Harnett, conhecido como o “American Zeuxis”, do pintor grego que tinha fama de pintar umas uvas tão reais que os pássaros as queriam comer, teve um problema idêntico: pintou um quadro com uma nota de cinco dólares tão perfeita que a polícia o queria condenar como falsário. Noutro episódio do mesmo estilo, uma das suas pinturas levava quem a via a querer retirar os objectos que pensava estarem dependurados no quadro, e teve que se colocar um guarda ao lado. 13.5.04
Oskar Kokoschka, Veneza
ESTUDOS SOBRE COMUNISMO
Em actualização: editoras comunistas no Porto, nos anos trinta, e identificação de um desenho editado clandestinamente.
EARLY MORNING BLOGS 204
A manhã raia. Não: a manhã não raia. A manhã é uma cousa abstracta, está, não é uma cousa. Começamos a ver o sol, a esta hora, aqui. Se o sol matutino dando nas árvores é belo, É tão belo se chamarmos à manhã «começarmos a ver o sol» Como o é se lhe chamarmos manhã; Por isso não há vantagem em pôr nomes errados às cousas, Nem mesmo em lhe pôr nomes alguns. (Alberto Caeiro, cortesia de João Costa) * Bom dia! 12.5.04
POEIRA DE 12 DE MAIO
Como era bom quando o mundo era simples e o senhor Samuel Pepys, hoje, há trezentos e quarenta e um anos, anotava no seu diário: “After dinner Pembleton came and I practised”. O senhor Pembleton era o seu professor de dança.
PEDIDO DE AJUDA
aos amigos linguistas. Como é que traduzo "olimpyanism"? Por "olimpianismo", fiel ao uso conceptual novo (veja-se nota sobre Kenneth Minogue), ou "olimpismo"? No Houaiss há "olimpiano" e "olímpico", mas não "olimpianismo"... Herbert Boeckl
EARLY MORNING BLOGS 203
Matin Voici le matin bleu. Ma rose et blonde amie Lasse d'amour, sous mes baisers, s'est endormie. Voici le matin bleu qui vient sur l'oreiller Éteindre les lueurs oranges du foyer. L'insoucieuse dort. La fatigue a fait taire Le babil de cristal, les soupirs de panthère. Les voraces baisers et les rires perlés. Et l'or capricieux des cheveux déroulés Fait un cadre ondoyant à la tête qui penche. Nue et fière de ses contours, la gorge blanche Où, sur les deux sommets, fleurit le sang vermeil, Se soulève et s'abaisse au rhythme du sommeil. La robe, nid de soie, à terre est affaissée. Hier, sous des blancheurs de batiste froissée La forme en a jailli libre, papillon blanc. Qui sort de son cocon, l'aile collée au flanc. A côté, sur leurs hauts talons, sont les bottines Qui font aux petits pieds ces allures mutines, Et les bas, faits de fils de la vierge croisés, Qui prennent sur la peau des chatoiements rosés. Epars dans tous les coins de la chambre muette Je revois les débris de la fière toilette Qu'elle portait, quand elle est arrivée hier Tout imprégnée encor des senteurs de l'hiver. (Charles Cros) * Bom dia! 11.5.04
LIVROS MALDITOS DO PÓS-25 DE ABRIL
Na referência que fiz ao esquecido (e mesmo ignorado, a julgar pelos comentários) relatório das “sevícias”, como era conhecido na época, não coloquei a nota bibliográfica completa que aqui vai : Presidência da República, Relatório da Comissão de Averiguação de Violências Sobre Presos Sujeitos às Autoridades Militares, Nomeada por Resolução do Conselho da Revolução de 19 de Janeiro de 1976, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1976. Algumas notas complementares: uma, os factos referem-se ao pós-25 de Abril, essencialmente a 1975, o Presidente que assina a portada do livro era o general Costa Gomes, e o Conselho da Revolução era liderado pelos “militares de Abril” que costumam ir à frente das manifestações. Apesar de nunca ter havido julgamentos destes casos – como de muitos outros envolvendo a chamada “rede bombista” - no caos ainda prevalecente nesses anos, o Regimento do Polícia Militar foi dissolvido, voltando uma parte a ser o Regimento de Lanceiros 2 e criando-se a Polícia do Exército. Os factos relatados nunca foram verdadeiramente contestados na sua veracidade. A cadeia de comando de 1975 é conhecida: o comandante era o major Campos Andrade, que chegou a estar preso com um número considerável de acusações, e libertado sem julgamento e o segundo comandante foi o Major Tomé, expulso do exército em Abril de 1976. Um segundo exemplo de livro maldito, este ainda mais raro de encontrar, porque nunca foi divulgado ao público, é Ministério da Justiça. “Caso FP-25 de Abril” . Alegações do Ministério Público com anexo documental, Lisboa, 1987. O livro, com quase 1050 páginas, foi distribuído institucionalmente, enviado para os outros ministérios, para a Assembleia, e, de repente, resolveu-se parar com a distribuição, pelo que nunca chegou nem sequer à livraria do estado. Os anexos, incluindo a enorme massa documental apreendida nas operações policiais contra as FP 25 de Abril, com destaque para os muitos manuscritos de Otelo, são um retrato excepcional de uma típica organização terrorista da época.
“OLIMPIANISMO” - PARA PERCEBER MUITA COISA NOS DIAS DE HOJE
O conceito de “olimpianismo”, exposto por Kenneth Minogue, num artigo de Junho de 2003 do New Criterion ( e que infelizmente não está em linha), é muito importante para perceber as mudanças dos dias de hoje. Há, no entanto, um artigo complementar do mesmo autor, The Fate of Britain's National Interest , que discute questões próximas e que também se refere ao “olimpianismo”. Não é preciso concordar com tudo, mas que dá para pensar, dá.
FORMAS DE ECONOMIA DA INDIGNAÇÃO
Foi publicada recentemente a lista dos dez piores lugares do mundo para o exercício do jornalismo em 2003, elaborada pelo Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ): Iraque, Cuba, Zimbabwe, Turquemenistão, Bangladesh, China, Eritreia, Haiti, Cisjordânia, Faixa de Gaza, Rússia. Usarei esta lista para fazer uma espécie de geografia do mal.Agora seria interessante ver, em termos de espaço de indignação, que lugar cada um ocupa na escrita jornalística “indignada” – notícias de “jornalismo de causas”, editoriais, comentários de opinião. Imediatamente se podiam excluir os conflitos sem aparente interesse geo-estratégico, nos fundos malditos do Terceiro Mundo - Bangladesh, Eritreia, Haiti –, ou os lugares demasiado exóticos como o Turquemenistão. Como, em nenhum caso, parece haver um envolvimento especial dos EUA, ninguém se interessa. O caso do Haiti até seria interessante de analisar em separado, mas deixemo-lo de parte para já. Depois há os desinteresses da indignação em que Cuba e o Zimbabwe têm papel relevante, com dois regimes “anti-imperialistas” e socialistas. Cuba costuma ter duas ou três frases de desobriga, mas não é preciso nenhuma lupa para perceber que há mais incómodo do que indignação. O Zimbabwe quase que só é uma questão britânica, vista com desinteresse generalizado. A China é atacada mais pelo crime da sua economia de mercado do que pelo crime do seu comunismo. A Rússia merece grandes silêncios. O Iraque, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza já, pelo contrário, acumulam as indignações, o que tem todas as justificações. Mas, mesmo assim, as indignações são selectivas e seria difícil encontrar quem se tenha indignado com as violências palestinianas contra os jornalistas, também referidas no relatório do CPJ. Critérios objectivos para medir o que digo? As escolas do jornalismo do futuro farão esse estudo, mas não seria difícil desde já medi-lo usando a frequência e o valor simbólico dos adjectivos utilizados e os metros quadrados de prosa e de tempo de antena.
OS NOVOS DESCOBRIMENTOS: “ESPÍRITO”, LEITOR DE BARTHES
O “Espírito” continua a subir. Farto de planícies, farto de buracos no chão, já andou uma milha com os olhos numas colinas que parecem, em tanta planura, montanhas. O “Espírito” leu Roland Barthes na sua juventude, nalguma parte da sua memória reconstruída está o gosto pelas montanhas.
EARLY MORNING BLOGS 202
Ma chaumière Ma chaumière aurait, l'été, la feuillée des bois pour parasol, et l'automne, pour jardin, au bord de la fenêtre, quelque mousse qui enchâsse les perles de la pluie, et quelque giroflée qui fleure l'amande. Mais l'hiver, - quel plaisir, quand le matin aurait secoué ses bouquets de givre sur mes vitres gelées, d'apercevoir bien loin, à la lisière de la forêt, un voyageur qui va toujours s'amoindrissant, lui et sa monture, dans la neige et la brume ! Quel plaisir, le soir, de feuilleter, sous le manteau de la cheminée flambante et parfumée d'une bourrée de geniè- vre, les preux et les moines des chroniques, si merveil- leusement portraits qu'ils semblent, les uns jouter, les autres prier encore ! Et quel plaisir, la nuit, à l'heure douteuse et pâle, qui précède le point du jour, d'entendre mon coq s'égosiller dans le gelinier et le coq d'une ferme lui répondre faible- ment, sentinelle juchée aux avant-postes du village endormi., Ah ! si le roi nous lisait dans son Louvre, - ô ma muse inabritée contre les orages de la vie ! - le seigneur suzerain de tant de fiefs qu'il ignore le nombre de ses châteaux ne nous marchanderait pas une chaumine ! (Aloysius Bertrand) * Bom dia! 10.5.04
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES
Sobre POEIRA DE 9 DE MAIO Relativamente a Galileu li há dias um texto que me surpreendeu. Retirado de "Conjecturas e refutações" de Karl Popper capítulo 3 "Três perspectivas acerca do conhecimento humano" 1. A ciência de Galileu e a sua mais recente traição Era uma vez um famoso cientista chamado Galileu Galilei, que foi julgado pela Inquisição e obrigado a renegar a sua doutrina. O caso provocou um grande tumulto e, durante bem mais de duzentos e cinquenta anos, continuou a gerar indignação e distúrbio – muito após a opinião pública haver conquistado já a sua vitória e a Igreja se ter tornado tolerante para com a ciência. Mas esta é agora uma história muito antiga e receio que tenha perdido o seu interesse, pois, segundo tudo indica, a ciência galilaica já não tem inimigos: a sua vida está doravante segura. A vitória, há muito conquistada, foi definitiva, e nada perturba o sossego desta ex-frente de batalha. Lançamos assim, hoje em dia, um olhar distanciado sobre o caso, tendo aprendido, pelo menos, a pensar em termos históricos e a compreender ambos os lados de uma discussão. E já ninguém tem paciência para ouvir os maçadores que não conseguem esquecer um velho agravo. Em que é que consistia afinal este velho caso? No cerne da questão estava o estatuto do “Sistema do Mundo” de Copérnico que, entre outras coisas, explicava o movimento diurno do Sol como meramente aparente e devido à rotação da nossa própria Terra. A Igreja estava perfeitamente disposta a admitir que o novo sistema era mais simples do que o antigo; que constituía um instrumento mais cómodo para os cálculos astronómicos e previsões. E a reforma do calendário do Papa Gregório fez pleno uso prático dele. Não havia nenhuma objecção ao ensino da teoria matemática por Galileu, desde que este deixasse claro que o seu valor era apenas instrumental; que não passava de uma “suposição”, como o Cardeal Bellarmino dizia, (*) ou de uma “hipótese matemática” – uma espécie de artifício matemático “inventado e assumido para abreviar e facilitar os cálculos.” Por outras palavras, não havia objecções desde que Galileu estivesse disposto a pôr-se de acordo com Andreas Osiander, que escrevera no seu prefácio ao De revolutionibus de Copérnico: “Estas hipóteses não precisam de ser verdadeiras ou de se assemelhar sequer à verdade; pelo contrário, basta-lhes apenas uma coisa: produzirem cálculos que se harmonizem com as observações.” O próprio Galileu estava, como é óbvio, perfeitamente disposto a realçar a superioridade do sistema copernicano enquanto instrumento de cálculo. Mas, ao mesmo tempo, conjecturava e, inclusivamente, acreditava que esse sistema constituía uma descrição verdadeira do mundo. E para Galileu (como para a Igreja) este era, de longe, o aspecto mais importante da questão. (*) Galileu agirá avisadamente”, escreveu o cardeal Bellarmino “… se falar hipoteticamente, ex suppositione…: dizer que descrevemos melhor as aparências supondo a Terra em movimento e o Sol em repouso de que se usássemos excêntricos e epiciclos é falar acertadamente. Não há perigo nisso, e é tudo aquilo de que o matemático necessita” Mais à frente Popper escreve: "Hoje em dia, a perspectiva da ciência física instaurada por Osiander, pelo Cardeal Bellarmino e pelo Bispo Berkeley venceu sem que nenhum outro tiro tivesse sido disparado." Dá que pensar… chega mesmo a ser irónico o problema epistemológico, afinal o cardeal inquisidor estava mais próximo da visão actual da ciência do que à primeira vista parecia. (Carlos Pereira da Cruz)
POEIRA DE DEZ DE MAIO
Hoje, há cento e quarenta anos, Arthur F. Munby cruzou-se no Covent Garden com Charles Dickens. Munby era um poeta menor e um funcionário com uma obsessão secreta. Tinha uma paixão sem limites pelas mulheres da “working class”. Para a levar à prática casou em segredo com a criada. Dickens estava sozinho a passear. Tinha um chapéu novo. Munby achava-o vaidoso, mas dava um desconto. Podia ser da roupa. “Thus he passed before me, and thus, in superficial casual way. I judged of him”. Munby preferia Thackeray com a seu “grave and sad-absorbed look”. Vincent van Gogh
PROCESSO CASA PIA
Sempre me intrigou que uma pergunta nunca tenha sido feita. Ninguém contesta que houve violências sexuais sobre menores da Casa Pia. Este é um facto incontroverso. Ninguém pode presumir outra coisa que não seja a inocência dos arguidos, mas eles sairão do tribunal ou inocentados ou culpados. Imaginem que são, como muita gente pensa (e outra não), inocentes e nada tinham a ver com os crimes cometidos. Se for assim, quem é que os cometeu?
EARLY MORNING BLOGS 201
Bonne pensée du matin A quatre heures du matin, l'été, Le sommeil d'amour dure encore. Sous les bosquets l'aube évapore L'odeur du soir fêté. Mais là-bas dans l'immense chantier Vers le soleil des Hespérides, En bras de chemise, les charpentiers Déjà s'agitent. Dans leur désert de mousse, tranquilles, Ils préparent les lambris précieux Où la richesse de la ville Rira sous de faux cieux. Ah ! pour ces Ouvriers charmants Sujets d'un roi de Babylone, Vénus ! laisse un peu les Amants, Dont l'âme est en couronne. Ô Reine des Bergers ! Porte aux travailleurs l'eau-de-vie, Pour que leurs forces soient en paix En attendant le bain dans la mer, à midi. (Rimbaud) * Bom dia! 9.5.04
VIOLÊNCIAS SOBRE PRESOS
Há um documento português, posterior ao 25 de Abril, demasiado esquecido, que retrata uma realidade idêntica àquela que envolve alguns soldados americanos. Chama-se Relatório da Comissão de Averiguação de Violências Sobre Presos Sujeitos às Autoridades Militares, editado pela Imprensa Nacional em 1976. É hoje uma raridade bibliográfica. Algumas das sevícias cometidas são semelhantes àquelas que foram infligidas aos prisioneiros iraquianos, em particular, humilhações de tipo sexual. Nesses comportamentos destacou-se o Regimento de Polícia Militar então dirigido, entre outros, pelo Major Tomé, posteriormente dirigente da UDP.
POEIRA DE 9 DE MAIO
Hoje, há vinte e um anos, João Paulo II cancelou a condenação de Galileu, ocorrida em 1633. Durante trezentos e setenta e um anos, a terra esteve doutrinariamente no centro do universo. Não estava. Não estava? Por detrás do quinto céu, junto aos anjos, Ptolomeu duvidava: “se a prendermos com um alfinete ao quadro universal do espaço, e se utilizarmos um mais que complexo sistema de equações, epiciclos e deferentes, ela bem pode ficar sossegada no centro dos céus…”
EARLY MORNING BLOGS 200
De In Memoriam, 4 To Sleep I give my powers away; My will is bondsman to the dark; I sit within a helmless bark, And with my heart I muse and say: O heart, how fares it with thee now, That thou should fail from thy desire, Who scarcely darest to inquire, "What is it makes me beat so low?" Something it is which thou hast lost, Some pleasure from thine early years. Break thou deep vase of chilling tears, That grief hath shaken into frost! Such clouds of nameless trouble cross All night below the darkened eyes; With morning wakes the will, and cries, "Thou shalt not be the fool of loss." (Lord Alfred Tennyson ) * Bom dia! 8.5.04
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES
"Porque não chamar ao PEV (Partido Ecologista Os Verdes), SV/CDU - Secção Verde/CDU? A questão é importante porque a preocupação pela ecologia não é, nunca foi, uma questão puramente partidária. Não existe razão nenhuma para que cada partido político não tenha os seus PEV 's como, na minha opinião, não existe razão nenhuma para o PEV não ser um partido completamente independente, constituído por gente dos mais diversos quadrantes políticos, mas com provas dadas no campo da ecologia. Não é isso que se verifica e é pena. A legitimidade politica do PEV é nula e a sua capacidade de intervir de forma independente e objectiva é claramente inexistente. " (Afonso de Azevedo Silva Neves) Gostaria de fazer um pequeno comentário ao texto que lhe foi enviado pela leitora Joana, a propósito do Porto. Antes de tudo, parece-me que está na hora de nos deixarmos desta disputa, umas vezes mais velada do que outras, entre Porto e Lisboa ou, Lisboa e Porto. É que as cidades, felizmente não são todas iguais (ou parecidas), de maneira a que possamos estabelecer entre elas uma espécie de hierarquia da beleza. Devo dizer que sou daquelas pessoas que gostam muito de Lisboa e gostam muito do Porto. Quanto ao Porto - e é este o ponto que eu queria salientar -, o facto de ser "cinzento", "sério" ou "fechado" ou, ainda, outros adjectivos vários de aparência negativa que se possam aplicar (dada as ideias estereotipadas que hoje em dia circulam), não me parece conter em si nada de negativo: são apenas características, não defeitos. Na minha opinião, é precisamente este carácter escuro e cinzento do Porto que lhe imprime muito do seu encanto. A mescla de pedra escura, de fachadas barrocas revestidas de azulejo, de tempo chuvoso, é que lhe permite ter esse carácter único e fortemente poético. O Porto é uma cidade belíssima, tal como é, e não precisa constantemente de ser comparado a Lisboa. Quanto a Lisboa, devo dizer que me entristece ouvir dizer (ler, neste caso) que tem uma beleza fácil. Se há coisa que Lisboa não tem é uma beleza fácil (aqui, sim, sente-se um tom depreciativo). E, fácil porquê? Não vale a pena pensarmos que só algumas cidades precisam de tempo de descoberta. Todas precisam. As cidades são demasiado complexas e contêm demasiadas subtilezas para que possamos pensar que rapidamente as podemos apreender. Lisboa é absolutamente magnífica. Os escorços, as igrejas embebidas nos quarteirões, os rasgões da Lapa com vista para o Tejo, A Rua do Alecrim que mergulha a nossa vista no rio, a topografia, a inconstância de vistas, etc., etc., para não falar na "famosa" luz de Lisboa, tudo isto, demora tempo a interiorizar. Nada é fácil! E a "corte" nada tem a ver com isto. Já é tempo de as pessoas do Porto deixarem de ter esse "complexo" de que Lisboa é a "cidade da "Corte"" (mesmo quando lutam constra isso, lá vem ao de cima involuntariamente). Lisboa é, de facto, a cidade da Corte. E daí? Não é por isso que a sua beleza é mais fácil. Porque Lisboa é a cidade da Corte (o que por si só não implica facilidade na beleza), mas também é a cidade dos mouros, de Alfama, dos arameiros, dos estivadores, das prostitutas, da Cordoaria, dos portos, dos guindastes, da burguesia, do povo, do Chiado, do Bairro Alto, das ruínas, da vaidade, da tristeza... Eu sou Lisboeta e cada vez gosto mais da minha cidade! E quanto mais viajo mais gosto de Lisboa! Mas também gosto muito, muito do Porto. Lisboa é belíssima, mas o Porto também. Não interessa comparar. Nunca em Lisboa se poderá passar um fim de tarde como os da Foz nos dias em que há vento, o céu está cinzento e o mar, verde, perde o seu tom azul. Nunca no Porto, poderemos ver as fachadas brancas das ruas tortas a brilhar com o brilho que sobe do Tejo. E isto, é que é magnífico! (Clara Germana Gonçalves)
ABRUPTO - UM ANO - AGRADECIMENTOS v.6
está lá em baixo, com uma primeira actualização. De novo, obrigado a todos.
EARLY MORNING BLOGS 199
Feito de tarde, com um poema matinal de Pascoaes, que a A Montanha Mágica dedicou ao aniversário do Abrupto. A Montanha Mágica foi o primeiro blogue com quem "falei", merece um lugar especial. De Manhã I Às vezes, quando acordo, fico a olhar As paredes do quarto; e, extasiado, Nelas, vejo, confusa, divagar Uma sombra que vem do sol doirado; Sol, que, através das frinchas, ao passar, E sendo pelas trevas assaltado, Perde o sangue, desmaia, e faz lembrar, Por uma lança, um corpo trespassado! E a sombra esvoaça, na parede nua, Onde a cal branca evoca a luz da lua; Luz que molda em penumbra um mundo ignoto... E tu criatura humana, és igualmente Visível projecção dum transcendente E invisível espírito remoto... (Teixeira de Pascoaes) 7.5.04
EARLY MORNING BLOGS 198
Nom caché Le véritable Nom n'est pas celui qui dore les portiques, illustre les actes ; ni que le peuple mâche de dépit ; Le véritable Nom n'est point lu dans le Palais même, ni aux jardins ni aux grottes, mais demeure caché par les eaux sous la voûte de l'aqueduc où je m'abreuve. Seulement dans la très grande sécheresse, quand l'hiver crépite sans flux, quand les sources, basses à l'extrême, s'encoquillent dans leurs glaces, Quand le vide est au coeur du souterrain et dans le souterrain du coeur, - où le sang même ne roule plus, - sous la voûte alors accessible se peut recueillir le Nom. Mais fondent les eaux dures, déborde la vie, vienne le torrent dévastateur plutôt que la Connaissance ! (Victor Segalen)
ABRUPTO - UM ANO - LÁ FORA
Numa referência ao aniversário do Abrupto, o Bisturi lembra uma nota que publiquei, em 30 de Agosto de 2003, e que permanece para mim programática: LÁ FORA "Há tanta coisa interessante, há tanta coisa para aprender, como é que nos podemos aborrecer, como é que nos podemos fartar? Claro que há tanta coisa interessante, mas é lá fora. LÁ FORA. Mesmo quando a trazemos para dentro é LÁ FORA. Mesmo quando é em nós que essas coisas estão, é LÁ FORA, longe da pegajosa circularidade do eu. Como é que alguém se farta em dois meses, numas férias, em meio ano, em tudo que seja menos de uma vida inteira, não de escrever aqui, porque isso é o menos, é circunstância, mas de ter a cabeça LÁ FORA? " É o que a face meia espantada, meia curiosa, do homem à janela, que nos acompanhará a partir de agora, quer dizer. É LÁ FORA.
MAIS UMA CORRIDA, MAIS UMA VIAGEM
interromperá a actualização rápida dos agradecimentos. Quando regressar, voltará a ordem. E o progresso. 6.5.04
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES . O MELHOR E O PIOR 2
O PIOR "Aqueles que considero serem os piores momentos do Abrupto, têm ambos a ver com a morte, embora considere o primeiro de que falarei mais infeliz do que o segundo. Falo do texto sobre Victor Sá em Necrologias a 3 de Janeiro. Não vou discutir o conteúdo (embora a primeira parte não tenha primado pela elegância chegando quase ao insulto), vou discutir a oportunidade do que foi dito e suas consequências. Depois de ler o pequeno texto fiquei com a sensação de que ele só serviu um objectivo: magoar quem já estava ferido, isto é, a família e os próximos. Não vejo que outro tipo de utilidade tenha tido o texto. A biografia publicada nos “Estudos sobre Comunismo”, que tive o cuidado de consultar, parece-me útil, o comentário de JPP no Abrupto não. Os fins não justificam os meios. Se era assim importante falar da experiência pessoal com Victor Sá (seria?) eu creio que, com um pouco de paciência e de habilidade – deixar passar tempo e arranjar um pretexto para o fazer – esse comentário teria passado sem o rasto de mágoa e de amargura que deixou. Não, a última parte do comentário, embora mais “humana” não foi redentora, e até eu senti desconforto com o texto e pensei: se tivesse sido o meu pai, irmão, marido, filho…. JPP utilizou um registo impressionista, mas distante e frio, com aquela “lucidez” cortante e desprovido de compaixão para quem fica e sofre. (Eu sei que compaixão é uma palavra e um conceito fora de moda). Por causa da morte tão recente, imperava a emotividade e, como era óbvio e esperado, as reacções surgiram. E aqui, para mim, tudo piorou e se tornou confrangedor. Não foram reacções frias, distantes e “objectivas” de colegas de profissão ou de alunos ou de camaradas ou de anti-fascistas que poderiam contrapor à frieza de JPP a sua própria frieza. Se houve reacções dessas que não tenham sido publicadas foi muito mau, se essas reacções não chegaram foi ainda pior pois dá mais força à opinião de JPP, que por isso e só por isso, deveria ter sido mais contido. Foram as reacções dos familiares, carregadas de amargura e ressentimento e dor que lemos no Abrupto. Por muito “objectivas” que tenham tentado ser e em parte conseguiram com alguma dignidade, a todo o momento transpareceu a “subjectividade” que a proximidade familiar e a dor da perda dão e que diminui o rigor argumentativo. Lutaram com armas desiguais num terreno em que dificilmente poderiam vencer. Na altura este caso passou-me despercebido senão também teria tido uma reacção minha. O outro caso diz respeito a reacção à morte de Feher, 26/01 e seu tratamento na comunicação social. Aqui estou absolutamente de acordo com o que disse JPP, embora não tenha gostado nada da forma e muito menos do título “Masturbação da dor”. Mais uma vez pensei: e se fosse meu pai, irmão, marido, filho teria gostado? Sem negar a qualidade semântica do título, não posso deixar de considerar a expressão feia de mais para a ver atrelada à morte de um ser querido. Sem querer relacionar o caso acima descrito com este comentário pergunto-me por que é que se usa esta expressão para a dor e não para outras coisas? Será uma tentativa de menosprezar nesta “sociedade prozac” o valor e o papel da dor? Que acharemos se substituirmos na expressão a palavra “dor” por outras: “gula”, “orgulho”, “social”, “preconceito”, etc? " (Joana)
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES - O MELHOR E O PIOR 1
Uma leitora do Abrupto, Joana, fez, durante 2004, uma leitura completa do blogue e enviou-me uma série de textos que vão muito mais longe do que a apreciação do que tenho escrito para valerem por si só e pela sua qualidade. Dois deles, sobre o "melhor" e o "pior" do Abrupto, guardei-os para esta ocasião. O que se segue é uma memória pessoal e afectiva do Porto. O MELHOR "É um contra senso falar nos melhores momentos, mas houve, no entanto dois textos de que gostei de uma forma especial. O texto “Decência” a 05/07 que a propósito do mar do Norte e da sua essência, fala da decência. Como mais à frente referirei para mim o mar do Norte está no Porto e ainda mais a Norte, vai de Viana do Castelo a Caminha. O segundo texto “Uma cidade que se chama Invicta” de 25 de Julho que resumiu muito do que é o meu sentimento pela minha cidade o que dela herdei, e muita da minha emoção. O Porto, embora lá tenha nascido e vivido, cresceu tarde em mim. (…) Nessa altura o coração do Porto passava-me ao lado, e só ia à Baixa quando ia ao médico, às compras com a minha mãe a algum restaurante ou espectáculo no Coliseu. Foi na adolescência e nas primeiras saídas, de autocarro, com as amigas e os amigos, tomar chá à Arcádia ou ir ao cinema, entre outros passeios, que comecei a conhecer o Porto, as suas ruas, os seus cantos. Depois comecei a ouvir e entender os comentários e apreciações que o meu Pai fazia sobre a cidade, mas creio que o primeiro confronto (confronto no sentido de olhar de frente, de face, sem rodeios) com o Porto real o devo a Júlio Dinis e à sua “Uma Família Inglesa”. Esse romance foi um abrir de olhos e uma ajuda preciosa para entender aquilo que via, para ter vontade de conhecer melhor a minha cidade, a sua História, e mergulhar na sua condição burguesa e tradição comercial, sentir o seu palpitar. Dar um sentido às ruas, ao Ateneu Comercial, ao Águia d’Ouro, a Fernandes Tomás, à Boavista, à Foz. Posteriormente comecei a mostrar o Porto a amigos de fora e tive a sorte de o fazer muitas vezes, e fiz o que quem lá vive não faz: subi a Torre dos Clérigos, atravessei a pé a Ponte de D. Luís (tabuleiro superior) fui ao Museu Soares dos Reis, ao Museu Romântico (creio que se chamava assim), atravessei a Ribeira (que não era o que é hoje), visiteis igrejas e conheci as principais Caves do Vinho do Porto, etc., etc. O meu segundo confronto com o Porto foi quando me apercebi da sua imensa beleza sem artifício e com a alma à vista nas suas ruas cinzentas e estreitas, nos seus bairros antigos, nas suas igrejas e praças, na marginal e nas belas pontes, na Foz com as mansões de inícios de século da avenida Montevideu e com o seu cheiro a maresia, nos bairros de pescadores, e ao mesmo tempo me apercebi daquilo a que chamo a sua mística: sempre achei que o Porto tem uma mística própria de cidade fechada e aparentemente “feia” que só se revela, abre e acolhe quem ela quer. Quando mostrava a cidade e me diziam para ir à Serra do Pilar ver a vista para o Porto protestava e nunca lá ia. Vista deslumbrante era aquela do Cais de Gaia em frente à Sandeman ao fim da tarde: o rio, o mar e a imponente silhueta recortada da cidade desvendando todo o seu mistério As cores aí são sempre surpreendentes. De cada vez que lá vou não o faço com indiferença, há sempre um aperto na garganta, um arrepio…Até hoje não vi nenhuma vista urbana tão linda como essa e já vi vistas deslumbrantes…Nessa altura estava eu na Faculdade de Letras, no Campo Alegre, e quando tinha carro ou ia no carro de uma amiga e vizinha fazíamos questão de regressar com tempo, descendo o Campo Alegre até à Pasteleira, virar no Fluvial para a marginal e fazer esse percurso até à Foz ao fim do dia e cada dia com a sua cor, e cada dia com a sua emoção, e cada dia com as suas confidências. Estas recordações tenho-as vivíssimas. O terceiro e último confronto deu-se quando saí do Porto e me apercebi o que dele tinha comigo, e que era subtilmente diferente do que outros portugueses tinham: um gosto pelo que é genuíno, por “o que, é, é” versus “o que parece é”, em todos os aspectos da vida. Notei isto sobretudo nas relações com os ouros: o quanto era difícil às vezes as pessoas serem genuínas, manterem a sua verticalidade, serem iguais a si próprias sem excitações nem heroísmos numa sociedade que vive da aparência e do interesse ao serviço dos objectivos de cada um. Mas o ser genuíno é também, e numa visão feminina e cheia do quotidiano, usar pouco ouro e não muito dourado, ter bons lençóis na cama e só depois ter sapatos de marca, ter boa comida na mesa e partilha-la e só depois fazer férias nas Maldivas, falar do que se conhece (pessoas e coisas) e reconhecer o que se desconhece, versus entreter-se com “name dropping”. Isto é do Porto, do Norte. Herdei também do Porto o tão burguês gosto pela casa, não na versão moderna de tudo sacrificar em nome da decoração (moda em Portugal nos últimos 10 anos?), mas na versão burguesa do conforto, do acolhimento, do refúgio. Gosto de viajar, gosto, embora menos, de sair, mas a minha casa é um prolongamento do meu ser, a minha casa sou eu e espelha a minha vida não é uma coisa desligada do ser humano em nome da “decoração”. No Porto vivíamos, entre amigos meus e dos meus Pais, de casa em casa. Havia sempre lugar para mais um à mesa e se eram muitos todos ajudavam e depressa se improvisava um jantar. Conhecia, e conheço ainda todas as casas dos meus amigos do Porto. O mesmo não se passa noutros locais onde vivi e vivo. Tudo isso acabou. Só uma coisa não acabou: os meus amigos (de diferentes quadrantes da sociedade) que resistiram ao tempo, aos caprichos da vida, às separações, às aparentes infidelidades, e que são prova da solidez granítica de que fala JPP. Com alguma regularidade, mas pouca frequência vou ao Porto só para estar com eles. O texto de JPP sobre o Porto e a integridade é lindíssimo e identifiquei-me logo com ele. Mas o que escrevi é a minha versão do “ser do Porto”, versão essa praticamente inalterada ao longo dos anos. O que sinto hoje já o sentia há dez e quinze anos atrás. Atravessar a Ponte da Arrábida em direcção ao Porto nunca me deixa indiferente, ouvir o Rui Veloso cantar o “Porto Sentido” é sempre pretexto para me deixar levar, no meu íntimo, por um pouco de sentimentalismo fácil. Até a “Pronúncia do Norte” dos GNR com aquela belíssima voz feminina, mas com uma letra pobre, me faz efeito! Talvez porque eu seja sensível às pronúncias, sotaques, palavras e expressões, sobretudo desde que vivo em Lisboa e adore descobrir aquele “quiêa” que mesmo ao fim de muitos anos no Sul não nos deixa dúvida sobre a nossa origem, ou um “à minha beira” em vez do “ao pé de mim”! Por tudo isto, como o percebo bem quando diz “Nunca mostrei a minha cidade, mostrar de mostrar, a quem eu não ache íntegro. Sei de quem nunca lá irá pelas minhas mãos”. A minha versão foi sempre, e ainda é, dizer “pois” de cada vez que me dizem que o Porto é cinzento ou sério e fechado (é verdade que não tem a beleza fácil de Lisboa que foi e é sede da “Corte”). Não perco um segundo do meu tempo nem da minha energia a explicar seja o que for a quem já tudo sabe, tudo entendeu. O Porto mostra-se a quem o quer ver: aí sim, então não perco tempo, partilho-o. " (Joana) (Continua com O PIOR)
ABRUPTO – UM ANO – O BLOGUE DO “JUDEU ERRANTE”
O Abrupto é o verdadeiro blogue do “judeu errante”. Começou a ser escrito em Nápoles, depois foi escrito em Paris, Veneza, Estrasburgo, Bruxelas, Istambul, Madrid, Bilbau, Pamplona, Viena, Ilha de Reunião, Copenhaga, Moscovo e o mais que não me lembro. De Lisboa, do Porto, e daqui . Em três continentes, vários mares. Alguns vulcões. De avião, de comboio, de barco. Em soviéticos cadernos, num Moleskine, no verso de envelopes, no branco das páginas de jornais.
ABRUPTO - UM ANO - AGRADECIMENTOS v. 6
O Abrupto deve muito à dedicação e perseverança de AR e JCS que, sem descanso, o corrigiram das asneiras do seu autor. * E a todos os seus leitores activos que enviaram críticas, comentários e colaboraram no próprio blogue, com textos, sugestões de poemas, imagens. Uma lista completa será publicada em breve. * Primeira série de agradecimentos ainda en vrac e por ordem alfabética. Esta lista será actualizada progressivamente e algumas mensagens serão publicadas à parte. A. Pina Cabral Afonso de Azevedo Silva Neves Amélia Pais Anabela Dinis Antes de Cristo António Augusto Oliveira António Neves Catarina Campos César de Oliveira Eduardo Paz Barroso Esquizóide raivoso Fernando Almeida e Costa Filipe Nunes Vicente Filipe Vieira de Castro Francisco José Viegas Gonçalo Rosas Irene J. H. Coimbra Joana João Costa João Gomes João Gundersen João Melo João Paulo Brito João Paulo Silva João Pedro Dias José Carlos Santos José Pimentel Teixeira Leonel Vicente Luis Ferreira Luís Mota Bastos Marco Oliveira Maria Cristina Perry Maria Isabel Goulão Maria Poppe Maria Teresa Goulão Mário Cordeiro Marta Mestre Nuno Baptista Nuno Marta Nuno Mota Pinto Olívio Mota Amador Paulo Amaral Paulo Agostinho Paulo Osório de Valdoleiros Pedro Lomba Raquel Pinheiro Rita Maltez Rosa Rui Carp Rui Curado Silva Rui Silva Rui Valério Sandra Costa Tiago Pais Vital Moreira Walter Rodrigues * Blogues: 4ª Ferida Narcísica Albergue dos Danados Almocreve das Petas Analiticamente Incorrecto Asul Autobiografia Venenosa Avatares de um Desejo Avenida dos Aliados Aviz Babugem Bisturi Blasfémias Blog-Notas Bloguítica Bomba Inteligente Carvalhadas on-line Causa Liberal Causa Nossa Cibertulia Circo Cerebral Daedalus Eclético Estrada do Coco Extratos Fórum Comunitário Glosas Hauptwege und Nebenwege Impertinências Janela Indiscreta Jaquinzinhos Mar Salgado Médico Explica Medicina Memória Virtual Modus Vivendi Monologo Montanha Mágica No Quinto dos Impérios Origem do Amor O PreDatado O PROJECTO Quartzo, Feldspato e Mica Respublica Rétorica e Persuasão Retorta Santa Ignorância Sebenta Serra Mãe Sindicato da Opinião Terras do Nunca A Toca do Remexido Tugir O Vilacondense Vostrodamos What you represent * Muito obrigada a todos!
SOBRE OS “VERDES” (Actualizado)
Em complemento histórico do que escrevi hoje no Público sobre o pseudo-partido “Os Verdes”, acrescento que um dos seus criadores foi Zita Seabra, então membro do CC do PCP. Zita foi a Wuppertal estudar os “Verdes” alemães por conta do partido e, de regresso, criou os portugueses ex-nihilo. Alguns militantes mais propícios para assumirem a função foram escolhidos e eram controlados na própria Assembleia por Zita Seabra. * Nota: veja-se no Causa Nossa uma rectificação, com razão, de Vital Moreira a uma minha imputação de que teria "defendido" os Verdes.
ABRUPTO - UM ANO
Lembrança do Francisco José Viegas no aniversário do blogue do "judeu errante" : «Com dor, da gente fugia, antes que esta assi crecesse; agora já fugiria de mim, se de mim pudesse. Que meio espero ou que fim do vão trabalho que sigo, pois que trago a mim comigo, tamanho imigo de mim?» (Sá de Miranda)
ABRUPTO - UM ANO
No fim do dia, agradecerei a todos os que estão a dar os parabéns ao Abrupto. 5.5.04
FAMA E PROVEITO 2
Ah! e para além dos alfarrabistas na rua, com imensa alsaciana, e muitos livros sobre a II Guerra, na FNAC, numa sala pequena, estava uma coisa que se chamava Papa Chubby e tocava umas músicas dum disco que tinha a palavra "respeito" no título, e na Kléber ia haver uma discussão entre Cohn Bendit e Kouchner, ambos trocando piropos sobre qual vai ser presidente. No centro da Europa.
EARLY MORNING BLOGS 197
Em honra de Estrasburgo, em honra de Maio, passando pelo Reno, um dos poemas "renanos" de Appolinaire Mai Le mai le joli mai en barque sur le Rhin Des dames regardaient du haut de la montagne Vous êtes si jolies mais la barque s'éloigne Qui donc a fait pleurer les saules riverains ? Or des vergers fleuris se figeaient en arrière Les pétales tombés des cerisiers de mai Sont les ongles de celle que j'ai tant aimée Les pétales fleuris sont comme ses paupières Sur le chemin du bord du fleuve lentement Un ours un singe un chien menés par des tziganes Suivaient une roulotte traînée par un âne Tandis que s'éloignait dans les vignes rhénanes Sur un fifre lointain un air de régiment Le mai le joli mai a paré les ruines De lierre de vigne vierge et de rosiers Le vent du Rhin secoue sur le bord les osiers Et les roseaux jaseurs et les fleurs nues des vignes (Guillaume Appolinaire) * Amanhã, o Abrupto fará um ano. * Bom dia!
FAMA E PROVEITO
Os deputados europeus tem fama de não fazerem nada. Aliás os deputados em geral. Fama. Ontem à tarde por volta das cinco horas "desci" a Estrasburgo. Faltei a uma reunião, mea culpa, mas as reuniões em vésperas de novas eleições já só são congratulatórias e de despedida. Com alguma perplexidade, percebi que, em cinco anos de mandato, nunca tinha visto a cidade àquela hora da tarde, as pessoas na rua, as lojas abertas, uma animação que me era completamente estranha. Como é que durante este tempo todo nunca vim ver os alfarrabistas na rua, o carrocel a funcionar, enfim, as "amenidades" da cidade em pleno? Estúpido, chamei-me a mim mesmo. Fama sem proveito. Não há nada a fazer. 4.5.04
MENOS UMA CORRIDA, MENOS UMA VIAGEM
"Mais uma corrida, mais uma viagem", o meu grito-lamento, sempre que entro pela enésima vez num avião. É difícil haver um meio de transporte mais inconfortável, mais desertificado, mais contra natura do que o avião. Não todos os aviões, mas o avião comercial - o meu doutoramento é em Airbus, com um grau secundário em Boeing, mas com seminários nos pequenos da Embraer, nos Saab, nos Fokker, nos Avro - onde tudo é mau: o espaço, a luz, a comida, as cadeiras, o ar. Se tivesse andado em Zeppelins teria saudades. Espero agora que , pouco a pouco, haja menos corridas, menos viagens, quando me despeço da bela Estrasburgo, uma terra interessante, confortável, burguesa, provinciana mas com lastro. Aqui o Parlamento Europeu tem uma absurda passagem obrigatória mensal, caríssima e dispersiva, impossível a prazo de manter quando se acumularem os problemas para cá chegar com a Europa dos 25. Os franceses, que sabem que se os deputados tivessem liberdade de escolher o local de trabalho, fechavam o gigantesco edifício prisional do Parlamento no dia seguinte, meteram a obrigatoriedade das sessões em Estrasburgo nos tratados, com número de sessões anuais e tudo. 3.5.04
EARLY MORNING BLOGS 196
Good Morning Blues Good Morning Blues Blues, how do you do? Good Morning Blues Blues, how do you do? Well I’m doing all right, Good Morning, how are you? I laid down last night I was turning from side to side I laid down last night I was turning from side to side I was not sick, But I was just dissatisfied I woke up this morning The Blues was walking round’ my bed I woke up this morning The Blues was walking round’ my bed I went to eat my breakfast The Blues was all in my bread I sent for you baby Here you come walking today I sent for my baby Here she comes walking today She had her mouth wide open She just don’t know what to say Good Morning Blues Blues, how do you do? Good Morning Blues Blues, how do you do? Well I’m doing all right, Good Morning, how are you? (Leadbelly) * O bom dia já está incorporado no texto acima. 2.5.04
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES
“It would nevertheless be wrong and imprudent to entrust the secrets knowledge or experience of the atomic bomb, which the United States, Great Britain and Canada now share, to the world organization (UN), while it is still in its infancy. It would be criminal maddness to cast it adrift in this still agitated and ununited world. No one in any country has slept less well in their beds because this knowledge and the method and the raw material to apply it, are at present largely retained in soundly hands. I do not believe we should all have slept so soundly had the positions been reversed and if some Communist or Neo-fascist state monopolized for the time being these dread agencies. The fear of them alone might easily have been used to enforce totalitarian systems upon the free democratic world, with consequences appalling to human imagination…” Palavras de Winston Churchill no Sinews speech no Missouri logo após a 2ª grande guerra. No mesmo discurso enunciava a famosa frase: “From Stettin in the Baltic to Trieste in the Adriatic, an iron curtain has decendend across the Continent”. Pouco depois o armamento nuclear iria aparecer para lá da cortina de ferro dando origem à Guerra Fria Guerra essa que foi tudo menos fria e que levou a tragédia a muitos povos por esse mundo fora. Hoje, ao mesmo tempo que festejamos mais uma união daquilo que a cortina de ferro separou, deparamo-nos com o perigo duma repetição da história, desta vez com uma menor visibilidade do inimigo e uma maior probabilidade de um conflito nuclear efectivo. A política externa activa dos EU e Grã-Bretanha no Afeganistão, Iraque, Líbia, Paquistão e.t.c. tem como maior virtude tentar anular a ameaça de estados activamente empenhados em programas de ADM, ou tentar controlar a produção e a existência de ADM que possam vir a cair em mãos indesejadas através de um qualquer tipo de processo interno. Esta é uma guerra que felizmente tem sido ganha nas várias frentes, inexplicavelmente, perante o desprezo de muito dos seus beneficiários. Agora como em 1946, perante o potencial das ADM, "It would be criminal maddness to cast it adrift in this still agitated and ununited world". Damn right Sir Winston. João Santos Lima
BIBLIOFILIA
Mais três livros que entram com gosto. Um, já lido, é um retrato dos “labregos” galegos, nossos irmãos de vida, que a gente do Norte tem em particular estima, porque somos também “nós”. Este manifesto do “galeguismo”, com os seus caciques, padres e alcaides, acrescenta-se ao mundo da Morgadinha dos Canaviais como uma luva. Valentín Lamas Carvajal, Catecismo do Labrego, Lisboa, Mareantes Editora, 2004 Outro, também já lido - como todos os livros de poesia, para trás e para a frente - melhorará os “early morning blues”. Como todos os livros desta colecção da Everyman’s, é muito bonito, tem mesmo uma fitinha azul para marcar os poemas mais especiais. Deixei a fitinha a ver-se. Blues Poems, Londres, Everyman’s, s.d. O ultimo, que ainda não li, fala do pólo Norte e do gelo, ou pelo menos presumo que fale. Comprei-o para a minha secção sobre o frio, neve e gelo, pólos e icebergues. Michel Onfray, Esthétique du pôle Nord, Paris, Grasset, 2002.
EARLY MORNING BLOGS 195
MORNING JOY Piano buttons, stitched on morning lights. Jazz wakes with the day, As I awaken with jazz, love lit the night. Eyes appear and disappear, To lead me once more, to a green moon. Streets paved with opal sadness, Lead me counterclockwise, to pockets of joy, And jazz. (Bob Kaufman, cortesia de João Costa) * Bom dia! 1.5.04
EARLY MORNING BLOGS 194
Heureux qui, comme Ulysse, a fait un beau voyage, Ou comme cestuy-là qui conquit la toison, Et puis est retourné, plein d'usage et raison, Vivre entre ses parents le reste de son âge ! Quand reverrai-je, hélas ! de mon petit village Fumer la cheminée, et en quelle saison Reverrai-je le clos de ma pauvre maison, Qui m'est une province et beaucoup davantage ? Plus me plaît le séjour qu'ont bâti mes aïeux, Que des palais Romains le front audacieux : Plus que le marbre dur me plaît l'ardoise fine, Plus mon Loire Gaulois que le Tibre Latin, Plus mon petit Liré que le mont Palatin, Et plus que l'air marin la douceur Angevine. (Joachim du Bellay) * Bom dia!
© José Pacheco Pereira
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