ABRUPTO

30.9.03
 


IMAGEM

de há dois dias, de Robert Filliou, é um fragmento de "Sémantique genérale" e data de 1962. Está no museu de Mönchengladbach.
 


HORA DUODECIMA

 


RAVEL RECORDADO POR MANUEL ROSENTHAL

Um canal francês passa, a altas horas da noite, uma longa entrevista com Manuel Rosenthal, músico, maestro e compositor francês, que morreu há pouco tempo, quase com 99 anos. A entrevista foi realizada quando Rosenthal estava na casa dos oitenta e era uma conversa fascinante, sem um segundo de aborrecimento, história sobre história, com recordações vivíssimas de Ravel, dos músicos franceses do século passado, da Resistência aos nazis, das memórias de gente como Rubinstein, ou o muito jovem Baremboim, ou da experiência que Rosenthal tivera, pouco antes da entrevista, de, com 82 anos, dirigir a Tetralogia em Seattle.

Rosenthal contou que Ravel quis que, no seu funeral, se tocasse L' Aprés Midi d'un Faune, que considerava a "música perfeita" , não uma música perfeita, mas a música perfeita. E Rosenthal explicou (mais do que explicar, numa forma suprema de explicar), porquê.
 


JUDEU ERRANTE

Por razões que (me) entram pelos olhos dentro, interessam-me as maldições de errância, quando alguém é condenado a andar permanentemente à procura de um lugar que não existe e por isso não pode nunca parar. Eis uma verdadeira maldição.

Uma das mais conhecidas é a do "judeu errante" , o judeu que se teria negado a ajudar Cristo no sua passagem com a cruz por Jerusalém, e a quem este teria condenado a perpetuamente viajar pelo mundo , sem casa, nem abrigo, de terra em terra, numa procura sem sentido nem fim. O que eu não sabia é que vários homens se convenceram de que eram o "judeu errante", e que aparições do maldito pontuam a Europa desde a Idade Média, de Toledo à Ucrânia. Um mapa muito interessante da errância do judeu vem em Martin Gilbert, The Routledge Atlas of Jewish History, Routledge, 2003.

Entretanto, parece que o judeu errante foi para Nova Iorque, o que é natural porque é a cidade onde mais judeus há no mundo. Uma das últimas aparições ter-se-ia dado aí, em 1940, quando um agente de seguros se convenceu de que incarnava o judeu pouco hospitaleiro, que negou um lugar de descanso a Cristo. Visitava com frequência a Biblioteca, onde lia biografias de si próprio, e mandou imprimir um cartão de visita onde se lia "The Wandering Jew".

Talvez um dia o encontre num aeroporto, voando sem descanso, e troquemos cartões de visita, de errante a errante.

29.9.03
 


UM IMENSO E AMBÍGUO CONSENSO

No momento em que as questões europeias são mais complexas e delicadas (Constituição, implementação do Tratado de Nice, reforma da PAC, alargamento, directório, etc.), no momento em que Portugal tem mais a perder na sua posição relativa no contexto europeu (menos votos, menos deputados, menos poder nos esquemas de votação maioritária, acabado que está o direito implícito de veto, fim dos prazos especiais que protegiam o nosso atraso, ameaças sobre a política de coesão, competitividade acrescida dos países do alargamento, etc.), no momento em tudo está a mudar qualitativamente não se sabe bem para onde, estão criadas todas as condições para que não haja qualquer debate sério sobre a Europa, abafado por um imenso e ambíguo consenso.

PS, PSD e PP estão presos nesse consenso; o PCP estará fora, como sempre esteve, e não é nos seus termos que a discussão tem sentido. Vai estar tudo de acordo, vão ficar apenas meia dúzia de nuances. É por isso também que já se percebeu que o referendo, prometido pelo Primeiro Ministro, prometido já há vários anos pelo PSD e pelo PS, que juraram que nunca mais haveria mudanças significativas na posição europeia de Portugal sem consulta popular, vai ser metido na gaveta. O PS não o quer porque teria que estar ao lado do PSD, o PP não o quer de todo, porque lhe seria muito incómodo, dadas as suas posições ainda recentes, e o PSD hesita para não pôr o PP em dificuldades.

Isto significa que as próximas eleições europeias pouco terão de europeu e muito de português: serão sobre o governo e a oposição, ou se calhar nem isso, se o PS continuar como está. A ser assim, a abstenção crescerá e a anomia política também.
 


O QUE É ABSOLUTAMENTE OBRIGATÓRIO SABER

sobre armas de destruição massiva, vem num livro, acabado de publicar, de Frank Barnaby, How to Build a Nuclear Bomb and Other Weapons of Mass Destruction , Londres, Granta Books, 2003. Barnaby é um físico nuclear, que trabalhou na indústria de armamento e que foi director de um prestigiado think tank sobre a paz, sediado em Estocolmo. Devia ser leitura obrigatória para todas as pessoas, para lá de ideologias e políticas, que devem saber o futuro que se prepara, o futuro que é possível temer. A questão, verdadeiramente, não é apenas política, porque o acesso a determinadas tecnologias está já ao alcance de um terrorista individual, obcecado com qualquer causa exótica, do tipo do Unabomber.
 


PROZAC

Voando da "euro-acalmia" para a "euro-excitação", ou será o contrário?
Lá em baixo, os europeus, invisíveis. Estão muitas nuvens, mas são euro-nuvens.

28.9.03
 


CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES

Um texto fabuloso aqui, o capítulo XXX do livro I dos Ensaios de Montaigne, sobre os "canibais" , sobre eles e sobre nós.
 


HORA QUARTA

 


IMAGEM

de ontem era de Katharina Fritsch, data de 1988, e está no Museu de Arte Moderna de Frankfurt.
 


ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

CASA DA MÚSICA :

Sei que e do Porto e que gosta do Porto. E quer se goste da Casa da Musica, quer não, quer se gostasse mais da velha Central de Eléctricos quer não, construir um edifício de 7 andares atras dela e uma aberração. Se Ginestal Machado (arquitecto responsavel pelo projecto do edifício o BPI) efectivamente respondeu a Koolhaas como noticiou o Publico, recusa a discussão do seu projecto com o arquitecto da Casa da Musica. Com "janelão" ou sem "janelão" (ideia que so de nos!), o edificio vai ser um desastre.
A questão e, basicamente, pode-se fazer alguma coisa contra a construção do edifício? Ou vai-se construir mais uma coisa que se acha uma aberração, mas "já não se pode parar" (como tantas aberrações pelo pais fora)? Como não sei a quem perguntar...


(Ana Aguiar)

ENCERRAMENTO DOS CHATS DA MICROSOFT:

"Acho que este é um assunto importante e interessante. Estou indignado como a notícia foi debitada nos telejornais e nos jornais sem qualquer reflexão. Fechar chat rooms não é a solução para a criminalidade online. As empresas têm que ser responsáveis e investir em formas de proteger os seus utilizadores. "

(Nuno Figueiredo)

FALARES GALEGOS:

Artigo de Carlos Durão no Semanário Transmontano , 23/09/2003

Acostuma dizer-se que, a norte da raia, “fala-se galego”. De facto, “o galego” (“el gallego”) é hoje reconhecido pelas autoridades espanholas, que o consideram língua “própria” da Galiza (para elas “Galicia”), ao mesmo tempo que “lengua también española”, como p.ex. na Constituição espanhola ou no Estatuto de Autonomia da Galiza. E as “autoridades” linguísticas espanholas têm feito os máximos esforços por “provar” que essa língua falada a Norte da raia, que é cooficial com o castelhano, não tem nada a ver com a que se fala a Sul da raia, que é oficial no Estado português. Ora, a realidade é que a verdadeira língua oficial da Galiza é a espanhola, que é a língua que abrange todo o Reino de Espanha. E “o galego” são de facto “os galegos”, os falares, falas ou dialetos galegos da Galiza oficial (as quatro províncias da Corunha, Lugo, Ourense e Ponte Vedra) e mais da Galiza chamada “exterior” (Návia, Berzo e Seabra, comarcas ocidentais das Astúrias e de Leão), ou seja os dialetos portugueses do Norte da raia, em geral tanto mais castelhanizados quanto mais distantes dela. Para esses dialetos, as autoridades espanholas inventaram uma “ortografia” espanhola, que reflite uma “ortofonia” também quase espanhola (quer dizer adatada à fonética dos hispanófonos galegos), e tornaram-na obrigatória nos centros de ensino e nas edições subsidiadas, banindo a ortografia e ortofonia realmente próprias da língua, ou seja portuguesas: esta é a posição dita isolacionista, obediente às diretrizes dum partido político de âmbito estatal.

Existem, claro, dissidências, grupos minoritários e independentes do oficialismo, que não estão dispostos a aceitar este “facto consumado” e que procuram falar e escrever bem o português, considerando que une e dá coesão a todos esses falares, e nos relaciona cabalmente com o resto da Lusofonia, quer dizer que é a norma culta da nossa língua. Naturalmente esses grupos são sanhudamente perseguidos e banidos do ensino e dos subsídios oficiais (como, aliás, nos melhores tempos da ditadura franquista). Mesmo assim, conseguem manter uma presença social muito superior ao seu número, publicando livros e revistas, celebrando congressos, seminários, etc., que nos derradeiros vinte anos têm alertado a sociedade galega para o perigo da espanholização e exercido certa pressão nas opções filológicas até dos próprios isolacionistas. Há ainda uma posição intermédia, digamos quase lusógrafa mas não lusófona, ainda muito dependente do espanhol na grafia, na fonética e na morfologia e sintaxe, que parece ter certas esperanças de ser aceite ou pelo menos tolerada pelo oficialismo. Os seus utentes, embora digam que a sua posição é temporária e que está a caminho do alvo final português, de facto cada vez mais ficam estacados num imobilismo cómodo ou docilmente submetidos à política linguística dum partido, e ainda pretendem “exportar” os seus produtos ao mundo lusófono, sem reparar que estão a criar confusão entre as pessoas lusófonas de boa vontade que realmente querem ajudar a Galiza na recuperação da sua língua.

O que fazer? Certamente nós, a Norte da raia, temos muito que fazer para ampliar essas minorias críticas e continuar consciencializando as pessoas. Mas a Sul da raia também os nossos irmãos transmontanos e minhotos muito poderiam fazer para alentar a língua portuguesa na Galiza e recusar tanto o isolacionismo oficial como essas meias-tintas gráficas e fonéticas, que afinal são mau português, e insistir num padrão correto para a nossa língua, seja ele o que se continua a empregar em Portugal ou o do ainda não ratificado Acordo da Ortografia Unificada de 1990, no que está explicitamente reconhecida a participação da Galiza
.”

MEMÓRIA DA ESCOLA:

A primeira tem uma ligação com a escassa produção de materiais de arquivo que permitam fazer a arqueologia dos processos de decisão dos partidos políticos. Falo dos processos de decisão em muitas escolas. Quem for consultar e ler as actas de muitas reuniões (sobretudo nos conselhos de turma) encontrará uma outra realidade. Aqui temos documentos, materiais de arquivo. No entanto, muitas vezes não nos dizem o que realmente se passou. Tudo porque a legislação obriga a que se façam coisas impossíveis. Eis dois bons exemplos:
- planos curriculares de turma que "articulem" os conteúdos de todas as disciplinas e sejam adequados à especificidade de cada turma;
- planos individuais de recuperação dos alunos, com estratégias que não se colocarão em prática porque todos sabem que o aluno só se recupera se estudar e isso ele dificilmente começará a fazer.
Unicamente, a realidade das escolas, das turmas, dos professores, torna estas acções impossíveis. E como não é possível fazer, não se faz, mas como a lei manda que se faça, então que se registe em acta. Não se fez, mas se está na acta, está bem
.”

(Paulo Agostinho)

ESTADO PROVIDÊNCIA VISTO PELOS DE BAIXO:

Volto de novo à escola. Dei aulas nos últimos seis anos (este ano está mais complicado obter colocação, infelizmente) e foi sempre elevada a percentagem de alunos subsidiados, com excepção da turma do ano de estágio, que era de um centro urbano (Coimbra). Assim, estes alunos recebem livros, refeições grátis ou a preços mais reduzidos e materiais escolares.
Muitos materiais são fornecidos de forma arbitrária, pois a meio de um ano lectivo vi serem entregues cadernos novos e meia dúzia de canetas de várias cores que rapidamente davam origem a um estranho mercado paralelo de venda desse material escolar entre os alunos, pelo que se depreende que não lhes fazia falta. E vi alunos deitarem fora o caderno que usaram até aí (com as lições nele registadas) porque receberam um novo. Mas há duas coisas que mais chocam. A primeira é a impunidade com que alguns alunos destroem material e desperdiçam a comida que lhes é dada. Partir as réguas, vender as canetas, rasgar as folhas dos cadernos, perder os livros, utilizar o pão para batalhas nas cantinas e maçãs e laranjas para jogos de futebol são alguns exemplos. Creio que só na Madeira estas atitudes dão origem ao corte do subsídio. Por cá o acto fica, geralmente, impune. E assim não se transmitem os valores que as escolas tanto apregoam. A segunda situação chocante é o número esmagador de alunos subsidiados que têm telemóvel. E falo de alunos de 12 a 14 anos (os últimos anos da escolaridade obrigatória), não de adolescentes quase na maioridade. Será uma necessidade? Se mesmo nos adultos muitas vezes não o é, muitos menos será no caso das crianças. Mas eles lá estão, em cima das secretárias, a tocar nos corredores e nas salas, a anunciar mensagens ou "toques".
Estes exemplos são sintomas de erros e injustiças na atribuição dos subsídios escolares. E uma má lição de vida para as crianças. "


(Paulo Agostinho)

SOBRE PEDREIRAS:

Uma crítica bastante fundamentada à minha nota no Abrupto em Portugal Profundo.
 


EARLY MORNING BLOGS / SONGS / HOURS 51

Já começaram a chegar os portugueses a este olhar matinal. António Afonso fala das manhãs “ que os lisboetas não aproveitam” e recorda os anos 60” , que foram também os que eu andei por aí, espantado transmontano, embevecido com o Tejo e com as aulas de Teoria da Literatura do David Mourão-Ferreira ,que escreveu o ROMANCE DA BEIRA-TEJO, de que transcrevo as duas últimas estrofes (??):
...

Certa manhã na ribeira
do Tejo, com maresia,
fragatas, e o que trazia
do mar a brisa ligeira...
- essa graça, enfim, senti-a,
à beira do Tejo, à beira,
com fragatas, maresia...

Bela! a cidade, serena...
Longe o tempo, desolado...!
Perto, só tu, a meu lado,
lírica barca pequena
que a Vida enfim há deixado
junto de mim, na serena
cidade bela do fado!

in A Secreta Viagem

Provavelmente o cheiro a maresia já não é o mesmo, as fragatas não estão lá, a cidade será menos bela e menos serena, mas cada um poderá, ainda assim, sentir, todas as manhãs, a “graça” que entender.


José Carlos Santos mantêm-nos nos anos sessenta com este “Morning has broken” de autoria de Eleanor Farjeon (1881-1965) “e tornou-se famosa por ter sido a letra de uma canção de Cat Stevens, incluída no seu álbum Teaser and the Firecat (1971)”.

Morning Has Broken

"Morning has broken like the first morning
Blackbird has spoken like the first bird
Praise for the singing praise for the mornin
Praise for the springing fresh from the world.

Sweet the rains new fall sunlit from heaven
Like the first dewfall on the first grass
Praise for the sweetness on the wet garden
Sprung in completeness where his feet pass.

Mine is the sunlight mine is the morning
Born of the one light eden saw play
Praise with elation praise every morning
God's recreation of the new day."



Luís Parreira acrescenta “na lista de canções sobre manhãs, há uma que penso não pode faltar, falo de “morning Song” da belíssima Jewel.

Let the phone ring, let's go back to sleep
Let the world spin outside our door, you're the only one that I wanna see
Tell your boss you're sick, hurry, get back in I'm getting cold
Get over here and warm my hands up, boy, it's you they love to hold
And stop thinking about what your sister said
Stop worrying about it, the cat's already been fed
Come on darlin', let's go back to bed

Put the phone machine on hold
Leave the dishes in the sink
Do not answer the door
It's you that I adore -
I'm gonna give you some more

We'll sit on the front porch, the sun can warm my feet
You can drink your coffee with sugar and cream
I'll drink my decaf herbal tea
Pretend we're perfect strangers and that we never met...
My how you remind me of a man I used to sleep with
that's a face I'd never forget
You can be Henry Miller and I'll be Anais Nin
Except this time it'll be even better,
We'll stay together in the end
Come on darlin', let's go back to bed

Put the phone machine on hold
Leave the dishes in the sink
Do not answer the door
It's you that I adore -
I'm gonna give you some more



EARLY MORNING HOURS : Agora , de um lado mais sinistro, mas completamente humano, o nosso médico lembra-nos que a manhã é uma altura em que se morre mais. Numa nota de grande sensibilidade, leva-nos para o mundo experior, para o mundo real, onde um operário “com a boca ao lado” permanecia fiel ao seu lugar, ao seu posto de trabalho a fazer um AVC, perdendo a vida ou parte dela. De leitura obrigatória.

Bom dia.

27.9.03
 


SOBRE A “MARCHA BRANCA”: O POVO CONTRA MONTESQUIEU

Em princípios de 1998, assisti a uma “marcha branca” na Bélgica, no apogeu do processo Dutroux e escrevi um artigo no Diário de Notícias, intitulado “O povo contra Montesquieu", que aqui reproduzo parcialmente por me parecer oportuno.

“Era uma manifestação popular, o que é pouco comum. Desde que a fórmula do cortejo de protesto pacífico se estabilizou como um hábito democrático - e isso aconteceu só no nosso século com as primeiras manifestações ordeiras dos social-democratas alemães em Berlim, que não degeneraram em batalhas campais com a polícia - que as manifestações são um instrumento de acção política, dependentes de lógicas partidárias ou inerentes ao processo político. É verdade que também havia organizações que circulavam à volta do cortejo - os restos do P. C. Belga, um grupo trotsquista, uns ecologistas - mas eram marginais. Tinham pouco a ver com o que se estava a passar, eram apenas parasitárias.

Não é sequer o número de pessoas que conta, mas a forma, o carácter, o conteúdo. Aquela longa fila de homens, mulheres e crianças, muitas famílias inteiras, dessas novas famílias europeias muito pequenas, não tinha nenhum padrão especial que a desviasse de uma representação equilibrada da sociedade belga. Havia belgas, francófonos e flamengos, havia emigrantes, velhos e jovens, crianças e adolescentes. Só havia um traço de identidade - não parecia haver pessoas abastadas. Eram trabalhadores, funcionários, empregadas, donas de casa, vestidos casualmente de blusões e camisolas, poucos fatos e gravatas. Naquela enorme multidão estava uma Bélgica um pouco mais pobre do que a fauna eurocrata e dos negócios que se encontra habitualmente no centro de Bruxelas, misturada com os turistas. Havia muita gente que viera de comboio e autocarro dos subúrbios da cidade, e os pontos de reunião da manifestação estavam associados aos transportes públicos. Aquelas pessoas andam de metro, de autocarro, de comboio.

Depois, quase que não havia cartazes e os poucos que havia tinham sido feitos por aqueles que os traziam. Raramente tinham o tamanho de um vulgar cartaz de anúncio de um concerto de rock e estavam perdidos no meio de manifestantes de mãos nuas, sem autocolantes, sem símbolos, sem nada. Não havia palavras de ordem, ninguém gritava nada - o silêncio "contra o silêncio".
Os organizadores desta marcha são os comités ad hoc que se criaram à volta das famílias das crianças assassinadas. Quase que não tiveram meios de divulgar a manifestação e consideravam-na um sucesso se aparecessem 10.000 pessoas. Apareceu o triplo. Há um ano, o número de manifestantes era muito maior mas isso podia compreender-se pela emoção da tragédia dos assassinatos. Hoje há menos pessoas, mas são as mesmas e ainda são muitas, e não há razão nenhuma para não se perceber que elas comunicam invisivelmente com as muitas centenas de milhares que não saíram à rua. Longe da emoção causada pelas revelações criminosas, a mesmo revolta continua. Popular. Silenciosa. Forte.

O que querem os manifestantes? Não o dizem com clareza, mas percebe-se: querem que alguém mande - porque é suposto ter a obrigação de mandar -, mande nos juízes e nas polícias para acabar com os crimes. Que alguém faça não só justiça, mas também garanta reparação, reparação para as famílias, reparação para todos os que ali estão. Que todos, a começar pelas famílias, sejam "parte" nesse processo de justiça, tenham "voz", a única que se considera legítima e pura, porque vem da perda e do sofrimento. Que haja justiça vinda de quem sofre e não de quem julga, porque se suspeita que quem julga está mais próximo do criminoso do que da vítima.

O pretexto são os crimes da rede pedófila de Dutroux , mas o alvo é a percepção de que eles só foram possíveis por uma rede de cumplicidades que envolve políticos, polícias, e ... juízes. É contra uma conspiração pressentida que se revoltam os manifestantes, uma conspiração dos poderosos contra o povo comum, que oculta crimes tão terríveis como a violação e o assassinato de crianças, através de uma "lei do silêncio", que funciona como uma lei do poder, a favor do poder.

Sendo assim a manifestação é tanto popular como subversiva, no verdadeiro sentido da palavra. O que está em causa é a ordem, a ordem democrática assente na divisão dos poderes. Os manifestantes querem que alguém - e esse alguém só pode ser um governante, um político ou o "povo" nas ruas - interfira no processo judicial, dê ordens a um juiz. Ora isto viola claramente a separação clássica entre os poderes, do mesmo modo como há alguns anos os apelos aos juizes italianos para "governarem" a Itália, contra a mafia e a corrupção.

(…) Os manifestantes belgas traduzem um mal-estar profundo que também é nosso. Na Bélgica é contra os juízes, que são percebidos como "políticos" como outros quaisquer. Mas a verdadeira revolta é contra o poder e os poderosos, feita por um povo comum que não acredita nos partidos ou nos sindicatos para exprimir e canalizar essa revolta. Não é um problema novo, mas conhece hoje novas formas.”
 


PAPEL HIGIÉNICO E LARANJAS PODRES, O MESMO COMBATE!

O que disse sobre as peripécias dos académicos conimbricenses, que se sentem representados pelo papel higiénico, repito sobre os lisboetas que também andaram pelo mesmo papel e acrescentaram laranjas podres à lista, demonstrando uma imaginação poderosa.

Agora a surpresa lisboeta é ver estudantes do Técnico de “traje académico”, ou seja, como uma espécie de seminaristas retardados no tempo. Que os de Coimbra andem de farda, já estamos habituados, agora em Lisboa, onde nunca houve tal “tradição”, o que é que se passa? Há algum vírus no ar? A poluição já é assim tão grave? Será dos shots? A culpa é do absinto?

Não sei porquê, mas há alguma coisa que me diz ao ouvido, algum grilo transviado, que deve haver um traço esquisito num engenheiro de sistemas, num físico nuclear, num bioquímico, que não se importa de andar na rua, em público (que horror!), vestido de “estudante” oitocentista, na altura do varapau, das rixas, das esperas, dos bordéis canalhas, da contínua bebedeira, e, ainda pior horror, da poesia ultra-romântica . Mas deve ser de mim, que soçobro sentimentalmente à ideia positivista do progresso, mesmo apesar das minhas resistências filosóficas.
 


MARCHA “BRANCA”

Não vou, não concordo. Cada um é livre de se manifestar como entende, mas este tipo de iniciativas unanimistas são um poderoso caldo de cultura para o populismo. É um caminho perigoso.
 


EARLY MORNING BLOGS 50

Micro-causas: enfileiro-me, disciplinado, no apelo do Almocreve das Petas a propósito dos livros-catálogos:

Saiu o novíssimo Boletim Bibliográfico do Livreiro-Antiquário Luís Burnay - Setembro 2003 -, com 508 peças estimadas, há muito esgotadas ou raras. Como curiosidade o livreiro-antiquário acrescenta à listagem bibliográfica um "desabafo" aos clientes e amigos, bem pertinente, e que não é normal aparecer em Catálogos. Trata-se de uma referência à política de franquia existente, onde o livro-catálogo é penalizado face ao livro tout court. Essa estranha hermenêutica dos CTT em torno do conceito de livro, considerando um livro-catálogo um não-livro, desvela não só uma incomensurável blague cultural mas aponta, também, para o anedotário nacional onde o desnorte da politica cultural legislativa é total. Refere, ainda, e neste assunto não está só, o atraso constante e sistemático da distribuição dos correios, que impede uma prática gestionária contínua e eficaz. Nós compreendemos tudo isso. Ou não estivéssemos em Portugal. “

Early morning songs:

Nuno Lima envia uma grande canção de Billie Holiday e cita o Edu Lobo sobre o canto de Billie "não tem técnica, não tem truque nenhum, é emoção pura". Que poderá ser mais bluesy?”

Good Morning Heartache

"Good morning heartache
you old lonely sight
Good morning heartache
thought we said goodbye last night

I've turned and tossed until it seems you have gone
But here you are with the dawn
Wish I'd forget you
but you're here to stay
It seems I met you
when my love went away
My every day I start by saying to you
Good morning heartache
What's new?

Stop haunting me now
Can't shake you nohow
Just leave me alone
I 've got those Monday blues
straight through Sunday blues
Good morning heartache
here we go again
Good morning heartache
you're the one who knew me when
Might as well get used to you
hangin' round
Good Morning heartache
Sit down

Stop haunting me now
can't shake you nohow
just leave me alone
I've got those Monday blues
straight through Sunday blues
Good morning heartache
here we go again
Good Morning Heartache
you're
the one who knew me when
Might as well get used to you
hangin' round
Good Morning Heartache
Sit down."



André Carvalho manda-me a primeira letra em português de canções matinais: a Letra da me Tempo Perdido, do grupo brasileiro Legião Urbana:

Tempo Perdido

"Todos os dias quando acordo,
Não tenho mais o tempo que passou
Mas tenho muito tempo:
Temos todo o tempo do mundo.


Todos os dias antes de dormir,
Lembro e esqueço como foi o dia:
"Sempre em frente,
Não temos tempo a perder".


Nosso suor sagrado
É bem mais belo que esse sangue amargo
E tão sério
E selvagem.


Veja o sol dessa manhã tão cinza:
A tempestade que chega é da cor dos teus olhos castanhos.
Então me abraça forte e me diz mais uma vez
Que já estamos distantes de tudo:
Temos nosso próprio tempo.


Não tenho medo do escuro, mas deixe as luzes acesas agora.
O que foi escondido é o que se escondeu
E o que foi prometido, ninguém prometeu.


Nem foi tempo perdido;
Somos tão jovens.”


Pedro Gaspar chama a atenção para a Christopher Tower Poetry Competition da Universidade de Oxford, cujo tema é, nem mais nem menos, do que “early morning”!

Amanhã há mais. Bom dia.
 


IMAGENS

de ontem incluíam um “guerra e paz” , um óleo de Lawrence Ferlinghetti, cuja reprodução comprei numa memorável (para mim) visita à City Light Books em S. Francisco. A outra imagem, que parece um Matisse e que está mesmo aqui em baixo, é de uma pintura de Helen Frankenthaler de 1971, chama-se “Captain’s Paradise” e está num museu de Columbus, Ohio. Hoje estamos em plena Americana.

26.9.03
 


CONTICINIUM

 


EXAGEROS

A história do helicóptero é típica dos hábitos nacionais. Quantas histórias idênticas se passam por todo o lado, nas empresas, nas repartições, nas escolas, nos hospitais, etc, etc.., típicas de um à vontade no uso dos bens públicos ou colectivos, só que sem o novo riquismo do helicóptero?

O acto é em si reprovável, mas pouco mais mereceria que um inquérito circunscrito e assunção de responsabilidades, em particular, com a reposição dos gastos indevidos. Não justifica certamente a histeria que está a ser feita pela comunicação social e muito menos o rolar indiscriminado de cabeças, apenas por excesso de zelo face à pressão mediática. Mas como é tudo povo pequeno, gente desconhecida, carne para canhão, pode-se encher o peito …

Uma das razões porque a comunicação social (neste caso acompanhei a SIC e a RTP) , apesar do seu moralismo arrogante, tem pequeno papel na luta contra os abusos e a corrupção é que é incapaz de manter a proporção, o equilibro. Os verdadeiros abusadores agradecem.
 


MISSÃO IMPOSSÍVEL *

(Carta aberta a António Lobo Xavier sobre a “coerência”)

Meu caro António

1. Se há artigo que eu sabia ia ser escrito, como uma espécie de pre-emptive strike, era este.....Não me enganei, nem quanto ao autor, nem quanto ao conteúdo, nem quanto ao papel político que o artigo pretende ter. Só uma nota sobre o autor: António Lobo Xavier (ALX) é o único dirigente do PP que manteve a sua posição coerente quanto à Europa, nestes últimos dez anos. ALX presta um serviço ao PP chegando-se à frente, querendo que o debate seja com ele, porque é o único que o pode travar.

2. Eu aceito o repto, mas não é com o ALX que discuto, é com o PP, com o PP de Paulo Portas, que quererá, sob o manto diáfano da "eurocalmice", (uma completa e absoluta inexistência conceptual, destinada a encobrir o mais incomodado dos silêncios), escapar ao escrutínio da viragem a 180º, e ao seu significado político. Também sei que este artigo tem muito a ver com as nossas discussões e com o que o António sabia que eu iria dizer ou escrever. "Eu sei que tu sabes que eu sei que tu sabes" é daquelas coisas que, na política portuguesa, são inescapáveis, tanto mais que o país é pequeno e nós, como discutimos há muitos anos no Flashback e somos amigos, "sabemos".

3. Vamos à "coerência". Tudo estaria bem se fosse assim, mas não é. Bem pelo contrário. De facto, a aliança eleitoral que se anuncia entre PP e PSD nas europeias só tem uma lógica política : a manutenção da coligação governamental. Nada tem a ver com a Europa , nem com as posições de cada partido. Mais valia que o PP dissesse claramente que é assim e admitisse que, para permanecer na coligação e no governo e para não contar os votos, abandonou as posições "euro-excitadas". O PP não evoluiu - não existem quaisquer traços sérios dessa evolução - mudou. E mudou de forma escondida e envergonhada, não querendo admitir que errou antes ou erra agora.

4. O problema é que as próximas eleições europeias vão travar-se num terreno de opções políticas decisivas, sem ambiguidades e que exigem posições claras sobre matérias tão controversas como a Constituição europeia. Seria inconcebível que o PSD e, em particular, o PP, pudessem travar uma campanha eleitoral sem, por exemplo, dizerem se são a favor ou contra o projecto de Constituição, e isso significa pronunciar-se sobre mil e uma matérias mais que espinhosas... para o PP. Para além disso, as próximas eleições dar-se-ão num contexto, ou de simultaneidade, ou de proximidade, com um eventual referendo sobre a Constituição e poderão acompanhar um processo de revisão constitucional por ela motivado.

5. Para o PSD, também existem dificuldades, porque no interior do partido há quem pense de modo muito diferente sobre estas matérias e não só de agora. Mas, seja qual for a definição a haver no PSD, ela não será traumática, até porque o partido sempre foi europeísta e acompanhou o processo de integração europeia sobre o qual há um certo consenso. Mas ALX não se iluda quanto às posições do PSD, reflexo das opções do governo, porque estas estão cada vez mais alinhadas com as do Partido Popular Europeu (PPE) . O PP, para acompanhar o PSD, terá que mudar do preto para o branco. E não terá que deitar fora velhas posições, como ALX sugere, do "princípio dos anos noventa", mas de 1999 e 2000. Veja-se a última campanha eleitoral para as europeias, completamente "euro-excitada", para se perceber o que mudou.

6. Nalgumas entrevistas recentes, dirigentes do PP têm apresentado a minha posição como sendo característica de uma evolução política semelhante à que estariam a ter eles próprios. O PSD, representado por mim, teria evoluído para um “euro-realismo” e para longe do federalismo do passado, e, movendo-se em sentido contrário, encontrar-se-iam com o PSD a meio desse caminho. Isto é obviamente uma ficção política, embora eu veja, com ironia, o meu papel de “unificador”. As minhas posições (ainda esta semana votei contra a moção do PE sobre a Constituição europeia) não são significativas da evolução que se está a dar no PSD, tanto quanto se pode perceber no plano governativo, embora sejam, no meu entender, fiéis ao programa de candidatura de 1999 com que fui eleito. Em 1999, Paulo Portas achava esse programa federalista. Se esse era federalista, então agora o PP vai-se aliar a um PSD ultra-federalista.

7. Na verdade, nunca as posições oficiais do PSD estiveram tão próximas do federalismo do que estão hoje. Durão Barroso, honra lhe seja feita, nunca escondeu um pendor federalista em matérias europeias e, com excepção da parte sobre o poder institucional, várias vezes se pronunciou favoravelmente ao processo constitucional da Convenção, alinhando aliás as suas posições com as do PPE. Este foi longe no projecto europeu (Constituição, reforço dos poderes do Parlamento Europeu, modelo federal, unificação das políticas europeias em áreas tradicionais de reserva da soberania dos estados, etc.) e considera-se, a justo título, como um dos inspiradores da Constituição europeia e como parte do núcleo mais duro de um processo de integração política, a caminho de uma UE entendida como uma país suis generis. Se, como diz ALX, o PP se aproxima hoje das suas “posições fundacionais”, então os verdadeiros heróis são Freitas do Amaral e Lucas Pires, que sempre representaram esse legado do federalismo do PPE. Ambos tratados como quase traidores a Portugal, e Lucas Pires insultado soezmente na televisão em directo por Paulo Portas.

8. Meu caro António, as coisas são como são e cada um faz o seu caminho. O meu é cada vez mais difícil, e, provavelmente, custará o meu lugar no PE. Acho a coisa mais normal do mundo deixar de exercer funções políticas quando não se concorda com a política. Mas preocupa-me o caminho que se está a seguir. A "Europa" que vamos discutir em 2004 não é soft, é hard , as opções demasiado graves para haver confusões. Se há altura em que não se pode ficar “calmo” com a Europa é agora. Uma das muitas objecções que se podem ter a uma aliança PSD-PP, é que ela poderá gerar, num momento decisivo, um espaço de ambiguidade mau para os interesses de Portugal e para o projecto europeu.

Um abraço do

José Pacheco Pereira

* Este texto será publicado amanhã no Público. Depois dessa publicação, substituirei o texto por uma ligação, dado que ele é muito extenso para o Abrupto.

 


MISSÃO IMPOSSÍVEL

estará em linha daqui a uma ou duas horas, se entretanto não se agravarem os problemas de comunicação que tenho tido. O correio electrónico da Telepac está um caos, não sei se é local ou global. Vamos ver.
 


HORA UNDECIMA

 


DE REGRESSO

após algumas desventuras com as linhas telefónicas de província.

25.9.03
 


MISSÃO IMPOSSÍVEL

será o título de uma carta aberta ao António Lobo Xavier, comentando o seu artigo no Público de ontem, intitulado " A propósito de coerência", sobre a evolução das posições europeias do PP. O texto será colocado no Abrupto, talvez amanhã.
 


IMAGEM

de ontem é de John Singer Sargent, um dos meus pintores de estimação. Foi para uma "nota chekoviana", porque nela passam as damas pelo Jardim do Luxemburgo, mais sofisticadas que as raparigas e as jovens senhoras dos contos de Chekov, mas feitas da mesma massa de elegância e de trivialidade. Mil romances foram sobre elas escritos, não é verdade, madame Bovary, não é verdade, Luísa, não é verdade, Anna Sergeyevna, a "senhora com o cão de regaço"?
 


EARLY MORNING BLOGS 49

Como o pensamento, as canções e os poemas matinais vão dar uns aos outros. É o que faz a dificuldade do software do MyLifeBits, é programar esta errância.

A Rita Maltez lembrou-se de uma noite em Shakespeare que não queria acabar, e de uma manhã que se anuncia por pássaros (não é verdade que tudo se anuncia por pássaros?).

"JULIET
Wilt thou be gone? it is not yet near day:
It was the nightingale, and not the lark,
That pierced the fearful hollow of thine ear;
Nightly she sings on yon pomegranate-tree:
Believe me, love, it was the nightingale.
ROMEO
It was the lark, the herald of the morn,
No nightingale: look, love, what envious streaks
Do lace the severing clouds in yonder east:
Night's candles are burnt out, and jocund day
Stands tiptoe on the misty mountain tops.
I must be gone and live, or stay and die.
"

Bom dia.

 


O ESTADO PROVIDÊNCIA VISTO PELOS "DE BAIXO"

Um momento crítico em pequenas comunidades deprimidas, onde há um elevado número de pessoas a receberem o RMG, e outros subsídios sociais, é quando se conhecem nas escolas as listas dos subsídios escolares - livros , refeições, etc - e a respectiva classificação do agregado familiar, para poder ser considerado para atribuição desses apoios. Como todos se conhecem uns aos outros e sabem quem trabalha, quem tem dificuldades e quem as não tem, quem "declara" e quem não "declara", quem tem casa com piscina e recebe subsídio, quem trabalha por fora (canalizadores , pintores, etc.) e não paga impostos, quem está desempregado e quem é um falso desempregado, um vento de revolta passa pelos "de baixo". O Estado Providência é muito mais agitado em baixo do que se pensa em cima.

24.9.03
 


NOTAS CHEKOVIANAS 7

 


IMAGEM

das nuvens, de ontem, tirada de um "estudo" de Adalbert Stifter feito em 1840.
 


COMPETIÇÕES, TACO A TACO, VITÓRIAS E DERROTAS, SOBE E DESCE, PINGUE-PONGUE, PARADA E RESPOSTA, E O MAIS QUE A FÉRTIL IMAGINAÇÃO DESPORTIV0-JORNALÍSTICA INVENTARÁ

não contam comigo. Ficam a falar sozinhos.
 


EARLY MORNING BLOGS / SONGS 48

Os leitores do Abrupto têm passado dos Early Morning Blues para outras músicas sobre a manhã, sobre acordar de manhã, sobre o mundo visto pelos primeiros olhares da manhã. Não é brilhante a manhã vista assim, ou é o que se perde dia a dia , ou é o que nos espera, ou é o que nos falta. Mas, daqui a pouco, temos uma verdadeira antologia da manhã. Existe? Já alguém fez uma antologia sobre textos matinais? É o que os leitores do Abrupto estão a fazer.

Jorge Camões refere , através da letra dos Doors, "Summer's almost gone", o fim das manhãs de de Verão :

"Summer's almost gone
Almost gone
Yeah, it's almost gone
Where will we be
When the summer's gone?
Morning found us calmly unaware
Noon burn gold into our hair
At night, we swim the laughin' sea
When summer's gone
Where will we be
Where will we be
Where will we be
Morning found us calmly unaware
Noon burn gold into our hair
At night, we swim the laughin' sea
When summer's gone
Where will we be
Summer's almost gone
Summer's almost gone
We had some good times
But they're gone
The winter's comin' on
Summer's almost gone "


E acrescenta "um pequeno apontamento depressivo" . também dos Doors, dos Roadhouse blues,

"Well, I woke up this morning,
I got myself a beer Well,
I woke up this morning, and I got myself a beer
The future's uncertain, and the end is always near
"

Nobre Grenho envia a letra "me or him" do album Radio KAOS de Roger Waters.:

"You wake up in the morning, get something for the pot
Wonder why the sun makes the rocks feel hot
Draw on the walls, eat, get laid
Back in the good old days

Then some damn fool invents the wheel
Listen to the whitewalls squeal
You spend all day looking for a parking spot
Nothing for the heart, nothing for the pot

Benny turned the dial on his Short Wave radio
Oh how he wanted to talk to the people,
he wanted his own show
Tune in Moscow. Tune in New York
Listen tot the Welsh kid talk
Communicating like in the good old days

Forgive me father for I have sinned
It was either me or him
And a voice said Benny
You fucked the whole thing up
Benny your time is up
Your time is up

Benny turned the dial on his Short Wave radio
He wanted to talk to the people
He wanted his own show
Tune in Moscow. Tune in New York
Listen to the Welsh kid talk communicating
Like in the good old days

Forgive me Father

Welsh Policeman: Mobile One Two to Central.
For I have sinned

Welsh Policeman: We have a multiple on the A465 between Cwmbran and Cylgoch.
Father it was either me or him.
Father can we turn back the clock?

Welsh Policeman: Ambulance, over.
I never meant to drop the concrete block.

Welsh Policeman: Roger central, over and out.
Benny turned the dial on his Short Wave radio
He wanted to talk to the people
He wanted his own show
Tune in Moscow. Tune in New York
Listen to the Welsh kid talk
Just like in the good old days
The good old days
".

*

CORREIO : Recebido em condições, atrasado como de costume, a ser respondido parcialmente mais para o fim de semana.

23.9.03
 


HISTÓRIA NATURAL DAS NUVENS



Qualquer voador qualificado sabe tudo sobre nuvens. A maioria das vezes olha-as de cima, o que é bastante tranquilizador, outras vezes, quando sobe e quando desce, passa-lhes pelo meio, o que é sempre um pouco agitado. O pior de tudo é quando tem que lhes passar pelo meio estando em cima, a 32000 pés, e então os pilotos, que têm aquele hábito tecnocrático de classificar rigorosamente as coisas, lá pedem para apertar os cintos devido à `"light turbulence", nenhum problema, "some turbulence", ou qualquer variante sem o "light", que já é um pouco mais complicada. Estudar as nuvens tem imensas vantagens para o voador, para evitar levar com a explosão do almoço ou do líquido do copo em cima.

A história da "ciência" das nuvens é recente e está descrita num artigo, com um título apetecível, de Graeme L. Stephens , "The Useful Pursuit of Shadows" no American Scientist de Setembro-Outubro. Li-o, enquanto passavam debaixo de mim os ameaçadores cumulo-nimbus que inundaram o Languedoc em meia dúzia de minutos. Quem os vê erguerem-se ameaçadoramente na vertical tem poucas dúvidas sobre o seu poder . Podem ser "sombras", mas são sombras tão compactas como o betão.
 


"O ARMÁRIO DA SABEDORIA"

Talvez, de todos estes livros, o que mais curiosidade me suscitou foi um de Houari Touati, L'Armoire à Sagesse. Bibliothèques et Collections en Islam, Paris, Aubier, 2003. Na contra-capa, que é o que serve para fazer recensões quando ainda não se leu o livro, vem uma história exemplar do "entrelaçar de civilizações": S. Luís, prisioneiro no Egipto quando da sétima cruzada, é convidado a consultar a biblioteca do sultão, e o fascínio dos "livros", manuscritos, iluminuras, caligrafias, que viu nesse "armário de sabedoria" levou-o, de regresso a França, a criar uma biblioteca.
 


EARLY MORNING BLOGS / BOOKS 47

Hoje, antes dos blogues, livros. Comprei vários livros bem interessantes, que só permitem elogios à edição francesa. Um, que seria bom traduzir de imediato para português, é uma série de entrevistas de Jacques Le Goff, Le Dieu du Moyen Âge , Paris , Bayard, 2003. Embora seja sobre Deus, explica porque é que esse Deus eram "deuses", compreendendo a Trindade e a Virgem Maria. Depois, a tradução do segundo volume da obra monumental de Alexandre Soljénitsyne, Deux Siècles Ensemble 1917-1972 - Juifs et Russes pendant la Période Soviétique, Paris , Fayard, 2003. Não foram só os alemães que tiveram um sério "problema judeu", foram também os russos, que matavam os seus judeus de forma mais primitiva e sem a eficácia das tecnologias e da burocracia alemã. Só que uma parte dos judeus russos respondeu tornando-se revolucionária, tendo um papel decisivo no comunismo soviético, dando bons revolucionários, bons intelectuais, bons polícias e bons torcionários, uma combinação mais comum do que se pensa, para depois caírem na máquina trituradora de Estaline.

22.9.03
 


IMAGEM

de ontem era um pobre e inadequado "caçador de domingo", em 1848, um dos anos das revoluções , de Carl Spitzweg.
 


EARLY MORNING BLOGS 46

Sobre as nuvens. Ontem, de uma maneira, hoje, de outra. Eu sei que voar é uma actividade contra natura para os humanos.

21.9.03
 


OBJECTOS EM EXTINÇÃO (Depois numero)

A SIC passa uns documentários sobre a natureza da BBC, que tem o sabor dos antigos filmes que passavam nos cinemas. Eram projectados na primeira parte, antes do intervalo, que precedia o filme principal. As vozes portuguesas eram magníficas e esse som prendia-se de tal modo às imagens que não as distingo. Hoje, não sei quem era a voz que acompanhava as imagens (“Sem o salmão, poucas seriam as águias pousadas nestas árvores…” ) , mas era a mesma, o mesmo som sem tempo.
 


ANATOMIA DE UM SARILHO

Meto-me hoje no que pode ser um sarilho monumental. Desde fins de Junho que estava combinado com a SIC (primeiro com a SIC Notícias e depois com a SIC) um pequeno espaço sobre “produtos”. “Produtos” dos media, da comunicação, da política, da cultura. etc. Como é meu hábito, não divulguei o que se passava e a SIC também não o fez, pelo que só agora se soube. Assisti, em seguida, a algumas notícias sobre as peripécias dos comentadores da televisão, com alguma íntima ironia.

Ao aceitar fazê-lo no noticiário de domingo, por sugestão da SIC , é inevitável que tal pareça um confronto com Marcelo Rebelo de Sousa na TVI , que domina indiscutivelmente esse espaço da programação. A sua fórmula, sejam quais forem as reservas que se tenham, tem sucesso por mérito próprio e definiu um certo standard do comentário político. Para tudo o que se pareça com comentário político, este é o espaço mais armadilhado da televisão portuguesa.

Não tenho qualquer intenção competitiva, por dois motivos principais. Por um lado, porque, naquele esquema, dificilmente alguém fará melhor, muito menos eu. Marcelo é, ao mesmo tempo, o criador e o melhor executor da sua criação. É um comunicador nato e usa os mecanismos apropriados. Pode discutir-se o conteúdo, mas não o domínio da fórmula que é total e tailor made.

O segundo motivo é que o que quero fazer é diferente. Não é completamente diferente, mas aponta noutro sentido. É mais parecido com o que pretendi e pretendo fazer com o Abrupto. No entanto, não beneficio aqui da vantagem do Flashback e de Marcelo, que é o reconhecimento pelos ouvintes e telespectadores do modelo e da habituação, o que é uma enorme vantagem da continuidade e da repetição. Por isso, vai ser árduo ao princípio, e pode ficar sempre assim.

Não faço nenhuma verdadeira distinção de fundo, embora as haja de método e de tom, entre o que escrevo nos jornais, escrevo no blogue, digo na rádio ou na televisão. A mim o que me interessa é argumentar, persuadir e se possível convencer, porque não sou indiferente ao que penso e àquilo sobre que tenho opiniões, não sou indiferente aos resultados das palavras na acção, considero que há um sentido cívico neste tipo de intervenções. Vamos ver se resulta.
 


EARLY MORNING BLOGS / BLUES 45

No Artista Anónimo , citações interessantes sobre o que os blogues estão a fazer às pesquisas do Google. Os efeitos perversos a mudar o mundo, como quase sempre acontece. Não é o que nós desejamos que se realiza, mas o ruído que produzimos. Vem em Weber: a maioria dos nossos actos tem o efeito contrário da sua intenção. Pensando bem, teria que ser assim, porque os nosos actos são simples na sua intencionalidade e o mundo demasiado complexo para a manter. Logo à noite vou provar desta medicina.

Numa nota já antiga e esquecida, falei de uma espécie de sonho à Blade Runner, com uma planície cheia de casas e, de cada casa, um fio de voz solitário, direito para o céu como um fumo de lareira. É esse fumo que está entupir o Google.

*

Nunca me esquecer , nunca – é o objectivo do MyLifeBits. A Isabel do monologo usa o blogue como uma espécie de MyLifeBits:

Domingo, Setembro 21, 2003
o que é que eu fiz no dia 20 de Setembro de 1990? já não me lembro se tivesse um blog nessa altura, ia ver o que escrevi e tentava o recall a partir daí percebem para que é que eu fiz o blog? é uma estratégia de memória a longo prazo...”


*

Mais “early morning” tudo. Blues, country, e “early morning” de todo o género. Parece que ninguém se sente muito bem pela manhã nas músicas.

De RR esta letra dos “Alabama 3, álbum Exile on Coldharbour Lane, faixa Woke Up This Morning: (ouvi-la é compreendê-la. assim fica seca e vazia)” :

"You woke up this morning
The world turned upside down,
Things ain't been the same
Since the blues walked into town.
You've got that shotgun shine.
Born under a bad sign.
With a blue moon in your eyes."


Do Paulo Azevedo este 'Woke Up This Morning' (1971) muito animado dos Nazareth:

"Woke up this morning
My dog was dead
Someone disliked him
And shot him through the head
I woke up this morning
And my cat had died
I'm gonna miss her
Sat down and cried
Came home this evening
My hog was gone
The people here don't like me
I think I'll soon move on
And now somethin's happened
That would make a saint frown
I turned my back and
My house burned down
Woke up this morning
My dog was dead
Someone disliked him
And shot him through the head
I woke up this morning
And my cat had died
Don't you know I'm gonna miss her
Sat down and cried..."


Do António que lembra “a não menos célebre canção country (ou folk?) "Early Morning Rain" da autoria de um certo Gordon Lightfoot, igualmente autor do célebre standard "If I Could Read Your Mind". "Early Morning Rain" foi um grande êxito em 68 ou 69, se bem me lembro, pelos Peter,Paul & Mary. Há também uma versão do Dylan, no album "Self Portrait" editado em 1970.

"In the early morning rain, with a dollar in my hand.
With an aching in my heart, and my pockets full of sand.
I'm a long way from home; Lord, I miss my loved ones so.
In the early morning rain, with no place to go.
Out on runway number nine: big 707 set to go.
An' I'm stuck here in the grass, with a pain that ever grows.
Now the liquor tasted good, and the women all were fast.
Well now, there she goes my friend: she'll be rolling down at last.
Hear the mighty engines roar; see the silver wing on high.
She's away and westward bound; far above the clouds she'll fly,
Where the mornin' rain don't fall, and the sun always shines.
She'll be flying over my home in about three hours time.
This old airport's got me down; it's no earthly good to me.
An' I'm stuck here on the ground as cold and drunk as I can be.
You can't jump a jet plane like you can a freight train.
So I'd best be on my way, in the early mornin' rain.
You can't jump a jet plane like you can a freight train.
So I'd best be on my way, in the early mornin' rain."


*

Bom, já são horas do brunch. Uma bruma outunal pousa sobre os campos. Bom dia.

 


IMAGENS

de ontem, um “pintor e um rapaz” (1834) de Thomas Fearnley, que está em Cambridge, e a reconhecível “gruta azul” de Capri pintada por Heinrich Jakob Fried em 1835. Dois quadros quase feitos simultaneamente. Coincidências.

20.9.03
 


CONCUBIUM

 


MEMÓRIA DA POLÍTICA

Estive em Alcobaça, num debate sobre arquivos políticos, organizado pela Fundação Mário Soares, a Universidade de Coimbra e a Câmara. Referi o facto, pouco conhecido, de cada vez menos os grandes partidos democráticos, PS e PSD, produzirem materiais de arquivo que permitam, no futuro, conhecer o processo de decisão, ou sequer, os mecanismos de poder partidário interno.

Nas reuniões dos órgãos formais, Comissões Políticas, Secretariados, Conselhos Nacionais, etc., não há actas, nem ordens do dia registadas, e quase nenhuns documentos internos. O número de participantes que toma notas é escasso e as notas perdem-se. Algumas reuniões são filmadas ou gravadas, mas a norma é não haver qualquer traço documental do que se decidiu, das posições tomadas, do debate realizado. Às reuniões chegam os documentos oficiais, praticamente em versão definitiva.

Isto é o resultado de muitos factores que vão no mesmo sentido: a desvalorização das reuniões dos órgãos formais dos partidos, onde deixou de haver qualquer segredo, a favor de órgãos informais baseados na confiança pessoal e na discrição; a perda de importância da memória institucional acompanhando a desvalorização social da memória, e a mudança do carácter da actividade política, cada vez mais centrada numa gestão à vista dos eventos e que não necessita de ser reflexiva e por isso não usa o papel.

Uma parte das informações, que anteriormente eram internas, está hoje na imprensa, mas o historiador do futuro vai depender cada vez mais dos depoimentos orais, dos testemunhos, com todos os riscos que isso implica. A única excepção a esta regra de rarefacção documental é o correio electrónico.
 


MATÉRIA INFECTA

A atitude correcta face ao Muito Mentiroso (MM) seria desde início não lhe ligar, deitá-lo ao lixo, como uma carta anónima. Eu fiz essa comparação logo de início, mas já não tem sentido. O MM está hoje publicado para milhões e é visto por muitos milhares. Seria aliás praticamente impossível que fosse doutra maneira, por razões que têm a ver com o tipo de populismo e demagogia que se vai tornando dominante em, todos os aspectos da vida pública. Por isso, mais vale discuti-lo que ignorá-lo.

Primeiro, a boa regra é que o que é crime lá fora (no mundo real), é crime cá dentro (na rede).

Segundo, o MM não é um blogue e não deve ser tratado como tal. Usa a forma do blogue, como podia ser uma página da rede, um e-mail anónimo. Tratá-lo como um dos nossos, transviado que seja, não tem sentido nenhum.

Terceiro, não contem informação, por isso não tem sentido falar de censura.

Quarto, uma Internet em que este tipo de operações ficassem impunes – no meio de um processo com a delicadeza e os interesses em jogo do da pedofilia – tornar-se-ia um meio mais selvagem do que o mundo comunicacional clássico. Não podemos queixar-nos da falta de deontologia dos media e depois aceitar o vale tudo somente por que se passa na Internet

Quinto, apliquem sempre a vós mesmos a receita do MM. Gostavam de ver os vizinhos a salivar com todo o tipo de insinuações, a vossa mãe ou mulher ou namorada ou filha (ou o exacto oposto masculino), a vossa família, os vossos amigos, a serem envolvidas numa teia destas? A irem na rua e ouvirem o murmúrio por detrás? A chegarem a um sítio e a serem olhados com a ironia de quem pensa que sabe algum segredo perverso, porque leu ou lhe contaram?

Só acontece a figuras públicas? A maioria das pessoas citadas pelo MM não são figuras públicas, mas gente cujo nome se tornou público por causa do processo da pedofilia, sejam culpados ou inocentes ou coisa nenhuma. A indiferença face aos danos provocados nessas pessoas, apenas em nome da nossa curiosidade mórbida, é uma atitude socialmente irresponsável.
 


PEDREIRAS

Entre a Benedita e Alcobaça, olhando para a direita, a serra está rasgada, metro a metro, pela mancha amarela das pedreiras. No intervalo, as árvores são inúteis, o verde perde-se esmagado pelos rasgões amarelos. Não se vê uma única pedreira recuperada. A serra era bonita com a sua longa cumeada baixa e ondulante, mais uma sucessão de colinas no sentido Norte-Sul do que uma montanha a sério. Como se pode olhar e não ver? Eu bem sei que nesta parte do distrito de Leiria estamos no reino da construção civil, mas os estragos são a longo prazo numa paisagem que devia ser protegida. Portugal está a ficar demasiado feio, um pouco por todo o lado.
 


COMO UM CANHÃO

Bem lembrado, pelo Critico, o Barbeiro de Sevilha a propósito do Mentiroso:

"Como no Barbeiro de Sevilha se diz tão bem: a Calúnia começa por um vento muito ligeiro (brisa) e acaba ribombando como um canhão."

Em breve, voltarei ao assunto infecto, porque é mais importante para o futuro do que aqui fazemos do que parece. Não é que me agrade, mas, na actual situação, mais vale discuti-lo do que ignorá-lo.
 


HORA SEXTA

 


EARLY MORNING BLOGS 44

Ontem enganei-me no título e coloquei lá “Early morning blues 43” . Corrigi só quando, ao gravar o texto, dei pelo erro. Há uma espécie de cegueira do autor, que quem escreve, e tem que rever o que escreve, conhece bem. Está o erro evidente – outro dia era Bernard Williams em vez de Bernard Lewis – e no entanto, mil vezes que me leia, nunca vejo nada. O que me vale são os meus editores reais e invisíveis, que olham por mim, no preciso sentido do termo, e me corrigem as gralhas e os erros.

Não há, penso eu, quarenta e três “Early morning blues”, mas há bastantes. Já recebi vários, embora ainda falte o de Nat “King” Cole. Os meus gentis leitores ajudam-me a procurar. A Eduarda Maria escreve-me propondo-se “ir à loja de discos daqueles rapazes do High Fidelity do Nick Hornby. Aposto que teriam lá um vinil do Nat King Cole com os lyrics que, pelos vistos, andamos muitos à procura. Pensando melhor, talvez corressem comigo por perguntar pelo Nat King Cole.”. “Apetecia-me poder” diz a Eduarda. É , às vezes também me apetecia estar na Strand da Broadway e não na "velha Europa".

O Eduardo Silva manda outra letra, na tradição do “early morning”.

Woke up this mornin'
What a strange thing to do
Woke up this mornin'
Got them early mornin' blues
I think I've had enough bad news

I hear that ringin'
Piercing through my head
I hear that ringin'
Piercing through my head
I think I'll turn it off now
And stay in bed

It's eight o'clock now
And I should be on my feet
It's eight o'clock now
And I should be on my feet
But there's too many people
I don't want to meet

Try to make my breakfast
But I can't find a bowl
Try to make my breakfast
But I can't find a bowl
My stomach feels
Like an empty hole

I'm on my way now
But I don't know where to go
I'm on my way now
But I don't know where to go
I've been late so many times
It's starting to show


Já repararam que, nos blues em que as pessoas trabalham, tudo se levanta muito cedo? Não passaram a noite a escrever blogues nictalopes, nem a esperar pelo matutinum , a hora da mudança, como escreve o velho mestre de Sevilha : “Matutinum est inter abscessum tenebrarum et aurorae adventum; et dictum matutinum quod hoc tempus inchoante mane sit.” Um dia destes, vem o texto, completo e traduzido, sobre as horas e as vigílias romanas. Mas nestes tempos , o Abrupto guia-se pela noite antiga, “antiquíssima e lustral” (cito de cor), como dizia Pessoa.

Ontem, o Abrupto teve o seu dia mais visitado, mais de 6000 "pageviews". Andam demónios à solta, algures.

 


IMAGEM

de ontem é um fragmento de uma natureza morta de Henri-Horace Roland de la Porte, um pintor do século XVIII, e o quadro está em Roterdão. Despeço-me dela a caminho do gallicinium, quando galo canta, partindo a noite em duas.

19.9.03
 


TWILIGHT ZONE (Actualizado)

Quando passou, em Portugal, a primeira série da Twilight Zone, ainda os aparelhos de televisão eram raros e ver televisão era uma actividade colectiva e reverencial, que tinha lugar numa sala especial, onde muitas vezes os vizinhos vinham a seguir ao jantar, sentando-se calados diante do ecrã a preto e branco. Eu fiquei imediatamente preso pela série, tão diferente era do habitual, tão interessantes as suas histórias para um entusiasta de ficção científica, que lia todos os livros da Argonauta em que punha a mão em cima.

Então, ou se via um programa, ou nunca mais se voltava a ver. Nessa altura, nada era repetível e ninguém imaginava que o fosse, antes de haver gravadores de vídeo. “Faltar” a um episódio, ou a um programa, era perdê-lo para sempre; daí o meu receio de ter alguma coisa que me impedisse de ver a Twilight Zone. Foi a primeira série que me prendeu à televisão. Até hoje.

Um episódio que nunca mais esqueci e de que me recordo como de uma história tristíssima, foi “Time enough at last”, filmado em 1959. Conta a história de um apaixonado por livros, a quem ninguém permitia ter tempo para ler, nem a mulher, nem o patrão, ninguém. Um dia, por acaso, escapa solitário a um holocausto nuclear, e encontra-se com todo o tempo e todos os livros para ler. Num contentamento infinito dobra-se para apanhar um monte de livros, para abraçar todos os livros do mundo … e deixa cair e partir os óculos, sem os quais não consegue ler. Pior que o suplício de Tântalo.

*

Comentários dos leitores:

"Estamos no mesmo escalão etário e as minhas reminiscências do mesmíssimo episodio do Twilight Zone são tão absolutamente próximas das suas (…) «Sacor Moligrafite apresenta...» costumava dizer o Pedro Moutinho, todo satisfeito, antes de começar a ler as cartas de protesto de inúmeros telespectadores indignados pelo episodio precedente..." ( ASMarques)

"Quando a série passou em Portugal ainda era muito novo. No entanto, fruto das repetições, também eu tomei contacto com a série. E o facto curioso, que me levou a escrever este email foi ser precisamente esse um dos episódios que nunca mais esquecerei. Recentemente tive a oportunidade de rever o episódio na SIC Radical fruto de mera sorte. Nas duas vezes em que vi o episódio fiquei com a mesma sensação que é bastante difícil de descrever. Diria que me deixou bastante triste e angustiado, o que é bastante estranho pois trata-se apenas de um programa de televisão. Mas naquele momento final eu era o protagonista da série e tinham acabado de me tirar tudo o que havia no mundo. Era arrepiante." (Bruno Costa)

 


ESTUDANTES DE COIMBRA E PAPEL HIGIÉNICO

Fardados de estudantes, meia dúzia de dirigentes académicos de Coimbra foram entregar uma pilha de papel higiénico, equivalente ao valor das propinas que recusam pagar, em frente ao Ministério do Ensino Superior. É um bom retrato de como está a Universidade de Coimbra – os estudantes revêem-se elegantemente no papel higiénico como metáfora. Não lhes passa pela cabeça levar uma pilha de livros e dizer “estes são os livros que não posso comprar”. Mas não. Eles acham que são irreverentes e engraçadinhos sendo ordinários, e esquecem-se que, no que deixam, se retratam a si próprios.

Para além disso, o tamanho da pilha mostra o valor ridículo do que teriam que pagar.
 


HORA QUINTA

 


IMAGENS

de ontem. Um copo com flores tirado de um canto de uma natureza morta (1883) de Paul Signac, uns barcos a sair do porto, um desenho, também de Signac, de 1910. As árvores poderosas são de um quadro intitulado “A Manhã “, de Karl Friedrich Schinkel, feito em 1813, que está em Berlim.
 


EARLY MORNING BLOGS 43

Escrito entre a vigília do diluculum e a aurora, usando as divisões da noite romana. Como explica o nosso S. Isidoro: “Diluculum quasi iam incipiens parva diei lux. Haec et aurora, quae solem praecedit.”. Não há nada como as palavras antigas para começar o dia.

A minha dificuldade em encontrar a letra do “Early Morning Blues”, de Nat “King” Cole, deu origem a várias procuras dos leitores do Abrupto, nenhuma resultando na letra pretendida, mas acrescentando outros blues matinais.

A Isabel Salbany enviou-me este, com letra de A. Fritzsch, entre as “bad news” e as “better news”:

early morning
you're so bad to me
early morning
I believe to see

you wake me and you take me
you bring me bad news
you shake me and you brake me
so I got the blues

I got the blues, I got the blues
I got the blues, I got the blues
I got the blues, I got the blues
I got the blues, I got the blues

early morning
you're so good to me
early morning
I believe to see

you peace me and you please me
you bring me better news
you tease me and you squeeze me
and I got the blues

I got the blues, I got the blues
I got the blues, I got the blues
I got the blues, I got the blues
I got the blues, I got the blues


A Maria acrescentou outros “Early Morning Blues” do album Black Angel de Savage Rose, letra de um (ou uma) Annisette:

Waking up one early morning
The spring sun`s reaching in
No more dripping from the ceiling
I kiss your tender skin
I snuggle close to you
How lucky one can be
Lying in your arms baby
With the night of love
Still singing within
Maybe the world out there
Has the same dreams as you and me
I look into your eyes baby
Share all I have with you
The ice flowers on our window pane
So quietly they melt away
I`m lying in your arms baby
With the night of love
Still singing within


*

Infelizmente as minhas itinerâncias impediram-me de estar no Encontro de Braga, mas desejo que tudo tenha estado, e esteja ainda, a correr da melhor maneira. Eu sou, como se lembram os que já cá estavam há três séculos (nos blogues um mês é um século), favorável ao metabloguismo.

*

Algum blogue relatou, ou comentou, a intervenção do Pedro Mexia sobre Pessoa, na Casa do dito?

18.9.03
 


PARA OS QUE ME VISITAM PELA PRIMEIRA VEZ

Nesta altura da noite, o Abrupto já foi visitado mais de 5700 vezes, um recorde absoluto desde que existe. Isto significa que muita gente veio hoje aqui pela primeira vez. Sejam bem vindos.

O Abrupto de hoje não é típico. Faltam livros, faltam impressões, falta algum “milk of human kindness”, que modere os temas mais duros que aqui foram tratados. Mas vivemos tempos desérticos e selvagens, com uma vida pública inquinada pela suspeita e pelo vale tudo. Precisamos de sair rapidamente deste ciclo e reconquistar alguma luz, algum ar, algum fresco. O tempo, este calor que se vive na pátria, miasmático, como se dizia antigamente, parece ter-nos paralisado numa doença de carácter, amolecendo-nos num ambiente malsão.

Amanhã, caminharei para outros lados.
 


FANTASIAS

Escreve o Barnabé :

Socorro, a esquerda vem aí! : Pacheco Pereira na SIC. Santana Lopes na SIC. Marcelo na TVI. E, vá lá, Carrilho na SIC. Tem razão JPP, a comunicação social está tomada pela esquerda. “

Está bem. Eu troco o meu comentário na SIC (que não tem o mesmo esquema dos outros, mas isso fica para depois) , pela possibilidade de escolher os temas do Fórum da TSF, a agenda dos noticiários, os títulos das notícias de vários jornais, o que vai ou não vai para a primeira página, as encomendas das investigações que se fazem e a escolha de quem é "investigado" , os comentários opinativos dos jornalistas, inseridos, como quem não quer a coisa, nas notícias sobre o Iraque, a Palestina, Israel, a cimeira de Cancun, a globalização, etc. , etc..

Troco? Não, não troco porque não sou jornalista. Mas não me venham agora com essa fantasia absurda de que a nossa comunicação social é dominada pela direita. Para além disso, eu não sou de direita.
 


HORA NONA

 


AR FRESCO, JÁ!

Uma imagem, já! Isto está cheio de coisas sérias, e eu já estou um pouco farto destas peregrinatio ad loca infecta.

 


COMO É QUE FUNCIONA O MUITO MENTIROSO

Querem ver como é que funciona o Muito Mentiroso? Vou fazer de cobaia e experimentar em mim próprio para poupar os outros:

Pergunta 234 - “Porque será que o Pacheco Pereira ataca tanto o Muito Mentiroso? Será porque não quer se conheçam as verdades? O que é que ele tem a esconder?”

Querem ver outra fórmula ainda mais sofisticada:

Pergunta 456 – “Porque é que o Pacheco Pereira colocou no Abrupto a pergunta que sabia que nós íamos fazer? Para tentar antecipar-se? O que é que ele tem a esconder?”

Podia continuar até ao infinito. Metade de verdade – ataquei o Mentiroso, que considero uma actividade criminosa -, seguida de insinuação – “se o fez é porque tem alguma coisa a ver com o assunto” – ,seguida de uma conclusão resultante da insinuação – “se tem alguma coisa a ver com o assunto e critica tanto , é porque quer fazer um qualquer ataque preventivo, antes de ser atacado”.

E deixem-se de coisas, que isto é altamente eficaz para quem não conhece estes mecanismos e vem ao Mentiroso com a suspeita populista contra os poderosos, etc. , etc. Isto cola-se à cabeça como pastilha elástica. Isto é eficaz.

Isto é tão eficaz, que, mesmo ao escrever esta nota, eu corro o risco de ser mal citado por alguns jornais especializados neste lixo, e as perguntas ganharem vida própria como se não fossem uma ficção minha, mas um produto do Mentiroso.
 


A ARMA DA DESINFORMAÇÃO

Ao irem ao Muito Mentiroso (MM) procurar “informação”, as pessoas caem num logro. O MM não tem informação, tem desinformação, o que é uma coisa completamente diferente. Desinformação, uma arma muito usada pelos serviços secretos soviéticos que eram especialistas na matéria, e que polícias e agentes secretos conhecem bem, consiste numa mistura cuidadosamente doseada de factos verdadeiros e falsos, de insinuações e meias-verdades com verdades inteiras, tendo como objectivo determinados resultados. Ou atingir determinadas pessoas, ou condicionar as investigações, ou descredibilizar a justiça, ou facilitar a defesa, ou dificultar a acusação. O MM vem do interior do processo ou das suas adjacências e é uma actividade interessada, e torna os que o visitam e o publicitam em partes no processo de pedofilia. Não há um átomo de inocência em tal actividade, que joga com instintos populistas e voyeuristas e a ingenuidade de muitos, para obter resultados. Quer pôr-se a milhas dos jogos sujos do processo de pedofilia? Não vá lá, não há nenhuma informação para si, só manipulação.

Quem pensa que consegue separar dali as verdades da ganga da mentira, é um ingénuo. Não tem a preparação, a qualificação e as informações que são necessárias para essa operação. Também aqui os especialistas estão nas polícias e nos serviços secretos que têm a capacidade para analisar a única verdadeira informação que este tipo de produtos contém: a da sua intencionalidade. Quem o fez e porque o fez.

As pessoas tornam-se colaboradoras do autor (ou autores) do Muito Mentiroso porque inevitavelmente vão acabar por interiorizar o que lá está e lhes parece verdadeiro, ou porque o suspeitassem, ou porque lhes parece plausível. E vão acabar por repeti-lo, infectando mais gente com boatos e calúnias, realizando o único objectivo do autor do MM que não é “informar” os portugueses de algo que lhes escondem, mas manipular a sua opinião a favor de uma tese sobre o processo da pedofilia. As pessoas tornam-se parte de uma arma e essa arma dispara.
 


HORA QUARTA

 


NOVA EUROPA, VELHA EUROPA 2

Um bom exemplo da confusão sobre questões europeias, uma no cravo e outra na ferradura, é o artigo de Louçã intitulado pomposamente “Carta Aberta ao Presidente da República e ao Primeiro-ministro Contra o Medo da Europa”. Nele quer-se estar com Deus e com o Diabo, o que é um pouco o que esta corrente política faz na Europa. Os “verdes” e os trotsquistas, em muitos países europeus, são ultra-ortodoxos a favor da Constituição Europeia ( como no PE ), mas na Suécia foram contra o euro. Em Portugal , onde nunca tinham ligado muito à Europa, a que eram mais hostis do que amigos, descobriram-se agora europeístas por anti-americanismo durante o conflito do Iraque.

No meio destas flutuações tácticas, a proposta de Louçã é irresponsável e meramente tribunícia. Ele propõe, num tom majestático, nem mais nem menos que um referendo imediato sobre estas “pequenas” matérias:

Por isso vos proponho, senhor Presidente e senhor primeiro-ministro, que o referendo se realize o mais cedo possível para escolher sobre questões fundamentais, como a condição de um processo constituinte democrático, a primazia da Constituição portuguesa ou europeia, o modelo presidencial do Conselho Europeu, os princípios da política orçamental europeia, os objectivos de protecção social ou as opções militares da União.”

Se um referendo se realizasse nestes termos seria uma fraude democrática total, porque os eleitores seriam chamados a pronunciar-se sobre tudo… ou seja, sobre nada. A não ser que o objectivo de Louçã seja desde já garantir o sim à Constituição Europeia e o “medo” que ele tem é que se crie uma conjuntura favorável ao não. E lá se vai a “velha Europa”…
 


NOVA EUROPA, VELHA EUROPA

Uma das razões para se ser inteiramente a favor do alargamento é que de facto a “nova Europa” (a classificação de Rumsfeld veio mesmo para ficar) trouxe uma outra força à política europeia. A força da memória recente da opressão comunista introduz um vigor moral, que os governantes da “terceira via”, e alguns dos seus parceiros mais à direita, tinham deixado apagar-se por comodismo e excesso de marketing.

Ninguém imaginava Chirac ou Schroeder a descerem do seu patamar olímpico para apoiar essa causa tão insignificante e ideológica, como é a da liberdade em Cuba . E nunca teriam tido a iniciativa de escrever como Vaclav Havel (Républica Checa), Lech Walesa (Polónia) e Árpád Göncz (Hungria) este manifesto com palavras tão claras:

Hoje, o mundo democrático tem a obrigação de apoiar os representantes da oposição cubana independentemente do tempo que os estalinistas cubanos se mantiverem no poder. A oposição cubana deve sentir o mesmo apoio que sentiam os representantes da dissidência política na Europa, dividida até há pouco tempo. Respostas de condenação devem ser acompanhadas de medidas diplomáticas concretas procedentes da Europa, América Latina e EUA e podem ser uma forma idónea de pressão contra o regime repressivo de Havana.”
 


EARLY MORNING BLOGS 42

O melhor Early Morning Blues que conheço é o de Nat “King” Cole, gravado em 1944. Não consegui ainda arranjar a letra, para aqui colocar, mas não é nada de especial, uma história irónica de procura e solidão em palavras coloquiais e breves. É a voz e o piano, duma clareza total, que enchem tudo sem ocupar quase espaço em lado nenhum.
 


A NOITE ANTIGA, INTEMPESTUM

Era assim a noite antiga e hoje passamos essa noite, nas suas sete partes: "Noctis partes septem sunt, id est vesper, crepusculum, conticinium, intempestum, gallicinium, matutinum, diluculum. "

Passámos já o crepusculum, essa dubia lux. Passámos já o conticinium, quando tudo está silencioso. Estamos no intempestum. . Na pureza das palavras antigas: "Intempestum est medium et inactuosum noctis tempus, quando agi nihil potest et omnia sopore quieta sunt. Nam tempus per se non intellegitur, nisi per actus humanos. "

17.9.03
 


NÃO POSSO ESTAR MAIS DE ACORDO

com o que diz o Paulo Querido e que cito aqui:

"As manobras de contra-informação, propaganda e despistagem no caso Casa Pia estão ao rubro e encontraram um meio espectacular para se propagarem: a Internet e, agora, os blogs.

Idem para as teorias da conspiração (alvo de um programa de humor na SIC Radical, btw).

«Acredite se ler num blog» -- parece ser o lema do momento, seguido indiscriminadamente pelos tontos em geral (no surprise), jornalistas ansiosos (idem) e fazedores-de-opinião avulsos (surprise!).

O blog Muito Mentiroso (não contribuo com o link) continua a sua campanha e começa a ter uma legião de leitores, ávidos de tricas, confusões e teorias. Pior: surgem páginas do género, aumentando ainda mais o ruído. Páginas, blogs, sites, canais de IRC, mailing-lists. Uma torrente de lixo só comparável ao spam e aos programas de entretenimento prime-time dos canais generalistas. Tanto bit mal gasto, jasus!

Sei que, discretamente, há quem ande à procura do(s) autor(es). Não sei se alguem anda "oficial" ou oficiosamente... nem isso me interessa. Encolho os ombros. Nada posso fazer (excepto não fornecer links) perante a avidez humana pelo conspiratório."


Depois de ter escrito a nota inicial sobre o "mentiroso" nunca mais lá voltei, nem nenhuma curiosidade me move perante o que lá está escrito. Não tinha, no entanto, dúvidas de que uma opinião pública mórbida, retrato do nosso atraso cultural, iria correr para lá a toda a velocidade, babar-se de uma curiosidade infecta, próxima do ressentimento social que é tão poderoso em Portugal, e é motivo profundo de tanta coisa. Nem sequer tem consciência de que, ao fazê-lo, dá sentido ao crime, torna o crime eficaz. E ainda estou por perceber por que razão as autoridades, que têm a obrigação de combater o crime, permanecem olimpicamente indiferentes.
 


HORA PRIMA

 


SENSACIONALISMO

Já que no Diário de Notícias se lê o Abrupto, convinha registar que nada justifica a notícia que hoje se publica a propósito da polémica suscitada pelas declarações do porta-voz do PP.

Nunca aqui se insultou pessoalmente ninguém, exprimem-se opiniões políticas. Como, pelos vistos, para o jornal, o debate é menos interessante do que a permanente descrição da actividade política como um conflito pessoal e dos políticos como uns energúmenos que se insultam uns aos outros, o Diário de Notícias fez uma amálgama conveniente ao sensacionalismo do título. É um risco que, no Abrupto, mais do que em qualquer outro blogue, se corre, mas não me impedirá de escrever o que quero, da forma que quero.
 


ABRUPTO FEITO PELOS SEUS

leitores. Excertos de correio dos leitores, com que nem sempre concordo, mas que traduzem experiências, pontos de vista, informações que têm a ver com o que aqui se escreve

CONDIÇÃO DE CULPADO IDEAL: “SÓ OS HOMENS DE DIREITA BATEM NAS MULHERES…”

Raul Reis fala de duplicidades:

“Sigo bastante a actualidade francesa e alemã. Mas, em França, estou farto de ouvir falar da morte de Marie Trintignant. Era uma actriz que sempre achei simpática, mas nunca a coloquei em nenhuma galeria especial de actores franceses. As trágicas circunstâncias da sua morte permitiram-lhe uma projecção mediática póstuma inédita. Bertrand Cantat, o vocalista e líder do grupo Noir Désir, preso num cárcere de Vilnius, é objecto de todas as análises na praça pública. Amigos, jornalistas, colegas de ofício, todos são chamados a testemunhar sobre Cantat, sobre Trintignant e sobre a (curta) relação que o cantor e a actriz mantiveram.

O que me irrita não é que se fale deste caso. A violência doméstica - parece-me que é disso que se trata - é um flagelo que começa a conhecer as páginas dos jornais e a despoletar reacções dos políticos que buscam (difíceis) soluções. O que me preocupa - e, porque não dizê-lo, irrita - é o ar surpreendido, "abassourdido", dos comentadores que se espantam com o facto de um homem moderno, rebelde, "que sempre integrou os ideais de Maio de 68", seja capaz de espancar a namorada... até à morte. "Bertrand Cantat lutou pela causa palestiniana e bateu-se no mar alto com os activistas do Greenpeace", disse uma jornalista do Le Monde. "Cantat era um homem de esquerda, que desempenhou um papel importantíssimo na luta contra Le Pen, o que surpreende ainda mais que tenha feito isto", disse um outro comentador. Fiquei assim a saber que só os homens de direita batem nas mulheres. A amálgama entre a ideologia e a conduta social, ou a participação neste ou naquele movimento, atinge pontos altos no caso Cantat-Trintignant. E isso aflige-me, preocupa-me, a mim, que nunca me considerei de esquerda. Eu, sou, só por isso, suspeito à partida de todas as maldades do mundo, da violência doméstica à poluição dos mares e florestas. Eu que até separo o vidro, o papel e o plástico sou um culpado ideal para acusar de transgressões diversas; menos da droga porque essa ilegalidade imposta está reservada a uma esquerda sapiente. "


CONDIÇÂO DE EMIGRANTE

António João Correia escreve:

Vivendo actualmente em Vancouver, British Columbia, Canadá, vejo de perto a forma miserável como o governo português trata – continua a tratar – os respectivos cidadãos que residem no exterior. Da prestação de serviços consulares medíocres, mal preparados, arrogantes, dispendiosos, temos de tudo um pouco. Pior, a questão sendo política estabiliza-se numa espécie de pacto de regime, mudando-se os governos e os serviços consulares continuando sempre sob o domínio de Kafka, do absurdo, da pior burocracia produzida por Portugal. Um bilhete de identidade leva meses (em média seis ou até mais se for preciso uma certidão de nascimento actualizada). Conheço um caso de um passaporte que levou nove anos. Como em redor da British Columbia não existe mais nenhum posto consular, quem viva no Norte da British Columbia ou em Alberta (são dezenas de milhar de portugueses) tem de perder vários dias para tratar de assuntos (…)banais.
Vejamos outro exemplo: em Vancouver existem 87 alunos na escola portuguesa. Bem, o governo português não só não paga aos professores, como ignora qualquer pedido de ajuda (…). Sãos os pais dos alunos – os últimos heróis que conheço do português – que pagam aos professores, pagando ainda as rendas das salas de aulas. De livros nem valerá a pena falar.
E, como estes assuntos não passam na «nossa» comunicação social, aqui fica o meu contributo
.”

CONDIÇÃO DE DESEMPREGADO

Miguel Mendes comentando a frase do Abrupto: "Os trabalhadores da Marinha Grande ou as operárias da Clark's não vão trabalhar para a construção civil ou como empregadas domésticas."

Li esta afirmação no seu blog e (…) coloco uma questão: Porque não?

O desemprego aumentou (e vai aumentar mais) - situação que talvez esteja a alertar para a necessidade de trabalhar. Tinha necessidade de uma empregada doméstica e sempre foi difícil conseguir uma - na minha zona o subsídio de desemprego é uma forma de vida para muitas pessoas (tem uma duração de 2 anos).
Tendo sido encerradas algumas empresas deveria existir alguém disponível para trabalhar.... quase não consegui ninguém. As operárias, que não eram da Clark's mas de empresas similares, não queriam trabalhar como empregadas domésticas. Porque não? Simplesmente porque não precisavam. Agora começam a precisar e algumas já estão a trabalhar como empregadas domésticas.
Tenho o prazer de conversar com a minha funcionária entre a chegada dela e a minha saída para o trabalho e percebi que o medo dela era "servir" alguém. Agora que chegou à conclusão que ganha um salário honesto, ninguém a perturba no trabalho e conhece a arte (que pratica também em sua casa) já considera normal o trabalho doméstico.

Nos últimos tempos este é um exemplo que se tem repetido à minha volta. Os portugueses, infelizmente, não possuem conhecimentos nem bases de formação que nos permitam ser todos operários do conhecimento. Ainda podemos realizar trabalhos indiferenciados e ser respeitados como bons trabalhadores.
Sinceramente não me importo com a nacionalidade ou origem das pessoas. Pensei em contratar uma funcionária estrangeira mas alguém sabia que eu procurava uma funcionária e sugeriu a pessoa que trabalha em minha casa actualmente (estava à procura de trabalho).

Não acredito que sejam necessárias tantas pessoas estrangeiras para realizar trabalhos que pessoas que já cá estão podem fazer. Teria alguma empregada da Clark's problema em ser minha funcionária doméstica já que pago um salário (que não o mínimo), faço os descontos (inscrevo no regime geral se preferirem), trato bem as pessoas e almoçam, obviamente, o mesmo que eu? Creio que não... ou pelo menos não deveriam. Muitas pessoas começam a ver que existem trabalhos onde são necessárias e nenhum trabalho é menos digno desde que seja honesto e exercido com dignidade.”


Fátima Rebelo comenta a mesma afirmação, discordando:

Apesar de concordar consigo no que respeita ao nosso Ministro da Defesa, no post afirma que os imigrantes não concorrem nos empregos na clarks e outras, pois os homens trabalham apenas na construção civil e as mulheres são invariavelmente empregadas domésticas.
Acontece que isso não é verdade de todo. Tenho raízes e uma ligação grande a uma região muito industrial (indústria do calçado e cutelaria) onde, nos últimos anos se tem assistido a um fenómeno em que mais de 50% dos trabalhadores desta indústria são trabalhadores vindos de leste.

Quero chamar a atenção para o facto de eu não ser de todo xenófoba nem ser contra a imigração. Mas olhando para os factos, eles são inegáveis.E é perfeitamente compreensível: os empresários (que não são os exploradores que por vezes se retrata e lutam diariamente para manter de pé a sua pequena indústria) deixaram de lutar com falta de pessoas disponíveis para este tipo de trabalho e de pagar horas extraordinárias infindáveis para passarem a ter um leque de trabalhadores disponíveis, qualificados, produtivos e, eventualmente não tão reivindicativos.

Em conclusão, os imigrantes (principalmente os de Leste) concorrem de facto com os portugueses noutras áreas que não a doméstica e construção civil. E é melhor começarmos todos a encarar esse facto em vez de enterrarmos a cabeça na areia e fingir que não se passa nada. Porque passa!

A solução não é o que defende o Dr. Portas e congéneres. Quanto a mim é necessário evitar que se criem anticorpos relativamente a estes trabalhadores pelas pessoas que são preteridas nos seus empregos, que é uma situação a que tenho assistido nos últimos tempos. E não é com discursos anti-imigrantes nem com a negação dos factos que se chega lá.”


CONDIÇÃO DE MAIS UMA VEZ ENGANADO

Mário Cordeiro mostra mais uma vez um exemplo de "rigor" nos jornais:

"É o Expresso de ontem, que nos diz, em letras "gordas e encarnadas", que, cito, "Grande Lisboa concentra quase metade da população em 2015". Ficamos aterrados - como é que vamos meter este "rossio" nesta "betesga"? Metade dos portugueses a viverem aqui, a estacionarem aqui, a fazerem compras aqui... por outro lado, que inversão súbita, numa cidade que se dizia "em estado de desertificação"...
Apanhado o primeiro "susto", lê-se a notícia que, afinal, reza o seguinte: "segundo as estimativas do estudo "Perspectivas da Urbanização do Mundo", da ONU, a Região de Lisboa e Vale do Tejo terá cerca de 45% da população portuguesa. Ah!
O "Lisboa", do título, absorveu a totalidade dos distritos de Lisboa, Santarém e Setúbal. Ah!. "Lisboa", afinal, segundo o Expresso, quer dizer Lourinhã ou Grândola, Coruche ou Santarém, Abrantes ou Cadaval, Chamusca ou Barreiro, Almada e Setúbal, Loures e Vila Franca de Xira, Cascais e Sintra. Torres Vedras e Torres Novas. Etc, etc, etc.

Sugiro ao Expresso um novo título: "No ano 2015, Portugal concentrará 100% da população residente em Portugal" - pode não ser muito informativo, mas pelo menos é mais rigoroso..."



16.9.03
 


POMPEIA

Dos livros que comprei e referi numa nota do dia 9 de Setembro, acabei de ler o de Robert Harris, Pompeii. É um livro de fábrica, feito ao mesmo tempo para se ler e para dar origem a um filme. Lê-se bem, mas está muito abaixo dos outros dois do autor , Fatherland e Archangel. Estes dois livros tinham um ambiente de grande densidade, retratando uma Alemanha nazi ficcional, e uma URSS dos anos finais de Staline, menos inventada, mas igualmente pesada e sinistra. Archangel já falhava no fim, construindo uma história muito bem arquitectada e com uma reconstrução do ambiente claustrofóbico dos últimos dias de Staline e de Beria, mas terminava de uma forma pouco forte.

Este livro passa-se nos dias da erupção do Vesúvio que destruiu Pompeia e, como é costume em Harris, a ideia que dá corpo à história é imaginativa. A personagem principal é o aquarius, o responsável pela Aqua Augusta, um dos grandes aquedutos romanos. Harris faz bem o seu trabalho de investigação e os detalhes técnicos e históricos “envolvem” a história de forma correcta, mas esta é demasiado previsível. Depois, tenho uma certa aversão a ler em inglês que o centurião atravessou a rua para ir ao “snack bar”...
 


RESPOSTAS SOLTAS A PERGUNTAS SOLTAS (Actualizado)

O Flashback voltará, exactamente com a mesma equipa, em Outubro de 2003. Poderá ter outro nome, poderá ser noutro meio (ou meios), mas é mais do mesmo.

Agradeço a Rui Branco, Eugénio Gaspar, Rui Silva, Maria Loureiro, Fátima Rebelo, Rui Pacheco, Rita Cepeda, F. Pereira, Mário Monteiro de Sá, Vitor Pita Dias, João Gata, André Granado, Rodrigo Reis, Manuel Calçada, Luís Reino, Paulo Lourenço, José Almeida Ribeiro, “onipessoal”, Aquiles Pinto, Tiago Pinto, Maria João Oliveira, e a muitos autores de blogues, da “direita” e da “esquerda”, as palavras amáveis que me dirigiram a propósito dos meus neurónios e da nota “Voz solta, voz presa”. No correio que recebi, incluindo alguns destes meus leitores, e outros ainda não referidos, são colocadas questões sobre imigração, direita e extrema-direita, emprego, etc., que merecem um desenvolvimento posterior.

O dr. António Pires de Lima escreveu-me uma carta pessoal, expondo a sua posição e explicando as suas palavras num tom cordial e “sem melindre”, a que respondi particularmente. Por mim, a questão dos neurónios está encerrada.
 


NAVIO FANTASMA

Às vezes, entre uma e outra nota do Abrupto, há milhares de quilometros de distância. Quando, como agora, percorro, qual holandês maldito, mares e terras sem parar em nenhuma.
 


HORA DUODECIMA

 


EARLY MORNING BLOGS 41

Hoje de manhã acordei com metade dos meus neurónios a funcionar. Para quem não saiba , o porta voz do PP anunciou oficialmente, na sua qualidade de "portador da voz alheia", que eu só tinha metade dos neurónios a funcionar, por causa de umas coisas que escrevi no Abrupto. Tanto quanto eu sei, é a primeira vez que em Portugal um partido político faz uma proclamação deste tipo sobre um cidadão português. Ele há a classe A, os que têm os neurónios todos; a classe B, os que, como eu, só têm metade; e os de classe C, sem neurónios nenhuns, para eliminar. Muito obrigado pela benevolência de me colocarem na classe B.

Felizmente que o computador onde escrevo também é da classe B. Cada tecla demora um século a ter efeito no ecrã. Obrigado, computador, por te adaptares à minha metade disfuncional.

Agora mais a sério, e aquecendo os meus neurónios até ao limite: o estilo, em política, tem conteúdo e o conteúdo do recado do porta-voz é também típico da linguagem da extrema-direita. Malcriado, agressivo, não falando da substância das críticas que fiz, mas atacando-me pessoalmente. Os historiadores e os politólogos conhecem a trademark, a assinatura deste estilo, quer à esquerda, quer à direita.

O Abrupto, devido a esta revelação sobre o estado dos meus neurónios, bateu ontem o recorde absoluto com mais de 4200 "hits".

Agora já chega. Espero, logo, muito à noite, voltar ao mundo dos computadores da classe A, das imagens para dissolver a secura das palavras e falar de livros, astronomia, perturbações invisíveis do ar, vulcões, tudo. Papéis velhos e gente viva, não há melhor combinação.

15.9.03
 


PARA ESCLARECER 2

Como não tenho grandes condições nem para escrever, nem para responder a algumas dúvidas e perguntas que me chegam pelo correio, acrescento aqui alguns esclarecimentos suplementares que exigem alguma imediaticidade.

Referendo na Suécia - A esmagadora maioria dos suecos entrevistados nos orgãos de comuncação social e alguns com quem falei hoje e fizeram campanha pelo "sim", atribuem o "não" ao receio do excessivo centralismo e burocracia de Bruxelas. É por isso que a Constituição, que reforça e consolida de forma exponencial este pendor burocrático, está em risco. Basta um país não a ratificar e não existe. O que os "convencionais" e Giscard insistem em não compreender é que estão a forçar a criação de um super-estado europeu face a povos e nações que não o desejam.

Noticiários da RTP - A razão porque referi a RTP e o modo como dava informações erradas sobre o referendo sueco tem a ver com o facto de apenas ter, nessa altura, acesso à RTP Internacional. Não sei o que fizeram as outras estações.
Há outra razão suplementar, que não inclui o caso de ontem, pelo qual destaco a RTP: é paga pelos contribuintes e é suposto prestar uma coisa ambígua que se chama "serviço público" . Ontem , por exemplo, atrasou mais uma vez o noticiário principal da noite para passar aquilo a que chama "futebol de interesse público". É uma ideia de Portugal.

Voz presa, voz solta - Sempre que falo do dr. Portas recebo uma quantidade considerável de "hate mail" e algumas ameaças. Não vale a pena o esforço.
 


PARA ESCLARECER

Se estivesse na Suécia, teria votado "sim" ao euro.

Se estivesse na Estónia, teria votado "sim" à adesão à UE.

Em qualquer sítio em que estiver na Europa, votarei "não" à Constituição Europeia.
 


EARLY MORNING BLOGS 40

Escrevo este texto num cibercafé, sem acentos, nem tempo, sentindo-me, como muitas vezes me acontece, contraditoriamente contente por ser "cosmopolita" e com heimatlos. À minha volta está um grupo de trabalhadores do leste, ucranianos, se é que ainda consigo distinguir as diferenças, de Lvov. A Internet faz de telefone e escrevem, escrevem , escrevem. Têm saudades, cuidam da casa, da mulher, dos filhos, da mãe, pela rede. Ao lado deles, os blogues parecem inúteis, moinhos de palavras. Prossigamos.

14.9.03
 


RTP: AS MENTIRAS A QUE TEMOS DIREITO

Em todos os noticiários europeus de hoje, a abertura foi o resultado do referendo sueco sobre o euro. Na RTP, a notícia foi atirada para o fim, porque a RTP preferiu repetir peças sobre os fogos, não só já anteriormente passadas, como carecidas de qualquer actualidade, e falar sobre uma série de minudências da vida nacional.

Como não bastava a pouca importância dada a um referendo decisivo para o futuro da União Europeia, uma vez que pode prenunciar um "Não" à Constituição europeia, a notícia sobre o seu resultado foi dada de forma errada. Quase duas horas depois de se saber que o "Não" tinha ganho com grande vantagem ("Não": 56,5% ,"Sim": 41,4% - à hora do telejornal), com os comentadores das grandes televisões europeias a sublinharem a surpresa do resultado, em especial dado o peso assumido pelo voto negativo apesar do assassinato da Ministra dos Negócios Estrangeiros, a RTP apresentou como notícia que os resultados do "Sim" e do "Não" tinham sido muito próximos, face à escassa vitória do "Não". Isto é falta de rigor e manipulação da informação.

Quando, no mesmo noticiário, se repete uma peça do correspondente da RTP em Bruxelas, em que este apenas recolhe opiniões favoráveis ao "Sim", percebe-se por que razão uma televisão que assim "informa" os seus telespectadores tem evidente relutância em noticiar o que verdadeiramente aconteceu.
Este é um dos exemplos de como a informação sobre questões europeias na RTP é oficiosa (em relação a Bruxelas) e enganosa.
 


PARABÉNS

à autarquia da Vila da Feira, por permitir e facilitar que Spencer Tunick pudesse aí tirar uma das suas fotografias colectivas de nus. A Vila da Feira, em vez de olhar para os preconceitos de muitas terras portuguesas mais importantes, olhou para Barcelona.
 


VOZ PRESA, VOZ SOLTA

Ver um noticiário da RTP Internacional, longe, dá-nos sempre uma visão mais depurada de Portugal. E coisas a que estamos habituados em Portugal surgem aqui mais estranhas. O dr. Portas já é estranho na pátria, e então longe surge completamente bizarro. Vi-o ontem num comício, a fazer de conta que tem a voz solta, quando todos sabemos que a tem há muito tempo presa. Falou de imigração, porque de facto quase não podia falar de nada. E o que disse é puramente ideológico, uma receita política sem sentido, ou melhor, com um outro e mais perigoso sentido do que aquele que ele lhe deu.

Primeiro, falou contra quem? Contra o governo de que faz parte. Os jornalistas, que na sua simplicidade andaram a repetir o dia todo o que o PP lhes disse, que o discurso "seria pela positiva", não perceberam que um ministro não pode dizer aquelas coisas sem estar a falar contra o Ministério da Administração Interna do governo a que pertence. Aquela parte do discurso foi "pela negativa" (acho estas classificações uma treta, mas têm uso corrente porque são enganadoramente simples...).

E depois, o mais grave: convinha que alguém no PP, que saiba alguma coisa sobre imigração e emprego, dissesse ao dr. Portas que em Portugal, em 2003, essa correlação não tem qualquer sentido. Os trabalhadores da Marinha Grande ou as operárias da Clark's não vão trabalhar para a construção civil ou como empregadas domésticas. Os ucranianos e as cabo-verdianas, os moldavos e as são-tomenses não competem com os portugueses e as portuguesas nos empregos que têm, a não ser residualmente. Mas a catilinária contra a imigração do dr. Portas nada tem a ver com o emprego. Tem a ver com um Portugal limpo de imigrantes, e por isso acaba por resultar num discurso contra os imigrantes, tão pouco português que carece de sentido. É copiado da vulgata de Le Pen, do pior que há , e escolhido, não porque constitua qualquer preocupação dos portugueses, mesmo dos da direita, mas apenas porque o dr. Portas não pode falar de quase coisa nenhuma e ele não quer ficar calado.

 


VOANDO

sobre um ninho de cucos.
Europeus.

13.9.03
 


EARLY MORNING BLUES 39

Foram os “Early Morning Blues” que deram o nome aos “Early Morning Blogs”. Há vários e em várias versões. Aqui está uma dos The Monkees:


A distant night bird mocks the sun.
I wake as I have always done,
To freshly scented sycamore
And cold bare feet on hardwood floor.

My steaming coffee warms my face
I'm disappointed in the taste.
But there's a peace the early brings
The morning world of growing things.

I feel the moments hurry on
It was today, it's died away,
And now it is forever gone.

And I will drink my coffee slow
And I will watch my shadow grow
And disappear in firelight
And sleep alone again tonight.


*

Ontem, o Abrupto teve o seu recorde absoluto de visitas. Obrigado.

12.9.03
 


ONDE POUSAR?

 


VÁRIA

Blogues em que aprendo, indicações, grafismos, notícias: o Sopa de Pedra, arejado e limpo. e o Retorta. São blogues que experimentam para nós e experimentam por nós.

*

João Carlos Costa escreve-me revelando o “segredo de Marcelo Rebelo de Sousa...”, para ler sessenta livros por mês, um método de leitura rápida. Nem assim, nem assim. Experimente ler um dicionário.

*

Alexandre Monteiro enviou-me uma espécie de teoria das efemérides:

"JPP escreveu: "(..) a equivalência do 11 de Setembro de 1973, o golpe de Pinochet, e o 11 de Setembro de 2001, os ataques da Al Qaeda aos EUA. A mera colocação, no mesmo plano de uma capa, das duas datas, ligando acontecimentos de natureza muito diversa, que nada une (..)"

Nada as une? Aconteceram na mesmo dia, do mesmo mês. Ou será que tal ligação não pode ser considerada factor unificador?

Ou será que se fecham os olhos a estes pormenores comezinhos, contudo evidentes, em nome de um maniqueísmo subjectivo? Por outro lado, o golpe de Estado de 1973 ocorreu até há um número redondo de anos (30), o que o torna mais evocativo de acordo com as nossas apetências por efemérides, comemorações e outras celebrações quejandas... ou será que seria mais conveniente que se deixasse este acontecimento nas curvas da história? Ou duvida que, a não ter acontecido o ataque terrorista ao WTC, o golpe de Estado no Chile seria ainda mais recordado e enfatizado do que foi ontem - tendo sido, senão relegado para notas de rodapé, até esquecido?

E porque não relembrar outros acontecimentos desse dia? Como o 11 de Setembro de 1814 em que os americanos ganharam a batalha naval do Lago Champlain? (Pode não ser muito relevante agora, mas foi-o para os Estados Unidos e para mim, que andei há uns anos, a mergulhar no lago e a recuperar parte das barcaças afundadas então num projecti do Lake Champlain Maritime Museum...) E porque não relembrar, on a lighter side, o nascimento do Moby e do Brian de Palma e, on a darker side, de Ferdinando Marcos? Ou o 11 de Setembro de 1297, em que William Wallace derrotou os ingleses na batalha Stirling Bridge (até se fez um blockbuster sobre o tema e tudo..)? Ou falemos então do massacre dos 3000 realistas, feito às mãos de Oliver Cromwell em Drogheda, na Irlanda, no dia 11 de Setembro de 1649... ou evoquemos a invasão das Honduras pelos Marines norte-americanos, em 1919.. ou o 11 de Setembro de 1939, em que o Iraque e a Arábia Saudita declararam guerra à Alemanha Nazi...

Afinal, porque há-de ser este dia o dia em que SÓ se pode evocar o ataque ao WTC, e nada mais, como se o mundo tivesse parado de acontecer há 2 anos atrás?”


*

Filipe Gomes de Pina lembra, a propósito dos EUA , “a teoria de Maquievel segundo a qual um Principe temido é mais respeitado que um Principe amado."

"Naturalmente a ideia base é que não existe inconveniente algum em ser amado (situação que alguma Europa tenta arduamente e que os EUA deveriam sinceramente realizar um maior esforço por ser). Simplesmente sem ser temido (o que essa alguma Europa não quer perceber e os EUA pelos vistos percebem) é impossível o respeito de grupos e organizações que neste novo mundo globalizado facilmente são tentados a tirar daí vantagem em prejuízo do mundo civilizado. É também um dos maiores desafios, seja em que domínio nos encontremos: conseguir ser simultaneamente temido e amado (só Deus talvez o vá conseguindo, embora cada vez menos). Este pode ser também outro sub-tema: como ser amado e temido no mundo de hoje.”

*

E agora , apesar da irritação de alguns com os contadores de visitas, o Abrupto já ultrapassou há vários dias as 200000 consultas . No fim do mês de Setembro , analisaremos estes números.
 


EARLY MORNING BLOGS 38

A discussão sobre os “onze de Setembro” dominou os blogues ontem, o que é natural e mostrou as fracturas ideológicas, que são também fracturas da memória, o que também é natural. O problema tem a ver com o “contexto” , como dizia o Satyricon, porque o “contexto” é do domínio da interpretação.

A blogosfera deve ser um dos últimos sítios em que a discussão ainda se centra num forte pendor classificativo esquerda-direita, sobrevivência da sua génese e de uma afirmação forte de pertença à direita ( que a Coluna Infame fazia) e do acantonamento da esquerda à volta do Blog de Esquerda. Hoje, a blogosfera política traduz uma realidade diferente desses primeiros tempos, com um número mais significativo de blogues à esquerda. Seja como for, a herança da génese permanece num centramento excessivo nas classificações.

Os termos de direita-esquerda só tem sentido se utilizados numa de duas perspectivas: ou filosófico-antropológica (uma posição sobre a bondade ou a maldade original do homem) ou tradicional, envolvendo a memória afectiva, colocando-se a bandeira em função de uma tradição de actos e gestos do passado. No primeiro caso, a distinção é filosoficamente sustentável, no segundo já as ambiguidades da formulação acabam por se revelar mais tarde ou mais cedo na discussão, em particular se forem cruzadas com outros conceitos como o de conservadorismo, tradição, revolução, etc.

(A classificação pela memória, pela escolha de uma tradição, é que explica, por exemplo, que um blogue de esquerda como o Barnabé se chame “Barnabé”. Ao principio, perguntei-me: que raio de nome, onde é que eles foram buscá-lo? A uma canção de Sérgio Godinho. Está escolhida a tradição.
As ambiguidades começam quando Ivan Nunes escolhe A Praia, ou Paulo Varela Gomes, o Cristóvão de Moura e nunca mais acabam. A tradição já não é o que era. Nem a deles, nem a nossa, nem a nossa que foi deles, nem a deles que foi nossa. Nem a que nos faz dizer "eles" e "nós".)



OS DOIS 11 DE SETEMBRO

No caso dos “onze de Setembro” o que me parece falsificar tudo à partida ( ou se se quiser ter logo à partida a resposta e não a pergunta) é a comparação dos dois eventos. Ela remete de imediato para uma culpabilidade americana, directa no Chile e indirecta no terrorismo da Al Qaeda. Juntem-se os eventos e não pode dar outra coisa senão isto. Sendo que “isto” é exclusivamente uma interpretação do 11 de Setembro de 2001: a capa do Público não é sobre o golpe do Chile e (mais) sobre os atentados de Nova Iorque e Washington, é só sobre os atentados e nada mais. Juntando-se, interpreta-se o 11 de Setembro de 2001 e não o 11 de Setembro de 1973.

Se se quer fazer o processo inverso, ou seja interpretar, trinta anos depois, o golpe de Pinochet, à luz do 11 de Setembro de 2001, então a única comparação que tem sentido é, como nalguns blogues de fazia, com a Cuba de Fidel. Saber porquê a ditadura chilena acabou e a de Cuba continua. Se seguirmos este caminho, insisto, o inverso do que se nos propõe quanto ao 11 de Setembro de 2001, então o golpe de Pinochet é minimizado na sua importância. É um caminho que não pretendo trilhar, mas que é necessariamente induzido pela comparação, é um efeito perverso da comparação entre 1973 e 2001.

11.9.03
 


11 DE SETEMBRO II

 


MORTE DE ZÉ LUÍS NUNES

Já não o via há algum tempo, o Zé Luís Nunes, que conhecera em Direito em 1967. Era aquilo que os ingleses chamam um “character” , uma personalidade, um homem feito por si próprio e não pela imitação dos outros. O Zé Luís Nunes vinha de outros tempos. Sabia muita coisa, de Napoleão à gastronomia, e vivia naturalmente a bizarra combinação de ser portuense, monárquico, mação e hedonista. A seu tempo, o PS correu-o das listas de deputados.

Manuel Alegre descreveu os dois aspectos sobre os quais toda a gente falaria primeiro porque identificavam o Zé Luís Nunes sem hesitação. Um, o tique complicado com o nariz e que desafiava qualquer lógica da economia dos gestos, mesmo obsessivos. O outro, a sua idêntica obsessão com as questões militares, que o faziam mais militar do que qualquer militar. Lembro-me de ter com ele uma discussão sobre qual era o equivalente civil da continência, e o que é que se devia fazer quando passava a bandeira. Ele seguia a prática americana de colocar a mão no peito.

.Antes do 25 de Abril, ele era socialista e eu maoista e, na altura, isso era uma diferença abissal. Mas foi ao Zé Luís Nunes que deixei, nos tempos da clandestinidade, uma procuração para ser meu advogado, caso fosse preso. Nunca foi precisa, mas era uma prova de grande confiança e amizade, de um para o outro.
 


PRESENTES

Um presente para a Formiga, que ela provavelmente já conhece, o artigo de Brian Hayes, “ In Search of the Optimal Scumsucking Bottomfeeder”, no último American Scientist.
 


CORREIO, MAIS UMA VEZ

Desta vez, com a caixa entupida por “your details” , “thank you”, e “wicked screensaver”, não entrou o correio enviado em parte do dia 9 e todo o de 10 de Setembro. Quem tiver mandado alguma coisa nesses dias e achar que se justifica repetir, é bem-vindo o reenvio.
 


11 DE SETEMBRO

Alguém do Público anda a ler os blogues e encontrou aqui a inspiração para fazer uma capa do jornal com uma mensagem política inadmissível: a equivalência do 11 de Setembro de 1973, o golpe de Pinochet, e o 11 de Setembro de 2001, os ataques da Al Qaeda aos EUA. A mera colocação, no mesmo plano de uma capa, das duas datas, ligando acontecimentos de natureza muito diversa, que nada une, cujo significado político actual não é confundível, que remetem para realidades políticas estruturalmente distintas, é todo um programa.

Na TSF, José Manuel Pureza explicou aquilo que a capa do Público diz: tinha sentido associar os dois onze de Setembro pois estes estavam unidos pelo “expansionismo americano”. Está tudo esclarecido. É uma forma de pensar próxima do negacionismo do holocausto. E campos de concentração será que houve?

10.9.03
 


EM BREVE

continua, como nas histórias aos quadradinhos, quando pousar outra vez. Vida de pássaro.

9.9.03
 


DESTINO

 


LIVROS: NÃO HÁ FOME QUE NÃO DÊ FARTURA

Depois de dois meses sem livros bruxelenses, lá se foi uma pequena fortuna na Waterstone's e na Tropismes, gasta com alegria. Entre os livros que comprei, dois têm como objectivo a curto prazo o Abrupto. Um , uma história ilustrada da firma Delhaize, a grande cadeia de supermercados belgas, para escrever uma nota sobre o “meu” Delhaize, no bairro belga onde habito, um supermercado muito especial como vão ver (ler). Outro que não é propriamente para ler, mas folhear, o Stupid Whitemen de Michael Moore, para escrever uma nota sobre o personagem, um clown moderno de que os radicais gostam muito.

Previno desde já que não li nenhum dos livros que aqui nomeio, mas apenas refiro as razões porque os comprei. Este aviso tem algum sentido, porque, com alguma surpresa, vi Marcelo Rebelo de Sousa insistir na última revista Os Meus Livros na ficção de que lê sessenta livros por mês, incluindo dicionários, monografias locais, livros de gestão, histórias infantis. Diz ele na revista, acusando o toque dos cépticos como eu, que sabem o que é ler livros e o tempo que demora, que não tem culpa dos outros lerem pouco porque dormem mais. Ele lerá as listas imensas de livros, que enumera no “li e gostei”, porque dorme pouco. Será que Marcelo acha que é o único que lê e que convence alguém de que, mesmo sem dormir um minuto, se pode ler dois livros por dia? Estamos no domínio das lendas urbanas.

Comprei livros muito diferentes, por razões muito diferentes. Eis alguns deles: na ficção o último livro de Coetzee, intitulado Elizabeth Costello. Desde que li Disgrace , passei a ler tudo de Coetzee, porque Disgrace é uma das grandes novelas contemporâneas. Depois, on the light side, o último livro de Robert Harris, Pompeii. De novo, porque gostei dos anteriores, do Fatherland, do Enigma e do Archangel. Nunca li nada de Harris, e acho que li quase tudo, sem ter a sensação, que costuma ser descrita nos elogios da contracapa, de não conseguir parar.

Na não-ficção, comprei uma tradução francesa de Peter Handke, intitulada Autour du Grand Tribunal sobre os julgamentos do TPI em Haia, e um livro de Haruki Murakami intitulado Underground sobre os ataques com sarin no metro de Tóquio. Não sei se este livro é bom ou mau, mas o subtítulo “The Tokyo gas attack and the Japanese psyche” interessou-me, porque dificilmente tenho mais a impressão da alteridade cultural do que quando vejo qualquer coisa japonesa. Filmes, banda desenhada, anime, desenhos animados. Aquilo é outro mundo com um traço de sado-masoquismo e de violência muito alheio à cultura ocidental. Como não os percebo, interessam-me.
 


FESTA DO AVANTE (Actualizado)

Compras e vendas. Na primeira Festa do Avante! o grande must era o "boné à Lenine". "Olha a Festa do boné à Lenine", "camaradas comprai o boné à Lenine".

*

Joao A. recorda: "numa festa do Avante, lá para os idos de 80, numa daquelas bancas exteriores ao recinto, vendiam reproduções do "Ângelus" do pintor Jeran-François Milet (um casal de camponeses em oração) com o pregão: "Olha a Reforma Agrária!"

 


GALILEO (Actualizado)

No dia 21 deste mês, morre de morte natural, embora violenta, um dos mais eficazes objectos jamais construídos pelo homem: a sonda Galileo. Lançada em 1989, chegou a Júpiter em 1995, e o que viu, “sentiu”, fotografou, revolucionou o nosso conhecimento do sistema solar. Mesmo antes de morrer, derretida na atmosfera, observará Amaltea, um pouco conhecido satélite de Júpiter. Há um artigo muito interessante na última Astronomy intitulado “The long goodbye” sobre os seus feitos.

A minha grande nostalgia do futuro é esta, a conquista do espaço. Não chego a tempo.

*

Maradona chama atenção para " este artigo da New Yorker sobre a maravilhosa odisseia da Galileo Orbiter tem o mérito adicional de dar uma ideia absolutamente impagável daquilo que é o trabalho das pessoas que lidam com esses maravilhosos objectos."

8.9.03
 


UMA TRAGÉDIA



Não pude ler muito do que aqui se tem escrito, mas pareceram-me escassas as referências à crise do chamado “roteiro para a paz” no Médio Oriente, uma verdadeira tragédia se se confirmar. O plano não era apenas um “plano americano”, mas sim da UE e da Rússia. Os EUA não estavam sós, embora, como de costume, só a influência dos americanos contasse nos dois lados do conflito.

Sem o “roteiro para a paz” não há qualquer outro plano alternativo, nem se imagina de onde possa vir qualquer outra iniciativa a favor da paz a curto prazo. Sem “roteiro” só há dois desenvolvimentos possíveis: ou uma contínua degeneração da situação com acções militares punitivas israelitas e atentados suicidas pontuais dos vários grupos terroristas, ou Israel resolve tentar a exterminação completa do Hamas, invade a faixa de Gaza, avança com o muro, anexa ilegalmente os territórios ocupados onde há colonatos e acaba com a relativa autonomia dos palestinianos. Não é brilhante.

Por isso, o silêncio é ensurdecedor, em particular dos opositores e críticos portugueses do plano, que sempre desejaram o seu fracasso e que seria interessante dizerem-nos se agora se está melhor e como é que se sai desta situação .

7.9.03
 


FLASHBACK

Embora falando em causa própria, e antes da eventual migração do Flashback para fora da TSF, há um aspecto em que penso o programa ter sido único – o facto de não ter sido renovado, a não ser por motivos de força maior, o de ter permanecido igual durante tanto tempo, o facto de não ter novidades, de ser previsível, de toda a gente que o ouvia conhecer bem o estilo de cada um dos intervenientes e as suas posições.

É significativo que nos blogues de jornalistas (como o Glória Fácil) o programa tenha sido criticado exactamente com os mesmos argumentos que a actual direcção da TSF usou: a necessidade de “renovação”. Ora é isso que penso constituir um dos seus aspectos mais originais e um elemento do seu sucesso num horário muito difícil, domingo ao fim da manhã. Sim, porque o Flashback tinha uma audiência acima da TSF (vejam-se os números publicados na última Focus, TSF 0,3 , Flashback 0,9) e nenhuma razão de audiência justificava o seu fim .

Um dos aspectos dos mecanismos mediáticos de hoje é a contínua produção de novidade. O Flashback contrariava essa lógica com uma continuidade de mais de uma dezena de anos. Exactamente por isso funcionava de outra maneira, pela habituação, pelo “crescer com”, que tantas cartas que recebi referem como tendo marcado os seus ouvintes, pela identificação de sectores do público com A ou B ou C dos seus intervenientes. Para além disso, é uma fórmula difícil de repetir: leva pelo menos dez anos a ter um produto semelhante.
 


BIG BROTHER

Vi, pela primeira vez, uma parte desta série do Big Brother. Tenho imenso pena de não ter oportunidade de ver tudo, porque isto dava um grande livro, à anglo-saxónica, divertido de fazer, como uma espécie de diário da coisa, porque não há imagem, nem palavras que não tenham interesse para analisar e discutir. Há ali todo um mundo. Devo dizer-vos que este programa está muito bem feito, muito bem feito. É trash mas é bom.
 


EARLY MORNING BLOGS 37 II







O opiniondesmaker pergunta: "E já agora caro Abrupto, com que bichito do Bosch é que você se identifica mais ?..."
Com este.

 


EARLY MORNING BLOGS 37

Nós pensamos que nos quadros de Bosch já tinhamos visto tudo, figura estranha a figura bizarra a figura absolutamente inclassificável a figura não sei o que dizer dela. Longe disso. Comprei um livro sobre Bosch que recomendo a todos, antes de tudo pelas reproduções ampliadas de mil e um pormenores escondidos pela repetição obsessiva num canto qualquer. O livro intitula-se Bosch , é de Laurinda Dixon, e é editado pela Phaidon.
Para se ver até que ponto Bosch era um visionário, lá encontrei, num canto do jardim das delícias terrestres, este magnífico retrato da blogosfera.


E como livros e blogues pela manhã combinam ("I love the smell of napalm in the morning", belo nome para um blogue) leiam uma pequena edição muito bem feita da Dom Quixote de Uma Antologia da Poesia Erótica de Bocage. O melhor e imediato milagre de nos reconciliarmos instantaneamente com a pátria é a poesia portuguesa. Se estivéssemos no tempo da Arcádia a blogosfera seria em verso e parecida com a “Ribeirada” ou a “Empresa nocturna”. Em pior, mas parecida.

6.9.03
 


SILENTE

 


COM QUEM FALAMOS QUANDO FALAMOS DO BE

Na discussão, iniciada com a nota “Não vi e continuo a não ver”, de 2 de Setembro, ficou adiada a última parte que aqui reproduzo:

“Fica de fora desta controvérsia a questão de fundo sobre se é comparável a extrema esquerda e a extrema direita, suscitada em perguntas como esta do Terras do Nunca - "se se podem fazer equivaler, por exemplo, as posições neo - nazis às de partidos parlamentares como o BE"?.- porque a resposta implica todo um outro debate , a que voltarei noutra altura. Devo desde já dizer que, formulada a questão doutra maneira, a minha resposta é sim.”

O adiamento da resposta suscitou algumas impaciências, – na blogosfera há muita impaciência –, mas eu entendo este meio como sendo incremental, dada a sua natureza fragmentária, e acrescento hoje mais alguns elementos sobre a razão porque dei aquele sim. A resposta à pergunta do Terras do Nunca implica, até pelo seu carácter polémico, uma série de argumentos todos à volta de três questões: ideologia ou “interpretação do mundo”, posição face à democracia e métodos revolucionários (apologia da violência como meio de transformação política). É pela análise destes elementos, todos eles firmemente ancorados na história política do século XX, que se pode chegar à análise e comparação dos extremismos de direita e de esquerda.

O BLOCO DE ESQUERDA

O exemplo que o Terras do Nunca referiu foi o Bloco de Esquerda (BE), a mais importante coligação de grupos radicais da extrema-esquerda em Portugal Ora, uma das características dos grupos extremistas é exactamente estarem sempre a dizer-nos que não o são. A caracterização do BE é um condição sine qua non para prosseguir a discussão – o que é que pensam os seus dirigentes, quais os seus programas

Mas para sanear a questão convêm ver do que estamos a falar, porque o BE é uma frente eleitoral e parlamentar que reúne vários partidos, que tem programas e estatutos definidos e, qualquer análise do BE assente apenas na sua imagem parlamentar e mediática, seria errada. O BE faz um enorme esforço para criar um ecrã interpretativo e para esconder todo um aspecto da actividade dos seus amáveis e simpáticos líderes, que é sistematicamente deixada fora da atenção pública porque não dá jeito. Como muitas vezes acontece nas políticas, o combate é pelas palavras que designam e o BE quer controlar o modo como é designado. Ás vezes, nesse esforço toma os outros por parvos

O BE é uma aliança política e eleitoral de vários partidos e grupos, com dominação da UDP e PSR. Começa porque não lhes convem muito nomear esta realidade. A tradição desses partidos é a do marxismo-leninismo político e organizacional, embora divirjam em duas correntes distintas uma maoista e outra trotsquista. Deixarei a análise da UDP para outra ocasião, fico-me agora com o PSR. O PSR é um partido fundamental do BE não só pela figura mediática do seu dirigente Louça, como pela influência dos seus temas alternativos na conquista de influência junto dos intelectuais e dos jovens. A UDP tem uma composição mais operária e popular, mas com o seu sisudo dogmatismo dificilmente seria a face do BE. A UDP é mais importante do que se pensa no BE pela sua implantação social nas antigas zonas de hegemonia comunista, mas é o PSR que dá ao BE o tom radical chic .

PSR

O que é que é o PSR hoje? Na resposta rápida , porque não é difícil de dar, utilizo apenas documentos actuais, para que ninguém pense que isto é história passada. O PSR é a secção portuguesa da IV Internacional, uma organização comunista ao modelo da III Internacional criado por Lenine. As suas ideias, o seu pensamento organizacional, derivam da tradição marxista-leninista e do pensamento de Trotsky, uma das variantes mais radicais da história do comunismo no século XIX. Enquanto cá o PSR usa como símbolo uma inócua estrelinha com design moderno, na Internacional o seu símbolo é uma foice e um martelo com um quatro por cima e o retrato de Trotsky . É este o símbolo que o PSR usa nas realizações internacionais, como se pode ver aqui

Quais são as linhas gerais dos seus documentos programáticos mais importantes, o Manifesto Político e os Estatutos?

1) O estalinismo é entendido apenas como uma “usurpação” do conteúdo benigno da revolução russa e do leninismo:

O estalinismo é o nome dado à usurpação do poder revolucionário por uma clique burocrática no final dos anos 20 e à contra-revolução burocrática, na URSS dos anos 30, que se prolongou na criação de uma correia de obediência internacional que o novo regime instaurou.” (Manifesto)

2) O Manifesto tem uma versão açucarada da “revolução socialista” como “ruptura política” , sendo omisso quanto à questão da violência

O eixo deste partido é um programa alternativo para a sociedade: a revolução socialista como ruptura política - protagonizada pela participação activa da maioria da população - que instaure uma democracia assente em mecanismos de participação e representatividades directa e indirecta, consagrando o princípio republicano contra a prepotência e a burocracia e constituindo o poder dos trabalhadores. A auto-organização e auto-gestão dos produtores e a sua articulação com a organização democrática dos consumidores é a condição para a gestão económica e política assente na cidadania. Um novo contrato social entre os sexos, assente na partilha de todas as responsabilidades, é o pressuposto para o exercício dessa cidadania.” (Manifesto)

mas os Estatutos são muito claros (num partido e numa internacional leninista são os Estatutos o documento fundamental para a adesão, por isso os Estatutos do PSR tem que ser conformes com a IV Internacional )

O PSR é a secção portuguesa da IV Internacional. O seu objectivo é a revolução socialista que destrua o sistema capitalista e a exploração do Homem pelo Homem, criando as bases para o desenvolvimento de uma sociedade socialista, iniciando a destruição do Estado pela instauração da mais ampla democracia social e pela associação livre dos produtores. A adesão a IV Internacional baseia-se no acordo com os seus princípios programáticos: os documentos fundacionais dos Congressos da Internacional Comunista, da oposição anti-estalinista e da fundação e dos Congressos Mundiais da IV Internacional, nomeadamente a resolução "Democracia Socialista e Ditadura do Proletariado". (Estatutos)

3) Identidade política baseado no trotsquismo e na IV Internacional por ele criada

Foi o compromisso internacionalista que levou Trotsky, dirigente da revolução russa perseguido por Estaline, a fundar em 1938 a Quarta Internacional. A Quarta Internacional, de que o PSR é a secção portuguesa, é hoje o lugar de encontro de experiências e análises dos momentos de luta, mantendo vivas as lições essenciais da história do movimento dos trabalhadores. “ (Manifesto)

Qualquer análise histórica e política do que escreveu e fez Trotsky encontra os elementos comuns com a tradição marxista-leninista ,incluindo os que estiveram na génese do estalinismo, a defesa do terror revolucionário como instrumento político, a afirmação da violência como instrumento da revolução, a defesa da ditadura do proletariado, a repressão das liberdades “burguesas”, etc. , etc. Para além disso, a descrição da IV Internacional como "um lugar de encontro" é uma pura mistificação.

4) Afirmação do centralismo democrático como mecanismo central do funcionamento do partido. Embora Trotsky se afastasse do modelo partidário dos partidos comunistas clássicos, aceitando por exemplo a existência de fracções, nem por isso no essencial o modelo das organizações da IV Internacional deixou de ter o centralismo democrático como base organizativa. Aqui também o Manifesto é soft e os Estatutos são hard

O PSR é portador de uma tradição revolucionária de oposição aos partidos-Estado, burocratizados e repressivos, do estalinismo. Essa tradição impõe o rigor constitutivo do seu funcionamento democrático - o direito de livre-expressão de opinião, a estruturação responsável e a decisão colectiva para a acção unitária, que são princípios leninistas actuais e aplicáveis. “(Manifesto)

19.O funcionamento interno do PSR rege-se pelos princípios do centralismo democrático: liberdade absoluta na discussão, unidade absoluta na acção em tudo o que diz respeito a intervenção partidária fundamental. Estes princípios expressam-se pela existência de uma direcção colectiva eleita, pela participação dos militantes na elaboração da linha política do Partido, pela tomada de decisões através do debate democrático e votação maioritária e pelo controle dos organismos de direcção pela base.
20.Os organismos do Partido aplicam as decisões tomadas em organismos superiores
.” (Estatutos)

É com este grupo e com estas posições que se tem que ter em conta quando se fala do BE.
 


MUITO, MUITO EM BREVE

Continuação da discussão sobre a extrema-esquerda e extrema-direita, com um texto sobre o BE e o PSR.

5.9.03
 


PROPAGANDA

A RTP 2 passa nesta altura um típico filme de propaganda política sobre os zapatistas, um movimento militar e para-militar mexicano, chefiado por um intelectual que se apresenta tradicionalmente com a cara coberta com um passa-montanha, com um cachimbo, armado e que se intitula “subcomandante Marcos”. O filme é completamente acrítico, pura propaganda, mas, como se trata dos “últimos guevaristas”, está tudo bem.
Uma das últimas cenas vê-se uma montagem em que Marcos começa a tirar o passa-montanha e depois aparece uma cara de um menino e a seguir um velho e depois uma rapariga indía, ou seja, todo o povo é … o subcomandante. Ás vezes fica-se com a impressão de que ninguém aprendeu nada nos últimos quarenta anos.
 


RESPIRAÇÃO

 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES

Durante uma semana não tive acesso ao correio electrónico enviado para o Abrupto e por isso recebi-o por junto. Talvez pela acumulação é mais nítida a qualidade de muitos comentários e críticas, a que se acrescentam outras notas em diferentes blogues. Agradeço aos seus autores pela indicação que me fazem chegar do que é publicado sobre o Abrupto noutros blogues, com a certeza que todos são lidos e o que dizem tido em conta.

Alguns dos comentários recebidos por carta são a seguir publicados. Por regra identifiquei os seus autores por inicias, pois nem sempre a assinatura do interior correspondia ao endereço do correio. De qualquer modo, se algum dos autores destes comentários me assinalar em que nome os pretende assinar eu substituirei as iniciais.

As entradas estão ordenadas da nota mais recente para a mais antiga.

LINHA EDITORIAL?

Durante o período das inspecções ao Iraque e posterior guerra, vivi em Madrid, onde tive oportunidade de ler os vários jornais lá editados (El País, La Razón, La Vanguardia, El Mundo, etc.). O que fundamentalmente reparei, além do conteúdo, foi um claro posicionamento de cada jornal relativo ao conflito, mais especificamente nos editoriais e artigos de opinião, uns mais à direita, outros mais à esquerda.(…) Mas estes posicionamentos não impedirão um pouco o debate de ideias dentro dos meios de comunicações sociais? Nos jornais até veria a solução, aliás existente, de o debate ser, por exemplo, entre linhas editoriais de dois jornais, fazendo referências mútuas. Mas no caso das rádios e das televisões, já não me parece que funcionasse tão bem.”

(R. R.)

NÃO VI E CONTINUO A NÃO VER

Estive em Génova como em muitos outros desses sítios, não com o bloco nem com o pc nem com a attac, e alguns desses sítios participei nesses motins, e sobre eles digo-lhe apenas que o seu cepticismo em relação aos media deveria abranger todas as descrições do que se passou, se estiver eventualmente interessado posso-lhe fazer chegar a si outros relatos do que aconteceu. Em nenhuma dessas situações foi alguém atacado ou espancado.
Nunca ouvi nem conheci nenhuma história ou relato de um ataque físico a alguma pessoa por ser "burguesa" ou capitalista. Nunca os encontros violentos com a polícia assumiram contornos de tortura ou de violência gratuita (a não ser por parte da policia). Poderá discordar totalmente com a destruição de (e da) propriedade privada enquanto método para criar um mundo mais justo, mas creio que será bastante fácil distinguir violência contra objectos, mercadorias e lojas de violência contra pessoas.”


(leitor identificado)

PARECERES

Também li uma notícia sobre os 300 pareceres. No Expresso desta semana era uma “curta” da última página e o título era exactamente “ Constituição Europeia – Parlamento pede 300 pareceres”. Desde logo me perguntei onde teriam arranjado em Portugal 300 constitucionalistas, ou mesmo 300 professores de direito aptos a dar pareceres. Depois preocupei-me vagamente com o orçamento da Assembleia que ia ficar muito mal tratado. O texto do artigo sossegou-me um pouco e tira alguma, mas só alguma, razão ao seu comentário. Afinal foram pedidos Pareceres à tal sociedade civil – não sei se as cartas foram enviadas para o Canal 2...
Segundo o Expresso os destinatários das cartas são as Universidades, sindicatos, parceiros com assento na Concertação Social, associações de estudantes – ou não fosse o António José Seguro a tomar a iniciativa – associações ambientais, plataformas de mulheres e Conselho Nacional de Juventude, entre outros. Pode ser que afinal não seja assim tão tecnicista e esteja totalmente entregue ás minudências dos professores de direito.”


(T.B.)

RENTRÉE LITTÉRAIRE

Não se pode em caso algum dizer mal de tudo o que é francês (com excepção da obsessão anti-americana dos franceses), e deve-se sobretudo apreciar a qualidade do ensino secundário francês. Neste aprende-se a pensar. No português aprende-se a memorizar. No primeiro adquirem-se conhecimentos essenciais. No segundo impingem-nos factos e dados absolutamente inúteis. Falo com conhecimento de causa. Frequentei o ensino secundário francês e estudei os programas de português do 12º ano de filosofia e história para poder fazer os exames de acesso à faculdade. A diferença era abismal. No ensino francês, em filosofia, por exemplo, estudávamos temas sobre os quais tínhamos de dissertar posteriormente. No ensino português obrigaram-me a estudar obras inteiras de autores, sendo-nos solicitado nos exames que despejássemos a opinião de tal ou tal autor sobre este ou aquele tema. Num pensávamos. No outro recitávamos. Em história, no programa do 12º francês(1993) estudei as consequências da segunda guerra mundial, o período da guerra fria, as descolonizações. Para os exames de acesso à Faculdade portuguesa estudei termos e métodos de história. Seja lá o que isso for.

Escusado será dizer que a adaptação ao ensino português foi verdadeiramente penosa. E isto de uma pessoa que nunca viveu noutro país que não Portugal. É bom que não se diga mal de tudo o que é francês.”


(M. R.)

COSA MENTALE


Não conheço [nunca estive junto a ele] o quadro que retrata o interior da igreja de S. Lourenço em Alkmaar. Nunca estive em Roterdão e a reprodução que apresenta no seu blog é o único registo a que tive acesso.

Pieter Saenredam, contemporâneo de Jan Vermeer, Emmanuel de Witte e Gerard Houckgeest entre outros, fez parte da chamada Dutch Golden Age. Conjuntamente com os dois últimos P Saenredam foi considerado um especialista na arte da perspectiva sendo amiúde considerado o verdadeiro mestre.

Não concordo com a sua visão perspéctica deste quadro. Pior é o facto de ela pôr em causa uma parte do seu belo texto.

Taque 1 – Os homens, se colocados na zona da primeira porta, teriam um terço da altura desta. Parece-me razoável, até para chegar ao ferrolho que se pode ver do lado direito (ferrolho que está ainda mais para cá do plano vertical de referência da parede...).

Taque 2 – Os mesmos homens, se deslocados ao longo da horizontal de referência em que se encontram, fossem levados, por exemplo, para o Claustro, ficariam ali muito bem.

Taque 3 – A derradeira porta, no plano do fundo, é obviamente mais pequena do que aquela de que aqui falei. Mas, mesmo assim, não é demasiado pequena para que os nossos homens ali possam passar. São as leis da perspectiva.

Usei de alguns “truques” no Photo Shop, certo! Mas, penso que assim se torna mais fácil explicar o que tinha para lhe dizer.”
(Comparar a imagem "tratada" com o original junto da nota "Cosa Mentale")

(F.)
 


EM BREVE

Críticas e comentários a notas do Abrupto pelos seus leitores.

Nota sobre políticos e reality shows , casos de França e Portugal.
 


À ESPERA


4.9.03
 


LIBRAIRIE DE L'AMATEUR

Devo a uma referência do Latinista Ilustre ter ido com o VGM à Librairie de l'Amateur em Estrasburgo. Nós já tínhamos corrido tudo o que era alfarrabista e passado várias vezes pela Rue des Orfèvres e nunca tínhamos dado por ela, escondida no seu pequeno pátio interior. O sítio é do melhor estilo estrasburguense, um pátio antigo , empedrado, para o qual dão umas casas de traça medieval com as suas ripas de madeira cruzadas e a livraria é de amateur. Não se pode querer mais. E tem um Aulio Gélio que eu procurava.

 


LINHA EDITORIAL?

(Na sequência da nota"Não vi e continuo a não ver")

Sem querer avançar, para já, muito mais na discussão , ela própria um pouco viciada, sobre se os órgãos de comunicação social portugueses são de "direita" ou "esquerda" , duas das mais ambíguas palavras correntes no nosso vocabulário, acrescentaria um ponto que deveria ter colocado previamente e que talvez ajudasse a arrumar o debate. É questão de saber se os nosso órgãos de comunicação social tem uma orientação editorial que possa ser identificada?

Num ou noutro caso, têm, ou pelo menos um embrião de orientação, como se pode perceber no Independente. Mas a regra é não terem, o que explica uma certa esquizofrenia. Esta divide-se em duas variantes: uma, a de, num mesmo jornal, haver diversos editoriais, nalguns casos completamente contraditórios, conforme os seus autores; outra, a de não existir consistência entre a linha definida nos editoriais e o conteúdo de diferentes secções, em particular as de política nacional e internacional.

Uma das razões porque me parece inaceitável, no caso português, julgar a "cor" política de um jornal pelos seus editoriais , é essa inconsistência interior. No caso da guerra do Iraque, por exemplo, os editoriais do Diário de Notícias eram às vezes, pró-coligação, mas o noticiário diário era baseado nos artigos de Robert Fisk, notório opositor da intervenção, e cujos originais saiam num jornal inglês que tinha essa oposição como linha editorial.

É uma fragilidade da nossa comunicação social essa ausência de linhas editoriais claras e eu defendo a prática anglo-saxónica de os media tomarem posições públicas sobre matérias de política corrente. Contrariamente ao que se pensa , isso não prejudica em nada o pluralismo, e só clarifica a relação com o leitor, ouvinte ou telespectador. A TSF, por exemplo, deveria tê-lo feito quando do conflito iraquiano, definindo editorialmente a sua posição contra a intervenção da coligação.
 


GNR

(Este é um complemento necessário do artigo que publiquei hoje no Público)

Como só se lêem opiniões em contrário, e, da parte dos partidos que apoiam o governo, há uma espécie de silêncio incomodado, fique bem claro que defendo o envio de forças da GNR para o Iraque. A internacionalização da presença de forças armadas, militarizadas e de polícia é um elemento essencial no esforço de pacificação e estabilização do Iraque, e é positivo que Portugal participe. O combate que lá se trava defende-nos a nós aqui.

Essa participação deveria dar-se com um envio de um contingente das nossas forças armadas, mas isso levantaria problemas com o Presidente da Republica que , discordando do governo , tem mantido uma posição equilibrada. No entanto, uma força militarizada como a GNR, com preparação especifica para a situação que vai encontrar, também contribui para ajudar a estabilizar a situação.

Digo isto sabendo que é uma missão com todos os riscos. Seria negativo se se tentasse esconder aos homens que para lá vão, às suas famílias e aos portugueses, de que é uma missão muito perigosa. Os homens que a GNR pode ter que defrontar no Iraque, preferirão atingir os americanos, mas não hesitarão em atingir seja quem for.

3.9.03
 


A VIOLAÇÃO DO PACTO DE ESTABILIDADE PELA FRANÇA E ALEMANHA

é algo que deve ser seguido com muita atenção, porque pode mostrar como são as relações de poder na UE nos dias de hoje, marcados por uma grande retórica europeísta .

A França, que é um dos países que quer ir mais para a frente com a Constituição, de que se considera pai e mãe com a Alemanha, tem, a propósito da violação do Pacto de Estabilidade, com os seu déficit previsto e reincidente de 4% ,um discurso interno de absoluto desprezo pelo Pacto e de afirmação unilateral dos interesses franceses. O Pacto foi proposto pela Alemanha e pela França com o objectivo de condicionar os pequenos países do Sul, Portugal inclusive, que tinham imagem de "gastadores", e podiam pôr em causa a estabilidade do euro. O Pacto prevê sanções e pesadas. Portugal foi ameaçado com elas ainda bem recentemente. Ora, não se vê que a Comissão mostre grande vontade de as aplicar à França e à Alemanha...
Isto é inadmissível. Espera-se que Portugal tenha a máxima firmeza, exigindo que, o que se aplica a Portugal, se aplica à França e à Alemanha. Se se admite a duplicidade numa matéria que não oferece qualquer ambiguidade, aceita-se a humilhação.
 


CORREIO , DE NOVO

Devido às últimas infecções virais na rede, o servidor que utilizo fora de Portugal, ultra carregado de medidas de segurança, recusa-se a permitir-me ler seja o que for do correio da Telepac. Lá para o fim da semana já o poderei fazer. Por isso, se me enviaram alguma coisa de urgente, peço um pouco de paciência.

2.9.03
 


NÃO VI E CONTINUO A NÃO VER

Seguem-se algumas breves notas a um comentário que o Terras do Nunca fez ao Early Morning Blogs de hoje . Infelizmente o tempo não dá para ir mais longe.

Terras do Nunca (TN) - "Por exemplo, no jornal em que JPP escreve (quase) todas as semanas, o respectivo director, José Manuel Fernandes, comparou as manifestações anti-globalização aos hooligans do futebol."

JPP - Não é propriamente a mesma coisa , nem é a comparação que eu disse que nunca vi: casseurs anti-globalização, descritos amavelmente como "anarquistas", com os neo-nazis. Mas o José Manuel Fernandes serve para justificar tudo, como se a sua mera existência e o que ele escreve, tivessem mudado num ápice o clima de esquerda que se vive na generalidade dos media portugueses. José Manuel Fernandes é a excepção que confirma a regra, não é a regra.. A própria estranheza e hostilidade com que o José Manuel Fernandes é tratado, mostra como o seu caso é isolado. Na realidade, as suas posições são claramente solitárias , mesmo no Público, e a fúria com que foi tornado um alvo, nos meses do conflito iraquiano, mostra até que ponto muita gente não engole, passe o plebeísmo, que um director de um jornal possa quebrar o consenso, mais esquerdista do que de esquerda, dos media portugueses.

TN - "Na imprensa portuguesa, de resto, ao contrário do que se propagandeia, as teses da direita prevalecem actualmente sobre as da esquerda. Basta ler os editoriais. Eu sei que quanto aos extremos é um pouco diferente. "

JPP - Esta frase só pode ser dita se se considerar que as posições de direita começam imediatamente à esquerda de Manuel Alegre e se calhar incluindo-o. Se, em vez de direita, se nomeasse o bloco central, já se podia discutir com alguma vantagem. Na verdade, as posições institucionais de alguns órgãos de comunicação social escrita, porque na televisão já é diferente, são próximas do bloco central, quando o PSD está no poder. Quando o PS está no poder, são próximas do PS. E, num caso e noutro, são próximas do "soarismo" clássico e não da sua actual vertente esquerdista. Insisto, posições institucionais, porque se se sair dos editoriais e se passar para tudo o resto, as background assumptions estão todas na tradição esquerdista, mais até do que da social-democracia de esquerda.

TN - "Mas se JPP quisesse usar da perspicácia com que tantas vezes nos brinda, perceberia que os elogios à extrema-esquerda chique (leia-se Bloco) que surgem nesses jornais se destinam mais a achincalar a outra esquerda (leia-se PS) e a fazer o jogo da direita actualmente no poder."

JPP - De facto, a minha perspicácia não chega para perceber que os elogios ao BE não são genuinos . A mim sempre me pareceram que são, se descontarmos os de Marcelo Rebelo de Sousa. Se se destinam "a achincalhar o PS" é natural , exactamente porque são genuínos e quem os faz está mais à esquerda do PS , ou então gosta do radical chic do BE . Essas pessoas, mesmo quando votam no PS, tem a boa consciência no BE. A tese de que os elogios ao BE se destinam " a fazer o jogo da direita actualmente no poder", não entra dentro da minha limitada perspicácia, conhecendo-se quem os faz nas diferentes redacções.

TN - "Aliás, quanto a esta questão, convinha que JPP nos desse alguns esclarecimentos. Por exemplo, sobre se considera algumas posições do actual PP de direita ou de extrema-direita. "

JPP - O autor do Terras do Nunca sabe certamente o que tive ocasião de dizer, quando da constituição da coligação governamental e como votei solitário contra ela, exactamente por ter reservas de carácter político e ideológico não quanto ao PP , mas ao partido unipessoal do Dr. Portas. Fi-lo quando a imprensa de esquerda dizia que era "excessivo" falar de extrema direita a propósito do dr. Portas. Evito repeti-lo agora, quando todos arrombam uma porta que já está aberta.

TN - "Tudo o que se tem escrito sobre as relações entre Paulo Portas e a religião é mais do domínio da direita ou da extrema-direita?"

JPP - A fé de cada um merece respeito e privacidade, sob condição de não ser usada como instrumento político. No caso da missa em memória do militar morto em Timor, não estou certo se essa privacidade foi respeitada. Já noutros casos que conheço , como nos comícios em Aveiro, em que o dr. Portas se persignava praticamente em público, esta atitude já me parece condenável. Mas não é aí que está a extrema direita, aí existe apenas oportunismo político. Está , por exemplo, em muitas outras coisas em que ninguém reparou a tempo, como no apoio às milícias populares de justiceiros , num outro Verão de imensos fogos, que a memória curta de uma ou duas semanas ,em que vivemos na comunicação social , já esqueceu.

NOTA - Fica de fora desta controvérsia a questão de fundo sobre se é comparável a extrema esquerda e a extrema direita, suscitada em perguntas como esta do Terras do Nunca - "se se podem fazer equivaler, por exemplo, as posições neo - nazis às de partidos parlamentares como o BE"?.-, porque a resposta implica todo um outro debate , a que voltarei noutra altura. Devo desde já dizer que, formulada a questão doutra maneira, a minha resposta é sim.
 


PARECERES?

Li, numa nota de Pedro Lomba no Diário de Notícias, uma notícia que me tinha passado despercebida, que a Assembleia da República teria pedido cerca de 300 pareceres sobre a Constituição Europeia. A ser assim, estamos já num caminho muito sinistro, isto para além da abundância de pareceres... A ideia peregrina que a Constituição Europeia é uma questão de pareceres, supostamente técnicos, antes de ser uma questão política, mostra o modo como se pretende aborda-la: como um texto jurídico inócuo, para ser discutido nas suas minudências pelos professores de direito. Como se, antes disso, depois disso e acima e abaixo disso, não estivessem em causa opções políticas de fundo, a começar pela própria necessidade de haver uma Constituição e a sua legitimidade democrática, matéria que a Assembleia da República nunca discutiu.

Isto já deixando de lado a progressiva substituição de decisões políticas incomodas por pareceres de sábios que não tem que responder perante o voto. Claro, conforme se escolhem os sábios, conforme se tem os resultados pretendidos.
 


PORTO

 


RENTRÉE LITTÉRAIRE

Os franceses tem uma rentrée littéraire com pompa e circunstância. Este ano, em Setembro, estão previstas 700 obras de ficção, originais e traduzidas, e 600 ensaios (números da Lire ). É obra, isto é que é escrever! E no entanto... passeando os olhos por algumas destas novidades já publicadas, nada me suscita um entusiasmo particular. Pode ser que esteja a ser injusto, porque há aspectos da edição francesa muito interessantes, - por exemplo, na filosofia, nas ciências sociais, em certas áreas de história, como na história antiga e medieval -, mas ao ver as estantes de novidades pejadas de romances e textos sobre a actualidade, tão confrangedoramente superficiais, nada me anima às compras. O anti - americanismo na não - ficção é tão obsessivo que todos os livros parecem iguais. E eu não preciso de um pretexto muito forte para comprar um livro...

Uma das razões deste meu desinteresse pela própria literatura fíccional, que , insisto, pode ser injusto num ou noutro caso, tem a ver com o carácter claustrofobico da vida intelectual francesa, a sua falta de abertura ao exterior, o seu pequeno dinamismo , que não me dá indicadores de qualidade. A crítica literária agressiva, a controvérsia, é o que me aponta, no meio das centenas de livros, o que vale a pena ler. Em França , a não ser nos ocasionais escândalos , como o de Catherine Millet, está-se um pouco como em Portugal , é tudo bom. É uma diferença abissal com o corrosivo meio literário anglo - saxónico , como se vê, nestes dias, com as controvérsias violentas á volta de Martin Amis e do Booker Prize.

SÓ PARA SE PERCEBER

a diferença, e para não parecer que digo mal de tudo o que é francês, veja-se a lista de livros que um aluno de francês do equivalente ao 11o. ano português, tem como leituras obrigatórias este ano: de Shakespeare, Hamlet, Otelo, e Macbeth , a Metamorfose de Kafka, Andromaca de Racine, Escola das Mulheres de Moliére, Pierre e Jean de Maupassant, o Estrangeiro de Camus, Huis Clos e As Moscas de Sartre.
 


EARLY MORNING BLOGS 36

Embora já com algum atraso, não queria deixar de expressar a minha total concordância com o que diz Filipe Nunes Vicente no Mar Salgado sobre a duplicidade de tratamento da extrema - direita e da extrema - esquerda e das respectivas violências reais e simbólicas. Tenho sempre denunciado esse facto , tão significativo da parcialidade de muito jornalismo contemporâneo. Já alguém leu um editorial intitulado "o perigo do crescimento da violência anti - globalizadora"? Já alguém viu tratar as destruições ocorridas, um pouco por todo o lado, sempre que há uma conferência do OMC, ou uma reunião do G8, com o mesmo excitado sentimento de perigo apocalíptico com que uma arruaça neo - nazi é tratada?

1.9.03
 


SEGUE DENTRO DE MOMENTOS

... o Abrupto. Quando pousar.

© José Pacheco Pereira
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