ABRUPTO |
correio para
jppereira@gmail.com
______________
|
31.10.03
AO RUM
"Fifteen men on a dead man’s chest Yo ho ho and a bottle of rum Drink and the devil be done for the rest Yo ho ho and a bottle of rum." (Robert Lewis Stevenson)
VULCÕES: PITON DE LA FOURNAISE 2
Hoje já ninguém pode subir ao vulcão. Toda a área foi interdita. Resta-me este sítio. Mas como é que se pode “seguir” um vulcão pela Internet? 30.10.03
VULCÕES: PITON DE LA FOURNAISE
(Perdido nos arquivos está a memoria de outro vulcão, La Solfatara) Pouco a pouco, deixa-se a pequena França creoula dos trópicos, com o calor dos trópicos e o mar absoluto das ilhas, e vai-se subindo, primeiro aos mil, e depois aos dois mil metros. A mil metros, entra-se numa fantasmática Suiça, pastagens alpinas, árvores alpinas e vacas alpinas. Começa a ficar frio, mas frio a sério, e uma bruma permanente corta quase toda a visibilidade. A paisagem esplendorosa das ilhas vulcânicas começa a impor-se e já não são os Alpes a referência que se lembra diante destes desfiladeiros de basalto, cobertos de verde e verde e verde. De repente, numa curva, um vale como nunca vira nenhum, entalado entre encostas quase a pique. Resultado do abatimento de uma câmara de magma e depois moldado pelas chuvas violentas dos ciclones, La Rivière des Remparts é hoje desabitado, tal o susto, nos anos sessenta, por que passou uma pequena comunidade quando uma parte de uma destas encostas lhe ia caindo em cima. Uma barragem natural foi o que resultou desse desabamento. Também aqui, os mais estreitos vales alpinos, de origem glaciar, parecem largas avenidas. O relevo, mesmo quando, subindo, parece a pique, nos Alpes ou nos fiordes noruegueses, tem pouco a ver com as paredes a quase noventa graus da Rivière des Remparts, rasgadas apenas, no meio do verde, pelo sulco das quedas de água. Subindo mais, o verde começa a desaparecer, entramos no império dos líquens e da urze, do cinzento e do amarelo brilhante das flores. A natureza das pedras não engana ninguém - aproximamo-nos de um vulcão e a terra que pisamos é cada vez mais nova. PLANÍCIES, PLANALTOS, AREIAS, CINZAS, LAVAS, CONES E CRATERAS (em breve) (Plaine des Sables, olhando para ocidente) (Formica Leo, um cone "stromboliano", hoje) ERUPÇÕES A última erupção do Piton de la Fournaise foi em Agosto e terminou em 30 de Setembro. A próxima pode ser hoje ou amanhã. Ontem, todas as pessoas que se encontravam nesta área, de onde estou a pensar no que agora escrevo, foram retiradas, algumas de helicóptero, devido ao acumular rápido de sinais percursores de nova erupção. A terra treme e observam-se alterações no volume da cratera Dolomieu. (Enclos Fouqué e Formica Leo, hoje) Hoje, olho a grande superfície de lava negra que enche o Enclos Fouqué , à minha frente estão as crateras Bory e Dolomieu, a "cratère brûlant". A lei de Murphy vai funcionar de novo e, depois de tanto esforço para ver a “fornalha” activa, vou falhar por um dia ou dois. Trago comigo uma pequena pedra, porosa e leve, avermelhada pela oxidação, atirada pelo vulcão, há dias ou há mil anos, volto as costas e desço. (Crateras Bory e Dolomieu, hoje) 29.10.03
ABRUPTO CREOULO
Agradecimento a José Bento, pelas indicações que me enviou e por me ter ensinado "Oté, coment ilé?" e que a resposta deve ser "il lelá".
IMPÉRIOS COLONIAIS
Como era normal, acabaram os impérios coloniais, o português com a convulsão que se sabe. Os territórios do império foram, desde a década de sessenta, incluídos pelas Nações Unidas na Comissão de Descolonização, e os casos especiais, como Macau, foram, a prazo, resolvido com a retoma de soberania pela China. Mas há impérios coloniais e impérios coloniais. Hoje vi um mapa, numa sala operacional da Marinha Francesa, as áreas debaixo da sua jurisdição no Oceano Índico, e nelas cabiam três Mediterrâneos. Ilha a ilha, arquipélago a arquipélago, rocha habitada ou desabitada, de Mayotte à Mauricia e Reunião, de Nouvelle Amsterdam a Kerguelen, uma imensa quantidade de mar austral é francesa , incluindo o centro do canal de Moçambique e uma enorme fatia de mar até à Antártida. Essas ilhas, na sua zona económica exclusiva, têm alguns dos melhores locais de pesca desta região. Como é que nenhum pais limítrofe, como Madagáscar, por exemplo, reinvindicou a soberania sobre essas ilhas? De facto, há histórias coloniais e histórias coloniais. Muitas destas ilhas têm ou tiveram nomes portugueses. (Sem todos os acentos)
SNIPETS
Dito por um amigo maltês, no outro lado do mundo: "Sabes, no meu país somos quase noventa por cento de católicos, mas em maltês Deus diz-se Alá". Não sabia. 28.10.03
DE LONGE,
a uma luz diferente, escrevo. Vi o Kilimanjaro, sem neve. Amanhã (talvez sem acentos) encontrarei neve no mais improvável lugar e voltarei aqui. 27.10.03
EARLY MORNING BLOGS 68
Acho que, pela primeira vez, um "early morning" se sucede a outro. Vicissitudes do tempo. Se tudo correr bem e os satélites cumprirem os seus deveres, o Abrupto desta semana estará muito longe, no meio de nada, perto, muito perto, de um vulcão a sério, La Fournaise. O autor leu, há muitos anos, as palavras de Kant sobre o "belo" e o "terrível", e sempre gostou de vulcões, pelo que haverá chamas, lavas, fumos tóxicos, cinzas e outros ejecta. Uma paz de espírito, nada que se compare ao estado da pátria. Bom dia. 26.10.03
EARLY MORNING BLOGS 67- II
Touch Me In The Morning (Gravada por Diana Ross, cortesia da Isabel S.) RON MILLER / MICHAEL MASSER "Touch me in the morning then just walk away We don't have tomorrow but we had yesterday Hey wasn't it me who said that nothin' good's gonna last forever And wasn't it me who said let's just be glad for the time together Must've been hard to tell me That you've given all you had to give I can understand your feelin' that way Ev'rybody's got their life to live Well I can say goodbye in the cold morning light But I can't watch love die in the warmth of the night If I've got to be strong don't you know I need to have tonight When you're gone till you go I need to lie here and Think about the last time you'll touch me in the morning Then just close the door leave me as you found me Empty like before Hey wasn't it yesterday we used to laugh at the wind behind us Didn't we run away and hope that time wouldn't try to find us Didn't we take each other to a place where no one's ever been Yeah I realy need you near me tonight 'Cause you'll never take me there again Let me watch you go with the sun in my eyes We've seen how love can grow now we'll see how it dies If I've got to be strong don't you know I need to have tonight When you're gone till you go I need to hold you until the tie Your hands reach out and Touch me in the morning then just walk away We don't have tomorrow but we had yesterday We're blue and gold and we could feel one another living We walked with a dream to hold and we could take what the world was giving There's no tomorrow here there's only love and the time to chase it Yesterday's gone my love there's only now and it's time to face it."
EARLY MORNING BLOGS 67
Excelente comentário sobre atitudes portuguesas, entre a indiferença quotidiana pelo que é importante e o encher o peito de ar contra a “campanha” estrangeira denegridora, no Complot. Com a distância que o tempo trará, um dia se fará uma análise dos temas, da agenda da blogosfera. Por exemplo: a resolução da ONU sobre o Iraque, que, seja qual for o ponto de vista, tem que ser considerada um importante documento político, não mereceu praticamente nenhum comentário, salvas as habituais excepções. Mais importante do que comentários dispersos, é saber se uma matéria foi ou não incorporada nas discussões, e, neste caso, não foi. Também não teve grande relevo na imprensa, e talvez pelas mesmas razões: a resolução dá à ocupação militar do Iraque pelos EUA e seus aliados (porque é este o nome da coisa) a cobertura das Nações Unidas, da “legalidade internacional”. Pelo contrário, estou certo que irá haver enormes pressões para que se discuta a escolha do novo director do Diário de Notícias. Admira-me que ainda não tenha aparecido a habitual invectiva a “exigir” que eu comente o caso, sob pena de ser reduzido a um pequeno funcionário partidário, sem ética nem vergonha. Mas eu já comentei o “caso” há muitos anos: enquanto o Estado for dono de órgãos de comunicação social, de que tem a posse directa, como a “televisão pública” ou a RDP, ou que foram de novo “nacionalizados” via PT, por iniciativa do par Guterres - Pina Moura, sem protesto de ninguém, todos os governos fazem nomeações políticas para as suas direcções. Insisto, todos. E vão continuar a fazer enquanto esta situação se mantiver. Por isso, e para que não haja indignações selectivas, só participo em campanhas contra a manipulação, pelos governos, da comunicação social, quando estas forem até à raíz do problema e pugnarem pelo fim da comunicação social do Estado. Enquanto for assim, até prefiro que as nomeações sejam transparentes e que se saiba quem manda. O maior atentado contra a liberdade da imprensa cometido nos últimos dez anos foi a compra da Lusomundo pela PT, e passou sem qualquer protesto dos que agora batem com a mão no peito. O governo era socialista e a medida estatizante, pelo que ninguém quis saber das suas implicações. 25.10.03
PARA UMA ANTOLOGIA DA CUNHA EM PORTUGAL: EÇA DE QUEIRÓS PARA OLIVEIRA MARTINS
“Bristol, 29 de Julho de 1886 Meu Querido Oliveira Martins O portador desta carta será, creio eu, o sobrinho de minha mulher, D. Luís de Castro, que vai fazer exames - exames que ele te explicará, porque eu nada compreendo das divertidas complicações da pedagogia nacional. Sei apenas que, quando um rapaz quer ser engenheiro - o Estado imediatamente lhe ensina Retórica e Direito Canónico: e quando o temperamento de outro moço o inclina para a Teologia - logo o Estado o torna proficientíssimo em Desenho Linear e Botânica. Quando eu estava no Porto, assisti com efeito ao pavoroso espectáculo dos estudos de Luís de Castro: ele quer ser, creio eu, engenheiro naval: e para isso andava introduzindo dentro do crânio, por meio de um martelo e de um compêndio, um tratado de direito civil, as "Éclogas" de Virgílio e a lista de todos os reis de França e de Inglaterra, com os seus nomes, os seus números, as suas alcunhas, as suas famílias, os seus bastardos e as suas fundações pias. E foi então que eu compreendi a filosofia e a secreta moral do empenho. O empenho, tão caluniado pelos austeros, é por fim a salvação do País O empenho é o correctivo do bom senso público aplicado ao disparate oficial. Sempre que um regulamento, saído de um antro burocrático, impôe ao público uma prática tola - o público coliga-se por meio do empenho, para lhe anular os efeitos funestos. O Estado, imbecil, exige que meu filho ou sobrinho, que quer ser engenheiro, saiba de cor a Lógica do João Dória e a Retórica do Cardoso?... Pois bem, eu o lograrei, na sua imbecilidade! E vou direito ao examinador e, por meio do empenho, consigo que o rapaz venha a ser engenheiro, sem nada saber dos impossíveis físicos e metafísicos e da Teoria do Silogismo. Tal é o grande, nobre papel do empenho na sociedade portuguesa: ele é a conjuração do bom senso positivo contra o idealismo obsoleto e tolo das instituições. Este aranzel tende a acalmar a tua consciência de filósofo e de patriota - quando eu agora te pedir, com instância que te empenhes para que D. Luís de Castro seja aprovado em todas essas matérias que o Estado lhe fez decorar, que ele decorou com paciência e submissão, mas que, no momento preciso, lhe podem esquecer - como todas as coisas que a gente sabe só de cor, e só em obediência ao Estado! Como esta carta é só de empenho, não te falo em outros assuntos - a não ser em dois igualmente interessantíssimos para Portugal e para mim: quando há probabilidades de que tu, ENFIM, nos comeces a governar? E quando aparecem os sonetos de Santo Antero? Abraça o Santo, e tu, recebe abraço igualmente afectuoso, do teu do C. Queirós” (Retirada de Cartas de Autores Portugueses, Edição dos CTT, 1987; cortesia de Américo Oliveira )
NUNCA TINHA VISTO
um bando de pardais proteger-se da chuva debaixo de um pequeno arbusto. Vantagem de quem anda à chuva. Lá estão eles, pousados entre os ramos, debaixo das folhas, com uma completa incapacidade para estarem quietos. Se eu fosse romano, interpretaria os augúrios. Se eu fosse Stephen King, sabia que augúrios com pardais não são auspiciosos. Como não sou nenhuma dessas coisas, estou solidário com os pássaros, mas menos irrequieto.
PESSOA, AUTOR DE BLOGUES
Que blogue magnífico dariam frases fragmentárias como esta horaciana: “UM EPICURISMO feito de abdicações... Toda a nossa arte deve ser a de reduzir ao mínimo o elemento doloroso dos prazeres - a fúria que queiramos pôr neles, o desejo de que durem para além do que podem durar, a saudade inútil do que foram... Uma abdicação lúcida e tranquila, um culto pensadamente ingénuo de si mesmo e dos próprios vícios, se eles se prestam a esse culto.” Ou este exercício à volta da frase de Wilde sobre como “most people are other people”: “O ARISTOCRATA é o que não obedece; por isso, por sua natureza de não obedecer, degenera em não obedecer a convicções que tem, em não obedecer a si próprio. Daí o facto das aristocracias acumularem em geral a teoria moral e a corrupção prática ambas em alto grau e consciente e sinceramente. O aristocrata é o indivíduo que sente a necessidade de agir diferentemente dos outros. Ao passo que o burguês deseja agir conforme a regra geral, o aristocrata pretende o contrário. Ele é o que age por si. Ele e ele, não os outros, como dizia o Oscar Wilde da maioria da gente. (…). O aristocrata é a forca desintegrante, do progresso, anarquista. 0 povo é que é a força conservadora. Na classe media, basilarmente povo, adoptadamente aristocrática, dá-se o equilíbrio de tendências que mostra o estado social, a norma vital da sociedade. Aristocratizacão total = anarquizacão. O individualismo é limitado. Há gente inindividualizável.” Ou, por último: “UMA ÁRVORE NÃO VAI a comícios. Urna pedra não tem na ponta da língua (que aliás não possui) tudo o que afinal Karl Marx nunca disse ou quis dizer.” Tudo isto em mais uma série de textos saídos da arca infinita: Fernando Pessoa, (Edição de Richard Zenith), Escritos Autobiográficos, Automáticos e de Reflexão Pessoal, Lisboa, Assírio e Alvim, 2003.
IMAGEM
de ontem, é um azulejo de Iznik, da segunda metade do século XVI. Está na Mesquita do Sultão Ahmet em Istambul. Brilha hoje, como há quinhentos anos.
EARLY MORNING BLOGS 66
Um simples Vinicius, pela manhã: "De manhã escureço De dia tardo De tarde anoiteço De noite ardo A oeste a morte Contra quem vivo Do sul cativo Este é o meu norte. Outros que contem Passo por passo: Eu morro ontem Nasço amanhã Ando onde há espaço: Meu tempo é quando." (Cortesia da Rita M., fiel desde o princípio.) * Bom dia e deixem de protestar contra a chuva. A chuva sempre lavou a alma, e enche as terras de força. Lá no fundo, onde só a minúscula toupeira vê, não vendo, há festa entre as raízes.
DUPLA “DUPLICIDADE”
O Retórica e Persuasão perguntava-me sobre as razões porque usei uma frase, que tinha publicado no Abrupto, num artigo do Público. Reproduzo aqui as perguntas e os meus comentários. A questão suscitada interessa-me porque a inter-comunicabilidade entre diferentes meios de comunicação (blogue, audiovisual, escrita) é para mim um problema, ao mesmo tempo teórico e prático. E não me esqueço de que, numa das minhas primeiras notas no Abrupto, eu remetia para uma resposta mais completa a uma determinada questão para um debate do Flashback, que já estava gravado, e isso provocou a fúria de alguns autores de blogues, como se fosse uma violação do ethos da blogosfera. Aliás, sou frequentemente incitado (algumas vezes provocado) a escrever sobre determinados assuntos e, se não o faço, imediatamente criticado, com a demasiado rápida excitação de alguns blogues, principalmente os de jornalistas, que têm tanto speed que depois se cansam depressa. Muitas vezes, como já disse o que queria dizer e como o queria dizer noutro tempo (a memória não tem para mim quinze dias, nem quatro Expressos, nem dois meses de TSF), ou noutro sítio, não me vou repetir. 1) Tratou-se de mero lapso [o conteúdo de tal post na sua crónica no Publico ] ou de uma decisão consciente? De uma decisão consciente. O texto fazia parte de um cluster, para usar um anglicismo em moda, de reflexões fragmentadas que coloquei no blogue. Depois evoluíram para um texto mais extenso que pensei publicar no Público (parecia-me um assunto com interesse geral, e a forma de um Dicionário permitia-me acrescentar e cortar algumas notas, e pode ser que no futuro algumas dessas notas venham para o Abrupto). O meu uso dos media a que tenho acesso é comunicante, utilizo o que me parece mais conveniente conforme a natureza dos media e do que pretendo dizer ou escrever. 2) E a confirmar-se a segunda hipótese: a) dever-se-á reconfigurar a "novidade" como requisito da publicação jornalística? Não penso que a “novidade” seja o elemento fundamental, embora tenha em conta que o artigo deve ser no essencial inédito para o grande público do Público. Como o jornal tem muitos mais leitores do que o blogue, e a parte que aproveitei do texto do blogue era apenas uma pequena parte (e, mesmo assim, com alterações), entendi usá-la. Já fiz isso uma ou duas vezes, do blogue para a televisão, da televisão para o blogue ou o jornal. Por outro lado, deliberadamente, quando me agrada uma ideia ou uma frase, ou uma determinada formulação de um problema (um vírus), esforço-me por a usar de forma complementar nos diferentes media, ou seja, infectar as pessoas com ela. Isto inclui o uso da “retórica” e da “sedução”. Como sempre tenho afirmado, não sou indiferente aos resultados do que digo ou escrevo, em particular quando versa matérias a que atribuo um significado cívico. Nas outras matérias, já considerações de eficácia têm pouca importância, ou os mecanismos dessa eficácia são de tipo diferente, narrativo, estético, etc.. Há, no entanto, uma distinção que queria fazer, sabendo que as fronteiras que ela enuncia são precárias e difíceis de definir: eu estou no “mercado das opiniões”, não no das “agendas”. Não são mutuamente incompatíveis, e pode-se sempre chamar agenda a qualquer intencionalidade da fala, mas é uma distinção que tenho vindo a compreender cada vez melhor. Noutra altura voltarei a falar disto, porque é aqui que as questões da análise, da objectividade, da propaganda, se podem colocar. b) poderá a prévia edição num blogue servir de "balão de ensaio" para a publicação no jornal? Sim, como se vê pelas respostas anteriores. 24.10.03
ASCENSÃO E QUEDA
Theodorus Metochites, que aqui está segurando uma igreja que oferece a Cristo, ele representado de lado, Cristo de frente sentado num trono (não se vê no fragmento), era um poderoso nobre bizantino. Era rico e culto, excepcionalmente culto, mesmo numa terra onde a nobreza cultivava o saber e tinha livros em casa, o que era muito raro no lado “latino” do mundo. A igreja que restaurou, S. Salvador em Chora (depois, a mesquita de Kariye), foi a que o acolheu quando da sua desgraça. Depois de ser Grande Logoteta (uma espécie de cargo entre tesoureiro e ministro das finanças) do imperador Andronikos II, envolveu-se numa guerra civil familiar entre avô e neto, na qual ganhou o neto, futuro Andronikus III. Theodorus fugiu e exilou-se. Escapou da morte ou da cegueira, uma habitual punição bizantina, e, mais tarde, o imperador concedeu-lhe a possibilidade de regressar ao seu mosteiro. O poderoso Theodorus estava arruinado, velho e doente, e voltou como um monge vulgar, adoptando o nome de Theoleptus. Todos os dias, quando entrava na igreja, olhava para cima e via-se ao lado de Cristo, brilhando na sua roupa dourada, parecendo-se estranhamente com um turco, dos que, cento e vinte anos depois, transformariam a sua igreja numa mesquita. A parecença ainda é maior pelo enorme skiadion, tão semelhante a um turbante, que leva os guias a puxarem para o exótico e dizerem que ele estava vestido “à turco”. Não, não estava, estava vestido à bizantino, só que naquela parte do mundo as coisas acabavam por ser mais parecidas do que imaginamos. Theodorus, agora Theoleptus, viu-se, todos os dias dos seus últimos anos, assim no apogeu da sua glória, na juventude, com todo o poder, com o poder de estar ao lado direito de Cristo e lhe dar uma igreja. O seu passado presidia, à entrada da nave da igreja, ao seu presente. Antes estava em cima, agora em baixo. Ironia, ironia triste do tempo. É ao ver estas coisas que eu percebo como foi possível haver poetas, como Kavafis, que ouviram os ecos longínquos deste mundo antigo dos gregos que achavam que eram os últimos romanos.
ABRUPTO (No Dicionário Houaiss)
Esta é a entrada de "abrupto" no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, essa gigantesca obra de saber e erudição, que finalmente está disponível em Portugal: abrupto /ab-ru/ adj (1783, cf. DDP) 1. em declive rápido ou de inclinação quase vertical; abruptado, íngreme 2. fig. Que ocorre de maneira súbita, inopinada 3. fig. De natureza ou carácter áspero, rude ETM lat. Abruptus.a.um separado, quebrado, rasgado, interrompido, precipitado, part.pas. de abrumptere quebrar, separar, interromper, destruir; ver romp- SIN/VAR ab-rupto; ver tb. Sinonímia de inesperado e repentino e antinomia de suave ANT ver sinonímia de inesperado e antinomia de suave PAR abrupta (f.) / à bruta (loc.)
IMAGENS
por identificar dos últimos dias, são, com excepção da última, otomanas e turcas. ESCREVER A DIREITO é um mosaico do Grande Palácio que está no Museu do Mosaico em Istambul. URDIDURA não é uma conspiração, mas um Kilim da Anatólia oriental. FRONTEIRAS DA UNIÃO é uma miniatura otomana do século XVII e, embora pareça uma cena de guerra, é um jogo de pólo. Fora do oriente, LES ESPACES LIMPIDES são uma vista de Diemen, de Rembrandt.
EARLY MORNING BLOGS / LES BLOGUES DU PETIT MATIN / LOS BLOGUES DEL TIEMPO QUE ALBOREABA 65
Hoje, duas manhãs muito diferentes. Uma em Paris, outra em Granada, uma de agora e outra de há setecentos ou oitocentos anos. A de Paris é de uma canção de Jacques Dutronc, com letra de Jacques Lanzmann (cortesia de Júlio Costa e de Jorge Lemos), e é um belo retrato de Paris às cinco da manhã: Il est cinq heures, Paris s'éveille “Je suis l'dauphin d'la place Dauphine Et la place Blanche a mauvaise mine Les camions sont pleins de lait Les balayeurs sont pleins d'balais Il est cinq heures Paris s'éveille Paris s'éveille Les travestis vont se raser Les stripteaseuses sont rhabillées Les traversins sont écrasés Les amoureux sont fatigués Il est cinq heures Paris s'éveille Paris s'éveille Le café est dans les tasses Les cafés nettoient leurs glaces Et sur le boulevard Montparnasse La gare n'est plus qu'une carcasse Il est cinq heures Paris s'éveille Paris s'éveille Les banlieusards sont dans les gares A la Villette on tranche le lard Paris by night, regagne les cars Les boulangers font des bâtards Il est cinq heures Paris s'éveille Paris s'éveille La tour Eiffel a froid aux pieds L'Arc de Triomphe est ranimé Et l'Obélisque est bien dressé Entre la nuit et la journée Il est cinq heures Paris s'éveille Paris s'éveille Les journaux sont imprimés Les ouvriers sont déprimés Les gens se lèvent, ils sont brimés C'est l'heure où je vais me coucher Il est cinq heures Paris se lève Il est cinq heures Je n'ai pas sommeil” * Depois entramos na “mañana”, pela primeira vez e com que fragor, clareza e brilho, com este romance do Romanceiro Viejo, um dos meus preferidos: La mañana de San Juan "La mañana de San Juan - al tiempo que alboreaba, gran fiesta hacen los moros - por la vega de Granada. Revolviendo sus caballos - y jugando de las lanzas, ricos pendones en ellas - broslados por sus amadas, ricas marlotas vestidas - tejidas de oro y grana. El moro que amores tiene - señales de ello mostraba, y el que no tenía amores - allí no escarmuzaba. Las damas moras los miran - de las torres de la Alhambra, también se los mira el rey - de dentro de la Alcazaba. Dando voces vino un moro - con la cara ensangrantada: - Con tu licencia, el rey, - te daré una nueva mala: el infante don Fernando - tiene a Antequera ganada; muchos moros deja muertos, - yo soy quien mejor librara, siete lanzadas yo traigo, - el cuerpo todo me pasan, los que conmigo escaparon - en Archidona quedaban. Con la tal nueva el rey - la cara se le demudaba; manda juntar sus trompetas - que toquen todas el arma, manda juntar a los suyos, - hace muy gran cabalgada, y a las puertas de Alcalá, - que la Real se llamaba, los crisitianos y los moros - una escaramuza traban. Los cristianos eran muchos, - mas llevaban orden mala, los moros, que son de guerra, - dádoles han mala carga, de ellos matan, de ellos prenden, - de ellos toman en celada. Con la victoria, los moros - van la vuelta de Granada; a grandes voces decían: - -¡La victoria ya es cobrada!" * Bom dia!
VER A NOITE
Há quanto tempo não via as Plêiades, ou a Via Láctea, ou sequer uma estrela decente brilhando num fundo escuro! Assim me preparo para o Cruzeiro do Sul. 23.10.03
CENAS DA VIDA PARLAMENTAR EUROPEIA
Acabei de votar pelo menos 390 vezes (trezentas e noventa vezes), descontando algumas repetições de votações que tiveram que ser confirmadas por voto electrónico. Votei sobre tudo, desde o destino geral do mundo, até ao "espírito empresarial da Europa", dos caminhos de ferro aos stocks de bacalhau, da Bolívia até ao tráfico de órgãos, numa obsessão proclamatória absolutamente irrelevante, tanto mais que a maioria dos documentos votados são meras recomendações, a que ninguém liga nenhuma. Há uma verdadeira mania da emenda, um existir pela emenda. Existe-se pela emenda e pela declaração de voto, e dá resultado. Quando chegarmos às próximas eleições europeias, vão ver como haverá uns jornalistas que interpretarão as estatísticas das emendas, das declarações de voto, das intervenções de um minuto, e outras actividades feitas só para as estatísticas , como indicadores do "trabalho". Entretanto, vota-se trezentas e noventa vezes hoje, cento e tal ontem, e cento e tal anteontem. * Numa reunião sobre o multilinguismo e o multiculturalismo, duas palavras quentes em vésperas do alargamento, discutiu-se a sinalética como alternativa a ter cartazes do tamanho de uma parede com inscrições em duas dezenas de línguas para tudo. Houve, no entanto, reservas quanto à sinalética para identificar os quartos de banho das senhoras e dos cavalheiros porque a distinção saias-calças parece ser entendida como confusa e sexista. Como acho que não me elegeram para discutir a sinalética dos quartos de banho, propus a representação estilizada, em nome dos bons costumes, dos órgãos sexuais masculinos e femininos para identificar as portas. Sem sucesso. Parece que também não é inequívoco. * Vai haver um enorme problema com o maltês que passa a ser uma das línguas oficiais da União. Na ilha não parece haver mais do que uma dezena de intérpretes qualificados para todas as instituições europeias, e não se vê muito bem como é que se vai conseguir fazer funcionar os mecanismos institucionais que implicam obrigatoriamente o uso da língua. O acervo comunitário (cerca de 80.000 páginas) tem que ser traduzido em maltês e, como os tribunais em Malta só trabalham em maltês, não se concebe como a legislação europeia, na sua magnífica complexidade burocrática e extensão, pode a tempo ser traduzida. Jovens portugueses, aprendei o maltês, porque o emprego é assegurado!
EARLY MORNING BLOGS 64
O ar da noite começa a estar frio, daquele frio que precede o frio verdadeiro, apenas um ou dois graus, e uma pequena nuvem passa a acompanhar-nos como se fossemos um pico de um monte. O ar frio respira-se com maior densidade, sabe a frio, o quente não sabe a nada. E de manhã já há a "luz do Norte", esse cinzento ténue mas fundo, que entra nas casas, que parece uma continuação das casas, das ruas. Um cinzento que não é bruma, nem é húmido, mas apenas uma cor das coisas. * Respondendo ao apelo do senhor Presidente da República (e cortesia do António Afonso), a manhã de hoje sobe, "eleva-se", "au-dessus des étangs". Élévation "Au-dessus des étangs, au-dessus des vallées, Des montagnes, des bois, des nuages, des mers, Par delà le soleil, par delà les éthers, Par delà les confins des sphères étoilées, Mon esprit, tu te meus avec agilité, Et, comme un bon nageur qui se pâme dans l'onde, Tu sillonnes gaiement l'immensité profonde Avec une indicible et mâle volupté. Envole-toi bien loin de ces miasmes morbides; Va te purifier dans l'air supérieur, Et bois, comme une pure et divine liqueur, Le feu clair qui remplit les espaces limpides. Derrière les ennuis et les vastes chagrins Qui chargent de leur poids l'existence brumeuse, Heureux celui qui peut d'une aile vigoureuse S'élancer vers les champs lumineux et sereins; Celui dont les penseurs, comme les alouettes, Vers les cieux le matin prennent un libre essor, - Qui plane sur la vie, et comprend sans effort Le langage des fleurs et des choses muettes! " Baudelaire: Les Fleurs du mal * Bom dia! 22.10.03
É LEGÍTIMO DISCUTIR AS ESCUTAS?
Uma carta de Joaquim Torres Costa, sobre a minha intervenção na SIC, representa a crítica mais consistente que me foi feita sobre esta matéria. Os argumentos do seu autor representam dúvidas que eu tive e algumas que eu tenho. Com a sua autorização, publico-a aqui, acrescentando alguns comentários que vão em bold. "Relativamente à matéria da divulgação das escutas telefónicas de membros da direcção do PS, tem você, como actor político e como cidadão, todo o direito chamar à colação as contradições patentes dos seus adversários estratégicos. Isso não pode ocultar o facto, tão manifestamente contrastante com o seu “ethos” público, de você ter aceite comentar como “matéria” politicamente legítima o “conteúdo” divulgado das escutas telefónicas sem, de acordo com a matriz do seu próprio discurso, ter sublinhado expressamente as seguintes circunstâncias :[comecei o que disse na SIC condenando as fugas de informação, e só com processo de intenção é que se pode considerar que isso é retórico] 1) Que a divulgação do conteúdo das escutas resultou necessariamente da perpetração de um crime [de acordo] cuja gravidade é análoga àquela que os seus fautores pretenderam atribuir aos comportamentos alheios. [como não sei quais são os "seus fautores", não posso estar certo da sua intencionalidade. Muito desta carta não poderia ser escrito se o seu autor não tivesse uma ideia pré-concebida sobre quem fez as fugas] Refiro-me não tanto ao crime (banal) da violação do (inefável) segredo de justiça, mas ao de utilização estratégica da qualidade de “fonte anónima” [não estamos neste caso perante uma "fonte anónima", mas perante um documento processual contendo escutas e a sua interpretação pelo Ministério Público; o conteúdo das escutas não foi negado pelos próprios, que apenas afirmaram terem sido citadas fora do contexto] ¾ por parte de quem tem poder de acesso ao teor da investigação e a informação legalmente reservada ¾ com o objectivo de influir publicamente sobre a posição de terceiros que são directa ou indirectamente interessados no mesmo processo .[esta frase só tem sentido se as fugas tiverem a origem que o autor da carta sugere, e não tenho elementos para o confirmar ou desmentir; o que mais clarificava todo este processo era a identificação dos autores das fugas] 2) Que a formatação da “fuga” foi intencionalmente dirigida à apetência primária dos media pelas informações "ready made". Com efeito, não estamos perante transcrições de escutas telefónicas oferecidas ao escrutínio público, mas antes de uma selecção intencional de passagens dessas transcrições, devidamente acompanhadas de comentários e interpretações de uma voz cuja autoridade não é justificada, mas proferidos ao abrigo de qualquer contraditório. O que as fontes forneceram aos jornalistas foi, portanto, um verdadeiro “press release” antecipadamente construído (como é norma) para obter articulação óptima entre os objectivos visados e o modo de percepção dos media necessários à sua divulgação. [ repito o que disse antes: esta frase só tem sentido se as fugas tiverem a origem e a forma que o autor da carta sugere; não tenho elementos para o confirmar ou desmentir, a não ser que as conheci através de um trabalho jornalístico, quer na SIC, quer na RTP, quer no Público, que me pareceu até bastante sóbrio e sólido para o costume] 3) Que, finalmente, algumas das passagens seleccionadas devem a sua eficácia simbólica à exploração da fractura ontológica (universalmente inscrita na ordem psicológica, social e mesmo moral) entre a linguagem pública e a linguagem privada (mesmo se aplicada a coisas públicas), sendo certo que nenhum titular de estatuto público (político, jurídico, pedagógico ou religioso) poderia resistir (salvo em regime da mais totalitária autocensura) ao escrutínio terrorista do seu discurso privado nem à respectiva divulgação ad hoc como instrumento dos conflitos sociais em que fosse participante. [inteiramente de acordo: sempre que me tenho pronunciado na matéria, tenho desvalorizado esse aspecto da linguagem; os plebeísmos utilizados parecem-me de todo irrelevantes e insusceptíveis de qualquer julgamento negativo; na análise das escutas tornadas públicas não é a linguagem, nem as opiniões, que me interessam, mas apenas os factos; só esses me parecem passíveis de interpretação legitima, se forem do domínio dos comportamentos políticos, como penso ser inequívoco que são. Nunca deveriam ter sido conhecidos deste modo, mas é um facto que são públicos.] É certamente difícil imaginar, no mundo real, um comentarista da “área do partido X” recusando a oportunidade de explorar a rendibilidade simbólica de tais “revelações” sobre “membros do partido Y”, quaisquer que seja os partidos concretos que em cada momento preencham o lugar daquelas incógnitas. [não é verdade: tenho noutras ocasiões , no Flashback e em artigos, defendido, mesmo contra o meu partido, responsáveis do PS ; por exemplo, já mais de uma vez defendi Ferro Rodrigues, como quando da crise das "patetices", que também incidia sobre uma questão vocabular; o problema é que, para certas pessoas e apenas para certas pessoas, nunca há memória consistente: quando critico Paulo Portas ou o governo ou o PSD, sou "independente" e 'corajoso"; quando critico o PS estou ao "serviço", sou dúplice ou contraditório. Este tipo de "prova de vida", que aliás também é dúplice porque não exigida a outros, não é aceitável. Já tenho biografia suficiente nestas matérias para estar sempre a ser julgado ... quando critico o PS ou o "outro lado". ] Mas, no mundo ideal do “há muito que venho dizendo”, o autor e o cidadão José Pacheco Pereira jamais teriam consentido “comentar” como “informação” (como substância moral e epistemologicamente neutra...) uma representação da realidade tão fundamentalmente inquinada na sua origem, na sua forma e no seu processo por pressupostos cuja denúncia tem constituído exactamente a matriz do seu discurso público. Era nessas ¾ e só nessas condições ¾ que a invocação argumentativa que faz das suas próprias posições passadas e das dos seus adversários políticos em face de circunstâncias semelhantes adquiriria toda a sua eficácia intelectual e moral. Com todo o respeito, o que o José Pacheco Pereira agora diz no seu blog, ou mesmo o que venha dizer na sua selectiva coluna do Público, não apaga o que consentiu fazer perante uma gigantesca audiência televisiva em horário nobre: uma arrepiante demonstração de realpolitik da inteligência. [Não há qualquer regra deontológica que impeça ou limite o comentário deste tipo de informação, nem esta questão nunca fora posta antes, para casos prévios de divulgação de escutas em processos crime - e são vários os casos, alguns recentes, como o do deputado António Preto. Este, pelos vistos, não teve direito a nenhuma indignação, embora toda a gente comentasse a escuta do episódio da mala. Nesta matéria, há distinções deontológicas que podem parecer subtis, mas que são fundamentais. São, aliás, as habituais nos grandes órgãos de comunicação social internacional, em que a ideia de que este tipo de documentos não é passível de discussão apareceria como muito bizarra. As minhas regras são próximas (mas não inteiramente idênticas, porque não sou jornalista) das que vêm em qualquer manual de deontologia: Nunca discutiria escutas que tivessem sido feitas por jornalistas, ou "oferecidas" a um órgão de comunicação social sem conhecimento da fonte nem da legalidade da sua obtenção. As escutas agora divulgadas são fruto de um crime (a violação do segredo de justiça) , mas têm fonte identificada e não são anónimas (o autor da fuga não é a fonte, mas sim o documento com as transcrições), são legais e não foram contestadas na sua veracidade, apenas no "contexto". (Aqui não aceito a posição socialista porque não é difícil contextualizá-las.) Nunca discutiria escutas (nem qualquer outro tipo de documentos) que tivessem a ver com as acusações que vão ser julgadas em tribunal, e que antecipassem a condição de inocente ou culpado dos arguidos. Nunca discutiria escutas (nem qualquer documento) que contivesse matéria sensível e íntima (de ordem sexual, por exemplo) e que pudesse ser resumido sem perda de teor informativo por frases como "X é acusado de trinta casos de...", evitando uma desnecessária violência pessoal sem prejudicar o eventual interesse público em se saber de que é que um político é acusado. Também nunca me pronunciaria sobre escutas que envolvessem, no âmbito desta matéria intíma, terceiros. Por isso, acho inaceitável a publicação na íntegra do pedido de levantamento da imunidade parlamentar de Paulo Pedroso, como o Independente fez. Se a SIC fizesse o mesmo, ou coisa parecida, recusar-me-ia a comentar. Mas isto significa, por outro lado, que aceito como legítima a divulgação pela comunicação social de escutas como as que estamos a discutir e que versam matéria com significado político, independentemente do seu valor para o processo. No entanto, se a decisão de fazer as escutas e as transcrever por parte do MP fosse apenas a parte política do seu conteúdo, elas seriam para mim inadmissíveis e um claro abuso de poder. Quando tudo se conhecer, até pode ser esta a minha conclusão; até lá, não posso eliminar racionalmente a hipótese de que possa ter havido uma tentativa de "perturbação do processo" usando o poder político. Não estamos em terreno diferente das acusações ao ministro Martins da Cruz, só que com muito maior gravidade. Mas admito que é interpretativo, e portanto inseguro. ] Ora para isso, como sabe melhor do que ninguém, mais vale, à mesma hora, sintonizar a TVI. " [Tem razão]
RISCOS
O Aviz escreve: "eu temo, sinceramente, um acordo de Bloco Central sobre a matéria [caso Casa Pia]. Todos os sinais estão por aí, dispersos. Questão de marketing patriótico." Eu também temo, e espero que não. Mas já há demasiadas conversas privadas e circulação privilegiada de informação para meu gosto. Para os políticos é fundamental, nestes casos, respeitar em absoluto a separação de poderes. Nesta matéria nunca se toca em privado, em confidência, em nenhuma circunstância. Quem o faz, queima-se.
POLÍTICA EXTERNA DA UNIÃO
Com a figura de um Ministro de Negócios Estrangeiros da UE, prevista na Constituição, pretende-se um upgrade da capacidade externa da União. O que se vai ter é um downgrade dessa política externa. Eu conheço bem como se formulam as posições de política externa da UE, a julgar pelo que é essa componente no Parlamento Europeu. As posições "europeias" aqui definidas têm duas características em comum: uma, são uma colagem ecléctica de posições, nem carne, nem peixe, que pretende agradar a todos, desde a extrema-direita aos comunistas; outra, é que, quando tem mais alguma carne ou peixe, são as habituais posições anti-americanas politicamente correctas. Como os mecanismos de consenso e discórdia que aqui funcionam não são assim tão diferentes dos que unem os governos europeus, a impotência do novo MNE da UE não será muito diferente da do Sr. Solana. Recordam-se como ele foi saudado como o sr. PESC, o homem com o número de telefone que Kissinger pedia? Um dos aspectos mais negativos da Constituição europeia é que está cheia destes falsos upgrades, a que não corresponde nem vontade política dos governos, nem legitimidade popular.
PERGUNTAS QUE É PRECISO COMEÇAR A FAZER
Se estivesse em vigor a Constituição europeia, poderia o Primeiro Ministro português ter organizado e participado na Cimeira dos Açores durante a crise do Iraque? Se estivesse em vigor a Constituição europeia, poderia Portugal ter decidido enviar tropas da GNR para o Iraque? Não importa aqui saber se as pessoas estão ou não de acordo com estas iniciativas, mas sim saber se existe qualquer autonomia da nossa política externa numa crise deste tipo.
EARLY MORNING BLOGS 63
De vez em quando, os portugueses descobrem que o seu país não está onde às vezes o futebol o coloca, mas abaixo do sítio onde está a sua economia. Passam da euforia à depressão e parece não haver maneira de sair deste círculo. A depressão desmobiliza, gera apatia e cansaço, revolta sem destino e construção. Mas eu prefiro sempre que as pessoas tenham um espelho cruel que lhes diga a verdade, em vez de uma imagem projectada do seu gigantesco Ego triunfante nas pequenas coisas. Que percebam que o seu país exige um enorme esforço para sair de um atraso endémico, que tem muito a ver com comportamentos, que tem tudo a ver com comportamentos individuais e colectivos, de cada um de nós e do Estado. Quando, no tempo do engenheiro, toda a gente estava feliz, a bolsa subia, o dinheiro a crédito parecia correr dos bancos para os bolsos sem retorno, o país também se distraía e folgava. Só que a euforia é mais cara do que a depressão, e milhões e milhões desapareceram nesses anos para nunca mais voltarem. Cada manhã, au petit matin, in the early morning hours, tudo pode recomeçar bem ou mal. Os poemas e canções matinais que temos publicado olham a manhã de muitas maneiras: como um começo lustral, como um resto maltratado da noite, como o desespero de mais um dia. Também assim é com a pátria. 21.10.03
RECOMENDAÇÕES DE S. BERNARDO
«Ainda que conhecesses todos os mistérios, toda a vastidão da terra, toda a altura do céu e a profundidade do mar, se te ignorasses a ti mesmo, serias como aquele que constrói sem alicerces e prepara não um edifício, mas uma ruína. Tudo o que construíres a teu lado não será senão um monte de poeira que o vento dispersa. (...). O sábio será sábio em relação a si e será o primeiro a beber a água do seu poço.»
ACTUALIZAÇÕES
nalgumas notas mais abaixo estão a ser introduzidas com frequência, dada a correspondência que está a chegar e a actualidade da questão.
PROTEGER A IMAGEM DO PS
António Costa tem toda a razão quando afirma que "a publicitação dessa audição, consciente que estava que a associação pública do nome do deputado Paulo Pedroso a um processo desta natureza teria consequências irreparáveis na sua imagem junto da opinião pública. Para além de afectar seriamente a imagem do Partido Socialista e do próprio Parlamento" Mas aceitaria o PS que tal fosse feito, por exemplo por Guilherme Silva: que telefonasse ao procurador, pedindo-lhe em confidência que um deputado do PSD que estivesse acusado de peculato ou corrupção, e que igualmente afirmasse a sua inocência, fosse ouvido em segredo? Não é certamente o crime de que são acusados que faz a diferença, pois não? E aceitaria o PS que Guilherme Silva se justificasse dizendo que o fizera para "proteger o PSD"? Todos nós sabemos a resposta. Sou, no entanto, bastante mais sensível à preocupação de Costa com o efeito "irreparável" de acusações, que se venham a provar falsas, contra Pedroso. Se a inocência actual de Paulo Pedroso não for atingida pelas acusações que lhe são feitas (como toda a gente de bem deve desejar), ele terá sido vítima de uma enorme injustiça que merece uma reparação inequívoca de todos.
A CUNHA
que o PS queria fazer, está descrita por António Costa num artigo do Público de hoje ( e também aqui confio plenamente na sua palavra) : "No passado dia 21 de Maio, cerca das 9h00, contactei telefonicamente o senhor conselheiro procurador-geral da República para a sua residência. Passara já uma semana desde que o deputado Paulo Pedroso requerera formalmente junto da Procuradoria-Geral da República a sua audição no âmbito do processo, sem que tivesse obtido resposta. Por outro lado, preocupava-me evitar, na medida do possível, a publicitação dessa audição, consciente que estava que a associação pública do nome do deputado Paulo Pedroso a um processo desta natureza teria consequências irreparáveis na sua imagem junto da opinião pública. Para além de afectar seriamente a imagem do Partido Socialista e do próprio Parlamento. " Acrescente-se que, uma semana antes, do dia 21, nenhum português, a não ser as pessoas directamente envolvidas na condução do processo, era suposto saber do que se passava, pelo que estas iniciativas eram conduzidas em segredo. E isto é, dêem-se as voltas que se quiser, o pedido de um favor.
DUPLICIDADE
Se há coisa que peço a mim próprio, e, se não fosse incréu, ao Senhor, é não cair na duplicidade na análise deste processo, todo ele impregnado de duplicidade. Tenho as minhas opiniões, gostos e antipatias, que é impossível não mostrar; posso cair em contradição, porque isso, às vezes, é inevitável, mas farei todo o possível para não ser dúplice.
A ACUSAÇÃO A JOÃO PEDROSO
de ter ido para o Conselho Superior de Magistratura por causa do processo que envolvia o seu irmão é insustentável. É uma insinuação do mesmo tipo da que foi feita contra Nobre Guedes e a Ministra da Justiça, a propósito do processo Moderna. A verdade é que a primeira insinuação veio apenas de Marcelo Rebelo de Sousa e a segunda foi repetida à saciedade por muitos que agora se indignam, como se fosse a coisa mais natural do mundo, e ninguém pensou em processá-los.
QUEM CONSTRUIU O "SISTEMA" DA REPÚBLICA DOS JUÍZES? (Actualizado)
Houve quem, nos últimos vinte anos, em Portugal, quisesse fazer uma "República dos Juízes" à italiana, respondendo às vantagens eleitorais do populismo justiceiro. Houve quem não tivesse coragem, com receio das consequências eleitorais negativas, devidas igualmente ao populismo justiceiro, de dizer "não" à excessiva concentração de poderes num Ministério Público que não responde efectivamente perante ninguém. A combinação destes dois factores construiu o "sistema" actual. Foram políticos do PSD, PS e PCP que construíram este "sistema" por razões estritamente políticas, numa competição por agradar (ou pelo medo de desagradar) ao populismo, debaixo dos ventos italianos. Do meu partido, recordo-me da acção de dois ministros, Fernando Nogueira e Laborinho Lúcio, mas recordo-me também que, a cada momento, nas revisões constitucionais, na discussão dos principais diplomas sobre justiça, havia uma forte e agressiva pressão para uma "República dos Juízes" à portuguesa vinda do PS e do PCP. O PS e o PCP, em particular, comportavam-se como "partidos do Ministério Público". O último ministro que prosseguiu neste caminho foi António Costa. Enquanto as vítimas eram do PSD, os justiceiros estavam no Independente (com aplauso total da esquerda política, que lhes dava continuidade no parlamento), e as fugas sistemáticas eram só de um lado e sem defesa, porque ninguém tinha coragem para a fazer; nunca houve problemas com "o sistema" e, a cada caso, o clamor era para novas medidas de reforço dos poderes judiciais. Por exemplo: quanto às escutas telefónicas. É verdade que a intenção era usá-las para a criminalidade organizada, para o branqueamento de capitais, para o terrorismo, para a corrupção. Mas convém não esquecer que este processo é sobre pedofilia (sim, porque o processo de que é arguido Paulo Pedroso é de crimes pedófilos), que toda a gente bate (ou batia) com as mãos no peito considerando um "crime hediondo", e não me venham dizer que, se se perguntasse ao então ministro António Costa, se a pedofilia era excepção ao regime das escutas, ele responderia com um sonoro "nunca". Aliás, as escutas do processo Moderna, para não ir mais longe, ou do processo que envolve o deputado António Preto, também inclui escutas que foram divulgadas indevidamente. Estão esquecidos? Não ouvi protesto nenhum de Ferro Rodrigues, de António Costa , de Paulo Pedroso, etc., nem Manuel Alegre disse que a democracia estava em perigo. O "sistema" é mau, permite abusos de poder, tem escasso controlo? Com certeza. Mas já era mau antes do caso Pedroso e havia quem o dissesse, curiosamente ninguém dos que agora clamam contra ele e o ajudaram a construir. Proença de Carvalho, Mário Soares (em defesa de Leonor Beleza), e alguns outros, disseram-no. Recordo-me de muitas discussões com José Magalhães (outro dos que construiram o "sistema"), no Flashback, sobre esta matéria, e eu próprio, quando membro da CP do PSD, me pronunciei em sede própria contra a imitação italiana e os seus riscos. Escrevi também sobre isso e portanto pouco me surpreende o que hoje acontece. Dito isto, sou obviamente defensor de alterações profundas no "sistema", mas nunca, jamais,em tempo algum, antes do fim do processo Casa Pia, por razões decorrentes do modo como deve funcionar uma democracia e um estado de direito. * Escreve o Adufe sobre a nota acima: "não são os pecadilhos passados e os telhados de vidro que agora poderão justificar uma espécie de auto-diminuição dos direitos dos visados". Inteiramente de acordo. * De uma mensagem enviada por Luis Rodrigues: "Refere (...): "Dito isto, sou obviamente defensor de alterações profundas no "sistema", mas nunca, jamais, em tempo algum, antes do fim do processo Casa Pia, por razões do modo como deve funcionar uma democracia e um estado de direito". Mas já pensou nas implicações desta ideia? Esta opinião tem implícita duas enormes perversidades: 1ª- Implica o reconhecimento de que este sistema está, afinal, errado. Mas que, por razões de oportunidade de política lato sensu, e também de política judiciária, deveremos sacrificar esta "geração" de arguidos a este sistema reconhecidamente errado, dizendo-lhes: «Desculpem lá, sabemos que isto está errado, mas não é agora oportuno mudar todo o sistema; mal o vosso caso esteja resolvido, mudá-lo-emos, de modo que a próxima "geração" de arguidos seja já abrangida por um sistema reformado e melhor... Quanto a vocês, aguentem lá "isto" por agora...». 2ª- A segunda perversidade, é que a ideia de que não se deve mudar agora o sistema, porque não se deve "legislar a quente" esquece que se a ocasião é "quente" para estes arguidos, amanhã será igualmente quente (quem sabe mais ainda) para outros arguidos, e assim sucessivamente... Nunca se mudará, portanto...? Ou já poderá mudar-se a quente para a próxima....? " * Paulo Cardoso coloca-me a seguinte questão : "O problema (...) é, como diz Vital Moreira, "a publicação das conversas telefónicas de dirigentes do PS gravadas no âmbito do caso Paulo Pedroso não constitui somente uma flagrante violação do segredo de justiça, mas também do sigilo das comunicações pessoais. Definitivamente há direitos fundamentais em perigo entre nós. O que causa a maior inquietação é que estas conversas entre pessoas alheias ao processo e manifestamente irrelevantes para a descoberta da verdade no mesmo tenham podido ser gravadas e transcritas para o processo e, agora, tenham sido disponibilizadas "oportunamente" para a comunicação social (toda a gente suspeita como...). Tratando-se de dirigentes políticos, o caso torna-se especialmente grave. O procurador-geral da República não pode manter-se alheio ao escândalo, sob pena de ter de ser responsabilizado por ele" Imagine que o MP, para investigar os casos de António Preto ou Cruz Silva, decide mandar escutar o telefone do Dr. Pacheco Pereira, só porque é um opinion maker que critica a instituição de uma Republica de Juizes e é militante no partido desses senhores investigados. O problema é, como dizia Brecht, "ele nunca se preocupou, mesmo quando foram buscar o vizinho, mas um dia bateram-lhe à porta"
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES
CONVERSAS ORTODOXAS "O seu post como título "CONVERSAS ORTODOXAS" remeteu-me para a demanda do Reino de Preste João. Em vários escritos de historiadores diz-se que Portugal teria feito a procura de Preste João com a finalidade de fugir ao papado de Roma e retornar à originalidade da religião e "das verdades cristãs como foram pregadas na origem do Cristianismo" (João Rosa) O QUE É QUE CORREU MAL? "Muito obrigado por se ter referido ao livro do Bernard Lewis, que fiquei interessadíssimo em ler. Por coincidência, hoje de manhã li uma página do excelente livro da Karen Armstrong, The Battle for God, onde se diz algo que me pareceu divergir um pouco do que percebi ser a tese do Lewis. Permita-me que transcreva os períodos relevantes da pág 40 (edição Harper Collins, 2000): "The Ottoman state was arguably the most up-to-date in the world during the early sixteenth century.It was, for its time, superbly efficient, had developed a new-style bureaucracy, and encouraged a vibrant intellectual life. The Ottomans were open to other cultures. They were genuinely excited by Western navigational science, stirred by the discoveries of the explorers, and eager to adopt such Western military inventions as gunpowder and firearms. It was the job of the ulema to see how these innovations could be accomodated to the Muhammadan paradigm in Muslim law. The study of jurisprudence (fiqh) did not simply consist in poring over old texts, but also had a challenging dimension. And, at this date, there was no real incompatibility between Islam and the West. Europe was also imbued with the conservative spirit. The Renaissance humanists had tried to renew their culture by a return ad fontes, to the sources. We have seen that it was virtually impossible for ordinary mortals to break with religion entirely. Despite their new inventions, Europeans were still ruled by the conservative ethos until the eighteenth century. It was only when Western modernity replaced the backward-looking mythical way of life with a future-oriented rationalism that some Muslims would begin to find Europe alien." (José Vaz de Mascarenhas) LIVROS PROIBIDOS - MEIN KAMPF "Lembro-me claramente de o ouvir responder à mesma questão há uns anos, aquando de um caso envolvendo skinheads. A propósito da proibição de livros, andei a investigar recentemente a proibição do Ulysses de Joyce nos EUA, onde foi ordenada a sua interdição e destruição por ordem judicial, vindo mais tarde a ser permitida a sua livre circulação. Durante essa investigação acabei por encontrar uma espécie de observatório de restrições à liberdade de expressão da American Library Association (ALA). Foi lá que também encontrei este texto, precisamente sobre a questão de as bibliotecas escolares deverem ou não ter o Mein Kampf nas suas estantes: "Let us look for a moment at one book that does, in essence, preach genocide—Adolf Hitler’s Mein Kampf. Few, if any, educators would recommend this book to a student seeking to formulate an individual political perspective. But can a high school library adequately fulfill its mission in a school where a history course covering the Nazi experience is taught, if the fundamental document of the Nazi movement cannot be found for student reference? In such a situation, Mein Kampf—along with other more objective treatments of Hitler’s thought—should probably be in the high school library, funding and space permitting. But, it may be objected, a book that is purchased and shelved for reference purposes, to help students write term papers and learn to analyze controversial materials, will not necessarily be used solely in this manner. What if a little "Hitler cult" emerges in the school and students begin to read Mein Kampf—or some more contemporary racist work—not as an historical or political document, but as a meaningful tract for our times? The situation is troubling, but censorship offers no solution. If there is a problem with racism in a school, removing racist materials from the library will not solve it. Indeed, like other efforts to drive the problem underground, such removals may only exacerbate matters. A good school librarian will work with teachers and school officials continually to take the pulse of student interests. If a segment of the student body seems inordinately attracted to materials that run counter to the purposes of democratic education, then the faculty and staff must work to expose the weaknesses of these materials by discussing them with the students—in class if need be—and by directing students to positive alternatives. One special role played by the school library is to educate students about what libraries are. Students should be taught at an early age that the presence of a book in a library, including in the school library, does not mean that the book is somehow "endorsed" by the librarian or the school. The library is a resource that caters to varied interests; it is a place to go to find out for oneself. This lesson cannot be taught, however, if the school library is not such a place, if the student is in effect told: Come here to find out the things you want to know, but only if established authorities approve them in advance. The school library has an important role to play in educating young people to respect diversity by itself illustrating the breadth of diverse opinion and taste. " Censorship and Selection: Issues and Answers to Schools, Third Edition by Henry Reichman. Pode encontrar mais informações aqui. Queima de livros na Alemanha Nazi. Queima de livros em pleno séc. XXI. (Vítor Brinches e Leitura Partilhada(blog de partilha de leituras; neste momento lemos "Ulysses" de James Joyce)
EARLY MORNING BLOGS / LES BLOGUES DU PETIT MATIN 62
Hoje o Abrupto está francófono e francófilo, mérito de Baudelaire (cortesia de João Costa), com o poema mais triste jamais publicado nesta série. É verdade que este também é o sentimento prevalecente na pátria: "une mer de brouillards" também cai sobre nós. Le crépuscule du Matin "C'était l'heure où l'essaim des rêves malfaisants Tord sur leurs oreillers les bruns adolescents ; Où, comme un œil sanglant qui palpite et qui bouge, La lampe sur le jour fut une tache rouge ; Où l'âme, sous le poids du corps revêche et lourd, Imite les combats de la lampe et du jour. Comme un visage en pleurs que les brises essuient, L'air est plein du frisson des choses qui s'enfuient, Et l'homme est las d'écrire et la femme d'aimer. Les maisons çà et là commençaient à fumer. Les femmes de plaisir, la paupière livide, Bouche ouverte, dormaient de leur sommeil stupide; Les pauvresses, traînant leurs seins maigres et froids, Soufflaient sur leurs tisons et soufflaient sus leurs doigts. C'était l'heure où parmi le froid et la lésine S'aggravent les douleurs des femmes en gésine ; Comme un sanglot coupé par un sang écumeux Le chant du coq au loin déchirait l'air brumeux ; Une mer de brouillards baignait les édifices, Et les agonisants dans le fond des hospices Poussaient leur dernier râle en hoquets inégaux. Les débauchés rentraient, brisés par leurs travaux. L'aurore grelottante en robe rose et verte S'avançait lentement sur la Seine déserte, Et le sombre Paris, en se frottant les yeux, Empoignait ses outils, vieillard laborieux. " Baudelaire 19.10.03
EARLY MORNING BLOGS 61
Para não perder a manhã, dois poemas sobre a aurora, cortesia de Inês Mesquita. Gloire de Dijon "When she rises in the morning I linger to watch her; She spreads the bath-cloth underneath the window And the sunbeams catch her Glistening white on the shoulders, While down her sides the mellow Golden shadow glows as She stoops to the sponge, and her swung breasts Sway like full-blown yellow Gloire de Dijon roses. She drips herself with water, and her shoulders Glisten as silver, they crumple up Like wet and falling roses, and I listen For the sluicing of their rain-dishevelled petals. In the window full of sunlight Concentrates her golden shadow Fold on fold, until it glows as Mellow as the glory roses." D. H. Lawrence * "L’aurore s’allume; L’ombre épaisse fuit; Le rêve et la brume Vont où va la nuit ; Paupiéres et roses S’ouvrent demi-closes ; Du réveil des choses On entend le bruit. Tout chante et murmure, Tout parle à la fois, Fumée et verdure, Les nids et les toits ; Le vent parle aux chênes, L’éau parle aux fontaines ; Toutes les haleines Deviennent des voix ! Tout reprend son âme, L’enfant son hochet, Le foyer sa flamme, Le luth son archet ; Folie ou démence, Dans le monde immense, Chacun recommence Ce qu’il ébauchait. Qu’on pense ou qu’on aime, Sans cesse agité, Vers un but suprême, Tout vole emporté ; L’esquif cherche un môle, L’abeille un vieux saule, La boussole un pôle, Moi la verité ! " Victor Hugo, Les Chants du crépuscule * Bom dia !
IMAGEM
de ontem explica-se a si mesma, no próprio quadro, que está no Stedelijk Museum, em Amesterdão.
ISTAMBULIANA
Reúno aqui algum correio e notas de vários blogues, sobre Istambul e outras questões associadas. Obrigada aos meus leitores e aos meus amigos, companheiros, camaradas (a palavra não tem peçonha), pela oportunidade de aqui se poder falar em “rede”, fio daqui para ali, conversa acabada ou inacabada, memória puxa memória, para conservar no extremo Ocidente esse fragmento do Oriente, demasiado próximo. Não somos “turcophiles”, como Pierre Loti no seu “Stamboul”, mas há “filias” aqui. E obrigada também aos que não cito, mas que em correio privado se referiram às várias formas de “divina sabedoria”. Acrescentei, como prometido, para melhorar o texto pela visão daquilo de que se está a falar, algumas imagens lá mais para baixo. Em complemento, vale a pena ver as fotografias que Mário Filipe Pires colocou na Retorta, tiradas em 1992. Há muitos livros sobre Constantinopla e Bizâncio, mas os meus preferidos como leitura obrigatória e introdutória são os de Steven Runciman, em particular The Fall of Constantinople 1453 , Cambridge University Press, 1992. Na mesma colecção popular da CUP, a “Canto”, há uma biografia de Constantino XI e uma colecção fascinante de retratos de mulheres bizantinas de autoria de Donald M. Nicol , The Immortal Emperor. The Life and Legend of Constantine Palaiologos , Last Emperor of the Romans, Cambridge University Press, 1994 e The Byzantine Lady. Ten Portraits 1250-1500, Cambridge University Press, 1996. Acrescento dois que comprei agora e que me foram muito úteis : Sulyman Kirimtayif, Converted Byzantine Churches in Istanbul. Their Transformation into Mosques and Masiids, Istambul, Yayinlari, 2001, e Faruk Ersöz, A Stamboul avec Pierre Loti, Istambul, Yayinlari, 2001. O subtítulo deste último é “cela dure si peu, à mon age les étes”. * “Leio as suas impressões de Istambul e não deixo de rever as minhas férias deste Verão e as sensações que essa cidade me gravou... chegamos cheios de nós próprios e das nossas pequenas certezas e, de repente, vamos deixando cair tudo e ficamos despojados. A partir daí, recebemos e recolhemos o que Istambul nos oferece e deixamo-nos embalar numa melodia hipnotizadora de cheiros, de sons, de hábitos, de estranhas formas de vida.(…) O meu hotel também estava perto da Ayasofya e o constante chamamento à oração (curiosamente a oração parecia distinta às restantes mesquitas da Turquia) - infelizmente gravado - ajudou-me muito a reviver as madrugadas do almuadem de Saramago... Se procurar entrar a fundo na vida turca, as sandes de peixe à beira da ponte de Galata são uma opção pouco turística e felizmente sem muitos espanhóis à volta...acredite que se tem a sensação de estar noutro mundo...e também apanhar um autocarro do outro lado da porta do Bazar das Especiarias, passar duas ou três paragens, visitar uma igreja católica e um jardim bonito e passear por um bairro onde as pessoas raras somos nós.. aí sim, é a verdadeira vida turca, bem mais árabe do que europeia, com casas de dois pisos, roupa a secar nas ruas sujas, se balader sem sermos assediados porque, aí, o comprador é o turco e não o guiri.” (Sílvia Jardim) * Nuno Mendes, no Klepsydra , coloca bem a questão do papel do dinheiro de Bruxelas na uniformização das sociedades e dos produtos, embora já haja “4 MacDonalds à volta de Hagia Sofia ou da Mesquita Azul” , à volta de todas as coisas. A minha dúvida tem a ver com a pobreza, com a pobreza que, quer queiramos quer não, é também uma das razões desta diversidade. Prolongo essa dúvida, perguntando-me até que ponto somos nós (os ricos) que podemos escolher não ir aos McDonalds (embora vamos), que desdenhamos o seu papel em sociedades como esta. Quem diz os McDonalds, diz o "dinheiro de Bruxelas". Seja como for, aqui fica a nota, que transcrevo: “No post Istambul2 Pacheco Pereira afirma que os burocratas de Bruxelas nunca terão hipótese de uniformizar as ruas caóticas desta cidade turca. Também já lá estive e até percebo o que quer dizer JPP, aquilo realmente impressiona pela diversidade e pela riqueza cultural, o problema é que Bruxelas tem uma forma muito simples de corromper até as culturas mais vivas, basta para isso dar dinheiro para que "eles" fiquem mais parecidos com os "outros" que somos nós (somos? queremos ser?). Quando se diz a um agricultor que tem de deixar de plantar um certo tipo de tangerinas que embora saborosas não podem ser vendidas num qualquer "Pingo Doce", podem ter a certeza que ele não tem escolha e passa a plantar maçãs "Golden Smith" como todos os outros agricultores europeus. Não há maneira melhor de convençar alguém a mudar, por dinheiro todas essas mil variedades de azeitonas de que fala Pacheco passarão a uma só, a oficial, a europeia, e no momento em que houver 4 MacDonalds à volta de Hagia Sofia ou da Mesquita Azul, poderemos finalmente dizer que a Turquia faz parte do clube dos países civilizados, modernos e cada vez mais tristes...” * JMT, a propósito das “conversas islâmicas”, acrescenta uma outra em Exacto, resultante de uma viagem ao Egipto. 18.10.03
IMAGEM JÁ ANTIGA
do dia 12, e que não foi identificada, é de Anton Romako, foi pintada em 1877 e está em Viena.
HITLER – MEIN KAMPF (A MINHA LUTA)
Vincent Bengelsdorff pedia a opinião sobre a proibição (ou não) de livros como o Mein Kampf, de Hitler. É um debate interessante, para o qual, penso, não são necessários, neste caso, muitos argumentos: não tem sentido a proibição de qualquer livro por razões políticas, muito menos de uma obra com o significado histórico da de Hitler. Ninguém fica nazi por ler o Mein Kampf, e, mesmo que ficasse, não era argumento. Não é difícil encontrar uma longa lista de livros e panfletos da literatura radical abrangendo tradições políticas tão diferentes como o anarquismo, o comunismo, o maoísmo, o trotsquismo, o nacionalismo, o fascismo, o pan-arabismo, o sionismo, o ecologismo radical, nos quais existem apelos à violência de todo o tipo, de raça, de classe, social, nacional, religiosa, etc. Os únicos livros que, no limite da excepcionalidade quase absoluta, poderia compreender que fossem proibidos, e apenas por decisão judicial, são aqueles que contenham graves calúnias ou ofensas ao bom-nome de uma pessoa, ou constituam uma violação do seu direito à intimidade (sempre), ou privacidade (no caso de não existir um forte e inequívoco interesse público nessa violação). Refiro esta distinção, que me parece importante, entre intimidade e privacidade, porque, nas discussões jornalísticas, é comum fazer-se esta confusão.
LISTA DO OBSERVER – LIVROS QUE NÃO CONHECIA
e que foram lidos pelos leitores do Abrupto: “Nele refere uma listagem dos melhores cem, e menciona os que de todo desconhecia. Entre eles, a obra de John Buchan, que serviu de sustentação a Hitchcock para uma das suas obras mais conhecidas, The thirty-nine Steps. " (Victor Peres) “Achei interessante a lista de livros publicada, dos quais também todos desconheço. Curiosamente o The Thirty-Nine Steps li juntamente com minha filha quando ela estava no 9º. ano. “ (Paula Canaveira) “Leia o Riddle of the Sands (publicado pela Penguin). É um romance de aventuras de dois jovens ingleses, passado no Mar Báltico, entre os bancos de areia da costa alemã, escrito em 1903, antecipando já a 1ª guerra mundial, com algum humor, prezando valores como a honra e dignidade pessoais, ingénuo para a nossa sofisticação de violência e sexo, tem um gosto saudoso a coisa do Cavaleiro Andante. O Oscar e Lucinda(*) tem graça, passa-se na Austrália com um par de jogadores viciados que decidem construir uma igreja de vidro numa zona inóspita, mas não vale, realmente a pena. Os Thirty Nine Steps deram origem a 2 ou 3 filmes, o primeiro dos quais nos anos 30, com o Robert Donat.É dos primeiros romances de espionagem que põem em cena um inocente apanhado nas malhas de uma organização tenebrosa, perseguido por todos, polícia e bandidos. Tem uma imensa frescura e o picante do herói estar algemado a uma menina bonita uma boa parte do tempo. De antipático apenas a extrema xenofobia e o patriotismo delirante do autor, ao pé de quem o Kipling é um moderado amador. Defeitos que, no entanto, não transparecem neste livro, ao contrário doutros do Buchan, que os ingleses conservadores adoram.” (José Vaz de Mascarenhas) "O vento nos salgueiros" ou Wind in the Willows é um livro para crianças muito bem escrito e sonhador. Não como os maus livros para crianças que por serem tão chatos para os adultos passam para as crianças. Recomendável mesmo para os mais "graudos". Aqui vão alguns sites onde pode encontar livros gratis - inlusivé o fantástico "vento nos salgueiros". 1) Projecto gutemberg - lá pode encontar o vento nos salgueiros (Filipe Charters de Azevedo) “Sobre as "leituras de avião" e a lista dos 100 melhores romances do Observer, ewscrevo-lhe só para dizer que considero Oscar and Lucinda, de Peter Carey, um excelente livro. Aliás ganhou o Booker Prize de 1988, o que para mim quer dizer qualquer coisa. Como actualmente a maior parte do que leio é de matriz anglo-saxónica tenho o Booker (agora parece que se chama Man Booker) na conta de um prémio muito importante e pessoalmente sigo-o com mais atenção que o Nobel. Curiosamente Coetzee, embora incluído na longlist do Booker deste ano, não ficou na shortlist (tal como Martin Amis, mais uma vez) e penso que merecidamente, porque Elizabeth Costello é decepcionante.” Luis Rebolo (*) Nelson de Matos informa-me que Oscar e Lucinda, de Peter Carey (Booker Prize de 1988), está publicado em Portugal. Assim como os seus outros romances: Jack Maggs e A Verdadeira História do Bando de Ned Kelly (Booker Prize de 2001) na Dom Quixote.
VALOR
Dois produtos que circulam nos mercados desta zona (Irão, Turquia, Arménia, Azerbeijão), como produtos de alto valor: caviar e açafrão. Nenhum chega aos mercados por via legal, mas através de circuitos de contrabando, enlatados com rótulos falsos, sem datas, misturados com outras variedades menos caras. Mas valem ouro. 17.10.03
CORREIO, IMAGENS, SECÇÕES HABITUAIS,
o Abrupto de todos os dias não pode ser mantido enquanto eu andar por onde ando. Algumas melhorias tecnológicas no meu hardware de viagem permitem-me ocasionalmente, sem certezas, escrever e enviar algumas notas, mesmo do fundo do Taklamakan. Mas não posso reler e corrigir o que escrevo, que, para seguir, tem, como se diz agora, uma “pequena janela de oportunidade”. Quando passar pela pátria, farei as correcções necessárias e, nalguns casos, acrescentarei imagens sem as quais o texto fica pobre. Também, como é óbvio, não leio nada nos outros blogues e estou desprovido de notícias. Acontecerá alguma coisa na pátria no reino das pequenas coisas? As grandes acabo por sabê-las, mas suspeito que as turbulências continuam muito junto ao chão.
CONVERSAS ORTODOXAS 2
Para um português, a igreja ortodoxa não faz parte das suas experiências, como aliás, verdadeiramente, o contacto com as outras religiões. Somos muito periféricos e provincianos, e a história que passou por nós não foi a história das grandes religiões. Se calhar é uma sorte. No meio de um grupo de bispos ortodoxos, em frente do Patriarca Ecuménico de Constantinopla, Bartolomeu, sinto uma enorme estranheza. O que é que eu sei destes homens, vindos da Sérvia, da Grécia, da Bulgária, da Roménia, da Turquia, dos países que eram comunistas, de igrejas e mosteiros de um mundo mais antigo do que o nosso, mais perto da origem do cristianismo, dos seus locais de génese, dos lugares por onde andaram os apóstolos? Vendo bem, a estranheza começa logo na acumulação subtil das diferenças de vestir, no kalymauki na cabeça, nas barbas, no rabo-de-cavalo, mesmo na pequena corte de padres e monges que acompanha cada bispo, que já não se vê vulgarmente no ocidente. Muitos são, percebe-se de imediato, intelectuais, falando grego, serbo-croata e francês entre eles (porquê francês mais que inglês?), mas, de repente, aparece um que é o retrato estereotipado do pope camponês da literatura russa, pequeno, mãos grossas, olhos brilhando numa face redonda e cheia, acentuada pela barba. Mas abre a boca e sai um francês límpido, e embrenha-se numa discussão sobre como o “Espírito Santo”, para falar hoje, na sociedade moderna, tem que o fazer através da laicidade. Como fazer passar o “sagrado” e as suas imagens num mundo laico? Não “infelizmente laico”, mas “necessariamente laico”, porque o bispo achava que era normal a sociedade civil ser laica. Não emitia um lamento que fosse por essa laicidade, como é vulgar ouvir a muitos padres. Achava ele, vindo de um antigo país comunista, que sociedades civis democráticas, “sem sentido” teleológico, valiam mil vezes mais do que as sociedades “com sentido” e” programa” do socialismo real. Por aí adiante. Junto deles, aqui, no Oriente, o estranho sou eu, “latino”, “papista”, agnóstico, de um país mais para o lado da América do que da Europa que eles conhecem, tentando adivinhar o que é que move estes homens, “pastores” de povos em muitas encruzilhadas, tendo visto guerras recentes (os sérvios), ou então carregados de memórias de guerras passadas.
CONVERSAS ORTODOXAS
A igreja ortodoxa pode-se considerar a herdeira mais próxima do império bizantino. O poder que sobrou, de Moscovo a Atenas, ficou aqui, nesta igreja antiga que, mais do que qualquer outro ramo do cristianismo, se associou à ideia de uma teocracia. Enquanto no ocidente europeu a igreja “latina” perdeu esse vínculo teológico com o estado, não só pelas suas divisões internas (o protestantismo, as igrejas reformadas), como pelo ascenso das ideias da revolução francesa, da laicidade do estado, e também do nacionalismo romântico. Mesmo o anglicanismo, ao “nacionalizar” a igreja politicamente, tornou civil o vínculo entre o estado (a monarquia) e a igreja. Ritualizou-o como instituição humana e não como instituição divina. A igreja ortodoxa sempre teve uma grande capacidade de sobreviver ligando-se ao poder, como no período comunista, em que os altos dignitários da igreja mantiveram, após uma crise inicial, uma relação próxima com as autoridades comunistas. O mesmo aconteceu com a longa convivência nas antigas terras cristãs ocupadas pelo Islão. Nesta parte do mundo, o nacionalismo oitocentista, que noutros sítios foi um instrumento de laicidade, encontrou na ortodoxia um instrumento de expressão. E igrejas como a “grega” e a “sérvia” tornaram-se em igrejas de fronteira, instrumentos da identidade nacional dos povos cristãos, contra o Islão. (Continua)
CONVERSAS ISLÂMICAS
Conversa com A. , jovem muçulmana turca, que usa o véu cobrindo a cabeça, o que não é muito comum nas jovens da sua idade e condição social. “Usas o véu para marcar uma posição?”. “Não, uso-o desde os oito anos e, por causa de o usar, não posso entrar para a universidade, nem ser funcionária pública”. A. foi estudar para a London School of Economics, e trabalha nas relações internacionais do Partido para a Justiça e Desenvolvimento, o partido islâmico moderado actualmente no poder. Este é um dilema da democracia na Turquia: as origens da laicidade do estado (de que nós gostamos), tem como penhor o exército turco e os seus poderes “especiais” (de que não gostamos), que se manifestam limitando o poder do partido que ganha as eleições para implementar políticas como seja a liberdade de usar o véu nas instituições públicas. “Mas”, disse eu, “depois não haveria tendência para pressionar quem não o usasse?”. A resposta de A. sobre a tolerância não me convenceu, porque em muitas cidades árabes que eram liberais, Argel, Casablanca, Bagdad, ano após ano, nos últimos dez anos, as mulheres tinham (e têm) cada vez mais dificuldade em sair à rua vestidas à ocidental, os lenços eram quase obrigatórios, as saias eram todos os dias mais longas, as roupas tapavam mais o corpo. Não é simples. 16.10.03
ISTAMBUL
tem mais vida que dez cidades da Europa juntas. Parte dessa “vida” vem da pobreza, parte vem da história, e parte vem do futuro da Turquia. Não sei que parte vencerá, mas que há uma força imensa nestas ruas de multidões, de gritos, de demografia a pleno vapor, de caos, há. ISTAMBUL 2 Se a UE, “Bruxelas” como dizem os ingleses, pensa “uniformizar” esta rua de Istambul à força de directivas e do “aquis communautaire”, tire daí as ilusões. Tragam a Comissão e os burocratas uma hora ao Grande Bazar, ou, melhor ainda, para lá do ouro e das carpetes, para o Bazar das especiarias, e a sua extensão natural nos mercados ao ar livre, até junto da ponte de Gálata, no meio das mil e uma variantes de azeitonas, de queijo, de fruta, de chás, de doces, de pós e folhas com cores vibrantes, misturados com sapatos, malas, perfumes com os melhores nomes falsos que há no mundo, onde tudo tem um ar proibidíssimo, e totalmente desregulado. (Pensando bem, nós também temos a feira da Santana, só que não é no centro de Lisboa, e os produtos agrícolas são piores.)
A COLUNA QUE SUA
Coloquei a minha mão no interior frio da coluna que sua. A coluna onde apareceu S.Gregório, que lhe transmitiu poderes de cura através da transpiração da pedra. Muitas mãos antes da minha romperam o bronze protector, e cavaram no interior do mármore um buraco que parece uma boca tortuosa. Há alguma coisa de obsceno neste gesto. NO CHÃO, dispersas, algumas letras gregas no mármore. Não encontrei nenhuma referência ao seu significado. Fragmentos de vidas ou da ordem das coisas?
AYASOFYA: O PODER
A tragédia desta casa é que nunca houve dentro dela fé tão profunda e verdadeira como no seu último dia de igreja cristã, no século quinze, já a catedral estava há muito delapidada. Decaíra como Bizâncio. Quando Constantino XI se prostrou perante o altar, já tinha a certeza de que os grandes ícones que mandara passear em procissão na véspera – o da Virgem Hodegetria e o da Virgem Blachernitissa – não o salvariam nem a si, nem à sua cidade. Entrou sem poder naquele palácio do poder, monumento à simetria que o poder dos homens pretende ter com o poder de Deus. Size matters. A imensidão da igreja tornou-a propícia à exibição do poder dos homens. Na catedral, foi assim desde o primeiro momento. Justiniano, que a reconstruiu na sua forma actual, teria dito ao entrar no edifício: “Salomão, eu venci-te”. Nas suas paredes, os imperadores faziam-se representar ao lado de Cristo e da Virgem, quase com a mesma altura e dignidade. O halo dos santos está à volta da cabeça dos poderosos. Somente uma imagem, representando o imperador Leão VI, o mostra no chão a rezar. Mehemet II, que venceu Constantino (e, através de Constantino, Justiniano), colocou-lhe o crescente do profeta em cima. Ataturk, que duplamente venceu Mehemet e Justiniano, fez esta coisa hoje impossível: tornar uma mesquita, com o valor simbólico desta, em museu. Como museu, pode-se agora retirar o gesso que tapava os mosaicos que escaparam da destruição, e mostrar as faces douradas do passado no seu orgulho e glória perdidos. Agora o seu poder é o da beleza, talvez o mais arrogante de todos os poderes humanos. Acaba por ser numa inscrição do Corão, numa das paredes, na aplicada caligrafia árabe, que se lembra a omnipotência da divina sabedoria, a que a igreja estava dedicada: “Em nome de Deus o Misericordioso, Deus é a luz do Céu e da Terra. Ele é a verdadeira luz, a que não vem nem do brilho do vidro, nem do cintilar da estrela da manhã, nem da cor vermelha da brasa incandescente.” Nem do brilho dourado dos mosaicos, nem da luz coada pelos vitrais, nem das colunas que o sol cria ao entrar pelas janelas debaixo da cúpula, nem da solidez do bronze das portas, nem do azul pintado nos arcos, nem dos entalhes dos capitéis bizantinos, nem do crescente em ouro, a mais alta parte da Ayasofya. 15.10.03
AYASOFYA
No folclore popular (e patriótico) grego, há vários poemas sobre os últimos dias de Bizâncio cristã. Num deles, conta-se a derradeira visita do imperador Constantino XI à maior igreja da cristandade, a da divina sabedoria, Ayasofya. Perante o imperador prostrado, os ícones choravam, e mesmo a Virgem, que encima do alto a nave da igreja, estava perturbada. O poema promete “Está calma, querida Senhora, está calma, e não chores por eles Porque, mesmo que passem os anos, e passem os séculos, tudo será teu de novo.” No dia seguinte, Bizâncio era turca e o vencedor fez algo que até então nunca tinha sido feito: transformou a igreja das igrejas em mesquita. Na primeira sexta-feira, o dia da “comunidade”, veio orar a Alá e o gigantesco edifício foi expurgado da idolatria cristã. Os mosaicos de ouro foram tapados com gesso, as cruzes de mármore das balaustradas foram picadas. Com os anos, as inscrições caligráficas em honra do profeta taparam os anjos, cuja face foi substituída por uma estrela, tornando-se em monstros abstractos, presidindo sem sentido a cada canto da mesquita. Pouco a pouco, pequenos acrescentos típicos da arquitectura religiosa otomana foram ocupando o interior da igreja: o sítio de onde o íman fala, um mihrab, etc. Mas é no exterior que os novos minaretes mais semelhanças lhe dão com uma mesquita. E no entanto…nem o longo poder otomano apagou um ar, um silêncio qualquer, uma presença indefinida, uma nostalgia, um lamento, uma lembrança. Não queria lá estar à noite, porque demasiada gente invisível habita aquelas colunas. Quando entrei hoje de manhã na igreja, uma multidão de turistas japoneses precedeu-me. Um deles, de bandolete na cabeça, calções, pequeno e musculado, com uma camisola vermelha da Vodafone, e controlado inteiramente pela sua máquina de vídeo – nenhum dos seus gestos tinha qualquer autonomia da máquina, quem mandava era a máquina e ele não olhava para nada sem a máquina mandar – pisou o omphalon. Pisou-o como se pisa qualquer chão, ou melhor, como a máquina o obrigava a curvar-se para olhar para o alto, ele ajoelhou-se naquela parte da igreja onde as enormes placas de mármore, sem qualquer decoração por toda a nave, têm aí desenhado um quadrado que cinge um círculo. A máquina deve ter obedecido a um dos anjos da igreja, porque, ao ajoelhar no omphalon, o "umbigo", o local onde os imperadores de Bizâncio eram coroados e também ajoelhavam perante a “divina sabedoria”, o japonês curva-se perante um desses sítios onde os poderes comunicam. Constantino XI devia ter olhado pela última vez para esse círculo interior e perguntado “porquê?”, a pergunta de Cristo na cruz. O Cristo bizantino, o Cristo Pantokrator, criador do universo, absolutamente poderoso, porquê entregar estes “romanos” aos infiéis turcos? Talvez porque Cristo nunca tenha respondido, nem sequer à Virgem que chorava, a igreja continua ensombrada e a máquina do japonês mandou-o ajoelhar no omphalon. 14.10.03
DA MINHA JANELA TURCA
vejo (são quase quatro horas da manhã) brilhar iluminada a catedral das catedrais, Stª. Sofia. Amanhã cedo, atravessarei com a multidão a ponte de Galata, para subir até esse coração do mundo, onde muita da nossa história habita sob a forma de paradoxo.
LEITURAS DE AVIÃO
Numa viagem longa lê-se muito no avião. Desta vez, tive sorte com a imprensa: foi um dia em que vários jornais internacionais tinham artigos ou notícias que valiam a pena (deve haver ligações para quase todas estas notícias, mas não tenho condições para as procurar). O Fígaro, que é normalmente um melhor jornal, mais sólido que o Monde, publicava alguns resultados de um grande estudo feito sobre o sistema educativo francês, a pedido do Presidente Chirac. A ideia base do documento é identificar por que razão o sistema educativo não cumpre os seus objectivos e está claramente a recuar nos seus resultados. Há em França um grande debate sobre educação e valia a pena acompanhá-lo de Portugal e repetir alguns dos estudos aprofundados que estão a ser feitos. Uma conclusão interessante do estudo francês é a clara manutenção da diferenciação social em todo o percurso escolar, apesar da forte pressão igualitária (e se calhar por isso mesmo) da escola. O Fígaro publica também, sob a forma de um artigo, um excerto de um livro de Alain Finkielkraut e de Peter Sloterdijk, intitulado, de modo muito francês e sem qualquer imaginação, “crítica da razão extremista”. Já não sei quantos textos franceses são de “críticas à razão” de qualquer coisa… O texto é muitas vezes obscuro, mas algumas observações têm interesse, como seja a análise da exclusividade que a esquerda se atribui do perdão, do perdão a si própria: “La gauche contemporaine est la partie de la societé ayant le privilège de se faire pardonner ses propes erreurs » No La Repubblica , um balanço bastante pessimista do estado de sub financiamento das instituições culturais italianas, museus, arquivos, bibliotecas. O El Pais tem uma grande entrevista com a ministra espanhola da cultura. O Observer publica uma lista dos cem maiores romances dos últimos quatrocentos anos. Como todo o coleccionador, eu gosto de listas e de me confrontar com elas, de comparar a “minha colecção” com as dos outros. Na lista do Observer, eu lera cerca de quarenta livros em cem, embora numa ou noutra obra (como o Robinson Crusoé ou o Huckleberry Finn), em edições que penso não serem integrais ou terem sido condensadas. Não sei se conta para a “colecção”, que aliás não é muito difícil de fazer porque muitas obras são as básicas: D. Quixote, Flaubert, Kafka, Joyce, etc. Mas, com alguma surpresa, havia na lista cerca de 15% de romances de que eu nunca tinha ouvido falar. Não é não ter lido, isso há muito mais, mas nunca, jamais, em tempo algum, ter ouvido falar. Aqui está a lista das faltas absolutas: Samuel Richardson, Clarissa Thomas Love Peacock , Nightmare Abbey George Eliot, Daniel Deronda Erskine Childers, The Riddle of the Sands Keneth Grahame, The Wind in the Willows John Buchan, The Thirty-Nine Steps Flannery O’Cooner, Wise Blood Chinua Achebe, Things Fall Apart Elizabeth Taylor, Mrs Palfrey at the Claremont Beryl Bainbridge, The Bottle Factory Outing Marylinne Robinson, House Keeping Peter Carey, Oscar and Lucinda Se calhar é injusto, mas, com excepção do Clarissa , que seria “unputdownable”, também a nota que justifica a sua inclusão não me entusiasma muito a lê-los. 12.10.03
EARLY MORNING BLOGS 60
Vou precisar de asas outra vez, porque parto para a Porta. Da Porta, um dos sítios mais fascinantes do mundo, vai ser feito o Abrupto durante a próxima semana, se as tecnologias se portarem à altura. Tudo o resto ajuda: o lugar, as pedras, as pessoas, a história, o ar, as águas, os barcos, os haman, o pequeno café naquela rua, naquela esquina, em terras que foram genovesas, de onde se vê a “sagrada sabedoria”. Pode ser que, com sorte, um certo imperador, que dorme dentro das muralhas, resolva sair e ganhar um velho combate que perdeu há seiscentos anos. Há tão pouco tempo. * Domingo de manhã, hora do brunch e do New York Times, se o tempo fosse mais amável, mas “there's always someone around you who will call”. Cortesia da “Corneta”, nome propício para acordar de repente, este "Sunday Morning" dos Velvet Underground & Nico do álbum da banana: "Sunday morning, praise the dawning It's just a restless feeling by my side Early dawning, Sunday morning It's just the wasted years so close behind Watch out, the world's behind you There's always someone around you who will call It's nothing at all Sunday morning and I'm falling I've got a feeling I don't want to know Early dawning, Sunday morning It's all the streets you crossed, not so long ago Watch out, the world's behind you There's always someone around you who will call It's nothing at all Watch out, the world's behind you There's always someone around you who will call It's nothing at all Sunday morning Sunday morning Sunday morning" Bom dia !
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES
“Nos Estados Unidos, os media passam para o público (entenda-se, povo americano) uma narrativa política semelhante, com pequenas diferenças de uma publicação para outra, mas que revelam intercâmbio de ideias entre os jornalistas e os políticos daquele País. Na União Europeia (U.E.) não existe uma partilha do mundo político nas mentes dos europeus dos vários países; não existe uma contínua actualização da narrativa política que permita ao público europeu assimilar os acontecimentos da mesma forma, ou sentirem-se uma parte de um todo comum. Muito mais importante que discutirmos quem deve ter direito a voto, a veto, a comissários em Bruxelas, etc., seria o dever de concluir que a inexistência de uma narrativa política comum - tornando o europeu comum intangível, irreal e irrelevante - é um factor que inviabiliza o projecto da Constituição Europeia, neste momento. “ (Orlando Braga) * “Comprei um telemóvel Sony Ericsson que se enquadra no topo da sua gama. No entanto, reparo que os menus do mesmo têm erros ortográficos incompreensíveis, do tipo «inìciar», para além de ser um verdadeiro martírio escrever mensagens curtas dada a falta de acentuação. Para obstar a uma eventual apoplexia ortográfica, sou tentado a alterar o idioma para inglês, este tratado de forma correcta! O ponto da questão é: um telemóvel topo de gama, com o português como opção de idioma (porque este mercado não será desprezível), mas tratado de forma plebeia (porque esta língua vale o que vale...), é este um dos sintomas da globalização e da integração na Europa? Será este um pequeno reflexo, mas exemplificativo, do que valerá a nossa cultura (neste caso, a nossa língua) na futura comunidade europeia?...” (José Manuel Figueiredo) * “É tempo de olharmos a praxe como um fenómeno social que a todos diz respeito. Ao longo destes anos, a praxe era considerada pela sociedade civil como uma prática que apenas podia ser discutida no interior das faculdades e que apenas a elas dizia respeito. Hoje, muito devido aos abusos recentemente surgidos e à luta dos movimentos anti-praxe, este polémico tema saiu do mundo hermético da faculdade, sendo discutido nos fóruns, jornais, televisões... O manifesto seguidamente apresentado tem como principal propósito o de envolver pessoas da sociedade civil nesta luta contra o autoritarismo, elitismo, seguidismo, veiculados na praxe. Este ritual é celebrado num ambiente de medo e de coacção impostos pelo topo da hierarquia praxista. A todos os que queiram acabar com este ritual atentatório da dignidade humana pedimos que enviem a sua assinatura e indiquem a sua actividade para antipodas@portugalmail.pt ou contactem para os números 964407305(Luísa Quaresma) /963133349(Ricardo Coelho). MANIFESTO ANTI-PRAXE Porque vemos na praxe uma prática que atenta contra os mais elementares direitos humanos, nomeadamente a liberdade, a igualdade, a integridade física e psicológica e a livre expressão da individualidade, ao mesmo tempo que exalta os valores mais reaccionários da nossa sociedade. Porque não vemos qualquer motivo para a existência de hierarquias entre estudantes, tendo em conta que todos devem ser tratados por igual nas relações interpessoais. Porque acreditamos que a tradição nunca poderá ser um entrave à mudança e, muito menos, poderá alguma vez legitimar um comportamento inaceitável em qualquer sociedade. Porque não aceitamos o poder auto-instituído e nada democrático dos organismos da praxe, que se constituem em estruturas paralelas com regras próprias. Defendemos que a recepção aos novos alunos, sempre que se justifique a sua existência, se deve basear em relações de igualdade. Nesta iniciativa, os estudantes olhar-se-ão nos olhos e tratar-se-ão por “tu”, construindo um conjunto de redes de solidariedade e de camaradagem não exclusivas. Todos se divertirão por igual, deixando a diversão de uns de ser a humilhação de outros. Desta forma, incentivar-se-á o verdadeiro altruísmo que consiste em ajudar os outros sem exigir qualquer contrapartida. Defendemos igualmente que a faculdade deve ser uma instituição aberta ao mundo que a rodeia, transformando-o e sendo por ele transformada. Uma instituição que deve proporcionar a livre intervenção e fomentar a criatividade, não impondo códigos de conduta nem promovendo a segregação. Mas este ideal nunca será concretizável enquanto o espírito da praxe reinar na faculdade. Exigimos ainda que as instituições de Ensino Superior tomem sobre si a responsabilidade de prestar todas as informações e aconselhamento necessários aos estudantes. Exercemos desta forma o nosso direito à indignação. Como parte da sociedade civil pensamos que o que se passa no interior das faculdades diz respeito a todos. Logo, jamais poderemos fechar os olhos à triste realidade das “tradições académicas”. E juntamos a nossa voz à voz de todos os que lutam diariamente contra o cinzentismo da praxe e se batem por uma faculdade crítica, aberta, democrática e feliz!" (Luísa Quaresma) * “Sou estudante do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa(…) Não querendo interpretar o papel de “advogado do diabo”, não posso deixar de defender a figura, na generalidade, dos dirigentes associativos, até porque já o fui, apesar de criticar fortemente as actuais condutas de contestação e linhas de acção reivindicativa. Como tudo, entendo que não deveremos entrar em fundamentalismos, e considerar que os dirigentes associativos são, como referiu um dos leitores do abrupto, “... Aqueles jovens são, muitos deles, estudantes com um estatuto especial, que podem andar o ano inteiro em festas por todo país, teoricamente em representação da instituição...”, entendo existir um pouco de exagero e excesso nestas palavras, até porque pessoalmente, enquanto dirigente associativo nunca pautei a minha conduta pelos referidos parâmetros. O papel dos dirigentes associativos é de extrema importância quer para o funcionamento interno de um estabelecimento de ensino superior, executando papel regulador, de colaboração ou mesmo como contra-poder. A outra vertente interna é dinamização de vários aspectos desportivos ou culturais, contribuindo assim para uma formação pessoal dos indivíduos, como pessoas integrantes de uma sociedade. Á que encarar uma licenciatura não simplesmente como uma formação cientifica de cinco anos (ou talvez mais!), mas como um processo de construção quer do próprio individuo quer da própria sociedade em que está inserido, e aqui o papel do Associativismo, salvo melhor opinião, é fundamental. Esta foi a parte em que fiz o papel de “advogado do diabo”, já que dei uma na ferradura, vou agora dar uma no cravo... No que concerne a política educativa e à relação com a tutela é que os dirigentes associativos borram a pintura, muitas vezes instrumentalizados pela esquerda, pela direita ou mesmo pelo “big brother” televisivo deste país à beira mar plantado, perdem-se por entre acções pouco inteligentes e um discurso enfadonho completamente deslocalizado da realidade do dia-a-dia de qualquer estudante. (…) Assim sendo entendo que existe uma necessidade de separar o que é a “figura de Dirigente Associativo”, das figuras (tristes) feitas pelos dirigentes associativos, para que o associativismo não morra esgotado nem asfixiado por aqueles que mais o deveriam apreciar e defender, os estudantes." (António Rolha)
IMAGEM
de ontem era de novo nórdica. O quadro de que tirei o fragmento é de L. A. Ring e foi pintado em 1888, a “estrada principal em Mogenstrup no Outono”.
MUDANÇA DOS ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO
está praticamente terminada. Afinal, com um bocado de trabalho, foi mais rápida. Os Estudos estão agora alojados no Weblogs.com.pt, com um arranque que muito deve ao Paulo Querido. O novo endereço é este: Estudos sobre o Comunismo e as actualizações só serão feitas nesta nova versão. Para comemorar esta passagem e a abertura de um novo blogue, com muito mais funções, coloquei lá um muito curioso (e hoje incómodo) cartaz e panfleto comunista contra o envio de alimentos pela Caritas, no Natal de 1956, aos refugiados da sublevação húngara. O Abrupto está velho de mais para mudar e continuará onde está, embora a série dos "objectos em extinção" possa ganhar autonomia. É um projecto em estudo, para o qual vários amigos se ofereceram para ajudar. 11.10.03
MATTINA
"m' illumino d' immenso" * *Verso de Ungaretti, vindo de "um companheiro de geração".
OS ESTUDOS SOBRE O COMUNISMO MUDAM DE SÍTIO
Os Estudos sobre o Comunismo estão em mudança deste sítio para este. Com a ajuda preciosa de Paulo Querido, está-se a construir um novo blogue com outras funcionalidades que eram de há muito sentidas como necessárias, a principal das quais é uma maior ordenação interior dos materiais por secções. Outras serão entretanto acrescentadas, dada a maior flexibilidade da plataforma do Movable Type. A mudança deve demorar um mês, porque se aproveita para unificar algumas notas, critérios bibliográficos, citações, etc., mas muitos dos Estudos já lá estão. As notas novas já entrarão no novo endereço.
EARLY MORNING BLOGS / SONGS 59
Enquanto, um pouco por todo o lado, continua a chover ácido, eu fico-me pela fresca chuva. Os leitores do Abrupto continuam a propor canções matinais. Há muitas em fila de espera, várias portuguesas, muitas inglesas, nenhuma em francês. Interessante esta desaparição do francês das letras de canções que se recordam. Injusta, aliás, porque há grande poesia matinal francesa, nas canções e na poesia propriamente dita. Se não houver outras sugestões para fazer entrar a “matin” na “early morning”, eu dou já um belo exemplo: o “Soleil du Matin”, de Verlaine “Le soleil du matin doucement chauffe et dore Les seigles et les blés tout humides encore, Et l'azur a gardé sa fraîcheur de la nuit. L'on sort sans autre but que de sortir ; on suit, Le long de la rivière aux vagues herbes jaunes, Un chemin de gazon que bordent de vieux aunes. L'air est vif. Par moment un oiseau vole avec Quelque fruit de la haie ou quelque paille au bec, Et son reflet dans l'eau survit à son passage. Mais le songeur aime ce paysage Dont la claire douceur a soudain caressé Son rêve de bonheur adorable, et bercé Le souvenir charmant de cette jeune fille, Blanche apparition qui chante et qui scintille, Dont rêve le poète et que l'homme chérit, Evoquant en ses voeux dont peut-être on sourit La Compagne qu'enfin il a trouvée, et l'âme Que son âme depuis toujours pleure et réclame.” Passando para outro mundo, veja-se esta letra de Tom Waits (enviada por Abílio Carvalho), com um verso “I’m watchin T.V. in the window of a furniture store” que parece tirado dum quadro de Hopper. Cold Water (Mule Variations) “Well I woke up this morning with the cold water with the cold water with the cold water Woke up this morning with the cold water with the cold water with the cold Police at the station and they don’t look friendly Well they don’t look friendly Well they don’t look friendly Police at the station and the don’t look friendly They don’t look friendly well they don’t Blind or crippled Sharp or dull I’m reading the bible by a 40 watt bulb What price freedom Dirt is my rug Well I sleep like a baby with the snakes and the bugs Well the stores are open but I ain’t got no money I ain’t got no money Stores are open but I Ain’t got no money, ain’t got no money Well I ain’t Found an old dog and he seems to like me seems to like me Well he seems to like me Found an old dog and he seems to like me seems to like me well he seems See them fellows with the card board signs scrapin up a little money to buy a bottle of wine Pregnant women and the Vietnam vets I say beggin on the freeway Bout as hard as it gets Well I slept in the graveyard it was cool and still cool and still it was cool and still Slept in the graveyard it was cool and still cool and still and it was cool Slept all night in the Cedar grove I was born to ramble born rove Some men are searchin for the holy grail but there ain’t nothin sweeter than ridin the rails (Solo) I look 47 but I’m 24 Well they shooed me away from here the time before Turned there their backs and they locked their doors I’m watchin T.V. in the window of a furniture store Well I woke up this morning with the cold water with the cold water with the cold water Woke up this morning with the cold water with the cold water with the cold “ Francisco Manuel Calafate propõe duas sugestões que escapam às “letras de temas de Blues onde a manhã significa má disposição. Por isso trago aqui duas letras de dois herdeiros dos Blues que apresentam perspectivas bem diferentes. É a paixão matinal, a mais bela, a que se contrapõe ao actual culto da "paixão" amnésica nocturna, embebida em álcool e nas chamadas drogas do amor, abafada e marcada pelo ritmo mecânico da batida tecno, resultante da sedução imagística, da conversa onde a palavra dá lugar á dança, ao gesto, ao hálito e ao perfume. A 1ª do Bowie, é de 70´s e tem o seu tom mais surreal e algo neurótico. A música é ainda do tempo em que o som de Bowie não se tinha ainda sofisticado ao ponto de não se poder associar ao country e às harmonias melódicas típicas da Britânia Celta. A 2ª é de uma fabulosa banda de Philadélphia, incompreensivelmente desconhecida fora de um círculo de cultores. Chamam-se G Love and Special Sauce e têm um som muito acústico, que mistura Folk e Blues com vocalizações e ritmos hip-hop interpretados com uma atitude muito Roqueira.” In the Heat of the Morning (David Bowie) "The blazing sunset in your eyes will tantalize Every man who looks your way I watched them sink before your gaze Señorita sway Dance with me before their frozen eyes I'm so much in love Like a little soldier catching butterflies CHORUS No man loved like I love you Wouldn't you like to love me too In the heat of the morning In the shadow I'll clip your wings And I'll tell you I love you In the heat of the morning I'll tie a knot in rainbow's end, organise the breeze Light my candle from the sun I'll give you daylight for a friend I'll do all of these I'll prove that it can be done, oh, I'm so much in love Like the ragged boy who races with the wind CHORUS In the heat of the morning In the shadow I'll clip your wings And I'll tell you I love you In the heat of the morning" Gimme Some Lovin’ (G Love and Special Sauce) “Gimme some lovin’ early in the morning I just woke up with this appetite Gimme some love in the morning light Gimme some lovin’ early in the morning I just woke up with this appetite Gimme some love in the morning light Some people like it in the afternoon But I don’t think that I can wait that soon Give me some love in the mornin light Some people like it late at night I could wait that long but I don’t think I might Give me some lovin in the mornin light I’m gonna love you soft and love you sweet I can feel your heart beat I need your attention to get me started right I’m gonna wake you up with a kiss on the cheek Come a little closer open up to me Good morning baby good mornin baby Open your eyes just a little bit Good morning sunshine I can’t resist Dreaming about you baby all through the night” Bom dia, good morning Vietnam!
IMAGENS / OBJECTOS EM EXTINÇÃO
de ontem: uma “paisagem de comboio”, pintada em 1940 por Eric Ravilious, e que está na Aberdeen Art Gallery. As três janelas e a tira de couro são as mesmas das antigas carruagens que, ainda nos anos setenta, andavam nas linhas do interior. Os bancos estofados também. Abria-se a porta com um manípulo de metal (cobre?), do lado de fora, e havia várias correias de couro segurando as portas e a janela. Tudo dava uma ideia de solidez e craftmanship, muito inglês. A outra imagem, a preto e branco, é de Morten Rossland e data de 1984. O que ela representa infelizmente não está em extinção, está em crescendo. E não me refiro aos gatos. 10.10.03
OBSESSÃO MORALISTA
Uma das vitórias de influência de Paulo Portas, director do Independente, foi introduzir na análise política uma verdadeira obsessão com o julgamento moral. Como era inevitável, if you live by the press you die by the press, ele foi (é) uma das vítimas dessa obsessão e ameaça, aliás, tornar-se a vítima mais simbólica da eficácia dos seus próprios julgamentos. Mas a arrogância moral fez escola e é um dos elementos que hoje define a ecologia do jornalismo português (e de parte da blogosfera, onde a passagem de julgamentos morais taxativos e cortantes é do dia a dia de muitos blogues). Digo português, porque essa vaga já teve momentos mais altos no resto do mundo, no jornalismo anglo-saxónico por exemplo, e percebeu-se que um dos seus efeitos é voltar-se contra os seus autores. Se há coisa que eu não suporto é essa mentalidade self righteous. Não a suportei em Eanes e no PRD, não a suportei no meu partido quando se quiseram pôr a armar ao “Deus, pátria e família”, não a suportei no PSN de Manuel Sérgio (de que Monteiro e Portas herdaram parte dos votos), não a suportei no Independente, não a suportei na banda Monteiro-Portas contra os “políticos”, não a suportei quando foi da questão da “transparência”, e não a suporto em geral. Do que eu gosto é da habitual moralidade das pessoas comuns, com qualidades e defeitos, que não se acham melhores do que os outros e que sabem que certas coisas não se fazem porque não se devem fazer, e, mesmo assim, de vez em quando enganam-se, que não andam todos os dias a debitar julgamentos morais sobre tudo e sobre todos. Tenho como certo que o moralismo das elites (e jornalistas e políticos são membros das elites) é um instrumento do cinismo e não da virtude, mas nem por isso deixa de ser eficaz porque comunica com o justicialismo populista. É uma das principais barreiras contra qualquer reforma e qualquer modernização de Portugal. E é pouco saudável … moralmente.
EXCEPÇÕES
Convem nomear as excepções para se perceber a diferença. Um bom exemplo de comentários de jornalista foi o que Ricardo Costa fez na SIC sobre a crise com o MNE e a mentira oficiosa da nova Ministra do Ensino Superior. Ricardo Costa não se limitou a fazer um comentário político, mas falou da textura jornalística das notícias que a SIC deu. Explicou pormenores, sem revelar fontes, de como os jornalistas tinham procurado saber, junto de diplomatas, quais eram as práticas habituais com os seus filhos, e como é que a notícia do convite à nova ministra já tinha sido por ela divulgado a outros (Ordem dos Engenheiros, por exemplo) na véspera. Descreveu as práticas de jornalistas para obter as notícias, as práticas de evasão dos políticos (desligar o telefone, o “não confirmo nem desminto”), e a análise que fora feita na redacção da SIC da sua relevância. Isto explica a solidez jornalística da SIC nestas questões: provocou a queda dos ministros e noticiou em primeira-mão a nova ministra. O resto foi paisagem.
IMAGEM
de ontem, um pimento e um limão, sinais dos tempos, foi pintada em 1901, por Odilon Redon, e está num museu de Haia. Era o século ainda novo, como a toalha da mesa, como o limão, como o pimento.
TRANSPARÊNCIAS
Os blogues de jornalistas são um elemento muito positivo para uma maior transparência. Eles retratam de uma forma mais límpida o pensamento que está por detrás das notícias, assim como o movimento subjectivo de amizades e inimizades, de gostos e ódios, que tão importante é no modo como se escreve uma notícia. Saber tudo o que se possa saber sobre as opiniões, políticas e outras, das pessoas que interferem na esfera pública, é muito vantajoso. E, como se vê, nos blogues de jornalistas, a agenda política é dominante e agressivamente empurrada. Pedro Mexia tinha razão, na sua análise no Dicionário do Diabo, sobre o carácter pushy de alguns blogues dos jornalistas. Mas a opacidade é a regra nos meios mediáticos, os menos escrutinados dos que intervêm na esfera pública. Múltiplos canais de influência entre o poder político e os media não têm qualquer escrutínio, desde os que se fazem através dos negócios dos donos dos jornais e televisões, até a práticas que o público em geral desconhece, como os pequenos almoços com os directores dos jornais em “off”. Por exemplo, o público em geral devia saber que jornalistas foram assessores de Marques Mendes ou de Jorge Coelho, ou de ministros com funções similares, ou de outros membros do governo, ou de grupos económicos, e tenho a certeza que, se o soubesse, perceberia melhor os mecanismos de influência que funcionam nas redacções. Devia-se igualmente saber como trabalham as empresas de relações públicas e de “imagem” e como é que antigos e actuais jornalistas colaboram em conjunto, promovendo ou denegrindo “produtos”. É evidente que os cargos formais não contam tudo, há toda uma outra teia de amizades e influências, de “fontes” privilegiadas e contratos não escritos – "eu dou-te informações, tu passas-me as notícias que me interessam" – de difícil escrutínio. Favores, privilégios e cunhas são, e isso é indesmentível, o pão-nosso de cada dia. Há tantos exemplos: convites para viagens apetecíveis, trabalhos extra a convite de fundações, avenças de empresas, promoção cultural. Saliente-se que não falo apenas do domínio estrito do político: há situações bem complicadas na área económica, onde uma notícia vale milhões, e, mesmo onde ela vale apenas dezenas, como no domínio do jornalismo cultural, grupos e coteries abundam. Em Portugal, todas estas redes são desconhecidas do público em geral, embora noutros países, como no Reino Unido e nos EUA, e, mais recentemente, em França, comece a haver informação detalhada. Com mais ou menos incorrecções, o livro sobre o Le Monde inclui um retrato de toda a teia de relações entre os jornalistas e o poder, mas duvido que fosse possível escrever em Portugal um livro semelhante. Mas que faz falta, faz. (Continua sempre)
INTENCIONALIDADES
Resta a questão da intencionalidade: os políticos falam para promover a sua carreira, ou para defender o seu partido; os outros, os jornalistas em particular, falam com isenção e desprendimento político. É verdade, por regra, a primeira parte. Mas é falsa, por regra, a segunda. Por regra, porque há excepções, mas o seu caminho é difícil e nem sempre unívoco. Todos os domingos sei isso e, quem me vê e ouve, tem pelo menos a transparência de saber quem sou, a que partido pertenço e se tenho ou não interesses na matéria – existe uma declaração de interesses financeiros publicada e acessível a todos. Uma parte do ataque aos “comentadores” vem da escassez do mercado. Portugal é um país pequeno, os bens são escassos e onde estão uns, não podem estar outros. Outra parte vem da perturbação que esse comentário introduz no monopólio da “compreensão”, a fonte do poder do “quarto poder”. Há muitos anos que escrevo que uma parte do conflito entre políticos e jornalistas vem de ambos disputarem um outro bem escasso, a influência. Um jornal é poderoso se tem influência, um jornalista é poderoso se tem influência, um político é poderoso se tem influência. Logo, o controlo da opinião pública é um terreno de disputa duríssimo, e nessa disputa estão presentes diferentes corporações. Há um elemento que perturba esta relação, e tem a ver com a emergência do populismo moderno, que é um populismo mediático. A análise deste fenómeno, uma natural evolução da forma como o sistema politico-mediático funciona e da sua competição interior, fica para outra altura. (Continua)
AUTONOMIAS
Não existe hoje, a não ser residualmente, em Portugal, qualquer autonomia entre a esfera do político e do mediático. Quem pretender analisar a vida política sem ao mesmo tempo analisar o papel dos media, dos jornalistas, dos jornalistas como agentes políticos, e dos donos dos media como actores de poder, económico e político, é mau analista. Não é hoje possível discutir qualquer acto político dissociando-o da sua representação nos media, aquela que é a face visível, e, mais importante ainda, a face “compreensível”, dos eventos. Os factos são dados pela sua representação (cuja é, por sua vez, resultado de escolhas jornalísticas, títulos, planos televisivos, sons na rádio, que são a camada mais opaca e mais difícil de ler pelo público em geral, e por isso a mais manipuladora), e pela “compreensão”, que é hoje cada vez mais misturada no relato factual, a tal ponto que este muitas vezes quase não existe. A “compreensão” é a leitura dos factos dando-lhes um sentido, e não existe qualquer separação de fundo, ou de qualidade, entre um discurso político feita por um jornalista, um político, um médico veterinário, ou um popular. É feito com ideias políticas, mais ou menos elaboradas por outros discursos e saberes, mas assenta em opiniões que têm uma fábrica comum. (Continua)
“ARRASAR”
Voltou a febre jornalística do “arrasar", um vocábulo poderoso que os jornalistas gostam muito de usar para acentuar títulos que subjectivamente lhes interessam, nos quais têm um parti pris, quase sempre político, algumas vezes pessoal. Quando começa a haver muitos “arrasar”, há sangue fresco na água. Na mó de baixo dos dias difíceis, em que o governo parece ir bem, o PS está uma desgraça, e o BE não chega para “animar a malta”, em que é confortável pensar que a “direita” “domina” tudo tão bem na comunicação social, e em que só se fala baixinho, calma e ponderadamente, com enorme isenção e distância , entra-se em muitas redacções numa depressão leve, numa tristeza subtil com esta “piolheira”. Mas, de repente, o sol levanta-se, o mundo muda, já não há “direita” que mande, raios e coriscos tombam sobre o governo, a “justiça” voltou e os presos políticos foram libertados, imagens do 25 de Abril à porta de Caxias perpassam na memória, os bons velhos tempos voltaram e uma militância acrescida e agressiva compensa bem as noites de queixa no Snob. (Continua)
EARLY MORNING BLOGS / SONGS 58
Hoje abrimos o dia com a essência da manhã, a mudança. Um belo poema de Robert Frost (enviado pelo Francisco Curate) sobre a “hardest hue to hold”: Nothing Gold Can Stay Nature's first green is gold, Her hardest hue to hold. Her early leaf's a flower; But only so an hour. Then leaf subsides to leaf. So Eden sank to grief, So dawn goes down to day. Nothing gold can stay. Depois, ficamos com a “Voz”, (cortesia de José Manuel de Figueiredo), que, mais do que da manhã, fala da madrugada. E, como sempre, a finura da madrugada, dos seus estádios de sombra e luz nascente, está descrita com o rigor das palavras antigas: “Matutinum est inter abscessum tenebrarum et aurorae adventum; et dictum matutinum quod hoc tempus inchoante mane sit. Diluculum quasi iam incipiens parva diei lux. Haec et aurora, quae solem praecedit.” Eis a “Voz”, Frank Sinatra: In The Wee Small Hours Of The Morning "When the sun is high In the afternoon sky You can always find something to do But from dusk til dawn As the clock ticks on Something happens to you In the wee small hours of the morning While the whole wide world is fast asleep You lie awake and think about the girl And never even think of counting sheep When your lonely heart has learned its lesson You'd be hers if only she would call In the wee small hours of the morning That's the time you miss her most of all When your lonely heart has learned its lesson You'd be hers if only she would call In the wee small hours of the morning That's the time you miss her most of all" E, por fim, os "U2 numa belíssima canção do álbum Unforgettable Fire (…) uma manhã... num meio hostil, a neve, uma luz ao fundo” (enviado por Filipe Freitas), mostram como se pode regressar, uma "espécie" de regressar. A Sort of Homecoming "And you know it's time to go Through the sleet and driving snow Across the fields of mourning Light in the distance And you hunger for the time Time to heal, desire, time And your earth moves beneath Your own dream landscape Oh, oh, oh... On borderland we run... I'll be there I'll be there... Tonight A high road A high road out from here The city walls are all come down The dust, a smoke screen all around See faces ploughed like fields that once Gave no resistance And we live by the side of the road On the side of a hill As the valley explode Dislocated, suffocated The land grows weary of its own Oh, oh, oh...on borderland we run... And still we run We run and don't look back I'll be there I'll be there Tonight Tonight I'll be there tonight...I believe I'll be there...somehow I'll be there...tonight Tonight The wind will crack in winter time This bomb-blast lightning waltz No spoken words, just a scream... Tonight we'll build a bridge Across the sea and land See the sky, the burning rain She will die and live again Tonight And your heart beats so slow Through the rain and fallen snow Across the fields of mourning Light's in the distance Oh don't sorrow, no don't weep For tonight, at last I am coming home I am coming home" “I am coming home”; bom dia. Nota: leitores do Abrupto pedem-me que traduza alguns dos textos, em particular os em latim. Mais tarde, tenho a intenção de traduzir (se o meu latim bastar; se não, uso uma tradução já feita) e comentar, em conjunto, todo este texto perfeito de Isidoro, “Hispalensis Episcopi”, sobre as partes da noite, retirado do quinto livro “De Legibus Et Temporibus” do Etymologiarum . Mas, até lá, o som magnifico das línguas antigas, a sua perfeição formal, a sua contenção, que no latim é intraduzível, perdia-se, distraía-se, com a tradução. 9.10.03
VOANDO DE NOVO,
em breve, para a porta do Oriente. Se nalgum caravansaray conseguir rede, o Abrupto terá uma semana de Divã ocidental-oriental. Mais ou menos.
NESSUN TEMPO ...
para nada. Nem "early mornings", nem "late evenings", mas palavras, palavras, palavras no moinho delas. Mas depois do "nessun dorme", há sempre a aurora: "Dilegua, o notte! Tramontate, stelle! Tramontate, stelle! All'alba vincerò!" Na música, claro. 8.10.03
7.10.03
IMAGENS
de ontem: as montanhas são de Carl Rottman e erguem-se sobre o Ebsee, que não se vê no fragmento. Suspeito que a montanha ao fundo seja o Zugspitz, que tem quase 3000 metros de altura. O quadro está na Nova Pinacoteca de Munique e foi pintado em 1825. O lago continua lá, como se pode ver nesta fotografia actual. A outra imagem é de uma série de Sara Rossberg sobre adolescentes e vida urbana, exposta na Nicholas Treadwell Gallery de Londres, do início dos anos oitenta. Sobre Sara Rossberg há mais informação aqui.
EARLY MORNING BLOGS 57
Um poema de Sophia de Mello Breyner (lembrança de Rita Maltez), em que se fala da “verdade da manhã”,que , para a manter límpida , chega por hoje. "Quando brilhou a aurora, dissolveram-se Entre a luz as florestas encantadas Arvoredos azuis e sombras verdes, Como os astros da noite embranqueceram Através da verdade da manhã. E encontrei um país de areia e sol, Plano, deserto, nu e sem caminhos. Aí, ante a manhã, quebrado o encanto, Não fui sol nem céu nem areal, Fui só o meu olhar e o meu desejo. Tinha a alma a cantar e os membros leves E ouvia no silêncio os meus passos. Caminhei na manhã eternamente. O sol encheu o céu, foi meio-dia, Branco a pique, sobre as coisas mortas. Mais adiante encontrei a tarde líquida, A tarde leve, cheia de distâncias, Escorrendo de céus azuis e fundos Onde as nuvens se vão pra outros mundos. Um ponto apareceu no horizonte, Verde nos areais como um sinal. Era um lago entre calmos arvoredos Não bebi a sua água nem beijei O homem que dormia junto às margens. E ao encontro da noite caminhei.” Bom dia. 6.10.03
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES
"PAPEL HIGIÉNICO E LARANJAS PODRES, O MESMO COMBATE!" “É frequente aparecer na comunicação social notícias do género "Os estudantes do Técnico manifestaram-se contra...". É um abuso de linguagem. Tirando algumas raras ocasiões em que de facto há uma mobilização apreciável, em geral os referidos "estudantes do Técnico", não passam de algumas dezenas num universo de aproximadamente 9000 estudantes. Muitas vezes fui surpreendido, tal como vários colegas meus, por apenas ter sabido de tais manifestações pelas televisões, porque o seu impacto no interior do Técnico é quase sempre nulo. E chamar aqueles jovens de estudantes é também um pouco abusivo. Porque em geral os estudantes encontram-se muito ocupados nas salas de aula, nos laboratórios, bibliotecas, estudando, fazendo trabalhos, relatórios, tirando fotocópias, etc. Aqueles jovens são, muitos deles, estudantes com um estatuto especial, que podem andar o ano inteiro em festas por todo país, teoricamente em representação da instituição. Podem fazer isso porque para eles existe uma época especial para a realização de exames, realizada mais tarde, em que as provas são tipicamente mais fáceis. A época especial de exames apenas deveria ser dada em casos excepcionais, mas é utilizada abusivamente por estes estudantes, que não apenas têm exames mais fáceis mas muitas vezes se isentam de apresentar trabalhos ao longo do ano em várias cadeiras. Isto quer dizer que podem apresentar as mesmas notas que outros com 1/10 do trabalho! Mas estes estudantes, nem com tanto tempo livre o aproveitam para se cultivar um pouco. Não sabem que o Técnico não foi criado à imagem da Universidade de Coimbra, mas mais como a sua antítese. E não vou aqui escrever o que disse Voltaire sobre a Universidade de Coimbra por respeito à instituição. Houve uma altura em que chegaram a colocar uma capa negra na estátua de Duarte Pacheco, sem se aperceberem da barbaridade que cometiam. Mas uma coisa é certa. Estas manifestações, apesar de não serem minimamente representativas, conseguem ser bastante efectivas na comunicação social - nada é fruto do acaso." (Mário Chainho) "Sou estudante do Instituto Superior Técnico, mais exactamente do 4º ano de Engenharia Mecânica, e ao ler o seu post "Papel Higiénico e Laranjas Podres, o Mesmo Combate" percebi imediatamente que lhe teria de responder, pois há muito que penso aquilo que acabou de escrever. Também a mim me causa confusão o facto de vários colegas meus aderirem a este costume ressurgente do traje, ainda por cima numa faculdade com pouca ou nenhuma tradição ou espírito académico como é o caso do Técnico. É difícil detectar um padrão, visto que há rapazes e raparigas, bons e maus alunos. Inclusivamente, alguns colegas e amigos meus com os quais me dou muito bem usam o traje. Por outro lado – e falo do Técnico - as tunas, nas quais se usa o traje, são um óptimo local para a integração social de muitos alunos, especialmente dos mais novos, os "caloiros". Por isso, nada tenho contra os trajes em si, nem contra a "tradição". Considero- me de direita e liberal, e respeito por isso as tradições, de um modo geral. Mas há que ver as coisas em perspectiva. O traje, tal como o conhecemos hoje, começou a ser usado em Coimbra e durante séculos apenas aí foi usado. Os trajes e as praxes são de facto uma tradição Coimbrã e nada mais. É curioso reparar que até durante o Estado Novo (regime que abomino) tais práticas nunca foram encorajadas nas nossas Universidades. No Técnico e noutros sítios eram proibidas. Em Coimbra, devido ao peso da tradição, eram toleradas, mas não mais que isso. Então porquê este ressurgimento do traje e das praxes (umas benignas, outras animalescas) nos últimos anos, num país livre? Tenho pensado algumas vezes nisto e não tenho respostas definitivas. Mas penso que você pôs o dedo na ferida ao referir a "altura do varapau, das rixas, das esperas, dos bordéis canalhas, da contínua bebedeira e (…) da poesia ultra-romântica". Aliás, eu não chamaria a "isto" de oitocentista, mas de Miguelista, pois é mais exacto. Sinto-me confuso com este fenómeno. Quase 30 anos depois do fim da ditadura, num tempo em que seria suposto os estudantes serem mais maduros, abertos ao mundo, tolerantes e curiosos do que no seu tempo (como aliás são, não sejamos pessimistas), é com desilusão que vejo tantos colegas meus a desenterrarem usos (o traje) e formas de protesto (as laranjas e o papel higiénico) que os mostram como uma versão suburbana e ciganola da fidalguia marialva do tempo da senhora D. Maria I. Embora respeite, acho de facto surreal ver colegas meus andarem orgulhosamente assim vestidos com pelas ruas de Lisboa (e de Portugal em geral) em pleno século XXI. Às vezes interrogo-me até sobre o que pensarão os alunos estrangeiros do programa Erasmus que em cada vez maior número vêm a Portugal para estudar. Espero que conheçam um mínimo de Eça e de Camilo para compreenderem com benevolência a razão de ser desta pulsão Miguelista que tomou conta desta gente. Para finalizar, queria dizer que apesar deste triste espectáculo, seria injusto julgar o Técnico e os seus estudantes por estas poucas dezenas de marialvas modernos que organizaram o ridículo protesto das laranjas podres. A esmagadora maioria dos estudantes não anda assim vestida e suspeito mesmo que não se identifique com estes "novos" velhos costumes. O mais trágico é que ao optarem por este folclore para Telejornal ver, estas agremiações (habilmente dominadas pelos partidos) estão cada vez mais a hipotecar o respeito, o carinho e o apoio que a sociedade civil devia ter pelos universitários e fazendo perder cada vez mais a paciência aos Poderes para que estes aceitem uma relação séria e madura com os estudantes. Terá isto um fim?" (João Daniel Ramos Ricardo)
SOBRE A EDIÇÃO PORTUGUESA DE DESGRAÇA
O nosso editor reage mal sempre que uma edição da Dom Quixote é criticada, e isso é natural. Não gostou da comparação que fiz entre a edição portuguesa e a inglesa de Coetzee, que a sua editora teve o mérito de publicar. Mas agora, que vai ter que reeditar os livros por causa do Nobel, valia a pena corrigir alguns aspectos da edição portuguesa de Desgraça. Para que fique registado, este é o texto de contracapa da edição portuguesa da Dom Quixote do Desgraça, de Coetzee: “Desgraça ~ o retrato de uma nova Africa do Sul e dos seus também novos problemas, um retrato que, em (última análise, nos fala da beleza e do amor. Um romance inteligente, fértil, calmo e brutal que confirma Coetzee como um dos grandes romancistas do nosso tempo.” Ora se há coisa que o livro não é, é isto. Um dos críticos ingleses falou de “narrative darkness”, o que sintetiza muito bem o estilo de Desgraça e a sua história. “Calmo”? A escrita de Coetzee é depurada, não há uma palavra a mais, mas nada é “calmo” no livro. “Beleza”? Num livro que explora exactamente a falta de beleza, a aridez, onde nada aparece como belo – paisagens desencantadas, personagens gastas, envelhecidas, no limite da fealdade física – é assim que Lucy , a filha da personagem principal David Lurie – é descrita. Tocada por uma certa fealdade, feiosa, como uma palavra terrível diz em português. . “Amor”? Num sentido quase ontológico, não há livro que não fale de amor. Mas o que há em Desgraça, é “desgraça” , a perda de sentido de todas as relações, a usura da vida num momento de mudança social e política que se manifesta pela violência inscrita por todo o lado. Mesmo em actos como a aceitação do filho da violação (por parte de Lucy), há mais expiação do que amor. Há culpa, todo o livro está mergulhado em culpa, e por isso é que ele pode ser lido de forma “politicamente correcta” (que não fique, no entanto, a dúvida que o considero uma grande romance, sobre o qual escrevi quando ganhou o Booker Prize, e não na altura do Nobel). A personagem principal recusa a culpa na questão da “conduta desapropriada” na universidade, mas aceita a culpa colectiva dos brancos. Aceita que na criminalidade haja uma espécie de vingança trágica pelas violências que o apartheid provocou na comunidade negra. Há metáforas do amor, o cão, por exemplo que tão bem ilustra a capa inglesa, mais expressiva do que a portuguesa. Mas olhem para a capa inglesa e vejam o mundo do romance, o cão ferido, os canos com ferrugem, a “narrative darkness”, a imensa tristeza da história.
IMAGEM
de ontem é de um óleo de 1882, da autoria de Willem Roelofs, uma pacífica paisagem dos Países Baixos, com vacas e tudo. Por falar em vacas, Bruxelas, como Londres há uns tempos, está cheia de vacas coloridas pelas ruas, incluindo uma decorada com moules, uma verdadeira ofensa ao bicho. Alguém deve ter encontrado esta nova forma de vender "mobiliário urbano" e gastam-se milhões para alimentar a nostalgia do campo. Mais dia, menos dia, chegam as vacas a Lisboa.
EARLY MORNING BLOGS 56
Continuam a chegar muitas letras de músicas, que, a seu tempo, entrarão para a nossa manhã. Hoje, para que, na simplicidade, brilhem mais as palavras, apenas duas entradas. Uma de Bob Dylan, enviada por Miguel Castro Caldas “cantada (…) em 1970, no album "selfportrait", em plena fase Country. Mas foi escrita por G. Lightfoot. Como não encontrei a transcrição da letra, transcrevo eu apenas a primeira estrofe (a mais bonita) “: "in the early mornin' rain with a dollar in my hand and an aching in my heart and my pocket full of sand I'm a long way from home and I miss my love one so in the early mornin' raiiin with nowhere to go" Outra, a primeira entrada em prosa, de V.S. Naipul, enviada por João Gundersen, “uma achega a essas horas para mim tão difíceis. "A house for Mr Biswas", a sua primeira casa em Port of Spain, já jornalista do "sentinel", mas ainda ligada aos Tulsis..." "The house faced east, and the memories that remained of these first four years in Port of Spain were above all memories of morning. The newspaper, delivered free, still warm, the ink still wet, sprawled on the concrete, down which the sun was moving. Dew lay on trees and roofs; the empty street, freshly swept and washed, was in cool shadow, and water ran clear in the gutters whose green bases had been scratched and striped by the sweeper’s harsh broom’s. Memories of taking the Royal Enfield out from under the house and cycling in a sun still cool along the streets of the awakening city. Stillness at noon: stripping for a short nap: the window of his room open: a square of blue above the unmoving curtain. In the afternoon, the steps in the shadow; tea in the back verandah. Then an interview at a hotel, perhaps, and the urgent machinery of the Sentinel. The promise of the evening; the expectation of the morning." Bom dia!
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES (Actualizado)
SOBRE A PALAVRA DE HONRA, OS EXEMPLOS VÊM DE CIMA…, ETC. "Começo esta missiva pela citação de escrito seu no "abrupto": « É mais fácil mudar os ministros do que mudar os hábitos sociais, e é por isso que estas ondas de indignação são hipócritas até à raíz dos cabelos. Só se consegue manter uma sociedade baseada nas cunhas quando essa mesma sociedade tem estes sobressaltos self- righteous. A onda de indignação faz parte do mesmo fenómeno, é parte do mesmo atraso, nasce da mesma massa das cunhas.» De facto, demitido que está o ministro, enviada que vai ser a filha do outro para o estrangeiro, e reclamada por uns a inocência e a honra do pai, enquanto que por outros a sua cabeça, não ouvi ninguém insurgir-se contra a lei que legaliza a excepção (ou antes, as excepções). Porque no fundo, o que o director geral fez foi dar um parecer de extensão, de uma excepção legal, à forma de selecção na entrada na universidade. E esse regime de excepção que previligia os filhos de emigrantes, os naturais da Madeira e dos Açores e os Palops, mesmo em cursos onde a pressão de entrada é violenta como no caso da Medicina, não é contestado por ninguém. De facto, como muito bem diz, «a onda de indignação faz parte do mesmo fenómeno, é parte do mesmo atraso, nasce da mesma massa das cunhas» e feito o alarido, a excepção vai manter-se para que outros privilégios e cunhas possam continuar a acontecer. Afinal, obrigar o contribuinte português a financiar a formação em medicina do filho de um ministro de Angola, Moçambique, Cabo-Verde ou Guiné, é muito mais "justo e democrático" do que permitir que a filha do ministro português se torne uma excepção em si mesma." (Francisco Santos) “Estou como o Senhor, no meu tempo (não será em todos os tempos) a palavra de honra era (é) um valor, é um contrato feito entre quem a diz e quem a ouve. Selado pela atitude e configurado pela idoneidade dos intervenientes acto. Subentendo que esse “posted” tem a ver com o “pormenor” político que nos assaltou na semana passada. Pormenor, entendo eu, que apenas tomou as dimensões porque a comunicação social fez dele um caso e, porque os envolvidos lhe deram oportunidade para isso. Não era um caso nacional (refiro-me às proporções que tomou), era, pelo que os envolvidos disseram um caso de honra, resolúvel em sede adequada. Tem razão quando diz que as demissões constituem hoje, parece, uma banalidade, uma reacção que dá jeito no desconforto criado a uma figura pública. Perdeu-se o sentido de ver no pedido de demissão um acto de coragem, um ponto final numa situação insustentável, que tem por base duas premissas: - Ou se é acusado injustamente e, é a saída para manter uma coerência na acção, na idoneidade e na dignidade da pessoa. É justificada pela impossibilidade de continuar a desempenhar uma função por falta meios e de confiança. - Ou se reconhece uma conduta infeliz e irreparável e, assume-se o erro. Não vejo outra justificação para as demissões mas, a dúvida em relação a um acto praticado não o é certamente.” (Rui Silva) “O problema não é a honra do ministro. O problema é que um requerimento feito por um ministro, a outro ministério, deverá ser respondido por outro ministro, ou será que agora um director geral ou lá o que é o homem responde a um ministro que não é o dele? Para além do que está dito podemos voltar ao velho dito que diz que “à mulher de César não basta ser séria”…” (F. Oliveira Dias) “ A propósito de "os exemplos vêm de cima..." fez-me recordar que uma das primeiras coisas que aprendi com o meu avô foi a não dizer palavra de honra. Dizia-me ele, na sua infinita sabedoria, que palavra só há uma. Nunca se deve dizer palavra de honra, porque, continuava ele, dá a sensação que temos mais do que uma. Fiquei perplexo quando ouvi o nosso ministro de N. Estr. utlilizar a sua palavra de honra. Será que ele também a emprega nas reuniões a que assiste ? E discordo da sua caracterização da nossa sociedade como mergulhada em hábitos de patrocinato e clientela. Alguma parte dela sim, mas não podemos ser tão radicais. Nunca na minha vida profissional ou pessoal "meti" uma cunha. E como eu muitos outros que conheço, anónimos portugueses. E também não é verdade de se perdeu a medida: o ex-ministro da Educação não a perdeu. A questão de fundo, prezado Dr. Pacheco Pereira, que se está a tornar demasiado óbvia, é que o Dr. Durão Barroso não consegue encontrar gente de qualidade para fazer parte do seu elenco governativo. Será porque não há ? Não, é porque não querem. E este não querer é que é o verdadeiro problema.” (João Costa) “O problema é mesmo esse, "O Poder"! Porque é que um Ministro ou Director Geral tem "O Poder" de decidir quem entra na Universidade? Não deveria ser "apenas" a lei a funcionar? Porque é que "O Poder" é tão apetecível para que Directores Gerais, Embaixadores e outros bem instalados na vida, ponham em causa o seu bem estar, o bem estar da sua família, o não serem conhecidos pela Comunicação Social, para irem trabalhar (muito) mais e ganhar (muito) menos? "O Poder" deixa-nos com vontade de fazer algo... A capacidade de intervir na vida das pessoas concretas (não falo aqui do poder legislativo que esse, penso, ainda pertence à Assembleia da República). Não seria muito mais fácil que "estas coisas" não dependessem dum despacho dum Ministro qualquer? Caramba, não é difícil entender o drama de uma aluna que, mesmo sendo filha de um colega do Ministro, até ficou prejudicada por mais uma alteração da mudança de residência do pai (teoricamente, para continuar a servir o país...). O que vale mais? Passar 6 anos a "passear" de escola em escola no estrangeiro ou "apenas" acompanhar o pai no 12º ano? O mal, penso eu, é o Ministro ter "O Poder" de compreender a injustiça desta excepção à lei. O mal, foi a filha do Ministro não se ter quedado mais um "anito" lá por Madrid, como fazem todos os outros, mesmo que, assim, as suas notas piorassem devido à destabilização emocional motivada por viver sem a família aos 16/17 anos. Porque foi compreensivo, decidiu intervir! Assim, demitiu-se. O Estado Português é que, conforme dizem, fica a perder. No mínimo, ficará com uma "segunda escolha" de Durão Barroso. Por mim, até para evitar futuras tentações, as leis deveriam ser mais claras, mais acessíveis a todos, até para evitar que, aqueles que têm "O Poder" de recorrerem ao Tribunal Constitucional e "O Poder" de verem os seus recursos a serem decididos em tempo "normal" (anormal para a velocidade da justiça portuguesa), possam ver as nossas leis "adaptarem-se" aos seus casos específicos. Eu, como o Ministro, o Bastonário, alguns deputados e "opinion makers", compreendo aquilo que muita gente passa em Portugal, com as previsões preventivas, sem saberem de que são acusados, quanto mais ainda presumíveis inocentes. Mas estas prisões preventivas, tão longas, apenas aconteceram agora? Foi só neste caso que houve um despacho deste tipo, motivado pela compreensão da situação? Ou anda alguém por aqui a "mexer uns cordelinhos", tentando afectar a credibilidade deste Governo, que quer mudar muita coisa em pouco tempo? Isto faz-me lembrar uma afirmação interessante que ouvi há pouco tempo: "Nós, os portugueses, achamos que tudo está mal! Tudo! No entanto, quando desafiados para a mudança..." (NM) “Sou docente do superior, e esta história dos ministros deixou-me tão sensibilizado ao ponto de pela primeira vez escrever assim a alguém. Pode até existir um buraco na lei. Mas como posso confiar em alguém que se aproveita dos buracos na lei ? É o contrário dos princípios éticos que tentoo passar aos meus alunos. A dignidade perdeu-se...totalmente. Estou triste, nem sequer revoltado. Triste apenas com este meu país que me envergonha todos os dias.” (AP) * Críticas a estas notas do Abrupto encontram-se em Mata-Mouros e Bloguítica Nacional, entre outros. 5.10.03
PALAVRA DE HONRA 2
Há uma alternativa, que se tornará popular, à palavra de honra: o detector de mentiras.
PALAVRA DE HONRA
Um homem que dá a sua palavra de honra é como um homem que jura: as suas palavras valem mais do que palavras, são um acto decisivo em que ele coloca como penhor de si próprio, e da veracidade do que diz, a sua identidade. É um acto grave e sem retorno. Eu sou da escola em que se acredita quando alguém fala assim. (O Latinista Ilustre lembra e bem que, mesmo no estado republicano e laico, esta afirmação da palavra tem valor jurídico.) Reconheço que vivemos num mundo que tão pequeno sentido dá a estes valores (até porque muitos os desrespeitam com a boca cheia de grandes palavras) que, quando um homem, goste-se ou não, enuncia que a sua palavra é a sua honra parece uma trivialidade ou um expediente. Eu sinto um calafrio porque naquele momento é ele o forte e eu o fraco nas minhas dúvidas. Posso estar a ser enganado e o homem que invoca a sua honra não a tem? Sem dúvida, mas prefiro pagar esse preço para que os homens possam continuar, intactos, a nomear a sua honra como último penhor. A civilização é feita destas coisas.
IMAGEM
de ontem é familiar aos parisienses e aos turistas de Paris. Aquele homem, andando sozinho, como muitas vezes se anda, “L´Homme qui marche”, é uma ilusão, um trompe l’oeil, pintado numa parede da fachada sul da central do ar condicionado, ao lado do Fórum Les Halles. Vemos e não vemos, o que vemos não vemos, o que vemos não é o que vemos.
EARLY MORNING BLOGS 55
Tanta coisa que acontece pela manhã! Que a “manhã” é um meme diriam os nossos darwinistas dwakinianos, e que o meme da manhã infectou inúmeras canções e poemas, é incontestável. Aqui vai uma parte da colheita em inglês, enviada pelos leitores do Abrupto. João Pedro da Costa manda uma das suas “favoritas morning songs (….). É de Nick Drake, e é o tema que fecha o belíssimo Pink Moon (1971).” From the morning "A day once dawned, and it was beautiful A day once dawned from the ground Then the night she fell And the air was beautiful The night she fell all around. So look see the days The endless coloured ways And go play the game that you learnt From the morning. And now we rise And we are everywhere And now we rise from the ground And see she flies And she is everywhere See she flies all around So look see the sights The endless summer nights And go play the game that you learnt From the morning." Pedro Cordeiro lembra “uma pérola”, de Leonard Cohen: HEY THAT'S NO WAY TO SAY GOODBYE "I love you in the morning, our kisses deep and warm, your hair upon the pillow like a sleepy golden storm, yes, many loved before us, I know that we are not new, in city and in forest they smiled like me and you, but now it's come to distances and both of us must try, your eyes are soft with sorrow, Hey, that's no way to say goodbye. I'm not looking for another as I wander in my time, walk me to the corner, our steps will always rhyme you know my love goes with you as your love stays with me, it's just the way it changes, like the shoreline and the sea, but let's not talk of love or chains and things we can't untie, your eyes are soft with sorrow, Hey, that's no way to say goodbye. I love you in the morning, our kisses deep and warm, your hair upon the pillow like a sleepy golden storm, yes many loved before us, I know that we are not new, in city and in forest they smiled like me and you, but let's not talk of love or chains and things we can't untie, your eyes are soft with sorrow, Hey, that's no way to say goodbye." E Pedro Brás Marques “Empty Skies” do Springsteen, do álbum 'The Rising' – “um álbum que está bem longe de ser uma boa safra do 'Boss', mas passa...” Empty Skies "I woke up this morning I could barely breathe Just an empty impression In the bed where you used to be I want a kiss from your lips I want an eye for an eye I woke up this morning to the empty sky Empty sky, empty sky I woke up this morning to an empty sky Empty sky, empty sky I woke up this morning to an empty sky Blood on the streets Yeah blood flowin' down I hear the blood of my blood Cryin' from the ground Empty sky, empty sky I woke up this morning to an empty sky Empty sky, empty sky I woke up this morning to an empty sky On the plains of Jordan I cut my bow from the wood Of this tree of evil Of this tree of good I want a kiss from your lips I want an eye for an eye I woke up this morning to an empty sky Empty sky, empty sky I woke up this morning to an empty sky Empty sky, empty sky I woke up this morning to an empty sky Empty sky, empty sky I woke up this morning to an empty sky" 4.10.03
ANOS SESSENTA
Na entrevista que deu ao Público, a propósito do seu livro passado nos anos sessenta, Olivier Rolin diz : “Quando tínhamos 20 anos a felicidade não nos interessava profundamente…” o que é, para a época, uma grande verdade. O problema é que não era só a nossa, mas também a dos outros, que “não nos interessava profundamente”. O que nos interessava, aos estudantes e intelectuais, era a lógica fria das ideias, por isso pouca importância se dava ao sofrimento que essas ideias causavam nas pessoas comuns. A atracção dos intelectuais no século XX pelo comunismo tinha a ver com esse último conforto das ideias: vê-las desfilar “organicamente”, ou “dialecticamente”, ou “empurradas pelo vento da História” em função do que pensávamos, mesmo que, sob os “pés” das ideias, estivessem muitos mortos. Única e importante diferença em Portugal (como na Espanha ou na Grécia): havia uma ditadura, logo uma moral de “resistência”. Noutra altura falarei dessa diferença.
OU OS EXEMPLOS VêM DE CIMA, OU NÃO VêM CERTAMENTE DE BAIXO
Para se reformar uma sociedade mergulhada em hábitos de patrocinato e clientela, nos “conhecimentos” e não no mérito, na excepção à excepção “para além da leis”, uma sociedade pré-burocrática, é fundamental o exemplo vir de cima. Aliás, se não vier de cima, não vem certamente de baixo. Esta é uma regra simples, cuja enunciação e aplicação basta: este tipo de procedimentos não é aceitável, implica violação grave do exercício de funções, e daí que tenha consequências para os que são responsáveis. (Veja-se nota no fim) É mais fácil mudar os ministros do que mudar os hábitos sociais, e é por isso que estas ondas de indignação são hipócritas até à raíz dos cabelos. Só se consegue manter uma sociedade baseada nas cunhas quando essa mesma sociedade tem estes sobressaltos self- righteous. A onda de indignação faz parte do mesmo fenómeno, é parte do mesmo atraso, nasce da mesma massa das cunhas. Nos Jaquinzinhos há uma nota intitulada "Portugalidade", que explica à saciedade o que se passa "Rodeado de amigos à mesa de um restaurante, dizia o médico: "Não há maneira de dar a volta a isto! Estes gajos mal se apanham com algum poder, abusam, isto é só cunhas, favores aos amigos, esta porra está enraizada na sociedade! Olha lá, Zé, eu passo-te o atestado por mais 2 dias e assim podes juntar a quarta ao fim-de-semana, está bem?" Nota final: Não sei se, em casos como este, a demissão é aceitável; isto é difícil de discutir a quente, porque já se perdeu toda a medida. Mas que se está a dar uma banalização da demissão, está. À mais pequena coisa, ela é pedida, e à mais pequena coisa, ela é concedida. E depois há toda uma enorme injustiça: à luz desta história, apesar de tudo uma pequena história, que gravidade não teriam os procedimentos “Modernos”? Onde está a medida? A única que existe é a pressão mediática. Eu, quando ouço alguém dizer que dá a sua “palavra de honra”, aceito-o, mas isso também são hábitos pré-burocráticos. Está-se a criar uma noção de “culpabilidade objectiva”, que vem dos media (e que tem encontrado em Marcelo Rebelo de Sousa, ele próprio um barómetro dos media, obcecado com o “parecer”, uma voz ouvida) , que introduz na política o princípio da presunção da culpa. Esta forma moderna de cinismo é uma variante do populismo. As massas pedem a “castração”, os jornalistas dizem-lhes todos os dias que é da natureza da política mentir ou encobrir, e as vozes juntam-se.
IMAGENS
De ontem e anteontem são completamente distintas. Anteontem, apareceu um fragmento de um típico “gabinete”, cheio de antiguidades gregas e romanas – reconhecem-se alguns vasos gregos e reproduções, ou originais, de pinturas romanas. É um detalhe de um quadro de Pietro Fabris, mas a maior parte da pintura não está lá. Na parte ausente, está o primeiro Conde de Seaforth, na sua casa de Nápoles, num concerto para os amigos. A um canto, com o seu pai, tocando um cravo portátil, um rapaz chamado Wolfgang Amadeus Mozart. A pintura de ontem, um jardim com um gato no meio, era identificável pelo gato como sendo de Beatrix Potter. 3.10.03
AS NOSSAS ELITES
"Nas universidades, está-se no início do ano escolar, pelo menos no que diz respeito aos alunos do primeiro ano. E, consequentemente, está-se na época da recepção ao caloiro. Trata-se de um espectáculo degradante que deveria ser obrigatório para todas as pessoas que não se cansam de apregoar a «generosidade» da juventude. Talvez ficassem vacinadas para toda a vida, a menos que adoptem o ponto de vista de Miguel Portas, segundo o qual as recepções ao caloiro são encorajadas pelo docentes universitários com o objectivo de inculcar o mais cedo possível nos novos alunos terror e subserviência para com os seus superiores hierárquicos. Quando observo as recepções ao caloiro lembro-me frequentemente do castigo medieval que consistia em manter uma pessoa presa num local público, de modo que quem passasse poderia dirigir-lhe insultos, lançar-lhe excrementos, etc. A diferença é que os caloiros não estão fisicamente presos; são, isso sim, vítimas de coação psicológica. Acima de tudo, não consigo deixar de pensar que os estudantes que gastam tempo e energia a fazer isto aos caloiros em vez de os ajudarem a adaptar-se a um ambiente totalmente novo são provavelmente os mesmos que protestam por o governo não investir o suficiente nas universidades." (José Carlos Santos) "Na Sexta fui-me matricular na Faup (Faculdade de Arquitectura da U.Porto) e....mesmo antes de saber a módica quantia que temos a pagar de propinas...deparei-me com um “ADMIRÁVEL MUNDO NOVO”: Ao longe via apenas a agitação própria de mais um dia de matriculas. No átrio...tudo mudou: repentinamente os meus olhos são assaltados por uma aterradora visão negra. Por momentos julguei ter-me enganado na faculdade...senti-me atordoado: morcegos!! Aquilo a que, apesar de tudo, me habituei a chamar de Escola, estava agora invadida de morcegos saltitantes que se passeavam irritante e alegremente perante os meus olhos indignados. Apesar do meu estado de revolta interior, bastante visível exteriormente, todos pareciam lidar naturalmente com a situação. Entrei na livraria para comprar os impressos e lá estavam eles “ajudando os caloiros” a preencher papelada: após anos de clandestinidade deliberada, surgem como cogumelos com suas pastinhas negras a pregar os “valores da tradição”. Onde estavam eles no passado? Escondiam-se, porquê? Aqui a tradição é outra...!!!ou pelo menos era. A liberdade de expressão e o direito à diferença é um valor que muito prezo...HAJA LIBERDADE ATÉ PARA O HISTORICISMO E A ESTUPIDEZ! Apesar da abertura de espírito e tolerância que devemos ter... não consigo ser indiferente a mais um corte nos elos que nos uniam à ESCOLA. ESCOLA DO PORTO_ “(...) dos atelieres, às tascas, à escola, um certo estilo de estar juntos, a solidariedade anti-burguesa, mais nos gostos, uma atmosfera culta e progressista como se podia no Porto, ao som da banda de música no coreto de S.Lázaro com gosto a doce da Teixeira.(...)” António Quadros" (Luís Reis)
A MEMÓRIA DO “SULISTA, ELITISTA E LIBERAL”
Li os extractos que o Correio da Manhã publicou do livro de Luís Filipe Menezes, em que se conta um dos incidentes que marcou o Congresso do PSD no Coliseu, quando Fernando Nogueira e Durão Barroso se confrontaram: a intervenção atribulada do “sulista, elitista e liberal” . Acho bem que Menezes tenha escrito o que escreveu e relatado a sua versão. Faz falta ao conhecimento público esta dimensão mais pessoal da acção política, que tão importante e decisiva é. Claro que o relato de Menezes tem um aspecto de ajuste de contas (embora ele hesite em nomear certas pessoas), e hiper-valoriza o seu próprio papel e o do incidente no resultado final do Congresso, que tem outras explicações, nem todas muito dignificantes. Mas, mesmo assim, vale a pena lê-lo, porque é, no essencial, subjectivamente verdadeiro, tanto quanto uma só pessoa, no meio daquele vendaval, podia testemunhar os factos que directamente o envolviam. Sou das testemunhas mais próximas do incidente. Menezes falava contra mim, depois de uma intervenção que eu tinha feito, e de cujo conteúdo ele nada diz, pelo menos no Correio da Manhã. Recordo-me de preparar mentalmente a resposta ao “sulista, elitista e liberal”, dizendo a Menezes que ele se tinha enganado em quase tudo, porque eu era “nortista, democrata e liberal”, e “liberal” era, para os “nortistas”, uma grande palavra, que vinha de Garrett e D. Pedro, do 24 de Agosto e de Passos Manuel… E já que estamos numa de memória, ainda pensei em uma maldade, a qual certamente não diria em público. Quando, na resposta, chegasse ao Passos Manuel, acrescentava “que, pelo menos, pelos nomes das ruas do Porto devias conhecer…” ; coisas de Congressos. Mas caíu-nos o céu ou o inferno em cima (mais propriamente, do Luís Filipe Menezes). Fui um dos que, no meio da barulheira, falei com ele, estava Menezes mudo e paralisado no meio do palco. No palco e fora dele, esteve para haver confronto físico, tal era o ambiente de tensão que se vivia. Ao ler as recordações de Menezes, mais uma vez, tive a forte impressão de como tão pouco se sabe da história política dos últimos anos, pelo menos daquela que eu pude testemunhar e nunca chegou às páginas dos jornais. O domínio, no relato jornalístico, das “intrigas que são contadas”, absorvidas com uma osmose perfeita, é tal, que estas tomam o lugar da descrição factual.
EARLY MORNING BLOGS 54
A Formiga explodiu, tornando-se o primeiro blogue a desaparecer com grandeur no imenso espaço do futuro. Que tenha sido uma formiga e não a "colónia" (a “antcolony” que assinava as notas) explica a explosão. Como é que uma formiga se transforma num indivíduo? Se uma formiga se comporta com individualidade, que perturbações profundas gera no comportamento colectivo de que ela é uma peça? E vice-versa? O escritor que mais cedo percebeu estes dilemas foi Kafka. As suas formigas nunca ganhavam verdadeira individualidade, mas apercebiam-se do poder do grupo, da “colónia”, do “colectivo”, porque o podiam ver de fora, podiam ver o seu mecanismo porque eram vítimas dele. Porque é que elas viam e as outras não? Se Kafka se limitasse a contrapor individualidade / sociedade, na tradição do seu tempo (por exemplo, no teatro de Ibsen), não teria sido tão inovador como é. Não. A formiga “perde-se” da colónia por acaso, por um destino tão cego como as regras do grupo. A formiga K. é processada por erro burocrático, e, quer no Processo, quer no Castelo, nunca verdadeiramente sai do labirinto porque não há, no seu término, qualquer liberdade, logo nenhuma individualidade é possível. No início do século XX, Kafka percebeu o poder colectivo da burocracia moderna, o poder do “enxame” e como a sua força anónima podia levar a momentos como a “solução final”. Agora que a Formiga morreu de morte inatural, transcrevo aqui uma das citações mais interessantes da blogosfera, que o seu autor repetiu agora , mas que já lá tinha posto há muito: Major Tom - If Control's control is absolute, why does Control need to control? HAL9000 - ... Control needs time. Major Tom - Is Control controlled by his need to control? HAL9000 - Yes. Major Tom - Why is Control need Humans, has you call them? HAL9000 - Wait ! Wait! Time are lending me...; Death needs time like a Junkie needs Junk. Major Tom - And what does Death need time for? HAL9000 - The answer is so simple ! Death needs time for what it kills to grow in! (Dead City Radio, William S. Burroughs / John Cale , 1990) 2.10.03
O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES
A correspondência e a colaboração dos leitores permitiam fazer um blogue ao lado. Entre os temas que suscitaram mais correio, encontra-se a questão do Muito Mentiroso, seu significado e seu fim, as propinas e a obsessão higiénica dos protestos, e a questão europeia. Logo que possa, vou ver se consigo fazer uma síntese das opiniões recebidas, organizada por estes temas. Vou também tentar, ao fim de semana, tornar regular este “Abrupto visto por…” SOBRE ESTA PEDRA “Sobre Aquela Pedra não se senta, hoje, Pedro mas João. Este Papa é uma das figuras marcantes do último quartel do século XX e, porventura, ainda do XXI. Foi protagonista e espectador dos acontecimentos da época referenciada; talvez mais protagonista que espectador. Não analisarei aqui aspectos espirituais nem teológicos, pois não disponho de cultura nem formação para tal. Contudo, como homem que acompanha os ventos da história, filtrados pelo que os “media” querem que eu conheça, tenho algumas opiniões que gostaria de partilhar consigo. O papa protagonizou (protagoniza) um conceito de ecumenismo alargado, sem atender a credos nem raças, como talvez nenhum outro o tenha conseguido fazer. Sob o lema de divulgador do evangelho peregrinou pelo mundo inteiro, deixando uma mensagem simples: o amor pelos outros, quer dizer a paz, quer dizer uma maior justiça social. Foi tão simples passar a mensagem. Mas será que conseguiu? Parece que não, porque nós os homens gostamos de ouvir (nestes tempos ver o espectáculo de como, quem e onde se diz é um “valor” da nossa sociedade), mas normalmente só ouvimos e não elaboramos sobre o que ouvimos. Contudo, o Papa insiste na mensagem. A lucidez e a clareza com que o faz, contrastam com a tibieza dum corpo frágil. Mostra aos “olhos do mundo” a decadência do físico, num crescendo que nos sensibiliza e que, penso eu, nos recorda o que acontece aos outros, talvez só aos outros. Não sei se pode ou quer renunciar, mas não creio em tal. Para terminar direi que, neste aspecto, é um exemplo. Acredita no que diz, faz da palavra uma arma de amor. Será que nós, os outros, conseguiremos acreditar no que dizemos? Ou só dizemos?” (Rui Silva) SOBRE O GALEGO: “A DELICADA CAMELIA DA NOSA FALA” Extracto de um artigo publicado por Fernám Velho no dia 1/10/2003 intitulado “A delicadeza do idioma” : “A delicada camelia da nosa fala verá ferido o seu corpo e a súa beleza polo salitre escuro dun derradeiro inverno. Non hai moito soubemos que por primeira vez en Galiza o número de persoas maiores de 65 anos, a maioría falantes en galego, superaba o número de menores de 15, a maioría falantes en castelán. E do mesmo xeito soubemos que esta Nai Terra de noso presenta xa unha das taxas de natalidade máis baixas do mundo. Aquel sabio que foi Florentino López Cuevillas chegou a referirse ao pobo galego como "pobo estraño'': un pobo que fai todo o posíbel por desaparecer e que -velaí o seu drama- non o consegue. ¿Que aconteceu no país que un día, na alta flor medieval, foi monolingüe en galego e tivo a máis alta proxección en Europa con Santiago de Compostela como unha das principais capitais culturais de Occidente? Se deixamos agora que a auga esborralle o castelo de area (o idioma), comezaremos a ser nada. Seremos devorados polo mar do esquezo. Seremos a penas o túmulo resultante do noso propio fracaso.” NOMES DOS AVIÕES “E porque não baptizam os autocarros? Em vez do 21, podia ser "vou apanhar ali o Eça". Ou melhor, para não haver a possibilidade de esquecimento do nome, "vou ali apanhar o Zé Maria". ;-)” (Nuno Figueiredo) UM TEXTO DE RUSHDIE “Voltei a descobrir um texto do Salman Rushdie que não via há alguns anos. Foi escrito antes do ataque aos EUA, da recente guerra contra o Iraque e Afeganistão. É um texto político, mas também (e ainda bem) literário, uma carta escrita por Rushdie ao bébé número 6 mil milhões que nasceu no nosso planeta, sobre como crescer longe dos moralismos dogmáticos. Queria partilhá-lo com alguém que se interesse por ideias, por isso aqui vai....” (Cláudia) LOMBADAS DOS LIVROS “o que me faz escrever hoje é um fait divers. falo das lombadas dos livros. quando "browsamos" por uma livraria fora, dobramos ligeiramente o pescocinho para a esquerda para ler as lombadas dos livros em parada.de repente, somos acordados naquela viagem porque algumas lombadas têm o texto a ler ao contrário. se os editores soubessem como isso é perturbador..." (Eduarda Maria)
IMAGEM
de ontem é um fragmento de um quadro de Léon Spillaert, "Le Point de Chemin de Fer", data de 1911, e está no Museu Real de Belas Artes de Bruxelas. Se não me engano, o comboio da imagem é a segunda máquina a entrar nos fragmentos do Abrupto, acompanhando um navio perdido, algures num oceano a sério.
PODER E ESTÉTICA
Este livro, que saiu agora em paperback (Frederic Spotts, Hitler and The Power of Esthetics, , Londres, Pimlico, 2003), é um excelente instrumento para discutir Riefenstahl, junto com um ensaio já antigo de Susan Sontag sobre a componente sadomasoquista do nazismo. Contrariamente à percepção corrente, os nazis davam muita atenção às artes e não eram propriamente os brutos ignorantes que se imagina. Nazis e comunistas consideravam que a criação estética era a última legitimação do poder e mostraram uma grande capacidade de entender a modernidade, principalmente quando ela servia para a propaganda. Hitler e Staline interessavam-se pela arquitectura, o cinema e a música, e ambos patrocinaram o equivalente aos actuais “ministérios da cultura”, que nenhuma democracia imaginava ter antes de Malraux. Habituados a seguir o pós-Malraux, via Lang, consideramos hoje natural aquilo que seria completamente bizarro numa democracia no tempo de Hitler e Staline: que um governo pudesse “dirigir” a cultura, sem que isso fosse entendido como propaganda.
EARLY MORNING BLOGS 53
Bom retorno do Socio[B]logue , boas leituras no Almocreve das Petas, o mais regular dos blogues nocturnos, com um retrato fabuloso de Aquilino por Cardoso Pires. Um dia, conto o meu encontro, na província profunda, com um padre saído vivo dos livros de Aquilino, e das refeições que comemos juntos (lá não havia capões, os dois capões que me recordo de Aquilino contar que constituíam um pequeno almoço paroquial, mas havia bola de carne, trutas genuínas, carne assada com batatas, onde a carne é carne e as batatas são batatas – tanta gente que nunca comeu uma batata verdadeira! -, mais do que um doce, café e aguardente), e de como ele me contava que enganava as mulheres da serra, dizendo “Vade retro mulieris” em vez de “Vade retro Satanás”, quando elas lhe pediam para benzer o gado… EARLY MORNING SONGS: Da verdadeira antologia matinal que me enviou José Manuel Figueiredo, escolho três clássicos: Good Morning Blues (Ella Fitzgerald) "Good morning blues, blues how do you do Good morning blues, blues how do you do Babe, I feel alright but I come to worry you Baby, it's Christmas time and I wanna see Santa Claus Baby, it's Christmas time and I wanna see Santa Claus Don't show me my pretty baby, I'll break all of the laws Santa Claus, Santa Claus, listen to my plea Santa Claus, Santa Claus, listen to my plea Don't send me nothing for Christmas but my baby back to me" Mary In The Morning (Elvis Presley) "Nothing's quite as pretty as Mary in the morning When through the sleepy haze I see her lying there Soft as the rain that falls on summerflowers Warm as the sunlight shining on her head When I awake and see her there so close beside me I want to take her in my arms, The ache is there so deep inside me Nothing's quite as pretty as Mary in the morning Chasing the rainbow in her dreams so far away And when she turns to touch me I kiss her fingers so softly And then my Mary wake to love and love again And Mary's there in summer days or stormy weather She doesn't care how right or wrong the love we share, We share together Nothing's quite as pretty as Mary in the evening Kissed by the shade of night and starlight in her hair And as we walk, I hold her close beside me All our tomorrows for a lifetime we will share" Good Morning Good Morning (Beatles) Nothing to do to save his life call his wife in Nothing to say but what a day how's your boy been Nothing to do it's up to you I've got nothing to say but it's O.K. Good morning, good morning... Going to work don't want to go feeling low down Heading for home you start to roam then you're in town Everybody knows there's nothing doing Everything is closed it's like a ruin Everyone you see is half asleep. And you're on your own you're in the street Good morning, good morning... After a while you start to smile now you feel cool. Then you decide to take a walk by the old school. Nothing has changed it's still the same I've got nothing to say but it's O.K. Good morning, good morning... People running round it's five o'clock. Everywhere in town is getting dark. Everyone you see is full of life. It's time for tea and meet the wife. Somebody needs to know the time, glad that I'm here. Watching the skirts you start to flirt now you're in gear. Go to a show you hope she goes. I've got nothing to say but it's O.K. Good morning, good morning..." Bom dia. 1.10.03
SOBRE ESTA PEDRA
O Papa está a fazer uma coisa muito difícil, em que o “corpo é que paga”. Está a morrer diante de nós, depois de envelhecer diante de nós, restituindo a uma parte da vida, que escondemos em lares sórdidos para nosso conforto, uma dignidade essencial. É uma opção que muitos não compreenderam, porque têm o culto da juventude e da eficácia, da energia e da vitalidade, e não perceberam a última lucidez deste homem – a de nos devolver a integridade da vida toda. O Papa é um dos homens de estado com maior influência na história do século XX, e, junto com Reagan, acabou com o império soviético. Mas não se ficou por aí: devolveu, pelo exemplo, à Igreja católica, uma imagem pública espiritual, que a burocratização do papado tinha perdido nos últimos séculos. A Igreja vai torná-lo santo rapidamente, mas desta vez o milagre está a ver-se todos os dias.
ESTADO DO ABRUPTO (Setembro 2003)
Setembro foi o mês do Guiness. Mês com maior número de visitas (mais de 100.000 “pageviews” e 60.000 visitas), dia com maior número de visitas (23 de Setembro, com mais de 6500 “pageviews”), média por dia de 4100 “pageviews” e mais de 2600 visitas, tudo o que possam imaginar. A esquizofrenia dos dois contadores acentuou-se, por razões que desconheço, para além da diferença da data de partida. Segundo o Sitemeter, o Abrupto tem neste momento mais de 286.000 “pageviews” , a caminho das 300.000. A mais importante mudança está nos 667 “imbound blogs” e nos 938 “inbound links” na Technorati. . Se a lista dos Technorati Top 100 mundial estivesse actualizada, o Abrupto entraria para o fim, seria o 97. Exultate, jubilate. Sempre é um produto português numa lista de 100 em um milhão, numa pequena blogosfera, escrito em português. Vá, aqui também não se fala de país, mas de pátria, até porque tantas vezes se está longe. Obrigado.
ESTRANHEZA
de voar no “Natália Correia”. Não me importo de voar no “Alexandre Herculano”, no “António Sérgio”, no “Humberto Delgado”, mas na Natália, que eu conheci viva e fresca, e depois cansada e gasta, como o tempo nos fará a todos, levou-me a querer mudar de avião. Já não há respeito, na morte fazem-nos tudo, até Airbus.
EARLY MORNING BLOGS 52
Voando sobre um ninho de blogues, encontrei um retrato de como o tempo passa sem darmos por ela, no quotidiano da Memória Inventada ; vi a chuva que invade a pátria no quadro de Caillebotte, que vem no Salmoura ; e acompanhei uma família portuguesa na ida à neve pelo Gato Fedorento, quando “um português de classe média, média-alta, paga mais de cem contos por semana para experimentar viver como um português de classe baixa.” Se fosse só na neve…. EARLY MORNING SONGS: estão-se a tornar tão populares como foram os “Objectos em extinção”, antes destes passarem, eles próprios, à extinção. Rui Almeida incluiu no seu blogue "um contributo para a colecção de "early mornig blues" (...) Os Led Zeppelin são uma das minhas descobertas da adolescência (…), num tempo em que os revivalismos ainda não estavam na moda, mas que me foi proporcionada pela convivência com pessoas da sua geração.” Petronius, o Árbitro das Elegâncias , lembra, para quem não tivesse dado por isso, que a letra dos Alabama 3, álbum Exile on Coldharbour Lane, faixa “Woke Up This Morning”, que já aqui se publicou, é que abre os Sopranos, na viagem de Tony a caminho de casa. Lembram-se? "You woke up this morning The world turned upside down, Things ain't been the same Since the blues walked into town. You've got that shotgun shine. Born under a bad sign. With a blue moon in your eyes." José Manuel de Figueiredo mandou-me uma verdadeira antologia matinal. Aqui vai um exemplo de Sinatra (depois dos Sopranos fica bem) : In The Wee Small Hours Of The Morning When the sun is high In the afternoon sky You can always find something to do But from dusk til dawn As the clock ticks on Something happens to you In the wee small hours of the morning While the whole wide world is fast asleep You lie awake and think about the girl And never even think of counting sheep When your lonely heart has learned its lesson You'd be hers if only she would call In the wee small hours of the morning That's the time you miss her most of all When your lonely heart has learned its lesson You'd be hers if only she would call In the wee small hours of the morning That's the time you miss her most of all" Renato Martins envia-me algumas sugestões em português. Uma delas é de Chico Buarque (também cantado por Caetano Veloso - Qualquer coisa, 1975) de 1969 Samba e amor "Eu faço samba e amor até mais tarde E tenho muito sono de manhã Escuto a correria da cidade, que arde E apressa o dia de amanhã De madrugada a gente ainda se ama E a fábrica começa a buzinar O trânsito contorna a nossa cama, reclama Do nosso eterno espreguiçar No colo da bem-vinda companheira No corpo do bendito violão Eu faço samba e amor a noite inteira Não tenho a quem prestar satisfação Eu faço samba e amor até mais tarde E tenho muito mais o que fazer Escuto a correria da cidade, que alarde Será que é tão difícil amanhecer? Não sei se preguiçoso ou se covarde Debaixo do meu corbertor de lã Eu faço samba e amor até mais tarde E tenho muito sono de manhã" * Bom dia.
OUTRA IMAGEM
que, dada a magreza das notas, ainda se vê aqui em baixo , é parte de uma natureza morta de Georg Flegel de 1635. Quando , daqui a uns dias, eu colocar outra parte se verá como a intimidade acolhedora do pão, do vinho e do alho fancês, é enganadora e uma ameaça paira sobre a natureza. A da morte.
© José Pacheco Pereira
Início |