ABRUPTO

30.11.03
 


IMAGEM

de ontem , uma das mais belas fotografias de sempre, é de Man Ray e data de 1929. Chama-se “Hands on Lips”, um gesto que pode ser tudo na sua infinita delicadeza.
 


QUE SOL?


Que Sol entrava nas estufas feitas com as centenas de milhares de negativos tirados durante a guerra civil americana e vendidos ao desbarato como placas de vidro?
Que luz ia, pouco a pouco, fazendo desaparecer as faces dos soldados, os grupos de amigos dum regimento confederado ou da União, as imagens de um banal campo de trigo cheio de sangue invisível, os montes de membros amputados a apodrecer ao lado de uma tenda de campanha? Como nos esquecemos? Tempus edax rerum.

É verdade que sobra o vidro, areia restituída a uma forma mais perfeita, mais eterna que uma rocha. Nem tudo o tempo come.
 


EARLY MORNING BLOGS 87


Acordar com Borges será verdadeiramente acordar? Será que quem adormeceu é o mesmo que acorda? Ou os sonhos são uma espécie de body snatchers que cada noite nos colocam “del otro lado de su muro”?

El sueño

"Si el sueño fuera (como dicen) una
tregua, un puro reposo de la mente,
¿por qué, si te despiertan bruscamente,
sientes que te han robado una fortuna?

¿Por qué es tan triste madrugar? La hora
nos despoja de un don inconcebible,
tan íntimo que sólo es traducible
en un sopor que la vigilia dora

de sueños, que bien pueden ser reflejos
truncos de los tesoros de la sombra,
de un orbe intemporal que no se nombra

y que el día deforma en sus espejos.
¿Quién serás esta noche en el oscuro
sueño, del otro lado de su muro?
."


Jorge Luis Borges, 1964

(cortesia de João Costa)
 


DRUM TAPS: A GUERRA CIVIL


Acabei finalmente de ver a longa série de episódios da The Civil War de Ken Burns. Junto com o Shoah de Lanzmann, com a qual tem aliás parecenças na economia de meios e na intensidade dramática que consegue com essa economia, representa o melhor que se pode fazer em documentário histórico, sendo eles próprios obras de grande qualidade estética.

É difícil dizer o que é melhor nesta história dos anos da guerra da Secessão: se o retrato das principais personagens, Lincoln primeiro, depois os grandes militares de ambos os lados, Grant, Lee, Sherman, Forrest, e incontáveis comandantes forjados no combate, se a longa sucessão de fotografias a preto e branco, parte do milhão de negativos tirados durante a guerra, ou se os comentários de grande proximidade afectiva de um escritor do sul, Shelby Foote.

Uma coisa a série faz com absoluta precisão: o uso das palavras, das frases, das cartas, dos discursos, das notas, dos diários, dando-lhe uma forte textura literária. E se nessas vozes, muitas vezes quase anónimas, emergem com grandeza as de Lincoln e Douglass, também é evidente que um enfermeiro voluntário de Nova Iorque, de nome Walt Withman e autor de um livro considerado ofensivo, estava a escrever páginas únicas sobre a experiência da dor e da guerra.

29.11.03
 


TEORIA DOS TELEMÓVEIS

Para os que ainda se recordam de uma série de notas publicadas no Abrupto há uns meses, aqui fica a indicação de um interessante ensaio, encomendado pela Motorola, sobre os efeitos sociais dos telemóveis.
 


IMAGEM

de ontem era a de Reinhart, retratando-se, numa paisagem italiana. Data de 1835 e está num museu em Copenhaga.
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

Sobre a TRISTEZA SUBTERRÂNEA

O que encontrou à sua volta no metro, essa sensação angustiante de tristeza nos rostos, nos gestos, na postura, senti-a eu quando fui (temporariamente) da minha Coimbra para os subúrbios de Lisboa, há alguns anos atrás. Em Coimbra os transportes públicos eram e são locais de encontros familiares e habituais. Ouvem-se conversas como se estivéssemos num café, há agitação e risos, por vezes também discussões e os sempre pitorescos lamentos das idosas, que ao mote "Olá, boa tarde, como está?", desenvolvem listas de doenças e queixumes que só terminam na paragem em que desce o ouvinte ou a queixosa. Mas naquelas linhas de comboios suburbanos que conduziam a Lisboa, sobretudo na linha de Sintra, sentava-me a olhar os rostos e os gestos dos passageiros e sentia essa tristeza a inundar a carruagem e a sufocar. A viagem tornava-se longa e as pessoas que se destacavam não o faziam pelo volume da voz ou pela originalidade dos comentários, mas pelo silêncio e pelo vazio que lhes encontrava no olhar. Não exagero, foi o que senti. A verdade é que, nesses momentos, me senti sempre deslocado e com saudades de Coimbra. Hoje, ao ler o seu comentário, recordei-me.

(Paulo Agostinho)

Sobre O ESCRITOR COMO FUNCIONÁRIO PÚBLICO

Sou por definição contra a ideia do subsídio seja para o que for (provavelmente por ter sido agrónoma e ver muito dinheiro desperdiçado) ideia essa que acho que devia ser abandonada por um algo semelhante a um empréstimo, em que deveria uma parte ficar com o projecto que o solicitou e a outra parte, após o fim do projecto retornar ao Estado. Agora subsídios, não, porque sempre me pareceu que criam uma ideia falsa de que são um direito para quem os recebe, não se subentendendo as obrigações reais que estiveram subjacentes ao seu pedido. Pelo menos por cá, é sempre entendido como “olha, se funcionar funcionou senão, paciência”. Sabendo também dos problemas que há na fiscalização, ainda mais me convenço que quem utiliza convenientemente o dinheiro que recebe normalmente não o recebe não quantidade que devia. Se não fosse esse o caso, nesta pequena dezena e um pouco de anos, a nossa agricultura tinha evoluido um pouco mais. O subsídio vai contra o espírito empreendedor.

No caso dos escritores, e sempre me pareceu do teatro e cinema, nunca percebi como é feita uma análise objectiva e concreta num meio cujo resultado me parece sempre tão subjectivo. Está em muito dependente dos gostos de cada um de nós leitores. Actualmente não tanto porque o marketing consegue alterar-nos os gostos e os sabores.”


(Elisa Resina)

Todos os subsídios e bolsas pressupõem uma avaliação feita sobre o trabalho de quem é beneficiário. As bolsas têm um papel a desempenhar, assim como os subsídios, o que deve existir são regras claras e o objectivo da sua concessão estar delineado à partida, assim como as obrigações a que o beneficiário se sujeita.

A escrita ainda é das actividades criadores que se consegue fazer com menores meios, no limite, basta papel e caneta, já outras artes necessitam de mais investimento tecnológico. No caso da fotografia, há sempre alguns gastos que é necessário fazer à partida, embora mesmo com uma máquina muito simples se consigam produzir excelentes fotografias (não no sentido estritamente técnico do termo), tal como os trabalhos de Bernard Plossu demonstram.

No entanto, um dos problemas que se põe tem a ver com a questão da divulgação dos trabalhos uma vez a fase da criação estar terminada. Aí penso que faz falta alguma habituação do público a encarar as artes de uma forma mais natural e não sentirem tanta resistência à compra de obras (obras de artistas reconhecidos e cotados serão sempre relativamente elevadas) e a criarem dessa forma alguma revitalização de um mercado muito inóspito para quem não é conhecido.”



(Mário Filipe Pires)

PORQUE É QUE SE ESCREVE?

Penso que há:

1. Quem escreva por que tem necessidade de escrever.

2. Quem escreva porque necessita de ser lido.

3. Quem escreva porque tem necessidade de ser conhecido.

Podemos até ter diversas combinações possíveis de lógica entre 1, 2,
3 usando com conjunções e disjunções:

1 /\ 2 /\ 3 (escreve por necessidade de escrever E escreve por necessidade de ser lido E escreve por necessidade de ser conhecido)
1 \/ 2 /\ 3 (escreve por necessidade de escrever OU escreve por necessidade de ser lido E escreve por necessidade de ser conhecido)
1 \/ 2 \/ 3 (escreve por necessidade de escrever OU escreve por
necessidade de ser lido OU escreve por necessidade de ser conhecido)

etc etc etc :-)

Atribuindo valores de Verdadeiro ou Falso a 1, 2, e 3, podemos obter resultados sobre cada uma das counjunçoes/disjunções :-)”


(Nuno Figueiredo)
 


REACCIONÁRIO

Poucas coisas na blogosfera são mais reaccionárias que esta nota do Barnabé, intitulada “80 anos para isto”.

REACCIONÁRIO 2

É reaccionária porque esta nota só se pode fazer porque Odete Santos é mulher, não tem a beleza, nem das revistas, nem das figuras austeras das Pasionarias diversas do cânone revolucionário, tem uma personalidade muito própria, que não me cabe a mim, nem a ninguém julgar, e viola as regras tidas como sendo de conveniência. Este tipo de nota nunca seria feita sobre um homem.

Oitenta anos contados a partir de quê? Da revolução russa?

28.11.03
 


 


FRAGILIDADES

das nossas infra-estruturas principais são evidentes. A principal auto-estrada do país, de Lisboa ao Porto, fica horas bloqueada, com filas de dezenas de quilómetros, quando ocorre qualquer acidente, mesmo de pequena dimensão. Entre ontem e hoje, bloqueamentos sucessivos tornaram viajar entre as duas principais cidades portuguesas num pesadelo. O tempo que demora a resolver qualquer acidente não é normal num país europeu. Tem que haver incúria.

O mesmo se passa com os atrasos de comboios rápidos, nos quais os passageiros pagam mais caro para chegar mais depressa. No início da semana, um destes comboios entre o Porto e Lisboa ficou parado durante seis horas com os passageiros dentro, sem ar condicionado e sem poderem sair. Seis horas são mais que suficiente para que seja possível encontrar alternativas. Tem que haver incúria.

Nestes casos, no do comboio em particular, devia haver indemnizações aos passageiros.
 


IMAGEM

sobre imagem. A de ontem era a do juramento dos Batavios de Rembrandt, recordação de um episódio da revolta ocorrida na Germania Inferior em 69-70. O homem que conduz a jura não tem um olho e é Julius Civilis, um dos dirigentes da revolta. O chapéu que Rembrandt lhe colocou ainda tapa um cabelo normal, mas depois da jura pintou o cabelo de vermelho e deixou-o crescer. Só deveria cortá-lo quando fosse vitorioso. Nunca foi.
Esta é outra representação imaginária de Julius Civilis.

27.11.03
 


IMAGEM

de ontem era parte de uma fotografia de Richard Long, de um círculo de pedras nos Andes. Nada mais.
 


HABRÁNSE TODOS QUEDADO EN EL CAMINO?

 


EARLY MORNING BLOGS 86

As manhãs são agora “machadianas”, por puro prazer destas palavras que se bastam completamente:

Sí, cada uno y todos sobre la tierra iguales:
el ómnibus que arrastran dos pencos matalones,
por el camino, a tumbos, hacia las estaciones,
el ómnibus completo de viajeros banales,
y en medio un hombre mudo, hipocondríaco, austero,
a quien se cuentan cosas y a quien se ofrece vino...
Y allá, cuando se llegue, ¿descenderá un viajero
no más? ¿O habránse todos quedado en el camino?”


António Machado
 


O ESCRITOR COMO FUNCIONÁRIO PÚBLICO

O ideal de muitos escritores em Portugal é serem funcionários públicos. Muitos já o são, usando esquemas pouco conhecidos e pouco escrutinados em vários ministérios (como o da educação) e em certas autarquias, pelos quais recebem dinheiro público por serem “escritores”, praticamente sem contrapartidas. O mais perverso destes mecanismos é o das “bolsas para escritores” em versão junior e sénior, novo, “revelação”, menos novo e “consagrado”. De há muito que me pronuncio contra este tipo de subsídios, que, como todos os subsídios (e este é relativamente novo), gera a habitual dependência.

Não vale a pena repetir o que já muitas vezes disse e escrevi, apenas registar a defesa inflamada de Luísa Costa Gomes , hoje no Público, destes subsídios e desta dependência:

"O Estado deve apoiar, encorajar, acarinhar, alimentar, tendo em conta a situação miserável da criação em Portugal e a agressividade das indústrias da cultura. Há muito pouca criação. O Estado deve ter uma iniciativa de apoio."

Todos os argumentos são típicos do raciocínio burocrático e estão descritos nas várias leis que regulam a burocracia como a de Parkinson. Primeiro, o argumento de autoridade, da indiscutibilidade do valor da cultura – ai de quem for contra os escritores subsidiados, só pode ser por "ressentimento anti-intelectualista". Depois, a ameaça das consequências, na forma conhecida: quantas páginas únicas da nossa literatura são perdidas por que o estado não as subsidiou?

"Se a Maria Velho da Costa, a nossa maior escritora viva, fosse pedir apoio ao IPLB era um concerto de vozes nos jornais! Isto ofende-me! Há um fervor contra os escritores que é estranho para mim. E isto não é espírito corporativo. Aquilo que a Maria Velho da Costa escreve, mais ninguém escreve. Se ela não escrever, aquilo perde-se."

Depois, tudo é sempre pouco: defende que se "deve aumentar-se o apoio à criação, o número e as categorias" das bolsas. "Doze é pouco. Quando os apoios são exíguos, as razões administrativas começam a impor-se."

Depois, a descrição da “carreira” dos escritores sem hierarquia nem senioridade “adquirida”:

"Os escritores em Portugal parece que estão sempre a começar carreira, nada está adquirido.

E, por fim, esta frase fabulosa para um(a) criador(a) : sem dinheiro “acabou-se”, não se escreve

Se o Estado não dá, acabou-se. Não há alternativas, ao contrário do que acontece em outros países."


Olhe que sim, olhe que sim. Há outras alternativas: escrever, mesmo com dificuldades, como milhares de escritores fizeram, ao mesmo tempo que trabalhavam, viver pior para ter tempo para escrever e confiar no que se faz, arranjar um mecenas (também existem), ganhar no mercado as condições de escrita que se desejam (não, não é preciso fazer literatura como a da Margarida Rebelo Pinto, para se ganhar algum dinheiro a escrever e não é desonra nenhuma), se o que se escreve não tem público, aceitar normalmente que é assim e continuar a escrever, nem que seja num blogue que é grátis. Em todos os casos, ser mais fiel à pulsão de escrever do que à “carreira” de escritor.

26.11.03
 


CÍRCULO DE COISA NENHUMA

 


VULCÕES, PLANETAS, NADA

O Piton da le Fournaise ameaça, mas não passa da ameaça. Abriu ontem pela primeira vez desde o dia em que lá estive, embora não se possa aceder às crateras. Continuam os tremores de terra e o inchaço do vulcão, mas de erupção, nada.

Saturno é suposto estar num excelente mês de observação obrigatória, mas, com este tempo, nada.

Nada de nada.
 


PRESIDÊNCIA ITALIANA E GOSTO
(OU PORQUE É ASSIM A HISTÓRIA OU PORQUE É ASSIM A ITÁLIA)







Há uma coisa que ninguém pode negar à Presidência italiana da UE: as suas realizações culturais estão muito acima do que é habitual. No Parlamento Europeu, onde se dependura a pior pintura do mundo, os italianos trouxeram uma melhoria considerável. À entrada está um cavalo gigantesco de Mimmo Paladino, mais conhecido como o “cavalo de Berlusconi”, e, um pouco por todo o lado, arte contemporânea que vale a pena ver.
 


IMAGEM

de ontem era daquelas que os amadores de histórias aos quadradinhos identificam num segundo. Foi o que fez José Carlos Santos, uma das pessoas a que o Abrupto deve mais pelo seu animus corrigendi indefectível. Cito, agradecendo, a sua carta:

Visto que é extraordinariamente raro eu descobrir qual é a origem das imagens que coloca no Abrupto, é sempre um grande prazer para mim que ocorra uma dessas excepções. No caso da imagem «FUTURO PRESENTE» o prazer é duplo, por ser retirada daquela que considero ser uma das obras-primas da Banda Desenhada: Le Piège Diabolique, de Edgar Pierre Jacobs. A minha opinião sobre esta obra está condicionada por uma paixão de longa data por histórias sobre viagens no tempo. Sou da opinião de que Le Piège Diabolique é uma das duas melhores histórias jamais escritas sobre o assunto sendo a outra, naturalmente, The Time Machine, de H. G. Wells.

Um dia voltaremos a este assunto da máquina do tempo. O Abrupto sempre se interessou pelo tempo, pela memória, pelo esquecimento, pela história, pelo MyLifeBits, pelos objectos em extinção, pela finitude e a permanência. Acho que, se se ler bem a maioria dos textos aqui publicados, eles são essencialmente sobre esses temas e à volta disso.
 


EARLY MORNING BLOGS 85

Eu sei que é tarde, longe da “early morning”. Mas não queria deixar de dar a quem mo pediu um poema sobre a “desconocida llave” da intenção. De Antonio Machado, o poema:

Cantad conmigo a coro: Saber, nada sabemos,
de arcano mar venimos, a ignota mar iremos...
Y entre los dos misterios está el enigma grave;
tres arcas cierra una desconocida llave.
La luz nada ilumina y el sabio nada enseña.
¿Qué dice la palabra? ¿Qué el agua de la peña?”

 


BIBLIOFILIA 2

Revistas lidas.

Excepcionalmente :




O número 100 dos Yale French Studies, dedicado às “guerras culturais” entre a França e os EUA, não podia ser mais oportuno, até por já ter saído há uns três anos atrás e ter sido escrito fora do contexto iraquiano. (Pode-se obter a revista-livro através do Bookchecker, o serviço de comparação de preços entre livrarias em linha.) No prefácio e no artigo de Christie Mcdonald, “Changing Stakes: Pornography. Privacy and the Perils of Democracy”, mostra-se como se cavou fundo a diferença, a propósito de eventos como a guerra do Vietnam ou o caso Lewinsky.


Regularmente:





A Creative Nonfiction sobre os problemas da escrita criativa em temas não ficcionais, um género tipicamente americano, tendo como patrono Truman Capote. Existe um endereço para a revista que habitualmente está à venda em Lisboa, ou na tabacaria dos Restauradores ao lado do elevador, ou na livraria Thema no Centro Colombo.

(Continua)
 


COMISSÃO VERSUS CONSELHO

O outro aspecto negativo da posição portuguesa sobre o défice franco-alemão é o de ser contraditória com toda a nossa tradição de defesa do fortalecimento da Comissão face ao Conselho. Esta é, aliás, uma das posições negociais de Portugal no debate sobre a Constituição europeia, a necessidade de uma Comissão forte que contrarie os interesses dos grandes países europeus e os seus egoísmos nacionais. A Comissão, obrigada aos tratados, sofre com esta decisão dos Ministros das Finanças, uma desautorização completa e grave do ponto de vista institucional.

Se é verdade que alguém (alemão neste caso) disse que não havia nenhum problema em diminuir o défice alemão cortando nas transferências para os fundos estruturais, este é um perigoso revelador de como estão as coisas na UE e lança uma séria suspeita sobre os motivos do entusiasmo franco-alemão sobre a Constituição europeia.

25.11.03
 


DÉFICE

A questão do défice é uma daquelas em que o governo não pode falhar. É o principal elemento da legitimidade política da governação. É por isso que é incompreensível o apoio português à violação do Pacto de Estabilidade pela Alemanha e a França. É um voto de todas as ambiguidades: sobre o nosso défice, sobre as relações de força na EU, sobre o papel do euro, sobre a Europa do futuro, sobre o valor dos acordos e tratados.
 


FUTURO PRESENTE

 


EARLY MORNING BLOGS 84

Na confusão matinal, à minha volta, abre o Salon de Coiffure Yucef , o Snack Bar Pacha, a Typographie Hellenique, o Restaurante Coimbra, o Salon Iberico, o restaurante Kilimanjaro, a Boucherie Islamique, o café da Squadra Azurra e o café do Bom Porto. Tomara eu que a Europa seja capaz de ter tudo isto, de "engolir" num melting pot genuíno - que faça europeus prósperos estes europeus do Sul , estes árabes do Norte e estes congoleses "belgas", sem os deixar perder o seu caftan, os seus gritos napolitanos, aquela peculiar loquacidade turca, ou o ar absolutamente português do empregado num restaurante italiano que me convida para o restaurante como se fosse o dono dele, ou a alegria um pouco desengonçada das jovens congolesas de cabelos louros em tranças feitas no Salon Kinshasa. Onde é que eu podia ver numa tabacaria um jornal parecido com o Crime com grandes títulos "Kabila demande des excuses a ..."?

Mas, quando subo à minha casa belga, no meio deste maelstrom, encontro uma novidade: a minha senhoria resolveu instalar portas blindadas nos apartamentos. Cada porta deve ter custado milhares de euros, mas uma brigada de mártires já pode disparar umas rajadas de metralhadora, ou até um rocket a uma distância conveniente, que nem os cãezinhos de porcelana se partem. Que eu saiba, para além dos protestos da porteira, porque lhe sujam a porta (blindada) da rua, nunca houve um assalto a este prédio. Agora, vivo num pequeno cofre forte, suspeito que à custa do medo do tabacaria Scutari e da Taberna Mirandesa.

24.11.03
 


TRISTEZA SUBTERRÂNEA

O metro de Bruxelas, ou se calhar apenas a minha linha, a 55 Bordet-Silence, é de uma infinita tristeza. Não consigo encontrar uma pessoa nas carruagens que tenha um ar, já não digo feliz, mas normal. Parece que uma parte de Bruxelas foi ali soterrada em vida , numa espécie de círculo do Inferno e condenada a andar eternamente às voltas na linha 55.

A linha não é percorrida pelo metro normal mas sim por um tramway, um eléctrico com duas ou três carruagens, bastante mais pequeno do que o túnel por onde passa. Por isso, não há aquela obscuridade imediata nas janelas, mas vê-se a parede suja, coberta de lixo e pó, canos e linhas, cortada ocasionalmente por um veio de humidade infiltrada. As pessoas olham para as janelas, olham para fora, para aquele fora. Ainda deve deprimir mais.

Olho para a carruagem: gente pobre, gente evidentemente pobre, emigrantes magrebinos, velhos trabalhadores marroquinos com o ar duro e esculpido, jaquetas de napa preta, raparigas muçulmanas, com ar infeliz, invariavelmente vestidas de escuro ou tons de cinzento, véu, camisola e calças, sapatos grosseiros (poucas coisas dizem mais da pobreza que os sapatos), jovens negros e um ou outro rasta, toda a gente mais embrulhada na roupa do que vestida, uma jovem coreana grávida, agarrada à sua bolsa vermelha, imobilizada no seu assento de um, velhas senhoras dignas na sua loucura mansa. Silêncio. Mesmo as crianças que sobem, empurradas pelas mães, para estas carruagens incómodas ficam imediatamente silenciosas. Toda a gente traz sacos de plástico, toda a gente se agarra ao seu saco de plástico, como se encontrasse nele um equilíbrio que não há em lado nenhum. Silêncio, só se ouvem as rodas nas junções dos carris.

Todos parecem cansados, todos devem estar cansados, porque esta linha é trabalho-casa, ou trabalho-compras-casa. Saem muitos na Gare du Midi, outros em Rogier para as compras, nos paupérrimos centros comerciais locais, comparados com os luxuosos portugueses. Mesmo aí o subterrâneo prolonga-se nos bares e pequenos restaurantes enterrados ao nível da estação de metro. Como é possível que alguém queira aí estar, num corredor sem luz nem ar fresco?
 


BIBLIOFILIA

Não conhecia a Book and Magazine Collector antes de a ter começado a encontrar na Waterstone’s de Bruxelas. Pelo número de série (o actual é o 237) deve ser antiga e antiga é certamente pelo aspecto e grafismo. É uma revista que usa tudo o que não se usa, formato pequeno, passando desapercebida e as capas são de muito mau gosto
Não tem sofisticação nenhuma – é para coleccionadores e o que está lá serve exclusivamente esse propósito e por isso é muito útil. Livros à venda, livros à compra, pequenos artigos sobre um autor e as suas edições, capas e preços, leilões e colecções, uma enorme quantidade de informação, alguma muito inesperada. Entre a inesperada está o valor elevadíssimo de algumas edições modernas, por exemplo, a primeira edição de 1997 de J. K. Rowling, Harry Potter and the Philosopher’s Stone atingiu 19.480 libras, mais do que o valor previsto num leilão para a primeira edição do Ulysses de Joyce, a edição de Paris, que só teve 750 exemplares, avaliado entre 10.000 e 15.000.
 


SELOS E IMPERFEIÇÃO






Bateu todos os recordes a venda, num leilão da colecção de selos La Fayette, da célebre quadra de selos de 1 franco "vermillon vif" com um "tête-bêche", o termo filatélico para designar um selo invertido por erro. Os filatelistas têm esta particularidade que partilham com o Islão: dão valor à imperfeição humana como sinal de modéstia face à perfeição divina. Como o azulejo, propositadamente mal colocado pelo fiel pedreiro muçulmano, o "tête-bêche" da parede ou do chão de azulejo, também os filatelistas amam nos selos as imperfeições.
 


DE NOVO

em conformidade com a natureza humana, que não foi feita para voar, regressarei aos livros, sob um céu bruxelense azul. Logo haverá bibliofilia.

23.11.03
 


IMAGENS

Ilustrando teses em série, imagens em série. De cima para baixo:

“Les marchands de craie” do barão belga Léon Frederic, pintado em 1882. Os de cima olham para os de baixo. Os de baixo são muitos.

A caveira é do autor da primeira imagem que publiquei no Abrupto: Gijbrechts, feito na segunda metade do século XVII, uma natureza morta com um trompe l’oeil ilustrando a Vanitas.

Os negros são de Rubens, os pássaros exóticos de Frans Snyder e é suposto estarem a dar um concerto.

A última é uma foto de uma “aktion” , a propósito dos “48 retratos” de homens, de Richter e ocorreu no Museu Ludwig em Colónia no dia 8 de Agosto de 1990. O cartaz, que Annete Frick e Gaby Kutz empunhavam, dizia "Die geistigen Impulse der 90-er Jahre werden von den Frauen ausgehen" (“Os impulsos intelectuais dos anos 90 vão ser inventados pelas mulheres”.) Na revista electrónica dedicada à obra de Joseph Beuys, Athena, há uma referência a este protesto.
 


EARLY MORNING BLOG 83, SOBRE A FELICIDADE PELO DICIONÁRIO

Jornais, livros, pela manhã tudo bem . É o meu “I love the smell of napalm in the morning”. Mas para confirmar a minha natureza taciturna e profundamente a-irónica, o “smell of napalm” sobe umas octanas quando se trata de um livro erudito, uma obra de referência, um dicionário.

Esta manhã tenho essa sorte raríssima: o Dicionário de Educadores Portugueses dirigido por António Nóvoa e editado pela Asa. Ninguém lê um dicionário de fio a pavio, mas eu comecei por procurar os meus professores no Liceu Alexandre Herculano e fiquei logo pelo meu professor de Filosofia, Cruz Malpique, uma personagem muito especial, inesquecível para gerações sucessivas de estudantes. E continuei por figuras desse mundo perdido que eram os liceus portugueses, locais de elite para a elite, mas onde trabalhavam um conjunto de intelectuais, artistas e educadores, que marcaram invisivelmente Portugal, mais do que se pensa. Um dia que se faça um trabalho sobre a nossa memória selectiva, ver-se-á como a memória escolar, da escola primária, do liceu, e da escola técnica, tem um peso nas gerações até à minha e depois vai-se esfumando. A democratização das escolas, o ensino de massas tornou a escola uma experiência colectiva, penosa e indiferenciada. Dela se tem memórias, memórias muitas vezes traumáticas, mas essas memórias perdem individuação, - onde estão os professores que ainda são personae? – e tornam-se parte de um magma colectivo. Se há coisa que a formação dos professores tem tentado esmagar debaixo da pedagogia é exactamente essa qualidade de personagem, de pessoalidade, do professor substitído por "métodos", mecânicas de ensinar, estratégias de sedução .

O Dicionário é um grande trabalho, mostrando os indivíduos por detrás dessa máquina de reprodução social, uma espécie de requiem pelo ensino antes da massificação. Se quisermos fazer um mesmo dicionário, centrado nos dias de hoje, nos últimos trinta anos, quantos destes “educadores” seriam professores, professores a sério, e quantos encontraríamos apenas como burocratas no aparelho do Ministério? Ao se ler as biografias percebe-se a imediata diferença.

22.11.03
 


IMAGENS

A da flor perdida, há um dia, é de uma gardénia branca de Christian Rohfls de 1932, estava Hitler a preparar-se para subir ao poder. A onda é espanhola, de Guillermo Gomez Gil, e está em Sevilha no Museu das Belas Artes. Não sei a data, mas o mar é quase eterno. As flores são menos.
 


HERANÇAS E DESEJOS

Não sei em que jornal (no Público, talvez) escrevi, no início do século XXI, estes “desejos em dois mil caracteres a favor da anestesia e contra a bomba atómica”. Infelizmente, o ponto dois tornou-se rapidamente actual. Este texto é obviamente anterior ao 11 de Setembro e ao Iraque, mas parece-me ser texto de blogue e dever ficar registado aqui.

“Primeiro : resolver o dilema malthusiano entre o crescimento da população e os recursos. Resolver este dilema sob as suas formas clássicas e modernas implica várias coisas difíceis: mudar o nosso modelo predatório de crescimento industrial , controlar as pressões sobre a ecologia geradas pelo acesso das multidões do terceiro mundo a consumos de massa , descobrir novos processos agrícolas , encontrar na conquista espacial um novo “espaço vital” para a humanidade .

Segundo : resolver o problema da evolução da guerra para formas baratas e facilmente disponíveis de destruição maciça . Isto significa encontrar meios para controlar a disseminação do armamento nuclear, químico e biológico, a miniaturização das armas , o terrorismo tecnológico . Não se vê bem como, sem haver uma polícia mundial.

Terceiro : impedir a utilização do conhecimento do genoma humano e das técnicas de engenharia genética para criar uma versão moderna dos “homens superiores” . Aproveitar, pelo contrário, o enorme potencial dos conhecimentos previsíveis do código genético para aumentar o numero de anos de vida dos humanos , evitar as doenças evitáveis e adaptar os humanos às mudanças da sua ecologia . Seguir no caminho das únicas coisas que parecem um verdadeiro progresso neste século: a anestesia, por exemplo .

Quarto : encaixar sem crises o provável conhecimento e contacto com biologias extra-terrestres no nosso sistema solar ou fora dele, aceitar que a vitória do Deep Blue no xadrez lança a luz certa sobre a nossa “inteligência” , compreender profundamente as novas dimensões do saber que nos trarão telescópios como o Hubble renovado ou as novas técnicas biológicas .

Quinto: impedir que se viva numa outra sociabilidade na qual a democracia estará em risco de ser substituída por uma demagogia mediática totalitária , em que se sobreviva tecnologicamente “dopado” por uma envolvência afectiva de imagens em movimento em todas as dimensões , em que a riqueza e a pobreza serão resultado da forma como soubermos usar a informação e resistir à manipulação , em que a criação e a beleza terão que ser defendidas da usura dos tempos .

Não é brilhante, pois não? Mas as heranças do XX para o XXI são estas.”
 


EARLY MORNING BLOG 82

Pela nossa manhã, não é ainda manhã em Nova Iorque, e o poema de Lorca (cortesia de João Costa) estará umas horas dentro da noite americana. Pobre Nova Iorque de Lorca onde “no habrá paraíso ni amores deshojados”! Mas manhã é manhã, e esta era do tempo do crash:

LA AURORA

"La aurora de Nueva York tiene
cuatro columnas de cieno
y un huracán de negras palomas
que chapotean las aguas podridas.

La aurora de Nueva York gime
por las inmensas escaleras
buscando entre las aristas
nardos de angustia dibujada.

La aurora llega y nadie la recibe en su boca
porque allí no hay mañana ni esperanza posible.
A veces las monedas en enjambres furiosos
taladran y devoran abandonados niños.

Los primeros que salen comprenden con sus huesos
que no habrá paraíso ni amores deshojados;
saben que van al cieno de números y leyes,
a los juegos sin arte, a sudores sin fruto.

La luz es sepultada por cadenas y ruidos
en impúdico reto de ciencia sin raíces.
Por los barrios hay gentes que vacilan insomnes
como recién salidas de un naufragio de sangre."


Federico García Lorca


Bom dia , aos das nossas horas !
 


 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

BUSH EM LONDRES - ”Ontem decidi-me a ver os noticiários das televisões - um habito que tenho vindo a perder, dada a sua manifesta falta de qualidade.

A minha intenção era ver a reportagem sobre a visita de George W. Bush a Inglaterra. Sabia que o Presidente Norte-Americano tinha pronunciado um discurso, cujo conteúdo me interessava. Nas actuais circunstâncias, seria seguramente relevante para se perceber a posição dos americanos em relação ao Iraque, numa altura em que as coisas não têm corrido bem.

Para minha surpresa - e apesar de fazer um "zapping" pela SIC e pela RTP (a TVI já nem conta) -, não consegui vislumbrar uma palavra do discurso! No telejornal do horário nobre destas cadeias, a cobertura da visita presidencial limitou-se à filmagem de uns manifestantes mais folclóricos e ao relato do incidente originado pela contratação de um jornalista como empregado do Palácio de Buckingham. Sobre o conteúdo da visita, nada! (…) Uma vez que considero relevante o referido discurso de George W. Bush, ainda mais após os trágicos acontecimentos de Istambul, indico o seu endereço
"

( Ricardo Prata)

LINCOLN EM GETTYSBURG - “Acabei de ler o seu post acerca do famoso discurso de Gettysburg do Lincoln. E tenho alguns reparos a fazer. Em primeiro lugar é fácil ficar fascinado pela música das palavras do Lincoln. Por ali passa alguma da melhor prosa de lingua inglesa alguma vez escrita. Também é fácil ficarmos fascinados pela evocação do heroísmo dos combatentes. Tudo isto é fácil e concordo consigo em que se trata de um pedaço de prosa muito poderoso. Maia importante, é muito fácil vê-lo como evocação de um passado em que a honra, a valentia e a coragem eram dignificadas.

Mas é necessário ver o outro lado... o significado profundo e politico das palavras deste grande discurso.

Por exemplo, de que liberdade é que o Lincoln fala? Do direito à autodeterminação dos povos? Não me parece, porque é isso precisamente que o Lincoln tentou (e conseguiu) impedir em relação aos estados Sulistas que reivindicavam o direito de se separarem da União.

Por outro lado, de que "unfinished work" é que o Lincoln fala? Do trabalho inacabado dos soldados da confederação na sua luta pela seu direito a ser independentes ou do trabalho inacabado dos soldados da União no sentido de o impedirem?

Este discurso é muito belo mas tem algumas ressonâncias sombrias. Quando o Lincoln invoca a Liberdade é no fundo para justificar a supressão da mesma. A ideia da sacralização daquele solo tem como único objectivo, não a evocação do heroísmo dos soldados, mas sim o reforço do carácter sagrado (e por isso intocável) da União. A associação dos mortos desta batalha aos Pais Fundadores também não é inocente. O que se passou na Guerra da Secessão foi de facto a refundação de uma nação. Mais forte e mais unida...mas menos democrática e menos livre

Este discurso no fundo é um grande exemplo de double talk: Liberdade é Opressão. Extraordinariamente bem escrito, com uma poesia muito profunda que toca toda a gente. Mas é isso que o faz terrivel. Mas isso era o Lincoln, um homem inteligente, frio, um grande estratega e grande prosador que construiu (e aqui estou de acordo consigo) uma grande Nação."


(Rui Silva)

RTP INTERNACIONAL E FUTEBOL- “ O jogo de esperanças entre Franca e Portugal passou na TV francesa como pode verificar na seguinte ligacao, na programação do Canal + . E' por isso que a RTPi não podia transmitir em directo o jogo em questao. Os direitos de transmissão dos jogos da UEFA sao atribuidos apenas a uma estacao por pais, como o Canal + comprou esses direitos para o território francês a RTPi nao podia transmitir.

Eu vivi quatro anos em Franca, curiosamente em Estrasburgo, e este tipo de problemas os emigrantes já os conhecem bem. Nos jogos das taças europeias só passam em Franca os jogos cujos direitos foram comprados por televisões francesas. As TVs internacionais como a RTPi, a TVE internacional, as TVs Polacas, Egípcias, etc só passam jogos internacionais das suas selecções, excepto quando estas jogam contra a França. Caso em que as TVs francesas adquirem esses direitos.

O que chateava os emigrantes era o desrespeito dos acordos que a TVI e a SIC tinham com a RTPi quando havia derbies importantes em Portugal. Por exemplo, quando havia um Benfica-Porto que fosse transmitido pela SIC estes deveriam ceder as imagens 'a RTPi. Coisa que raramente fizeram, nem que fosse para transmitir os jogos em diferido."


(Rui Silva)

MÁQUINA / HOMEM E OUTRAS INTELIGÊNCIAS - “Ainda sobre a questão humanos/máquinas e inteligência artificial gostaria de o alertar que existe vasta literatura sobre o assunto, uma obra importante e polémica é o do físico matemático inglês R.Penrose (Emperors New Mind) que está traduzida em português e cuja tese que explana ao longo de muitas páginas é a de que é impossível 'criar' inteligência humana artificialmente. Para uma breve introdução ao assunto aconselho um pequeno livro que também existe em português: O Quarteto de Cambridge onde quatro célebres cientistas discutem o problema. A questão principal neste assunto é: pode ser criada uma 'intenção' humana' artificialmente. Para tal há que saber o que é de facto 'intenção humana'. A.Turing resumiu o problema no seu célebre teste que do meu ponto de vista não 100% correcto. Um teste sério seria ter 2 máquinas e 1 humano, sendo a uma das máquinas que caberia a decisão do teste.
Quanto ao problema mais restrito da IA - inteligência artificial, aconselho-o, se se quer debruçar sobre ele, a 'bíblia' académica do assunto Artificial Inteligence a Modern Approach - Russel& Norvig. Tá lá tudo o que é necessário saber para construir manipuladores de informação úteis ao homem."


(AJFonseca)

Como engenheiro e cientista sinto-me frequentemente frustrado pela falta de preparação que os nossos políticos e decisores revelam em assuntos relacionados com ciência e tecnologia. Os decisores em Portugal são claramente influenciados por fortes correntes pós-modernistas, em que se destacam intelectuais como Boaventura Sousa Santos (BSS) e Eduardo Prado Coelho (só a título de exemplo). Em Portugal as ciências socias são claramente sobrevalorizadas em detrimento das chamadas 'ciências duras', com efeitos visíveis no nosso sistema de ensino. Esta corrente não é suficientemente combatida talvez porque quem o poderia fazer não tem uma presença assídua nos media. Por outro lado, alguns dos que a combatem não o conseguem fazem da melhor maneira, como é o caso do Físico António Batista que tem alimentado interessante polémica com BSS nas páginas do Expresso (edição do último Sábado - 2º caderno). Apesar de concordar por inteiro com o conteúdo das suas críticas, não me parece que o tom e o estilo utilizados sejam os melhores, à semelhança do que se pode constatar também no seu último livro... Quando se entra numa polémica tão acesa não interessa apenas o conteúdo. É necessário também encontrar o tom correcto...
(…)
Já agora, reparei que no seu blog tem discutido assuntos relacionados com inteligência articifial, tendo abordado o velho mito do 'Fantansma dentro na Máquina'. A esse propósito recomendo vivamente um livro do Steven Pinker, Professor de Ciências Cognitivas no MIT, ainda não traduzido em Português, intitulado: The Blank Slate: The Modern Denial of Human Nature, em que ele tenta, quanto a mim com sucesso, desmontar três dos principais mitos do nosso tempo (em alguns casos influenciados pelos pós-modernistas): O mito da 'tábua rasa' - the Black slate, o mito do nobre selvagem e o mito do 'fantasma dentro da máquina'.


(Álvaro Carvalho)

"Há um livro muito bom que trata sobre inteligência artificial, de um dos maiores cientistas do nosso tempo: Roger Penrose, catedrático de Oxford. O livro está editado em Português como nome: A Mente Virtual, da editora Grávida. A primeira edição em Inglês é de 89, com o nome: The Emperor's New Mind-Concerning Computers, Minds and Laws of Physics; da Oxford University Press. Claro que o livro, mesmo sendo dirigido para o público geral, não é de fácil leitura, mesmo para pessoas formadas em Filosofia, Sociologia, etc."

(Luís Alves)

21.11.03
 


VOTOS, VOOS, AVIÕES AVARIADOS, AVIÕES PERDIDOS, CIDADE AQUI, CIDADE ALI, COLÓQUIOS, ESTALINE, CHUVA

tudo junto explica a ausência. Pouco a pouco, regresso.
 



19.11.03
 


MÁQUINA / HOMEM 4

"Uma pequena reflexão maquinal: O homem é um animal racional, pensamos nós desde a Grécia. Se é o "racional" que nos diferencia dos outros animais, não deixa de ser com uma saborosa ironia que vemos o racional como a primeira vítima séria do assalto dos computadores (os trabalhos físicos e os repetitivos são irrelevantes para o caso)."

Jorge Camões SerPortugues(Ter Que)

"Como é evidente, estamos muito longe das máquinas verdadeiramente inteligentes (autónomas) da ficção científica. Mas ainda que fosse possível virmos a criar este tipo de máquinas, não deixaríamos de ser nós os "transmissores" dessa inteligência. Porque será que alguns de nós apreciam tanto comparar-se às máquinas que criamos? Acho que poderíamos chegar a interessantes conclusões, se analisássemos esta questão…

Imagine que eu sou do tempo dos cartões perfurados e das primeiras máquinas tabuladoras. Imagine o meu espanto e a minha satisfação quando utilizei, pela primeira vez, uma máquina programada por mim (nós…) para calcular vencimentos! Que diabo! Então se, com a ajuda da máquina, consegui fazer um trabalho em 2 horas que demorava uma semana a executar a uma equipa de meia dúzia de pessoas (com grosseiros erros à mistura…), não será um motivo de enorme satisfação para quem o realizou? A que propósito me deveria sentir humilhado por um punhado de circuitos impressos?"


(J. C. Marques)

"Relativamente à discussão sobre Inteligência Artificial, naquele caso o xadrês, achei que teria interesse em visitar este sítio. Trata-se de um 'bot', neste caso um 'diva-bot' que pretende emular uma pessoa real. O programa deste bot (a Lauren) e muitos outros, tem raíz no ALICE, o primeiro bot deste tipo, construído através de milhares de instruções fornecidas por gente em todo o mundo. Estes bot's aprendem e fazem perguntas também. Caso queira experimentar, tente fazer perguntas interessantes, mesmo filosóficas. Ficará surpreendido. O algoritmo é algo limitado mas é fascinante ver a sua capacidade de interpretar linguagem natural e a sua 'cultura geral'. Caso as perguntas sejam muito complexas ele dará respostas genéricas (erros). Há bots de todo o tipo. Alguns têm bases de dados de ciência, outros de produtos bancários etc., e já estão a ser utilizados em sites oficiais como hosts virtuais. O futuro certamente... "

(Lourenço Bray)
 


ESTRASBURGO. UM DIA (Continuação)

Volto à pátria por via televisiva. Procuro notícias, o telejornal, encontro um programa da RTP Internacional ainda mais bizarro do que o costume. Um filme português do tempo do PREC, que apanho no fim, numa cópia de tão má qualidade que quase nada se via no ecrã. Depois uma sucessão caótica de pequenos filmes sem nexo: uma Contra-Informação, uns spots musicais, um do Luís Represas, uns filmes turísticos sobre Portugal profundo, uns reclames repetidos n vezes sobre como era boa a televisão pública, outros sobre o "futebol de interesse público", quatro vezes o anúncio do programa do Francisco José Viegas. Parecia que alguém tinha deixado bocados de filme em piloto automático durante quase três horas. Nem uma palavra sobre quando é que passaria o telejornal, nem o que se passava com a programação. De repente, out of the blue, às 23,53, o telejornal.

Vim depois a saber que a RTP estava a transmitir um jogo de futebol, o enésimo, para Portugal, e a RTPI enchia o espaço com o que algum funcionário preguiçoso encontrava em arquivo. Nenhuma explicação, nenhum texto dizendo a que horas haveria programação normal, o que se estava a passar. O jogo, por sua vez, entre Portugal e França, era invisível aos emigrantes portugueses em França - eis o "futebol de interesse público". A completa falta de respeito da televisão pública para com os emigrantes. Inimaginável.
 


ESTRASBURGO, UM DIA

Cinzento e frio, o fumo permanece baixo. O costume.

*

Entro às 8,15, saio normalmente entre as 21 e as 22. O Parlamento é uma grande prisão, diz-se que foi feito por um arquitecto especializado em prisões. O edifício é compacto e cinzento no exterior, lajes de ardósia, aço, vidro, todos os tons de cinza. No interior, umas lianas artificiais prolongam-se do tecto para um chão negro de ardósia ou xisto, para dar uma sensação de verde. De há muito que não são verdes, com um pó pertinaz que as suja. Como são praticamente impossíveis de limpar, continuam sujas.

*

O edifício ganhou um prémio de arquitectura, mas está cheio de coisas que devem ter sido caríssimas e não servem para nada, como umas estruturas parecidas com uns cornetos invertidos ( ou uns embrulhos de fish and chips) de betão, napa e alcatifa, supostamente com uns telefones no meio para os deputados irem lá dentro falar. Basta entrar um, que ficam ocupados, porque não há privacidade nenhuma. Há mais de seiscentos utentes, mais milhares de assistentes, lobistas, visitas, que também os usam. Há cinco ou seis cornetos, servem dez pessoas o máximo, no seu esplendor de mobiliário inútil.

*

Presido à sessão da manhã. Está a Comissão em peso porque se discute o seu Programa. As suspeitas de fraude na Comissão com o Eurostat são o prato forte do debate. Muitos deputados, ingleses e holandeses em particular, falam uma linguagem pouco comum ao discurso parlamentar português: a da defesa do dinheiro dos contribuintes. Prodi provoca um incidente parlamentar com as suas referências à política interna italiana, onde parece que pretende candidatar-se a deputado nas próximas eleições. Hoje a política mais quente no Parlamento é a italiana.

*

Falo, por videoconferência, numa versão especial do Flashback chamada Flashforward, integrada no Congresso das Comunicações, em Lisboa. Foi o primeiro Flashback depois da extinção na TSF, antes de passar para a SIC Notícias. Como bom liberal, critico a contradição que me parece existir nos chamados "objectivos de Lisboa", que incluíam um fórmula de aparência muito parecida com a que usou Krutchov há uns anos: ultrapassar os EUA em 2010, Guterres dixit. A contradição é tentar criar uma eEuropa com o objectivo de combater o desemprego. Defendo que uma eEuropa deve ter como objectivo aumentar a produtividade e esta gerar riqueza e emprego. É uma coisa muito diferente do que arrastar o célebre "modelo social europeu" às costas. Os primeiros resultados do famoso benchmarking previsto é que os indicadores do atraso ainda mais se acentuaram. Apesar do "programa de Lisboa", os EUA alargaram o fosso tecnológico.

*

Durante a tarde, a habitual sucessão de reuniões. No Parlamento Europeu há reuniões para preparar reuniões para preparar reuniões. Não é brincadeira, é a sério, e às vezes ainda é mais complicado.

*

A meio da tarde, em frente à minha janela, que é bastante alta, passa um bando de corvos. Passam uma vez, mais baixo, picam, sobrevoam umas árvores e sobem outra vez. Nunca tinha visto um bando de corvos. Lembrei-me dos Pássaros de Hitchcock. A seguir, um ou dois retardatários parecem perdidos. Ainda mais um. Augúrios.

*

Afinal consegui um intervalo para descer, como os corvos, a Estrasburgo cidade. É raríssimo poder ver Estrasburgo às horas de vida normal. Já é princípio da noite, porque, entre as 17 e as 18 horas, já é noite.

*

É nestas alturas, em vésperas de Natal, que Estrasburgo parece uma pequena cidade alemã, uma vila renana rica e recatada no particular conforto das terras do Norte. Nas ruas, as lojas brilham, começa a sentir-se o cheiro a vinho quente, a massapão e pão doce com canela. Aparecem as primeiras decorações de Natal e as brasseries ostentam cartazes com a bière de Nöel. Nas ruas, longas bancadas de livros. Em breve, conviverão o dia todo com as primícias alsacianas, as trufas, o foie gras, os queijos, os enchidos, os mil e um produtos de qualidade destes campos férteis da PAC. Terra rica, sólida, burguesa.

*

Olho para o outro lado imaginário. A meia dúzia de quilómetros, está uma terra dostoiewskiana, Baden-Baden. Hotel, casino e termas. Sombras czaristas, jogadores perdidos. agentes secretos, velhas damas alemãs, concursos de danças de salão. O antídoto.

(Continua)



18.11.03
 


MÁQUINA / HOMEM 3

"Os comentários que li sobre o duelo homem versus máquina no domínio do xadrez deixaram-me confuso e um pouco perplexo.

1. Não é nenhuma tragédia, nem nenhuma vergonha, o homem ser vencido por uma máquina. Se isso nos perturba, então também deveriamos ficar perturbados com o facto de os carros (ou as bicicletas) correrem mais depressa do que nós, de os aviões poderem voar e nós não podermos, de os rádio-telescópios verem mais longe do que nós, de as calculadoras conseguirem multiplicar números mais depressa do que nós.

2. Se a industria de componentes electrónicos continuar a desenvolver-se ao mesmo ritmo como até agora (o que é muito provável), os computadores acabarão por vencer sistematicamente os humanos, tanto em xadrez como no go e noutros "jogos finitos" (em que há um número finito de jogadas de cada vez). Isto é tão certo como amanhã ser outro dia, pois a velocidade de cálculo dos computadores tem-se duplicado todos os três ou quatro anos, enquanto que a velocidade de pensamento dos humanos permaneceu mais ou menos constante ao longo da história. Maior velocidade de cálculo significa mais jogadas potenciais analisadas e comparadas e portanto melhor estratégia. É matematicamente impossível os humanos não perderem frente às máquinas, a longo prazo. Aliás, se há coisa que me espanta nesta história é algum humano ainda ser capaz de vencer um jogo de xadrez a uma máquina. Chego mesmo a pensar que os programadores da respectiva máquina não devem ser brilhantes.

3. Por outro lado, não é muito correcto dizer que "a máquina vence".
Quem vence é na realidade um programa escrito por uma equipa de humanos."


(Cristian Barbarosie)

"Termina o seu post "MÁQUINA / HOMEM" com a seguinte frase: ... "Antes de tudo, no último jogo, Kasparov ganhou - ponto para os humanos." Independentemente de quem ganhe, Kasparov ou qualquer outro homem, ou a máquina, o ponto será sempre para os humanos. Porquê? Não foram os humanos que criaram e programaram a máquina e o jogo? Então, ponto para os humanos!"

( Ourives-da-coroa )

"O que comentaram várias colegas de IBM quando Kasparov perdeu: "Durante o jogo de 1997 IBM tinha programadores alterando o código do programa, tornando imposivel a Kasparov pudesse estudar quem tinha em frente, pois era o mesmo que de jogada em jogada tivesse uma pessoa diferente, explicando a razão porque Kasparov se levantou super chateado da mesa quando perdeu." Não sei de certeza se é verdade esta informaçao que lhe envio, mas que seria possível, sim que é verdade. "The contest is the latest in Kasparov's quest to outsmart computers at the ancient game. He defeated IBM supercomputer Deep Blue in 1996, lost famously to an improved Deep Blue in 1997 and in Feb. 2003, tied with Israeli-built world chess computer champion Deep Junior."

(João Paulo Reis)

NOTA: na história do "humanos marcam um ponto" pretendia ser irónico, e não é para tomar à letra, nem tenho qualquer nostalgia sobre a "ultrapassagem" dos humanos pelas máquinas. Bem pelo contrário. O que penso sobre a matéria encontra-se num artigo já antigo, publicado quando do jogo com o Deep Blue, o qual não tenho comigo agora, mas que, se a discussão continuar viva, republicarei. Aí afirmo claramente que não acho que haja nenhuma limitação de fundo à descrição dos humanos como uma máquina (logo, admitindo a possibilidade de "artificialização"), incluindo pensamentos, afectos e criatividade. E até penso que séries de testes, ao modelo do de Turing, sobre cada uma destas componentes, podem dar resultados surpreendentes, já.

É uma discussão (faz falta a Formiga de Langton), que remete para praticamente todo o saber humano, desde a filosofia até à genética, com relevo para a biologia, a teoria da evolução, a robótica, a inteligência artificial, por aí adiante.
 


OS ATENTADOS DE ISTAMBUL

Conheço bem a rua onde se deu o atentado contra uma sinagoga de Istambul, sob a sombra sempre presente da Torre de Galata, na antiga Pera genovesa. É um bairro de ruas e ruelas de pequeno comércio alimentar, de ofícios antigos e pequenos escritórios comerciais, de ignotas e misteriosas companhias, que têm pouco mais do que o nome. É território que dava para começar um livro de Jonh LeCarré: "um dia um homem bateu às sete da manhã numa porta onde estava a placa escurecida da Eastern Anatolia Carpets and Rugs ...". Infelizmente, o que bateu à porta da antiquíssima colónia judaica de Istambul, e matou muitos bons muçulmanos que passavam na rua, foi uma bomba da Al Qaeda.

Muito significativamente, a bomba explodiu, matou quem matou, aumentou as tensões turcas, mas nem o eco dessa explosão se ouviu de Atenas para cá. Uma multidão prepara-se para "receber" Bush em Londres, com aquela apetência para tomar como alvos preferenciais os nossos, sejam eles menos bons , medíocres, iludidos, arrogantes, enganados, perigosos, estúpidos, ineptos, o que quiserem, e esquecer os verdadeiramente maus, os que não vivem senão de um terror absoluto e abstracto. Quantos dos milhares, dezenas de milhares, centenas de milhares, que vão chamar a Bush assassino, sairiam para a rua contra a Al Qaeda? Não é uma pergunta retórica, é uma provocação pela verdade. Um em dez mil? Talvez, já estou benevolente como Deus com os seus mensageiros a Sodoma e Gomorra, para saber se havia mais justos na cidade do que a família de Lot. Não havia. Como estão confundidas as nossas prioridades!

 


MÁQUINA / HOMEM 2

O problema filosófico, ou mais modestamente antropológico, é simples de colocar e difícil de resolver: existe uma reserva específica de pensamento "humano" que não possa ser emulado por uma máquina? Não basta que a limitação a essa emulação seja apenas a da complexidade, é preciso que haja uma qualidade indissolúvel do humano que não seja possível tornar "artificial".

Daqui se deriva para mil e um problemas conexos: o que é o "homem" , é ele também uma máquina? ou, como Descartes o colocava, como pode um "fantasma" (a alma) controlar uma máquina (o corpo), o software o hardware? a partir de que ponto é que se pode considerar que uma máquina "pensa" (a questão do teste de Turing)? não são as máquinas (e o software neste caso) produto humano e portanto as máquinas não são inteiramente máquinas? podem as máquinas ser programadas para ter afectos (a questão do filme Artificial Intelligence)? , etc. Por aí adiante.

Rios de tinta filosófica, científica e ficcional tem tentado responder a esta questão, que o "nosso" representante Kasparov, está a ajudar a resolver, diante do representante "deles".

*

"No meu blog, tenho dedicado uns posts a este evento. Desde há longa data que acompanho estes duelos Homem / Máquina. No xadrez, o domínio da máquina ainda não se verifica, pois estas ainda têm imensas dificuldades em lidar com posições cerradas. Quando não há 'nada para fazer' os diversos programas patinam, fazem lances de espera que normalmente deterioram a posição. É evidente que isto varia em alguns programas. Talvez o Fritz não seja o melhor adversário para defrontar Kasparov. O 'Deep Junior' revelou-se muito mais poderoso e outros, que não arranjam patrocínios comerciais, poderiam dar mais luta, mesmo no campo estratégico. É o caso do 'Schredder 7.0' e muito especialmente do 'Hiarcs 9.0'! "

(Valdemar)

"Nos próximos tempos, penso que ainda podemos ostentar "orgulhosamente" o triunfo da mente sobre a máquina! :) Apesar da capacidade de previsão simplesmente astronómica que uma máquina daquelas consegue implementar associada a técnicas mais elaboradas de inteligência artificial, ainda não é capaz de superar - pelo menos nem sempre! - a capacidade de "computação biológica" quando bem treinada e alimentada, como é o caso de mestres como Kasparov."

(Ricardo Rafael)

Recebi também uma carta, (cujo original infelizmente se perdeu), lembrando que os humanos ainda permanecem imbatíveis no jogo oriental do Go , uma simulação , como o xadrez, de uma batalha.


17.11.03
 


MÁQUINA / HOMEM

A propósito do comentário que fiz na SIC sobre o duelo de xadrez entre Kasparov e um computador, correndo o programa X3D Fritz, recebi várias cartas e mensagens que, em breve, publicarei. Antes de tudo, no último jogo, Kasparov ganhou - ponto para os humanos.
 


OBJECTOS EM EXTINÇÃO: UM MUNDO DE AVENTURAS

não o da velha revista, mas o dos romances de aventuras, comemorado na Biblioteca Nacional a propósito do aniversário de Alexandre Dumas. O catálogo foi editado com um título que diz tudo: Antes das Playstations: 200 anos do romance de aventuras em Portugal, e é uma excelente bibliografia. Ao folhear os títulos da prodigiosa fábrica de Dumas (que tinha uns nègres a trabalhar para ele), e as capas das suas edições portuguesas, e depois as de Verne e Emilio Salgari, percebe-se que remoto está este mundo. Hoje não se passa além da true adventure, como do true crime, mas isso não é "romance". Não há heróis épicos (percebe-se porquê com a história do "army private" Jessica Lynch), e não há "espírito de aventura" fora do cinema, e mesmo aí está a morrer aos poucos.
 


ALPES

O avião fez uma longa paralela a toda a extensão dos Alpes. Voava mais baixo do que o costume, com muita turbulência. Um tecto de nuvens prolongava-se por entre as montanhas e todos , todos, os picos, muralhas de rocha, paredes de pedra, monólitos gigantes, estavam cobertos de neve, num contínuo de cor branca. Era branco sobre branco, brilhando ao sol. Nunca vi os Alpes assim, poderosos, calmos e únicos.

16.11.03
 


CADA VEZ MAIS DIFÍCIL, CADA VEZ MAIS NECESSÁRIO

Nota-se, cada dia que passa, um maior esmorecimento na defesa da intervenção no Iraque. É natural, tudo o que podia correr mal, parece correr mal. Não se vêem os resultados esperados, o descrédito que caiu sobre as administrações americana e inglesa por causa das armas de destruição massiva (e por contágio, sobre todos os que, como eu, lhe atribuíram um papel fundamental na legitimação da intervenção) limita a sua acção, é cada vez maior o cansaço e hostilidade da opinião pública, a sensação crescente de um beco sem saída, a hesitação que se nota com a combinação entre o número de mortos e as manobras eleitorais americanas, tudo parece apontar para um falhanço de consequências devastadoras para este início do século.

A única coisa que posso (e podemos) fazer é continuar a discutir e a defender as razões porque é preciso perseverar e não dar sinais de hesitação, ou melhor, não hesitar. Há caminhos políticos, militares e diplomáticos que, com firmeza, podem inverter a situação e corrigir os erros. E chamar a atenção para que, nada havendo de comum no terreno entre o Iraque e o Vietname, as consequências de um fracasso no Iraque serão muito mais pesadas do que as do Vietname. (Lembrando algumas dessas consequências: os boat people, as guerras de Angola e Afeganistão, etc., etc.).

Esta nota é breve e inicial; depois continuarei.
 


EARLY MORNING BLOGS 81

Hoje não há (não houve ) nada para ninguém . Depois de uma noite com vento ciclónico, alguma árvore caiu em cima de uma linha e a luz sumiu-se. Agora vem e desaparece, vem e desaparece. Até breve e bom dia, ao vento que me bate de frente.

15.11.03
 


O QUE PARECE NÃO É, É

 


NOVAS FOTOS DE JUVENTUDE DE ÁLVARO CUNHAL

inéditas (?), nos Estudos sobre o Comunismo.
 


LIVROS PARA COLECCIONADORES








Ao fim de semana faz-se a volta das colecções. Junta-se a recolha da semana: livros, selos, postais, efémera, nadas e pequenos nadas. Os coleccionadores sabem o prazer que isso dá. Para quem pensa assim, é indispensável o último livro de Krzysztof Pomian, Des Saintes Reliques à l’Art Moderne. Venise-Chicago XIIe. – XXe, Siécle, Paris, Gallimard, 2003.
 


EARLY MORNING BLOGS 80

Como hoje fazemos oitenta, vetusta idade para a atmosfera e decrepitude absoluta para a blogosfera, um presente aos leitores sobre a forma de uma lição de história quando havia heróis, ou seja, há muitos séculos. História antiga, língua antiga, gente antiga. É a história de Alexandre “meilleur roi que Dieus laissast morir” e completa está aqui.

Para que serve “l'istoire rafreschir”? No início do romance explicam-se as razões:

Qui vers de riche istoire veut entendre et oïr,
Pour prendre bon example de prouece acueillir,
De connoistre reison d'amer et de haïr,
De ses amis garder et chierement tenir,
Des anemis grever, c'on n'en puisse eslargir,
Des ledures vengier et des biens fes merir,
De haster quant leus est et a terme soffrir,
Oëz dont le premier bonnement a loisir.
Ne l'orra guieres hom qui ne doie pleisir;
Ce est du meilleur roi que Dieus laissast morir.”


Com Alexandre, bom dia!

14.11.03
 


FOTOS DE ÁLVARO CUNHAL

inéditas, ou raramente publicadas, nos Estudos sobre Comunismo.
 


CONDIÇÕES EM QUE OS JORNALISTAS FORAM PARA O IRAQUE

Carlos Fino, na RTP2, fez uma muito boa análise das condições amadorísticas em que os jornalistas portugueses vão para situações de risco, e a irresponsabilidade das empresas que os enviam, sem cuidar de garantir a sua segurança. Subscrevo inteiramente o que ele disse.
 


UMA HISTÓRIA DE ANDERSEN

 


IMAGENS

de ontem: o velho leão de Rembrandt, poderoso e triste na sua tinta castanha; e "L'Ombrelle Rouge ou la Cour du Louvre" de Kerr-Xavier Roussell, que está numa colecção privada e é de 1894-5. La belle et la bête.
 


FILOSOFIA NOS JORNAIS

"Saíram no Público de ontem três textos sobre Derrida, a propósito do doutoramente Honoris Causa que lhe vai ser atribuído pela Univeridade de Coimbra. Um desses textos, de Raquel Ribeiro, é o seguinte:

O Desconstrucionismo de Derrida

"A noção de desconstrução foi apresentada pela primeira vez por Jacques
Derrida na introdução à sua tradução de 1962 da «Origem da Geometria»,
de Husserl. O processo de desconstrução, explica José Bragança de
Miranda, docente da Universidade Nova de Lisboa, é «uma metodologia
que trabalha para a 'abertura do sentido' do texto filosófico, através
de procedimentos como a inversão, deslocação ou análise». «O
desconstrucionismo não está fora do tempo da criação, não é 'a
posteriori', tem de estar presente na arquitectura do trabalho da
construção», diz Derrida no documentário. A desconstrução privilegia
leituras dentro do texto, incluindo referências históricas, culturais
e sociais. Para Derrida, «não há nada para além do texto». Porque é
que Derrida é importante? «Porque tem um pensamento interveniente que
propõe uma releitura da filosofia contemporânea, como Heidegger, Marx
ou Husserl», diz Bragança de Miranda. «A receptividade americana à
metodologia da desconstrução acabou por dar uma maior projecção a esta
filosofia.» Muitos teóricos enquadram o pensamento de Derrida no
pós-estruturalismo (americano) ou no pós-modernismo (europeu). Mas
Bragança de Miranda vai mais longe: «Colocá-lo-ia no limite da
filosofia, numa certa órbita do fechamento filosófico, na fronteira
dessas correntes. E não para além delas.»

Ao ler exte texto, não consigo deixar de pensar que nenhum editor do Público permitiria a publicação no caderno principal do jornal de um texto sobre qualquer outra área do conhecimento (Física, crítica musical, Economia, urbanismo, etc) que fosse tão incompreensível para o grande público como este. Já há bastante tempo que me apercebo deste carácter particular da Filosofia em Portugal: julgo ser a única área do conhecimento relativamente à qual se publicam, em publicações generalistas, textos que exigem uma grande preparação teórica específica."


(José Carlos Santos)

13.11.03
 


CHUVA



 


IMAGENS

de ontem : uma paisagem de Carl Rottmann, de 1836, e um vídeo de Pipilotti Rist, um “Pipilotti mistake”, de 1988.
 


GETTYSBURG

Na série de Ken Burns sobre a guerra da Secessão tudo converge para o momento decisivo da batalha de Gettysburg. A batalha ocupa um lugar central, os vários dias de morte à solta, a carnificina de regimentos inteiros, a ceifeira democrática a atingir soldados e oficiais, as tradições marciais comuns dos dois lados traduzidas na imensa coragem de todos. É uma guerra em que o “comando” é ainda decisivo e a personalidade dos homens que combatem traduz-se nas suas acções. Mesmo aqui, todo o filme se sustenta na dualidade entre as fotografias e a palavra, não há grandes grafismos sobre os movimentos de tropas e as tácticas. É o combate, ou seja, a morte e a coragem, que contam.

E depois, meses depois, vem Lincoln inaugurar o cemitério e falar os seus escassos minutos, depois de duas horas do discurso de um dos grandes oradores da época, Edward Everett. Recebe uns aplausos dispersos e a hostilidade da imprensa. Até o fotógrafo não consegue focar o presidente, que aparece apenas perdido numa pequena multidão oficial a descer do palanque. Mas as menos de 300 palavras ainda hoje se ouvem:

Four score and seven years ago, our fathers brought forth upon this continent a new nation: conceived in liberty, and dedicated to the proposition that all men are created equal.
Now we are engaged in a great civil war. . .testing whether that nation, or any nation so conceived and so dedicated. . . can long endure. We are met on a great battlefield of that war.
We have come to dedicate a portion of that field as a final resting place for those who here gave their lives that this nation might live. It is altogether fitting and proper that we should do this.
But, in a larger sense, we cannot dedicate. . .we cannot consecrate. . . we cannot hallow this ground. The brave men, living and dead, who struggled here have consecrated it, far above our poor power to add or detract. The world will little note, nor long remember, what we say here, but it can never forget what they did here.
It is for us the living, rather, to be dedicated here to the unfinished work which they who fought here have thus far so nobly advanced. It is rather for us to be here dedicated to the great task remaining before us. . .that from these honored dead we take increased devotion to that cause for which they gave the last full measure of devotion. . . that we here highly resolve that these dead shall not have died in vain. . . that this nation, under God, shall have a new birth of freedom. . . and that government of the people. . .by the people. . .for the people. . . shall not perish from this earth.



 


 


EARLY MORNING BLOGS 79

(Tardiamente colocados devido à manutenção do Blogger.)

De novo, à volta do Iraque, começam os sinais de intolerância, crescem as palavras, sobe o tom de voz. Não vão ser tempos fáceis, com tantas razões em cima da mesa e com tudo em aberto, o que quer dizer tudo dependendo da luta política pela opinião. Este é um daqueles momentos malditos da história em que os lados se impõem, em que o centro é destruído. Não há centro na questão do Iraque, não há equidistância. Há atitudes de distanciação, há centramentos fora do vórtice do conflito, há posições humanitárias, há actos de dedicação às vítimas, mas não resultam como factores de distanciação.

Estamos condenados ao compromisso, mesmo quando o recusamos. Não será como na guerra de Espanha ou do Vietnam, em que parecia haver dois lados, e combater um era enfileirar noutro. Aqui é mais complicado, ninguém cabe verdadeiramente em nenhum dos lados, mas é empurrado para um deles. Quando se fala, a favor ou contra, acrescenta-se legitimidade e força a um dos lados.

Tudo o que eu digo, queira ou não patrocinar as asneiras dos “meus”, prende-me nelas. O que outros dizem, queiram ou não, prende-os aos “seus”. Não adianta esconjurar este efeito. É por isso que cresce a intolerância, porque é um combate, é um combate cruel com mortos e feridos e destruição de tudo, material e espiritual, e esse combate mobiliza reservas morais que são intolerantes na sua essência.

Eu tenho um lado, mas ninguém me ouvirá dizer que este é o lado de Deus, como na canção de Bob Dylan. Mas ouvir-me-ão dizer que este é um lado dos homens, do modo de vida que escolhi (escolhemos), de uma precária mas identificada civilização (a palavra é adequada) que já mostrou o que vale e que não vive do terror, nem da violência, mas da procura da conciliação de interesses e modos de vida. Nenhuma outra civilização me dá as liberdades e a possibilidade de felicidade que esta me dá, a mim e, potencialmente, a todos os homens. Não estou certo de tudo, mas das duas frases anteriores estou inteiramente convicto.

12.11.03
 


GNR NO IRAQUE

Sobre uma questão colocada na Bloguitica.

Várias vezes exprimi a opinião que deveriam ser as nossas forças armadas a estarem presentes e não a GNR. A razão porque tal aconteceu teve a ver com a necessária conciliação entre o Governo e o Presidente da República. Este opunha-se à presença de tropas sem enquadramento das Nações Unidas. A resolução 1511 acaba com essa limitação, mas parece ter permanecido o entendimento de que não se justificava uma alteração de planos. Uma mudança de decisão implicava um novo período de preparação e uma redefinição da missão, o que demoraria muito tempo.

Sendo as coisas o que são, a solução actual, não sendo ideal, também não é má. A missão da GNR é adaptada às suas características de força de segurança, e o tipo de problemas que vai defrontar são compatíveis com a preparação que teve. O atentado de Nassíria não altera essa situação. No Iraque, pelo menos em certas zonas, missões de segurança são mais importantes do que missões militares.
 


BOA SORTE 3

É exactamente porque aconteceu o que aconteceu no Iraque que é fundamental que Portugal envie as suas tropas. O atentado de Nassíria torna ainda mais importante reforçar os contingentes militares no país e internacionalizá-los, mobilizar todos os esforços da comunidade internacional para ganhar o combate da estabilização do Iraque. Ao fim de meses sem conta a ouvir falar da comunidade internacional e das Nações Unidas, como argumentos últimos de autoridade, convém não esquecer que hoje este esforço militar é também caucionado por essa comunidade e por essas mesmas Nações Unidas.

O combate do Iraque não é contra qualquer “resistência” nacional, é contra os restos do regime do Baas e de Saddam, e contra grupos terroristas internacionais, gente que, se alguma vez voltasse ao poder, provocaria um banho de sangue entre os iraquianos. Os primeiros a saber disso são os próprios iraquianos.
 


QUOTIDIANO

 


JORNALISTAS E PODER POLÍTICO

“Li hoje o seu texto sobre “Jornalistas e poder político” e, sendo do ‘meio, (…) a minha discordância relativamente à sua aceitação de jornalistas que desempenhem funções políticas e/ou partidárias.
O tema é de análise difícil, pois remete para conceitos de liberdade individual e direitos cívicos. Na minha opinião, o exercício da actividade de jornalista pressupõe a aceitação de algumas limitações aos referidos direitos, especialmente em Portugal onde a comunicação social é, por “definição”, apartidária, apolítica e equidistante. Mesmo sabendo-se que, de facto, assim não é.
Para outros países, com outras tradições, aceito a sua opinião como correcta, mas na nossa realidade parece-me excessivamente permissiva. Os nossos jornais, rádios e televisões pretendem ser “generalistas”, no sentido de não estarem engajados a qualquer corrente de opinião, de política ou de interesses económicos, culturais ou desportivos, por exemplo. O leitor do “Expresso” tanto será de esquerda como de direita, o ouvinte da TSF idem, o espectador da TVI outro tanto. Sei que não é assim “cá fora”, mas é este o conceito.
Sei também que muitos jornalistas, muitos directores e editores não se coíbem de dar um cunho “ideológico” aos meios onde trabalham. Isso é uma coisa e, se o leio, vejo e ouço bem, o dr. Pacheco Pereira tem-se oposto à situação.
Escrevo ali atrás que os jornalistas deviam aceitar algumas limitações cívicas, tal como os funcionários do Estado, por exemplo, devem cumprir as suas obrigações independentemente da cor do governo de serviço. A situação dos jornalistas é, porém, ainda diferente: porque escrevem sobre factos – são (ou deviam ser) os olhos e os ouvidos de quem lá não está – estão obrigados a regras que, quanto a mim, são incompatíveis com qualquer militância, partidária ou de outra ordem.
Quando sou destacado para acompanhar um qualquer evento, quando escrevo sobre uma reunião da Assembleia Municipal, os meus leitores não querem saber o que penso sobre os assuntos; querem saber o que se passou, quem disse o quê, porquê e para quê.
Eu, jornalista, sou um cidadão igual aos outros: a minha opinião é importante para mim e para os meus familiares e amigos. Não o é para a generalidade dos meus concidadãos. Para estes, o importante é disporem dos factos para formar a própria opinião.
Dir-se-á que o que está errado é termos órgãos de comunicação social “equidistantes”. Concordo. E, então, os esforços talvez devam ser direccionados para a clareza: cada jornal, cada rádio, cada televisão deve poder assumir uma orientação “ideológica”. Aí chegados, seria então natural que os seus jornalistas fossem livres de desempenhar algumas funções político-partidárias. Na nossa situação, não.
Dir-se-á que, mesmo em Portugal a “declaração de interesses” dos jornalistas clarificaria o panorama da comunicação social. Talvez. Mas receio que todos se viessem declarar apartidários, apolíticos e sem amigos ou conhecidos na política (ou em qualquer outro sector). Toda a sua análise crítica, suspeito, continuaria a fazer sentido, mas com mais uma mentira.
Conhecerá o ‘meio’ melhor que eu, jornalista “de província”. Mas veja o caso do presidente do Sindicato, candidato da CDU, e de muitos subscritores de abaixo-assinados que por aí pululam, de cada vez mais jornalistas que mantêm colunas de opinião enquanto escrevem notícias...
Lembro-me, há alguns anos, de uma tentativa de criar uma Ordem dos Jornalistas e recordo-me do slogan dos do contra (organizados em torno do sindicato”: “Não nos metam na ordem!”.


Francisco M. Figueiredo (jornalista em Leiria)
 


OS SENTIMENTOS QUE NASCEM DE ESTAR OLHANDO PARA A MADRUGADA

 


IMAGENS

dos últimos dias incluem um cartaz de anúncio a uma revista Radar, que prometia “le tour du monde en 150 images”; um Norman Rockwell de 1948, que está no Museu de Brooklyn, e era inconfundível no seu traço (o que não se via na imagem, debaixo dos espectadores ululantes, era uma equipa destroçada pela derrota); e um vaso de tulipas brancas, pintado em 1962, por Anne Redpath e que está na Scottish National Gallery em Edimburgo.
 


EARLY MORNING BLOGS 78

Faltava este “acordar”, cheio de imagens belíssimas como a da madrugada “leve senhora dos cumes dos montes”, na nossa lista matinal. Aqui vai ele com esplendor:

Acordar

"Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras,
Acordar da Rua do Ouro,
Acordar do Rocio, às portas dos cafés,
Acordar
E no meio de tudo a gare, que nunca dorme,
Como um coração que tem que pulsar através da vigília e do sono.

Toda a manhã que raia, raia sempre no mesmo lugar,
Não há manhãs sobre cidades, ou manhãs sobre o campo.
À hora em que o dia raia, em que a luz estremece a erguer-se
Todos os lugares são o mesmo lugar, todas as terras são a mesma,
E é eterna e de todos os lugares a frescura que sobe por tudo.

Uma espiritualidade feita com a nossa própria carne,
Um alívio de viver de que o nosso corpo partilha,
Um entusiasmo por o dia que vai vir, uma alegria por o que pode acontecer de bom,
São os sentimentos que nascem de estar olhando para a madrugada,
Seja ela a leve senhora dos cumes dos montes,
Seja ela a invasora lenta das ruas das cidades que vão leste-oeste,
Seja

A mulher que chora baixinho
Entre o ruído da multidão em vivas...
O vendedor de ruas, que tem um pregão esquisito,
Cheio de individualidade para quem repara...
O arcanjo isolado, escultura numa catedral,
Siringe fugindo aos braços estendidos de Pã,
Tudo isto tende para o mesmo centro,
Busca encontrar-se e fundir-se
Na minha alma. "


(…)

Álvaro de Campos


Bom dia, "invasora lenta"!

11.11.03
 


BOA SORTE 2

 


BOA SORTE

aos homens e mulheres corajosos que vão partir para o Iraque. Que tenham sucesso na sua missão perigosa e que voltem todos.
 


EARLY MORNING BLOGS 77

Hoje é feriado belga e todos os noticiários desta parte da Europa abrem com as comemorações do Armistício que terminou com a guerra de 1914-18. Compreende-se porquê: com o seu cortejo de milhões de mortos, a guerra cavou fundo na memória em França, na Alemanha, na Bélgica. Os campos de mortos estão sempre à distância de poucos quilómetros.

Nos noticiários portugueses, nada, embora Portugal tenha participado na guerra e também tenha cá mortos. Se o esquecimento fosse só com a guerra de 1914-18, vá que não vá. Agora, o que mais me intriga é a nossa capacidade de amnésia colectiva em relação a quase tudo. Dos últimos duzentos anos nada sobra, a não ser um 5 de Outubro, penosamente recordado à força, e um 25 de Abril que, como tem vivas as suas gerações, ainda é lembrado.

Bom dia , memória!

10.11.03
 


ANIVERSÁRIO DE CUNHAL

Penso escrever alguma coisa sobre o que se escreve e diz a propósito do aniversário de Cunhal, ou no Abrupto ou noutro sítio. Os lugares comuns e os comentários ultra-repetitivos abundam. Agora o que não posso é suportar a série de erros factuais que se repetem por preguiça ou negligência (já não pode ser por ignorância porque pelo menos têm as mil e quinhentas páginas que escrevi para tirar dúvidas), por todo o lado. Agora foi o noticiário da RTP a dizer que Cunhal esteve preso catorze anos, quando a prisão foi de 1949 a 1960, quase onze anos… Tudo feito em cima do joelho.
 


EARLY MORNING BLOGS 76

Num dia em que vi o Sol nascer, limpo por cima das nuvens, este poema matinal de Donne (cortesia de João Costa), que não o queria ver nascer.


DAYBREAK

TAY, O sweet, and do not rise!
The light that shines comes from thine eyes;
The day breaks not: it is my heart,
Because that you and I must part.
Stay! or else my joys will die
And perish in their infancy.

9.11.03
 


DE ARRASAR

 


EARLY MORNING BLOGS 75 / ONLINE NEWSPAPERS

Sem jornais não há uma boa manhã, ou melhor, pode haver uma boa manhã mas não há uma manhã completa. Costumo dizer que “I love the smell of napalm in the morning”. Na manhã. Não na “early morning”.

Sucede que os jornais não chegam ao interior do país e a essa parte do interior do país que é Bruxelas, pelo que me fico com os jornais em linha, o que é uma verdadeira revolução que a minha geração agradece aos programadores militares da Arpanet e as gerações seguintes vão considerar um direito adquirido. Mas, como gosto muito de jornais, uma semana depois leio-os todos em papel, descobrindo as mil e uma coisas que nos escapam em linha. Por mim, nunca haveria crise nas compras da imprensa por causa da Internet.

Hoje, o Público (em linha) está magnífico: tem o dossier sobre as assessorias políticas dos jornalistas que já falei, e dois bons artigos, um de Dâmaso e outro de Luciano Alvarez – este último mais que bom, certeiríssimo. Tem também um dossier sobre Cunhal, mas está na mulher do Público, a Pública, que me é inacessível em linha apesar de pública.

No Jornal de Notícias (em linha) volta mais uma vez o “arrasar” uma expressão favorita dos jornalistas portugueses – agora é Ferro a “arrasar” Carrilho e Soares . Quando verbos como este desaparecerem do jornalismo português, este fica melhor.

Que o dia vos arrase de bom. Bom dia!
 


JORNALISTAS E PODER POLÍTICO

Naquilo que é certamente um eco – longínquo que seja, mas ignorado – de um pedido que aqui fiz para que se conhecessem os casos de jornalistas que circulam entre as redacções e a assessoria política, o Público de hoje tem o mérito de fazer um primeiro dossier sobre o assunto. A lista publicada é uma contribuição para a transparência, mas, pela sua exiguidade, está longe de dar uma ideia da dimensão da circulação entre jornalistas e gabinetes políticos. Pode inclusive induzir em erro os leitores dando-lhes a entender que são apenas aqueles os casos existentes.

As entrevistas a “académicos” de jornalismo, uma das quais ela própria antiga assessora de Mário Soares, dão do problema uma visão benévola e complacente. Esta benevolência e complacência nunca existiria com os políticos e ainda bem. Há nas respostas a confusão entre duas situações: uma é a actividade política legítima de qualquer jornalista, incluindo o exercício de funções como autarca, deputado, dirigente partidário, etc. Não há em si nenhuma objecção a esta liberdade e capacidade cívica. Outra coisa é a utilização dos conhecimentos profissionais, e não necessariamente os mais “limpos”, como todos sabem e preferem ignorar, para exercer funções na zona mais cinzenta e menos escrutinada da comunicação social: a produção de notícias, o agenda setting, os truques interiores ao discurso comunicacional e sua eficácia. Há um aspecto claramente minimizado nos comentários –o da alta confiança política que tal função presume. A assessoria política de um jornalista coloca-o no âmago dos mecanismos do poder como ele hoje é exercido: no centro das fugas de informação, da gestão de “fontes anónimas”, da manipulação das notícias. Os “académicos” ignoraram este aspecto, mas é muito positivo que a discussão tenha começado.

8.11.03
 


IMAGENS

de ontem incluem uma batalha de Anton Romako de 1880 e que está em Viena e um Man Ray , “the black tray”, de 1914, da Phillips Collection em Washington.
 


TOUJOURS LÁ

 


EARLY MORNING BLOGS 74

Voltamos às manhãs, com este sol e frio brilhantes. Mas, antes a noite, e para o Aviz que pergunta “a noite o que é?” esta resposta de Lope de Vega

A la noche

"Noche fabricadora de embelecos,
loca, imaginativa, quimerista,
que muestras al que en ti su bien conquista,
los montes llanos y los mares secos;

habitadora de cerebros huecos,
mecánica, filósofa, alquimista,
encubridora vil, lince sin vista,
espantadiza de tus mismos ecos;

la sombra, el miedo, el mal se te atribuya,
solícita, poeta, enferma, fría,
manos del bravo y pies del fugitivo.

Que vele o duerma, media vida es tuya;
si velo, te lo pago con el día,
y si duermo, no siento lo que vivo".



E agora a manhã com anjos de Emily Dickinson

Angels in the early morning
May be seen the dews among,
Stooping, plucking, smiling, flying:
Do the buds to them belong?
Angels when the sun is hottest
May be seen the sands among,
Stooping, plucking, sighing, flying;
Parched the flowers they bear along.


Bom dia!
 


QUE ALEGRIA É A DA RUA DA ALEGRIA

"Apercebi-me uma ligação interessante entre dois tópicos muito distintos recentemente abordados no Abrupto. Por um lado, referiu-se ao quase total desconhecimento que há no nosso país relativamente às guerras liberais e, por outro lado, falou da professora que o ensinou a ler na Rua das Doze Casas. Há uma palavra cuja ausência me intrigou neste último texto; trata-se da palavra «mestra» que era, julgo eu, a designação que era usada para aquele tipo de professoras.

O que liga os dois textos é a menção que faz, a propósito da Rua das Doze Casas, à Rua da Alegria. A respeito do nome desta artéria, escreve Eugénio Andrea da Cunha e Freitas no seu livro Toponímia Portuense:

"Recebeu esta designação, cremos que comemorando «com alegria» a
vitória das armas constitucionais.
Numa época de euforia, consequente dessa vitória, o Senado Municipal
distribuiu prodigamente nomes novos pelas artérias citadinas,
lembrando os seus heróis, as datas dos principais sucessos militares
e políticos, que então se julgavam padrões eternos, e hoje quase
ninguém sabe o que significam; outros ainda que, à falta de melhor
termo que não nos ocorre, chamaremos «alegóricos»: Triunfo,
Restauração, Regeneração, Firmeza, Alegria..."

É claro, para além dos nomes «alegóricos», também temos, por exemplo, o Bairro do Cerco, a travessa do Paiol, a Rua Marquês Sá da Bandeira (esta em Vila Nova de Gaia), e assim por diante."


(José Carlos Santos)

7.11.03
 


PBS (PODEMOS BEM SONHAR) COM UM PBS (PUBLIC BROADCASTING SERVICE)


Penso que podemos bem sonhar com uma PBS. No entanto, penso que é um sonho dificil de se tornar realidade por estas razões:

1) Somos pequenos e poucos (lá, em 2002, 144 milhões assitiram a um canal da PBS pelo menos 7 horas por mês);

2) Só teriamos um dois (?) canais para a nossa PBS(lá são 350);

3) Não temos o número de Fundações, universidades, empresas (nem incentivos para as mesmas) para contribuirem para tal viabilidade;

4) Os fundos da PBS só originam parcialmente dos membros (23%) e o restante é de sponsors, universidades, fundações, governo federal, etc.

Last but not least, a PBS não é um mar de rosas. Enquanto o cabo (comercial) tem crescido a PBS tem apenas mantido o seu número de telespectadores. A PBS tem sofrido com o medo do terrorismo pelos norte-americanos (lets watch CNN round the clock), com a falta de simpatia de Washington com o "dizer a verdade" da PBS (e com aversão pela Cultura tão inerente aos Republicanos - metam uns boxers no David), com o desaparecimento de sponsors em parte graças à recessão económica, com alguns compromissos feitos na programação, etc.

A UE não poderia ter uma PBS mas em que não fosse tudo produzido na Alemanha e França? ;-) MAs será que na Europa é possívelter uma televisão "politicamente incorrecta" (leia-se verdadeiramente democrática) que sirva para o debate, e a abertura a diversas opiniões, de maiorias e minorias, e sem uma única verdade religiosa?

Tanto mais que havia por falar. Está tudo no sítio do costume. Na WWW. :-)”


(Nuno Figueiredo)

 


IMAGENS

de ontem: uma pintura abstracta de Silja Rantanan e uma, bem pouco abstracta mas metafísica, de uma “corbeille de verres” de Sebastien Stoskopff. Os vidros partidos estão em Estrasburgo.

 


RECORDAÇÃO

 


EARLY MORNING BLOGS 73

António Machado, de novo, em este “Recuerdo infantil” que me fez o milagre da memória, porque era exactamente assim. Exactamente assim.

Recuerdo infantil

"Una tarde parda y fría
de invierno. Los colegiales
estudian. Monotonía
de lluvia tras los cristales.

Es la clase. En un cartel
se representa a Caín
fugitivo, y muerto Abel
junto a una mancha carmín.

Con timbre sonoro y hueco
truena el maestro, un anciano
mal vestido, enjuto y seco,
que lleva un libro en la mano.

Y todo un coro infantil
va cantando la lección:
"mil veces ciento, cien mil,
mil veces mil, un millón".

Una tarde parda y fría
de invierno. Los colegiales
estudian. Monotonía
de la lluvia en los cristales."



Aprendi a ler antes de ir para a escola primária, com uma professora reformada que tinha uma “escola” privada em sua casa, na Rua das Doze Casas, no Porto. A “escola” era numa sala da sua casa e funcionava como uma espécie de jardim infantil. Como na altura a pedagogia era uma preciosidade bizarra, a professora fazia o que sabia fazer e o que durante incontáveis anos já tinha feito numa escola primária – ensinar a ler, escrever e contar. Os meninos tinham quatro anos? Ela queria lá saber, era ler, escrever e contar como se estivessem na primeira classe. A escola era para aprender não era para ninguém se divertir:

"Monotonía
de la lluvia en los cristales."


Acho que me recordo de tudo com grande nitidez: a Rua das Doze Casas, que começava na Rua da Alegria, depois da Cooperativa dos Pedreiros, com uma fábrica de refinação de açúcar, onde depois se fez o Hotel Castor. Eu espreitava pelas janelas para uma espécie de cave onde, nos caldeirões, uma massa pegajosa era mexida. O cheiro a açúcar castanho nunca mais o esqueci. Depois, a pequena rua, quase um beco, escondendo-se por detrás das fachadas burguesas de azulejo verde escuro das casas do Porto, típicas da Rua da Alegria e da Rua D. João IV – uma cave com janelas térreas, um rés do chão ligeiramente elevado e um andar por cima. Atrás, um longo quintal com árvores de frutos, couves e capoeira.

A casa da professora era uma versão um pouco mais pobre dessas casas, só com um andar, mas tinha a mesma configuração para a rua, a mesma porta vermelha com grades, batente e puxador de ferro forjado, a mesma entrada com uma escada de quatro ou cinco degraus e depois, virando-se para a esquerda, a sala de jantar transformada na “sala de aulas”: meia dúzia de carteiras, daquelas que tinham sítio para o tinteiro, e um quadro negro de lousa com giz. Aí aprendi a ler, o melhor que jamais aprendi. Por isso, no meu invisível mapa do Porto, há uma luz brilhante sobre a Rua das Doze Casas.

Bom dia!
 


GUERRAS VÁRIAS – COMENTÁRIOS E CONTRIBUIÇÕES DOS LEITORES DO ABRUPTO

Guerra peninsular e Wellington -

Quem conhece os "dispatch of general lord Wellington" penso que numa edição de 1852 (Havia uma coleção no British Council, neles um dos volumes é o da guerra peninsular..devia ser leitura obrigatória dos portugueses porque lá são mencionadas algumas das nossas "características"..já nesse tempo Quanto ao "Boney" é melhor não falarmos..segundo a tradição sou proprietario de umas oliveiras que serviram cerca de 1811 como forcas para uns portugueses!!!

(A. R.)

Guerra civil portuguesa

A sua sugestão da programação patrocinada por utilizadores é muito boa. Permitiria debelar um dos grandes escolhos dos que fazem trabalho voluntário, que é o acesso a material e conhecimento especializado, e que não é justo esperar que seja cedido em troco de nada. No entanto os custos só seriam suportáveis se houvesse bastante gente disposta a financiar os projectos. Uma Associação poderia desempenhar esse papel, mas o espírito associativo é escasso em Portugal. Enfim, pode ser que haja alguém interessado em desenvolver a ideia."

(Mário Filipe Pires do Retorta)

João Ricardo dos Meninos de Ouro lembra que " Ricardo Veiga escreveu um pequeno ensaio sobre a guerra, a 19 de Setembro de 2003, intitulado "A Derrocada Do Antigo Regime".



Guerra da Secessão -

"A propósito do post "Guerra Civil Americana" recomendo a leitura do Lincoln de Gore Vidal, bem como os outros volumes da série histórica, nomeadamente Burr e 1876".

(Joana Gomes Cardoso)

De arqueologia , um muito interessante episódio da guerra civil americana que tocou os Açores:


"Curioso mesmo é saber que a nossa ilha Terceira está umbilicalmente ligada à Guerra da Secessão. Para além do armamento na baía do Fanal do Erica, mais tarde o infame e conhecidíssimo CSS Alabama, temos o caso Run'Her. Durante os últimos anos da guerra civil, os navios do Sul que furavam o bloqueio dos portos imposto pelo Norte eram, geralmente, propriedade do governo Confederado. Essa propriedade era, no entanto, camuflada de modo a se evitar que os navios fossem classificados como "vasos sob um pavilhão nacional" o que poderia levar a que se vissem submetidos às regras estritas de neutralidade exigidas para navios de guerra e de transporte.

Sofrendo de uma falta crónica de crédito estrangeiro, o governo Confederado viu-se obrigado a estabelecer contratos de aquisição de navios junto de seis grandes construtores navais britânicos, fornecendo estes últimos navios equipados com maquinaria de alta tecnologia por troca com carregamentos de algodão - só quando o número de fretes executados fosse suficiente para amortizar a dívida de construção receberia o governo Confederado o controlo completo do navio em causa.

No âmbito do programa Confederado de construção de navios especificamente destinados a furar o bloqueio, foi lançado à água, a 3 de Março de 1863, o The Southerner. Com com cerca de 90 metros de comprimento e 300 cavalos de potência, apresentava pela primeira vez na história da construção naval mercante uma caldeira com superaquecimento de vapor e um casco reforçado com blindagem. Este navio, com 18 nós de velocidade de ponta, viria a dar o mote para aquilo que seria a construção naval em 1864. Nesse ano, saía dos estaleiros de Spence Pile, West Hartlepool, o vapor de pás Whisper, com 80 metros de comprimento e uma velocidade de 14 nós. Partindo de Falmouth a 16 de Novembro de 1864, o Whisper fazia parte de uma frota de quatro furadores de bloqueio que carregavam quase exclusivamente equipamento destinado à construção de minas navais de detonação eléctrica (uma nova arma de destruição e uma das muitas a surgir deste conflito). Destes quatro navios, o Whisper foi o único que conseguiu furar o bloqueio, após ter escalado Angra a 26 de Novembro de 1864. Dos outros, dois foram apresados e o último, o Run’Her, naufragou na Baía de Angra do Heroísmo.

Pelas informações recolhidas no Arquivo Distrital de Angra do Heroísmo, sabe- se que coube ao cidadão americano Hunter Davidson, a tarefa de coadjuvar o capitão do Run’Her, Edwin Courtenay, na manobra do navio. Hunter Davidson, nascido no estado da Virgínia em 1827, foi nomeado para o cargo de guarda-marinha a 29 de Dezembro de 1841, após ter concluído os seus estudos na United States Naval Academy de Annapolis, Maryland, naquele que foi o segundo curso a ser ministrado nesta instituição. A sua carreira naval prosseguiu com a sua nomeação a tenente, no ano de 1855 e terminou cinco anos mais tarde quando Hunter apresentou a sua resignação, pouco antes de se juntar à população rebelde do seu estado natal.

É durante o decorrer do primeiro ano do conflito armado que Davidson é nomeado para o posto de 1º tenente da Marinha Confederada, em Junho de 1861. Durante a guerra veio a ocupar vários cargos, quer embarcado, quer em terra, distinguindo-se pelo papel que desempenhou aquando da primeira escaramuça havida entre dois navios couraçados, o CSS Virgínia e o USS Monitor. Após o fim da sua comissão de serviço a bordo do CSS Virgínia, Davidson dedicou-se de corpo e alma à idealização de minas submarinas, tendo sido assistente de Matthew Fontaine Maury, brilhante cientista naval. Quando este último foi destacado para serviço de investigação na Europa, Davidson tomou a peito as tarefas de melhoramento, construção e posicionamento de minas navais no interior do leito do rio James, no âmbito do plano de defesa da capital sulista, Richmond, tendo os seus esforços sido amplamente recompensados com o afundamento de vários navios nortistas. Davidson foi também o responsável pela formação do Naval Submarine Battery Service, serviço este que respondeu pelo afundamento de algumas dezenas de embarcações da União. Em 1864 Davidson foi promovido a comandante - após um semi-submarino por si comandado ter, num ataque particularmente bem sucedido, danificado seriamente a fragata a vapor USS Minnesota, naquela que foi uma das primeiras operações bélicas de um submarino em teatro de guerra. m meados de 1864, Davidson tinha concebido um sistema eléctrico altamente sofisticado de detonação de minas navais o que o tornou no maior perito, a nível mundial, em armas deste género. Devido à dificuldade em obter nos estados Confederados as matérias primas e os equipamentos necessários para esta nova arma, Davidson foi destacado para a Inglaterra onde veio a trabalhar com os maiores especialistas ingleses nas áreas da telegrafia subaquática e dos explosivos.

Entre os vários materiais usados - e embarcados no Run’Her - contavam-se vários tipos de acumuladores e baterias eléctricas, cabo eléctrico submarino isolado, equipamentos de ebonite destinados a tornar as minas estanques, interruptores de telégrafo, sistemas de teste, detonadores e estruturas de minas por construir. Estas minas eram extremamente eficientes, extremamente mortíferas e desesperadamente precisas num teatro de operações que se caracterizava pelo domínio naval do Norte Construído pelos estaleiros de John & William Dudgeon, em Isle of Dogs, Londres, o Run’Her possuía cerca de 70 metros de comprimento, 8 metros de boca e 3,5 metros de calado, deslocando cerca de 343 toneladas. Partindo de Londres, com 50 pessoas de tripulação, o vapor demorou quatro dias a chegar à Terceira onde veio naufragar no interior do porto, ao que parece por culpa do capitão Edwin Courtenay.

O jornal O Angrense dá-nos um breve sumário do desastre: "Sinistro - Sábbado 5 do corrente, pelo meio dia, pouco mais ou menos, aproximou-se deste porto o vapor inglez Runher, de 343 tonelladas, capitão E. Courtenay, com 51 pessoas de tripulação, com carga de víveres, proveniente de Londres, com destino para as Bermudas, trazendo 4 dias de viagem. Ao entrar no porto, seguindo a toda a força, passou entre os navios ancorados e tomando um bordo bastante à terra encalhou junto ao cáes da alfandega, a bem pouca distancia. O commandante, a cuja imprudencia só se deve tal sinistro, fez esforços para recuar o navio, mas foram baldados. O navio era a primeira viagem que fazia. O commandante precipitou-se, porque se tivesse esperado o pratico, teria fundeado sem perigo algum junto ao outro vapor que se achava no porto. São sempre africanadas que custam caro aos donos dos navios e que podem desacreditar o porto."

No próprio dia em que era dado à estampa o Boletim Oficial que noticiava o naufrágio, era arrematado, por 800$000 reis, o casco do vapor com todo o seu recheio, à excepção da máquina e de uma caixa COM platina. Infelizmente para o comprador, enquanto que a 19 de Dezembro de 1864 se procedia à arrematação pública dos salvados do Run’Her - que subiram em geral a um preço fabuloso - o navio era completamente destruído por um vendaval, na noite do mesmo dia. Parte da sua carga permaneceu ainda em Angra, tal como se pode comprovar pela aquisição por parte dum navio inglês proveniente do México de vários caixotes de carne provindos da carga salvada, a 9 de Abril de 1865, cinco meses depois do naufrágio.

Após o naufrágio do Run’Her, Davidson regressou a Inglaterra - tendo partido de Angra para Lisboa a 18 de Novembro de 1864 no vapor português Maria Pia que transportava também trinta e cinco marinheiros ingleses - onde veio a assumir o comando de um outro navio procedente dos estaleiros Dudgeon, o City of Richmond. Este navio - transportando também equipamento destinado à construção de minas navais - foi desviado da sua viagem inaugural para ir prestar assistência ao couraçado CSS Stonewall. Este atraso foi o suficiente para o que o City of Richmond visse chegar o fim da guerra antes que pudesse vir a atingir qualquer porto Confederado. Depois da guerra, Davidson nunca chegou a regressar aos Estados Unidos. Serviu como oficial de marinha em diversas forças navais da América do Sul e chegou mesmo a combater na Guerra da Tripla Aliança contra o Paraguai. Davidson serviu também como consultor tecnológico no fabrico de minas navais e torpedeiros até à sua morte, em 1913, no Paraguai."


6.11.03
 


A HIPOCRISIA FACE A CUNHAL

Mas que exibição de hipocrisia a pretexto das palavras de Cunhal!

O que é que Cunhal diz que não se encontre, na sua substância (a forma é outra coisa), um pouco por todo o lado na esquerda radical? Digam lá, caso a caso, do que é que discordam?

Cunhal : “Na evolução da sociedade, a revolução russa de 1917, sob a direcção de Lénine e do partido dos bolcheviques, fica marcada, em milénios de história, como a primeira e única a estabelecer o poder político das classes anteriormente exploradas e a empreender com êxito a gigantesca tarefa de construir uma sociedade sem exploradores nem explorados.
Com o seu poderio, alcançado pela construção do socialismo, a União Soviética alterou a correlação das forças mundiais, manteve em respeito durante décadas o imperialismo, tornando a competição entre os dois sistemas um elemento dominante na situação mundial
.”

Na linguagem marxista deslavada da actualidade, não seria difícil reescrever a mesma frase, com exactamente o mesmo conteúdo, mas tornando-a muito mais aceitável. Em que é que esta análise é diferente da que fazem os trotsquistas do PSR ou os pós-maoístas da UDP? Em que é que é diferente do que escreve o tão saudado Hobsbawm? Retiradas as modernices verbais, o que é que está escrito no Império de Negri senão isto mesmo? Os lamentos com o mundo “unipolar”, que papel póstumo dão à URSS, senão esse de ter “mantido em respeito” o “imperialismo”? Que sentido tem a dualidade “globalização capitalista” versus “globalização popular”, senão manter a competição “entre os dois sistemas” ?

Cunhal: “À acção terrorista de 11 de Setembro, os Estados Unidos responderam fomentando organizações e acções terroristas, desencadeando agressões e guerras que vitimam igualmente milhares de civis. Proclamando serem os campeões da luta contra o terrorismo, os Estados Unidos tornaram-se a principal força do terrorismo mundial.

Esta então digam lá de que discordam? Tanto quanto eu saiba, manifestações da esquerda em Portugal nunca houve contra Kadafi (pelo contrário, houve quem recebesse dinheiro dele), contra a dinastia norte-coreana, contra Cuba, contra o Hamas, contra Saddam. Só me recorda haver contra os EUA e com cartazes a dizer “Bush assasino e terrorista”. O que é que Cunhal diz que os escandaliza tanto?

Cunhal: “Os trabalhadores, os povos e as nações não podem aceitar que tal ofensiva global seja irreversível. E, se assim é, importa considerar se há e, havendo, quais são as forças capazes de impedir que o imperialismo alcance o seu supremo objectivo.

A nosso ver, são fundamentalmente:

Primeiro: Os países nos quais os comunistas no poder (China, Cuba, Vietname, Laos, Coreia do Norte) insistem em que o seu objectivo é a construção de uma sociedade socialista. Apesar de ser por caminhos diferenciados, complexos e sujeitos a extremas dificuldades, é essencial para a humanidade que alcancem com êxito tal objectivo."


Aqui está a principal diferença face a Cunhal: já ninguém acredita que haja um “campo socialista”, e muito menos com estes parceiros. Mas já quanto a Cuba …

Cunhal: “Segundo: os movimentos e organizações sindicais de classe, lutando corajosamente em defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores.

Terceiro: partidos comunistas e outros partidos revolucionários, firmes, corajosos e confiantes.

Quarto: movimentos patrióticos, com as mais variadas composições políticas, actuando em defesa dos interesses nacionais e da independência nacional.

Quinto: movimentos pacifistas, ecologistas e outros movimentos progressistas de massas.

É no conjunto destas forças que pode residir e que reside a esperança de impedir a vitória final da ofensiva do capitalismo visando impor em todo o mundo o seu domínio universal e final. "


Nestes últimos casos, qual é também o escândalo? Nas manifestações contra a globalização não está de braço dado toda a parafernália de movimentos que Cunhal enuncia?

Cunhal incomoda-os porque a forma, a linguagem e o estilo, fazem parte de um passado de que ninguém quer ser herdeiro. Cunhal lembra o movimento comunista internacional. Lembram-se? Existiu, não existiu? Mas tudo o resto, o conteúdo, a substância, lê-se todos os dias um pouco por todo o lado.
 


ESTADO DE DIREITO

Antes do 25 de Abril, o estado de direito começava fora das fronteiras portuguesas e espanholas depois dos Pirinéus. Hoje, em Portugal, acaba às portas fechadas a cadeado da Universidade de Coimbra. Se os cadeados fechassem uma fábrica no vale do Ave, ou da Marinha Grande, já lá estava o Corpo de Intervenção da GNR, como os estudantes são da classe social certa, ninguém mexe uma palha perante a ilegalidade.
 


QUEBRAS

 


E A NOSSA GUERRA CIVIL

tão fundadora do que somos como a guerra da Secessão, e sobre a qual não há nada que, de perto nem de longe, se aproxime da série americana? A ignorância actual sobre esse evento é quase total, e nem sequer persiste na memória escolar e cívica, como a guerra da Secessão no imaginário americano. E, no entanto, liberais e miguelistas travaram um duro e cruel combate durante um longo período de tempo, que revolveu Portugal, de Lisboa à mais longínqua terra de Trás-os-Montes. Mil e uma histórias fabulosas, de valentia e cobardia, crueldade e compaixão, imbecilidade e prosápia, inteligência e valor, estão escondidas em livros e gravuras oitocentistas.

Se procurarmos bem não faltarão palavras, nem imagens para contar áudio - visualmente essa complexa história do nosso século XIX. Será que a televisão “da sociedade civil” vai produzir documentários deste tipo? Ou a SIC ? Ou temos que fazer uma pequena revolução civil e começar uma "viewers sponsored tv", paga por quem se interessa por estas coisas e tem dinheiro para as pagar, muitos pouco, alguns muito? Verdadeiramente o que é que nos impede, aos que são liberais e não estão sempre à espera do estado? Talvez a nossa inércia. Fica a ideia.
 


GUERRA CIVIL AMERICANA

Continuo a ver os episódios da série de Ken Burns ( existe um endereço da PBS para a série), com o mesmo prazer e sentimento. Agora começo a dar nova vida a nomes que até agora eram para mim outra coisa: a começar por Lincoln, sobre o qual o meu saber era completamente estandartizado; Frederick Douglass, que sabia quem era e nada mais (vale a pena ver os seus papéis); Robert E. Lee, uma das personagens mais interessantes do conflito e que escolheu o “patriotismo” do seu estado (Virgínia) em detrimento do dos EUA; Jonh Brown, o “meteoro” que incendiou a guerra; Farragut que era uma estação de metro em Washington, agora é o almirante da União, etc., etc.

Não há riqueza para a memória que se compare a esta, a este erguer de gente do passado dos nomes vazios em que está “imortalizada”, para o meu presente ( e o dos outros). Esta é uma das razões porque me interesso pela biografia, pela história biográfica.
 


ACTUALIZAÇÕES

na parte já invísivel ( e no entanto foi só ontem!): acrescentados comentários à nota ATITUDES sobre Wellington.
 


PARA NÃO VER

 


LUÍS ANTÓNIO VERNEY SOBRE AS PRAXES

"(...) V.P. está em uma Universidade, onde é fácil desenganar-se com os seus olhos. Entre no Colégio das Artes, corra as escolas baixas, e verá as muitas palmatoadas que se mandam dar aos pobres principiantes. Penetre, porém, com a consideração o interior das escolas; examine se o mestre lhes ensina o que deve ensinar: se lhe facilita o caminho para entendê-la; se não lhe carrega a memória com coisas desnecessaríssimas. E achará tudo o contrário. O que suposto, todo este pêso está fora da esfera de um principiante. Ora, não há lei que obrigue um homem a fazer mais do que pode, e castigue os defeitos que se não podem evitar.

Não nego que deve haver castigo; mas deve ser proporcionado. Um estudante que impede que outros estudem; que faz rapaziadas pesadas, etc., é justo que seja castigado e, havendo reincidência, que seja despedido. Seria bom que nessa sua Universidade se desse um rigoroso castigo, ainda de morte, aos que injustamente acometem os novatos, e fazem outras insolências. A brandura com que se tem procedido neste particular talvez foi causa do que ao depois se fez, e ainda se faz. Neste particular seria eu inexorável, porque a paz pública, que o príncipe promete aos que concorrem para tais exercícios, pede-o assim; e em outros reinos executam-no com todo o rigor. Falo somente do castigo que se dá por causa de não acertar com os estudos. A emulação, a repreensão, e algum outro castigo deste género faz mais que os que se praticam
."

Luis António Verney, Verdadeiro Método de Estudar (cortesia de Américo Oliveira)

 


EARLY MORNING BLOGS 72

Continuo com António Machado (um dia destes voltamos às canções matinais) o meu lenitivo pela aurora:

"Cuatro cosas tiene el hombre
que no sirven en la mar:
ancla, gobernalle y remos,
y miedo de naufragar.
"

*

Lendo os blogues: os de “direita” estão, nestes dias, explicativos, citacionais, sottovoce e pedagógicos; os de “esquerda” cheios de ácido e bragadoccio. Como se uns procurassem a sua razão perdida e os outros alimentassem a sua paixão em perda. No meio, navegam aqueles a que eu chamo os “blogues calmos”: os que, também nestes dias, têm menos “miedo de naufragar”.
 


VER A NOITE

De novo – há quanto tempo! – uma lua japonesa. E um ruído permanente, agora aqui, agora ali, das folhas a cair com o vento. Partem do topo e vão batendo umas nas outras, até ao chão. Será que só morrem à noite? Será que esperam que ninguém as veja?
 


IMAGENS

de ontem são de Eduardo Paolozzi, a “Shooting Gallery”, de 1947, e um fragmento da Anunciação do Mestre de Flemalle, do início do século XV. As janelas, o espanador e outros objectos completamente prosaicos estão à volta da Virgem.


5.11.03
 


DÓNDE ESTÁ LA UTILIDAD / DE NUESTRAS UTILIDADES?
 


ATITUDES (Actualizado)

Esta carta do duque de Wellington ao Ministério dos Negócios Estrangeiros em Londres, enviada durante as campanhas ibéricas contra Napoleão, representa um daqueles momentos ímpares em que há uma atitude, uma simples, clara e frontal atitude. Não abundam.

"Exmºs Senhores:

Enquanto marchámos de Portugal para uma posição que domina a aproximação a Madrid e das forças Francesas, os meus Oficiais têm cumprido diligentemente os vossos pedidos, enviados no navio de Sua Magestade, de Londres para Lisboa e daí, por estafeta a cavalo ao nosso quartel general.

Enumerámos as nossas selas, rédeas, tendas e respectivas estacas e todos os «itens» pelos quais o Governo de Sua Magestade me considera responsável. Enviei relatórios sobre o carácter, capacidade e índole de todos os Oficiais.

Foram prestadas contas de todos os «itens» e todos os tostões, com duas lamentáveis excepções para as quais peço a vossa indulgência.

Infelizmente não nos é possível responder pela soma de 1 xelim e nove dinheiros, do fundo para o pagamento de pequenas despesas de um batalhão de infantaria, e houve uma lamentável confusão quanto ao número de frascos de compota de framboesa entregues a um regimento de cavalaria, durante uma tempestade de areia no oeste de Espanha.

Este descuido censurável pode ser relacionado com a pressão das circunstâncias, uma vez que estamos em guerra com a França, facto que poderá parecer-vos, senhores, em Whitegall, um pouco surpreendente.

Isto traz-me ao meu objectivo actual, que consiste em pedir ao Governo de Sua Magestade instruções sobre a minha missão, de modo a que eu possa compreender melhor a razão porque estou a arrastar um exército por estas planícies estéreis. Suponho que, necessariamente, deve ser uma das duas missões alternativas, como abaixo indico.

Prosseguirei qualquer delas, com o melhor da minha capacidade, mas não posso executar as duas:

1. Treinar um exército de escriturários britânicos para benefício dos contabilistas e moços de recados de Londres, ou, talvez:
2. Providenciar no sentido de as forças de Napoleão serem expulsas de Espanha.

Assinado
O vosso mais obediente servo
Wellington
"

(enviada por Américo Oliveira, e reproduzida da revista Dirigir, nº2)

*

"Ao ler o seu post (ou posta? e posta de quê?) sobre Arthur Wellesley, primeiro duque de Wellington, lembrei-me de um livro que li recentemente: "Napoleão e Wellington"; nele pude constatar uma coisa fantástica, que ainda separa o nosso mundo daquele em que Wellington vivia (a Inglaterra do final do século XVIII e princípio do século XIX, em confronto com uma França imperial, da qual herdámos muito): a noção de responsabilidade que os chefes militares, funcionários públicos, tinham. Wellington mencionava várias vezes as explicações que teria de dar ao parlamento por cada libra gasta, por cada homem perdido, por cada canhão tomado pelo inimigo. Napoleão, sendo um ditador, não tinha de prestar contas a ninguém, e podia perfeitamente dar-se ao luxo de perder um milhão de homens ou gastar fortunas em guerras insensatas. Wellington fazia questão de pagar os bens adquiridos aos populares dos sítios por onde passasse, e, depois de ter derrotado Napoleão, não permitiu que este fosse morto pelos aliados austríacos, visto que o direito britânico não permitia execuções sem julgamento. Para ele não se tratava de nenhum incómodo, era apenas assim que tinha de ser. Quem nos dera a nós, duzentos anos depois, termos pessoas assim ao nosso serviço! Os nossos pequenos ditadores - presidentes de câmaras, ministros, etc - ainda se comportam como se o poder lhes pertencesse, como se não tivessem de prestar contas a ninguém."

(Ricardo Peres)



 


SHOOTING GALLERY

 


IMAGENS

dos últimos dias: as crianças do “honest day” são de Ipolit Strambu, os livros em cima da mesa de Joseph Solman, as árvores ao fundo de Gerhard Richter e as flores de Fantin-Latour. Vêm de milhares e milhares de quadros, de imagens inventadas, uma superfície artificial que tenta cobrir o mundo com mais beleza. O homem engana-se assim, mas podia ser pior.

*

"As "Rosas" de Henri Fantin-Latour foram a capa de um dos mais consagrados discos pop dos anos 80, "Power, Corruption & Lies" dos New Order."

(Nuno Figueiredo)

 


HISTÓRIA E LITERATURA

Muitas vezes penso que bastava a criação, a poiesis, e que nada mais era preciso. Estava tudo lá: não é a batalha de Austerlitz na Guerra e Paz “melhor” do que qualquer descrição do que aconteceu no terreno?

Depois, ao ver e ouvir esta série (como aliás com o Shoah de Lanzmann), tenho a certeza de que não basta a literatura. Não está tudo lá. Faltam palavras, faltam as palavras dentro da memória, e a memória não é totalmente solúvel na poiesis. Há uma realidade incontornável nos acontecimentos da história, mesmo que os leiamos de forma “literária”, que nos diz sempre mais alguma coisa. E numa guerra civil com a violência da americana, é a do modo como a guerra atravessa os homens simples, os homens comuns. Pensando bem, não há muitos homens comuns, na literatura.

(Mas, na literatura e na arte, onde eles mais estão é na americana - em Walt Withman, na música – sempre há uma Fanfare for the Common Man - no cinema, etc).
 


O VALOR DA PALAVRA (Actualizado)

no século XIX era maior do que no século seguinte. Da palavra oral e da palavra escrita, principalmente em panfletos, jornais e correspondência. Em particular nesta última. No século XX, a palavra começou a ser gritada pelos altifalantes (como sempre tenho insistido, fascistas e comunistas “modernizaram” a propaganda e definiram o padrão do uso fetichista da palavra), e a perder significado, a não ser como uma ordem, brutal ou subliminar.

Tenho estado a ver (em DVD) uma magnífica história da guerra civil ,realizada por Ken Burns, feita apenas por palavras da época, lidas sobre fotografias ou paisagens. Palavras de gente célebre e de homens comuns. O efeito é poderoso. As coisas fabulosas que homens como Lincoln disseram, com uma mistura de verdade íntima, de afirmação moral e um leve toque de retórica, ou apenas de pensar bem e falar melhor. E não é preciso quase mais nada para percebermos a queda progressiva da União na violência, o dilacerar completo dos estados, os dilemas morais poderosos de gente que os tinha, mesmo na crueldade, mesmo sendo cruéis. Como é que foi possível continuar uma nação, reconstituir um patriotismo, que é o principal elemento de identidade de uma nação, depois do que aconteceu?

De facto, as palavras chegam para nos transmitir essa complexidade, porque por detrás delas está muita vida. Muita vida má.

*

"Cá só chega em desproporção a má América. Há também a América de "viewers sponosored tv" (PBS) sem cabo onde passam documentários como os de Ken Burns. (...) Ainda não vi o trabalho realizado por ele sobre a história do Jazz, mas espero um dia poder comprar. Tenho também alguma curiosidade pelo filme que ele fez sobre Lloyd Wright."

(Nuno Figueiredo)
 


EARLY MORNING BLOGS 71

Pelo bom convívio, pela franca discussão, por não nos levarmos muito a sério

"¿Dónde está la utilidad
de nuestras utilidades?
Volvamos a la verdad:
vanidad de vanidades."


pela tolerância, que tantas vezes falta

"Es el mejor de los buenos
quien sabe que en esta vida
todo es cuestión de medida:
un poco más, algo menos..."


e por António Machado, que nos acompanha hoje, para refrigério da alma, como se dizia antigamente

"Hay dos modos de conciencia:
una es luz, y otra, paciencia.
Una estriba en alumbrar
un poquito el hondo mar;
otra, en hacer penitencia
con caña o red, y esperar
el pez, como pescador.
Dime tú: ¿Cuál es mejor?
¿Conciencia de visionario
que mira en el hondo acuario
peces vivos,
fugitivos,
que no se pueden pescar,
o esa maldita faena
de ir arrojando a la arena,
muertos, los peces del mar?"


Bom dia!

4.11.03
 


OFFRANDE MUSICALE

 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

PRAXES E PROPINAS

Frederico Mira George do Saudades de Antero enviou este testemunho eborense:

"Évora à noite costuma ser uma cidade de fantasmas e sombras de vampiros (que, como se sabe, não têm sombra, coisa de alentejanos). A cidade tumular que durante o dia assume o aspecto de monumento à desesperada tentativa de encontrar no passado o que não se sabe criar para o presente, torna-se à noite num lugar sem tempo, onde seria possível encontrar gente de todas as épocas, mortos e vivos a lamberem-nos o presente, atormentando-nos os sonhos com imagens de inquisidores, carrascos e poetas desesperados no seu encontro com a morte.

Numa destas madrugadas, junto à praça onde na idade média se acendiam as figueiras do santo ofício e hoje, simbolicamente, brota a agua de uma fonte. Dois rapazes de "meia idade", diria pelos seus 24, 25 anos, ajeitavam as suas capas e batinas. À sua volta algumas raparigas digladiavam-se para os ajudar a endireitar os colarinhos. Uma gritava pelo seu direito de preferência, gritava pelo seu direito de "afilhada" do "doutor". Assim mesmo: "- Eu é que o ajudo porque ele é o meu padrinho!". As outras cederam e afastaram-se. A matilha respeita sempre os direitos e garantias da espécie. No fim atacou-lhe os sapatos. Ainda gritaram mais uma tantas coisas e foram-se Porta-Nova fora. Ao longe ainda os ouvi grunhir umas notas de uma conhecida canção dos "beach-boys". A cidade voltou ao seu silêncio sepulcral.

Na manhã seguinte a Associação de Estudantes fechava a cadeado as portas dos edifícios da Universidade de Évora. Um dos edifícios, (...) acumulava uma série de "doutores", empenhados na causa da luta contra as propinas. Devo dizer que em relação às propinas, a minha opinião é que nem máxima nem mínima. O que é tramado é que um dos porta-voz da "luta" nesta cidade tinha estado na noite anterior a deixar-se arrumar no colarinho e em êxtase alcoólico observando, de cima, a cabecinha da sua "afilhada" a apertar-lhe os sapatos. E no meio das palavras de ordem e das justas reivindicações de um ensino universal e gratuito, lá andava a mocinha a dar mimos ao "padrinho".

O "doutor" gritava à menina: "- Ó (nome) vai buscar as chaves do carro". "Anda cá coisinha, anda dar beijinhos ao teus doutores".

A questão que se põe, é que para que uma luta ser séria tem necessariamente que ser protagonizada por pessoas genuinamente sérias. Quem são estes senhores e senhoras que conduzem as lutas contra as propinas? É que é evidente a minoria que representam os militantes do associativismo estudantil com verdadeiro empenhamento político, com genuínas preocupações sociais. Eles existem e trabalham. Mas que força tem o seu exemplo perante tamanha animalidade?

Que credibilidade pode ter um movimento social que age nos intervalos de sucessivas sessões de humilhação? Será possível gritar por direitos montado nas costas de um colega a fazer de cão?"


SAUDEMOS O ÍNDICO 2

O Piton de la Fournaise ainda não entrou em erupção, mas continua interdito aos visitantes.

Entretanto, continuam as precisões ( e os gostos) onomásticas sobre as ilhas do Índico. José Bento comenta a resposta de J H Coimbra,

que nas precisões, existia uma imprecisão relativamente ao uso da palavra Mauricias, quando na realidade o correcto é a palavra Mauricio. Ora se já visitou as Mauricias, sabe concerteza que a apesar de a língua francesa ser muito comum a língua oficial é o Inglês, assim sendo impõe-se a tradução a partir do Inglês e não do Francês.
No entanto impõe-se coerência e quando se refere á cidade Malgache (ou será Malgaxe?) de Tamatave, deve estar a referir-se a Taomasina, pois Tamatave é nome dado á cidade pelos Franceses na época colonial. Seria o mesmo que dizer " No ano passado em Lourenço Marques ..."


F.J.O.C. escolhe o nome pelo gosto:

É bonito alguém queixar-se da falta absoluta de gosto com que são cunhadas as palavras que usamos. Concordo que é um triste fenómeno, por ser essencialmente ignorante - não resisto à tentação de lhe lembrar mais um exemplo: "bin" Laden - que os anglófonos grafam assim para lerem "bên". Ben significa "filho de", nem sequer é um "de" qualquer, é uma partícula com significado.
Contudo, há-de concordar que "Ilhas Maurício" não goza da eufonia de "Ilhas Maurícias". E uma vez que reconhece que para a maioria de nós são essencialmente um lindo destino turístico - viva a calafona - Maurícias é muito mais bonito e adequado.”

 


 


PRÓS E CONTRAS DA CONSTITUIÇÃO EUROPEIA

Assisto, com um misto de espanto, indignação e resignação (de facto não vale a pena o esforço…), ao programa da RTP sobre a Constituição Europeia. Conduzido com excesso de nervosismo e intervencionismo por Fátima Campos Ferreira, o programa revela toda a enorme ambiguidade no modo como o debate europeu é feito, quando não se quer discutir nada fora do círculo interior dos factos consumados e do sistema instituído. Um grupo altamente qualificado de pessoas convidadas, pouco plural nas opiniões europeias (ou melhor, plural nos detalhes e nos procedimentos, mas menos plural na visão global), é conduzido para uma discussão irrealista, completamente por cima das realidades fácticas, da realpolitik que é hoje central no jogo de poder europeu. Falavam como se a Constituição e o direito gozassem de uma autonomia em relação aos interesses, que hoje, mais do que nunca na história da União, são o jogo que se joga.

É verdade que ocasionalmente a realidade do poder, a realpolitik, entra na sala como um icebergue – Gama e Adriano Moreira enunciaram-na – mas, quase sem nos apercebermos, tiram-nos o Titanic do mar, como se tal passo de mágica fosse possível.
O icebergue está lá – por exemplo, a completa indiferença dos portugueses, e dos europeus em geral, sobre a Constituição. E o que é a “ignorância” traduzida nas sondagens senão indiferença , ou seja , falta de vontade política, falta de sentimento de pertença, sentimento de que são deixados à parte… falta de democracia? E, no entanto, ninguém quer saber e avança-se para a frente a todo o vapor.

Os ingleses têm sobre a União Europeia o mais brutal debate, muitas vezes roçando o ridículo, mas dizem verdades como punhos e, acima de tudo, discutem a partir da realidade, e falam de coisas que não entram, nem ao de leve, no debate do Prós e Contras. Aqui não se discute a lógica de poder da nova burocracia europeia de Bruxelas, a sua subordinação quase exclusiva ao poder de estados como a França, a Alemanha, a Espanha e o Reino Unido; a falta de vontade dos estados de ir mais longe na união política, disfarçada em políticas de face diferente (uma das quais, a franco-germânica, é exactamente a de utilizar como instrumento de hegemonia uma maior integração política, mantendo o comando dos mecanismos de subordinação); a impotência (também ela resultado das divisões europeias) da política externa europeia, institucionalizada para minar a relação atlântica sem lhe fornecer alternativa, e, acima de tudo, a perigosa deriva não democrática e elitista da União Europeia, andando para a frente a toda a velocidade, numa lógica de criar um estado europeu fictício em tudo menos no poder das nações a que serve.

É, faz falta um debate à inglesa, mas isso em Portugal será muito difícil porque o gigantesco consenso mata a diferença.

2.11.03
 


IMAGENS

de ontem são de um mundo e de um anti-mundo. As “fadinhas” são do Bailado das Fadas da Colecção Manecas, um livro português de histórias infantis dos anos cinquenta, e a “cacofonia” de “L’Oeil cacodylate” de Picabia.
 


COMENTÁRIOS

a O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES e EARLY MORNING BLOGS 70

Só um pequeno comentário acerca do comentário (passe a repeticão) do seu leitor: "desde quando é que os espectadores num estádio de futebol sao 'multifacetados' ? ". São facetados de forma diferente mas são tao multifacetados como os presentes num comício de um partido !
Em relação `as importações de "dia disto e daquilo", o exemplo mais engracado da influência do consumismo nas nossas vidas e hábitos passa-se em Italia onde existem dois dias de "Natal": o Natal a 25 de Dezembro e a Epifânia (carinhosamente chamado de Befana, pelos jovens italianos) a 6 de Janeiro. As criancas tem presentes nos dois dias. Quando e' que importamos esse ca' para Portugal ?”


(sergio J.)
 


SAUDEMOS O ÍNDICO

Nas 'precisões' (…) sobre uma ilha do Índico encontro o que tomo por 'imprecisão': dizer 'Maurícias' parece-me mais uma reprodução onomatopaica do inglês 'Mauritius' do que a tradução do nome no mesmo idioma ou do francês 'Maurice' -- que seria para 'Maurício'. Portanto, digo eu..., 'ilha Maurício'.
Sei, porém, que mesmo em documentos oficiais (para não falar dos das agências de viagens) se optou pelo macaquear oral (depois reduzido a escrito) de 'Mauritius'... Paciência: também (o)usamos escrever 'Punjabe' porque os ingleses grafam 'Punjab' para dizer 'Panjabe'; 'Honguecongue'; etc.
Fora do contexto: quanto à ilha Reunião (vá la, aqui salvou-se a designação em português!) e sobetudo ao fogo do vulcão, há posts no blogue que me avivaram encantadoras lembranças (…) um passeio até Tamatave, Fianarantsoa, Antsirabé, Morondava, etc. E, outra lembrança no 'spot': uma incursão em monomotor aéreo até às 'Bassas' da Índia.
Escrevam 'Maurícias' ou 'Maurício' -- que importa?! --, mas saudemos os trópicos, saudemos o Índico!


(j h coimbra)
 


MEMÓRIA: SPAM / NÃO SPAM

 


SPAM

É impressão minha ou, na última semana, o lixo no correio electrónico aumentou exponencialmente?

Nos últimos vinte minutos recebi esta amostra : a “jenny j.” diz-me para “look what you get for 10 dollars” e oferece uma menina com “big tits”; a “A Real Opportunity” garante-me que posso “Earn More From Home “, mas eu recuso-me a carregar em qualquer destas ligações, logo não sei como; a “Evelyn Longoria”, um nome um pouco neo-rafaelita, manda-me a mais explicita das mensagens “Alprazolam.m Xanax.x Vicodin.n Valium.m uyankcvj hlu” ; e a “Marisela” oferece-me, com um Verão de atraso, “The summer of 2003...get ready now” e

1.Body Fat Loss
2.Wrinkle Reduction
3.Increased Energy Levels
4.Muscle Strength improvement
5.Increased Sexual Potency
6.Improved Emotional Stability
7.Better Memory”


Que mais é preciso na vida, do que “wrinkle reduction” ? Dinheiro. E o “You Did It” oferece-me “Get $2500 credit line and cash advances up to $1000” e o “Uncle Sam” , ele mesmo, promete “Takes Over Your Bills” e os montantes não são de desprezar:

“$9,500.00 to pay any bills
$2,800.00 to pay your heating bills
$1,200.00 to pay your mortgage or rent
$15,000.00 to pay for child care
$3,000.00 to help buy a car
$4,000.00 to pay closing costs on a home
$500.00 to pay your property taxes
$700.00 to pay utility bills
$800.00 to pay your food bills
$4,800.00 to pay for family expenses
$3,000.00 to volunteer in your neighborhood
$500.00 to pay your pet's veterinarian bills

Even $1,000.00 to pay your bills while you're waiting for other government money!


Felicidade perfeita! O mais bizarro é que isto parece que resulta.
 


O IMPÉRIO DO ENGRAÇADINHO

Uma pecha portuguesa é a de não ter humor, mas achar-se engraçado, ou melhor, engraçadinho. O engraçadinho é uma praga nacional, exercida por milhões de portugueses que contam anedotas sem graça, e transportaram agora para a televisão o mesmo hábito da anedota grossa, com umas personagens que parecem saídas de um comedor rápido de Odivelas para gravarem cassetes, vídeos, DVDs e mensagens telefónicas das ditas. O mesmo engraçadinho que se repete, sem um átomo de imaginação, nas praxes e outras “brincadeiras” estudantis, espelho da nossa pobreza.

Bergson, que escreveu sobre o “riso”, achava que, mais do que qualquer outra actividade, rir-se nos diferenciava dos animais. Mas falava do riso e não de esgares mais ou menos ritmados, que isso penso que até uma moreia ou uma amêijoa são capazes de fazer.
 


AN HONEST DAY

 


EARLY MORNING BLOGS 70

O número de Erdös aplicado aos blogues é um grande achado da Klepsydra, que também se irrita com a importação de Halloween (na minha aurea mediocritas, ainda domina o “pão por Deus”). Acrescento às importações mal amanhadas de “dias”, a do Dia de S. Valentim, o Dia dos Namorados, outra invenção típica da era dos Centros Comerciais.

Irritar, irrita um bocado (aliás um comportamento genuinamente blogosferico), mas, pensando bem , who cares?, senão daqui a pouco estamos a defender as “excepções culturais”. Para contrabalançar com o ar do mundo, esta constatação (um galicismo penso…) dos U2 , com palavras de Bono ( cortesia da Cláudia Vicente) de que “some days are better than others”

Some Days Are Better Than Others

"Some days are dry, some days are leaky
Some days come clean, other days are sneaky
Some days take less, but most days take more
Some slip through your fingers and on to the floor

Some days are you're quick, but most days you're speedy
Some days you use more force than is necessary
Some days just drop in on us
Some days are better than others

Some days...it all adds up
And what you got is enough
Some days are better than others

Some days are slippy, other days are sloppy
Some days you can't stand the sight of a puppy
Your skin is white but you think you're a brother
Some days are better than others

Some days you wake with her complaining
Some sunny days you wish it was raining
Some days are sulky, some days have a grin
Some days have bouncers and won't let you in

Some days you hear a voice
Taking you to another place
Some days are better than others

Some days are honest and some days are not
Some days you're thankful for what you've got
Some days you wake up in the army
And some days...it's the enemy

Some days you work, most days you're lazy
Some days you feel like a bit of a baby
lookin' for Jesus and His mother
Some days are better than others

Some days...you feel ahead
You're making sense of what she said
Some days are better than others. "


(in "Zooropa", Island/Polygram, 1993, Palavras de Bono Vox, Música dos U2 )

Tenham um bom dia, “an honest day”.

1.11.03
 


IMPÉRIOS COLONIAIS 2

Sobre a nota com este título, José Bento envia-me as seguintes precisões:

- "As ilhas francesas no canal, já foram revindicadas por Madagascar, mas a França é a potência local e não permite sequer que se aflore a questão.

- As Mauricias revindicam há muito uma quota de pesca, na ZEE da Kerguelen, da espécie Legine, repetidamente negada.

- As Mauricias reclamam a Ilha de Tromelin."

 


CACOFONIA



O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

A FALTA

Eu sei que foge muito ao que pretendia sobre o amanhecer... Mas a verdade é que havia, para mim, amanheceres dos quais sinto falta... Falo de todos aqueles que começavam com um olhar lançado para a última página do DN, com o intuito de desfrutar da crónica de Vasco Pulido Valente. Sextas, Sábados e Domingos começavam assim... Boas manhãs que gostaria de reviver.
(Paulo Agostinho)

DETALHES

Há um livro de um ex-professor meu, o Daniel Arasse, que se chama justamente Le Détail, e que está publicado na Champs Flammarion. Arasse era já há vinte anos, quando tive a sorte de ser aluna sua , o perito em arte do Renascimento que depois o tempo não fez mais do que confirmar. Diz ele nesse livro, e estou a citar de cor, que o pormenor do quadro que deixamos passar, que não vemos à primeira vista, é justamente o que condensa todo o sentido do quadro. Sem o pormenor - e fala de uma idade da pintura em que, ao contrário do que hoje acontece, a representação da realidade é a própria razão da existência dessa pintura - é o "dar a ver" que está em causa, porque o que se daria a ver estaria forçosamente incompleto sem o pormenor e a sua interpretação seria, então, errónea...

Histórias de mensagens que chegam de um artista a um público, portanto. Podíamos, sem grande esforço, passar da arte para a esfera da literatura. Só que, com a mudança do modo de ver que ocorre no século XIX - e que é acelerada pela difusão em massa da fotografia e do cinema - o antigo "modo de ver" a arte fica irremediavelmente condenado. Quem passa hoje uma hora em frente da Mona Lisa, quem percebe, por exemplo, que ela se apoia numa varanda de estilo renascentista? Hoje o ver é diferente; e a surpresa que os seus pormenores me causam está relacionada certamente com um acréscimo de velocidade em tudo o que fazemos que nos impede, também, de observar o pormenor. Não há nada de saudosista nesta constatação.

(Luísa Soares de Oliveira)

INAUGURAÇÃO DE UM ESTÁDIO E VAIAS

Não posso deixar de discordar da sua opinião relativamente à presença do PR e do Primeiro Ministro na inauguração do novo Estádio da Luz. A presença de tais figuras não é redundante ou dispensável mas antes imprescindível dada a natureza e dimensão do evento. Longe de confundir política e futebol esta presença só pode identificar os portugueses, que em maioria seguem pelo menos regularmente este desporto, com a sua classe dirigente. Até do ponto de vista democrático acaba por ser saudável uma vez que poucas são as ocasiões em que os políticos se sujeitam a uma exposição crua a tamanha multidão, com as respectivas vaias ou aplausos de sua justiça.

Poucos serão os espaços hoje em dia que compreendam um grupo de pessoas tão vasto e socialmente multifacetado como o que se encontra num principal estádio de futebol lotado. Acabam por ser o mais próximo que há de um "espelho" da sociedade.

(António Baptista)

A inauguração do novo e luxuoso estádio da luz, foi envolta num espectáculo mediático tão intenso e tão bem elaborado que quando contactei com aquele momento julguei que se tratava de algum filme de Hollywood, não fossem as personagens tão bem conhecidas.
O ambiente criado de tão espectacular que era fez-me pensar, sendo que para o fazer correctamente, consciencializei-me que teria de fazer um exercício, complicado admito, de me abstrair daquele espectáculo todo.

(…) Outro aspecto que fui tendo oportunidade de dissecar, foi o porquê de tantas figuras mediáticas. Uma resposta dada imediatamente, diz-nos que o Benfica é sem dúvida o maior (entenda-se em nº de sócios) clube português, e que tal facto por si só justifica a presença de, um Presidente da República, que se diz de todos os portugueses, e que vai ao estádio da luz representar uma proporção, que embora grande não é total, e que afirma a alto e bom som, que aquele estádio é um contributo para o desenvolvimento do desporto em Portugal, aquele mesmo que irá servir para 3 ou 4 jogos do Euro2004, e durante o resto do tempo será utilizado de quinze em quinze dias por 22 profissionais, que na sua grande maioria não são portugueses, apetece perguntar que desporto e que desportistas!!!

Um Primeiro-Ministro que, não se cansa de apelar, e muito bem, à contenção orçamental e que, sujeitando-se a um espectáculo deprimente de assobios, vai lá para aplaudir uma obra que não faz menos às contas do clube do que aumentar o seu défice, que grande exemplo Sr. Primeiro-ministro! A mesma personalidade diz que o Benfica e o seu estádio são a marca que Portugal melhor projecta no estrangeiro, bom assim está justificada a péssima imagem de que gozamos no estrangeiro e que certamente gozaremos no futuro, até porque o Sr. Primeiro-Ministro bem sabe que os resultados não se alcançam melhorando o exterior se o interior continuar podre, o que pode acontecer é que um dia a "a casa vem abaixo"! Um ministro que com a sua participação naquele espectáculo apenas deu uma imagem de um fundamentalismo perigoso, para quem está no poder! Um ministro e um secretário de estado do desporto, que só vieram confirmar a sua posição de figurantes, pois se aquele acontecimento era para o bem do desporto português onde estavam os governantes responsáveis directamente por esse fenómeno, todos tiveram oportunidade de falar (até que não fosse para ter protagonismo e sentir o que é falar para 65 mil pessoas, oportunidade impossível noutras circunstâncias), caso do Sr. Presidente da Câmara de Lisboa! Bem poderíamos continuar por aqui fora neste exercício, muito fácil se conseguirmos e pretendermos atingir aquele estado de distanciamento necessário para criticarmos correctamente.

Gostaria de deixar uma última nota para os assobios que foram dirigidos ao Primeiro-Ministro, apesar de ter consciência que o comportamento em multidão e naquele estado de festa tão complicado de avaliar, sou da opinião que apenas dá uma imagem da ingratidão das pessoas, isto porque foi aquele mesmo Primeiro-Ministro que abriu um precedente grave, aquando da aceitação das acções do Benfica como garantia, enfim apenas um reflexo
.”
(Hugo Durão)

PRAXES

Eu, ha alguns anos, que não era e nunca fui aluno do IST, fui quase praxado porque acompanhava um colega que tinha entrado. Só não aconteceu porque não estive com delicadezas com os Doutores Engenheiros e eles então desisitiram da ideia.

Concordo totalmente com o que disse sobre este hábito absurdo da praxe.Neste reviver do passado que nunca existiu, com a excepção de Coimbra. Eu acho curioso como é que as Senhoras Doutoras compram aquelas fatiotas ridiculas que afirmam, totalmente, a sua condição de mulheres (de saias). Até nisso a tradição é retrógada. Não conheço nenhuma fatiota de Doutora com calça em vez de saia. Conhece?

Eu penso que nós gostamos de imitar o pior da América ficcional, então decidimos que deveriamos ter "Animal House"(s), sem a piada de Belushi, mas com as másnotas, bebedeiras e uma selvajaria ainda maior que nesse républica fantasista do filme.”


(Nuno Figueiredo)

Não é só a natureza imbecil e, muitas vezes, doentia dos que praticam as praxes que importa denunciar. É também a forma apática e estranhamente conformista como os caloiros se deixam violentar sem o mínimo protesto ou a mais leve contestação. Aflige-me verificar como jovens de dezoito anos - ou seja, jovens que, supostamente, já têm alguma noção dos seus direitos e capacidade para fazer escolhas (por exemplo, políticas) – não sabem dizer “Não!”. Eu, que não fui mais nem menos que os meus colegas no tempo em que frequentei a universidade, recusei ser um figurino dessas palhaçadas. Tive consciência que podia escolher não ser humilhado ou maltratado. E escolhi.
Em boa verdade, não é só a bestialidade e a boçalidade dos pseudo-doutores praxistas que está aqui em causa. É também a total imaturidade, a latente letargia e a falta de sentido crítico que caracterizam, hoje em dia, os jovens acabados de entrar na maioridade. No fundo, muitos deles acabarão iguais aos «engraçadinhos». Infelizmente, parece ser tudo farinha do mesmo saco.”


(Carlos “MacGuffin” do Contra a Corrente)

CONSTITUIÇÃO EUROPEIA

E faz algum sentido haver uma União Europeia sem Constituição? Na minha opinião, se a UE pára, morre, como todas as coisas. Aliás já começa a apresentar sinais de doença, graças à posição da Inglaterra, e ainda está na adolescência. Acho que é daqueles casos em que apesar de não sabermos para onde vamos, a atitude sábia é continuar em frente. Culturalmente, seremos hoje, cada um de nós, na nossa íntima essência, mais Portugueses ou Europeus?

Finalmente, quanto à soberania, "it's just another word for nothing left to loose". Não é?


(Manuel Ricca)

(Continua)

 


NO MEIO DO ÁCIDO

Dois momentos que valem: a frase sinistra e verdadeira do Icosaedro (e o esplendor gráfico da página inicial)

existem assuntos sobre os quais preferia não ter opinião formada.

e quase todo o Memória Inventada.
 


LEITURAS DE VOO

desta vez não foram brilhantes, talvez porque, num chauvinismo quase constante e irritante, os aviões franceses não trazem jornais em inglês. A única excepção era o Financial Times. E não era por acaso, ou se tinham esgotado, porque perguntei: mas não há pelo menos o International Herald Tribune e a resposta foi que não, não havia, nem costumava haver.

Li então , o Figaro, o Le Monde e o Nouvel Observateur. Começo pelo último, que não lia há séculos e cuja leitura me confirmou o bem fundado da recusa. Trazia um extenso artigo sobre os “manipuladores de informação”, aqueles que os ingleses chamam “spin doctors”, sem o mínimo interesse comparado com o que é habitual, - de novo, mas tem que ser dito ,- na imprensa anglo-saxónica, onde esse tipo de actividade é notícia comum. No artigo do Nouvel Observateur, tudo aparecia como se fosse novidade e a análise empalidecia por comparação.

Já no Figaro e no Le Monde, havia coisas mais interessantes. O Fígaro trazia uma notícia sobre a renovação da force de frappe nuclear francesa e sobre a doutrina aceite pela França do cenário de um ataque nuclear a nações que usassem armamento químico e biológico. Pelos vistos, não são só os americanos.

O Le Monde trazia vários artigos sobre um tema recorrente franco-galo-francês: le déclin. Para além dos artigos de opinião, havia um dossier sobre a boa performance francesa no domínio do “social”. No entanto, começa a haver um enorme incómodo político com a verificação da retoma americana e o atraso europeu.

Para temperar, li um número antigo da Granta, dos que estão empilhados na estante “para ler”, sobre “Necessary Journeys”, que me pareceu, digamos, adequado.

Por último, vi, naqueles minúsculos ecrãs, o filme por excelência para os grandes: o último Matrix. Mas é tão mau, tão mau, que até num ecrã de relógio se pode ver.
 


ASSIM SE FAZEM AS COISAS

No meu regresso, li com espanto (que já não é sequer grande, porque isto é habitualíssimo), uma pergunta a Fernando Lima, na entrevista do Correio da Manhã, a seguinte frase “minha”, entre aspas e tudo:

Pacheco Pereira disse que, enquanto director do 'DN', não se iria sentir à vontade quando tivesse que "ser simpático com o Governo." Tem receio de vir a ser pressionado pela sua proximidade ao Governo?”

Isto é absolutamente espantoso porque a única, a ÚNICA , vez que me pronunciei sobre tal matéria, sem sequer citar Fernando Lima nem sequer o criticar a ele (como também foi parafraseado com excesso de imaginação), foi a nota do Abrupto do dia 26 de Outubro. Nunca acrescentei nem mais uma linha e nunca disse mais nada em qualquer lado sobre o assunto. Ou seja, estas frases, ainda por cima entre aspas, são pura e simplesmente inventadas. Assim se fazem as coisas, se gera uma pergunta falsa para obter uma resposta viciada pelos termos da pergunta.

É por isso que nunca aceito responder a qualquer pergunta citando terceiros sem eu próprio ter ouvido e lido a citação no original. Fernando Lima tem também experiência suficiente para não cair nestes truques e caiu.


ASSIM SE FAZEM AS COISAS 2

E já que vem a jeito: porque é que nunca nenhum órgão de comunicação social publicou uma lista de jornalistas que trabalharam (e trabalham) para os gabinetes ministeriais nos governos do PS e do PSD, em lugares que necessariamente implicam confiança política? A favor da transparência...
 


Ó FADAS, QUE HORAS SÃO?

 


IMAGENS

que ficaram aí para trás, perdidas e sem dono. Uma, a do pássaro, “wren and vole with daisies”, é de um quadro de Keneth Lilly de 1856; a outra, a vela e a rosa matinal, é de um quadro de Vuillard, pintado por volta de 1900. Apesar daquela clareza mediterrânica, o quadro está na Escócia, iluminando uma sala da Scottish National Gallery of Modern Art.
 


EARLY MORNING BLOGS 69

com jet lag. Que horas são?

A nuvem tóxica sobre a política portuguesa continua a crescer. Começa a perceber-se o risco real de não haver justiça para as vítimas, porque é sempre maior o entusiasmo pela agitação a juzante, do que revolta pelo crime a montante. Os criminosos sabem disso, porque este é um crime no qual o poder é um elemento essencial, separando com um rasgão profundo os que o têm dos que o não têm.

O resto é o costume. O ressentimento continua uma espinha dorsal da vida nacional. Os blogues zangados com o mundo continuam zangadíssimos. O correio electrónico está cheio de lixo. É dia das bruxas, também não seria de esperar outra coisa.

Mas, dito isto, o meu ar é este, gosto do mundo todo com imensa curiosidade, mas é na pátria que me reconstruo. É uma doença, claro, como explicava o senhor Fradique Mendes.

Bom dia! Que horas são?

© José Pacheco Pereira
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