ABRUPTO

31.8.03
 


ESTADO DO ABRUPTO (AGOSTO 2003)

O número real de “pageviews” actual do Abrupto aproxima-se, no final deste mês, de 180000 - 190000. A habitual discrepância deve-se às datas diferentes do início da contagem, mas tendo-se isso em conta, os números são consistentes. O contador da Bravenet foi o último a ser instalado, por isso a diferença com ele é a maior.

No mês de Agosto deu-se uma quebra das visitas ao Abrupto: de cerca de 75000 em Julho, para 60000 em Agosto, menos 15000. Esta quebra concentrou-se nas primeiras duas semanas de Agosto e está a recuperar na segunda quinzena, o que pode indicar a sazonalidade das férias. Neste momento, a média diária de visitas é de 2130, uma pequena quebra em relação às 2200 do mês passado.

Não há alterações quanto à distribuição geográfica, a não ser talvez um incipiente aumento de visitas oriundas do Brasil e dos EUA, irrelevante ainda para se tirarem conclusões. O padrão de consultas permanece, com a terça-feira e as 17 horas com maior afluência e o domingo com a maior quebra. De facto, quem é que se lembra de ir para a rede num domingo de Agosto?

As “acções” no Blogshares conheceram uma enorme turbulência, desceram a pique e subiram a pique e estão neste momento a 473.64 dolares.

No Technorati, os últimos resultados apontavam para cerca de 461 “inbound Blogs” e 620 “inbound Links” , o que começa a aproximar um blogue escrito em português de números significativos a nível mundial.

Obrigado aos leitores do Abrupto. Continuaremos.

 


OBJECTOS EM EXTINÇÃO 22 ?







Aqui está , cortesia do nosso médico, uma requisição de vacinas anti-varíolicas, que felizmente deixaram de ser necessárias desde que a varíola foi erradicada na natureza. Um "objecto" que desejamos que continue extinto. O problema é que ela continua viva, um vários laboratórios, alguns militares, alguns em países pouco recomendáveis, sem nenhum outro objectivo que não seja o armamento biológico. E a varíola, se voltar, será uma terrível arma.
 


COSA MENTALE

Este quadro é de um pintor do início do século XVII, Pieter Saenredam e retrata o interior da igreja de S. Lourenço em Alkmaar. Está no Museu Boymans-van Beuningen em Roterdão. Saenredam especializou-se em pintar o interior das igrejas holandesas “reformadas”. Estas eram despidas do peso dos ornamentos, das imagens, dos santos, das esculturas que preenchiam todo o espaço interior das igrejas cristãs antes da Reforma.

Se há quadro que representa a ideia que a pintura é cosa mentale é este. O que fascina o pintor é um objecto imenso, uma parede maciça na qual se abre uma porta que abre para outra porta e que abre para um claustro, onde um arco é uma outra espécie de porta. Lá, ao fundo, percebe-se um espaço tão interior como o da igreja, porque não há variação na luz, o mesmo amarelo esbranquiçado.

Os homens, melhor os homúnculos, estão lá num canto, pequenas figuras a preto, sem qualquer papel que não seja dar dimensão à coluna e à porta gigantesca que se abre. Se o quadro fosse feito para os homens por que razão a porta teria cinco vezes a sua altura? Nada de humano justifica esta dimensão. Os ornamentos que sobram não são também para os olhos humanos. Quem conseguiria ver o que está pintado no losango, tão alto ele está?

Este quadro não está feito para glorificar nem os homens, nem a obra dos homens (este espaço é inumano), nem a igreja, nem Deus. Não há nesta igreja nada que aproxime de Deus, nada que aponte para o sagrado, nenhum símbolo religioso identificável. Percebe-se que é uma igreja pela altura do edifício, mas o espaço que se observa nem sequer é o da nave principal, mas de um corredor acessório. Podia ser um edifício público, uma Rathaus, uma casa de corporações. É verdade que uma igreja holandesa é também um edifício cívico, mas não há aqui sombra de uma comunidade para o ocupar. Os burgueses que se percebem como uma mancha negra, com um papel muito parecido com as moscas numa natureza morta filosófica, não estão a rezar, estão a conversar.

É um quadro metafísico. A sua construção não é muito distinta da de alguns quadros chineses influenciados pelo budismo zen, ou mesmo de muita da pintura moderna abstracta. O risco do drapejado acompanhando a coluna, o quadro em formato de um losango dependurado, são elementos que reforçam o carácter geométrico da pintura.

O que está pintado nesta pintura? Duas coisas. Uma, o despojamento, uma ideia moderna mais próxima do design do que da pintura tradicional, e que é comum encontrar no Norte da Europa, a procura de uma sólida simplicidade. Outra, a de que isso se faz num mundo que nos ultrapassa. A arquitectura da igreja destina-se a mostrar-nos isso, vive-se num espaço que não é nosso, que nos ultrapassa.

Entre a vida sólida e a angústia de estar abandonado por Deus no mundo, este é um dilema protestante e não católico. Saenredam pintou pois uma coisa mental, uma ideia.

30.8.03
 


LÁ FORA

Há tanta coisa interessante, há tanta coisa para aprender, como é que nos podemos aborrecer, como é que nos podemos fartar?

Claro que há tanta coisa interessante, mas é lá fora. LÁ FORA. Mesmo quando a trazemos para dentro é LÁ FORA. Mesmo quando é em nós que essas coisas estão, é LÁ FORA, longe da pegajosa circularidade do eu. Como é que alguém se farta em dois meses, numas férias, em meio ano, em tudo que seja menos de uma vida inteira, não de escrever aqui, porque isso é o menos, é circunstância, mas de ter a cabeça LÁ FORA?
 


EARLY MORNING BLOGS 35

... um pouco a deitar para o tarde.

Fazendo uma leitura retrospectiva que tinha atrasada da Formiga de Langton , um dos meus favoritos. A formiga está cada vez melhor, cada vez mais solta, cada vez mais experimentando relações entre crianças, gaivotas, o “pomar de imagens” de Teixeira Gomes, labirintos, uma curiosidade na qual, sem modéstia, me reconheço inteiramente e me deixo ir pela regra de Asimov do "That's funny..." . Tudo o que lá vem (e noutro blogue que comecei também a ler, o Teste de Turing ) me interessa sem restrições.

Com a formiga fui pelo carreiro até ao Blog Notas , que tem um conjunto de citações sobre o uso do anonimato nos blogues muito certeiras, até ao Microcontentnews, de absoluto interesse para os estudiosos do meta-bloguismo, que somos quase todos , mesmo que o recusemos, pela própria circunstância de estarmos a usar um meio ainda experimental de comunicação.
 


NOTAS CHEKOVIANAS 6

 


OBJECTOS EM EXTINÇÃO 21 / LICEU RAINHA SANTA

Para quem é do Porto e fez o liceu no Alexandre Herculano, o encerramento do Rainha Santa é mais uma referência da memória que se vai embora, mais um objecto em extinção. O Rainha Santa ao lado do Alexandre Herculano representava a separação sexual rígida do regime salazarista: o Rainha era para as “meninas” e o Alexandre para os “meninos”. Daí que o grande momento de respiração dos dois liceus era o da saída da uma da tarde, quando a fauna masculina do Alexandre corria pela rua abaixo para se colocar em frente do Rainha e ver a “saída”. Era, mesmo passando-se no meio da rua, fora de portas, uma actividade altamente vigiada. Os “rapazes” não podiam estar no passeio junto dos portões do Rainha, mas apenas no passeio em frente, encostados ao muro. As meninas não podiam atravessar a rua e era suposto só o fazerem muito acima, para os lados do Bonfim, ou mais para baixo, junto da Barão de Nova Sintra. Em frente ao Liceu, era o espectáculo da descida das meninas pela escadaria, observadas por mil e um olhos ávidos, encostados ao muro. Parecia uma encenação de palco.

Uma das minhas maiores vergonhas foi no dia em que a reitora do Rainha me convidou para repetir no liceu feminino uma palestra sobre música que tinha feito no Alexandre e que ela devia achar ser suficientemente “conveniente” para arriscar meter um rapaz dentro do liceu. O interior do liceu, como se percebe, era totalmente off limits para visitas juvenis masculinas. Lá fiz a palestra, só que ela acabou …à uma da tarde. Para sair tinha que descer as tenebrosas escadas acompanhado pela multidão das meninas e diante dos olhos dos meus colegas em frente. Lá desci, desejando a invisibilidade ou o tradicional buraco que nos devia tragar nesses momentos e que nunca se abre quando é preciso. Imaginem os risos e o gozo dos meus colegas e os risinhos das meninas (estão a ver a linguagem sexista, os homens riem, as mulheres tem risinhos…), em todo o meu percurso no palco das escadas e na parte feminina do passeio, até me conseguir misturar anónimo no passeio masculino.

Como é que se pode não ter saudades do Rainha?

29.8.03
 


IRAQUE

Não tenho tempo, neste momento, para ir mais longe na explicação, mas penso que é preciso dizer uma coisa que tem vindo a ser iludida em muitos escritos portugueses sobre o Iraque: que o factor mais importante para explicar muito do que se passa hoje no Iraque não é a “ocupação” americana do país, mas sim a verdadeira revolução social e política que esta provocou – o fim do poder hegemónico da minoria sunita face à maioria chiita.
 


CORREIO

Como de costume atrasado, mas isso não é novidade.

Muito correio sobre o Flashback, de que vou enviar cópia, quando é exclusivamente sobre o programa, ao resto da equipa.

Como há uma Internet negra, roçando o crime, a mentira e a falsificação, facilitada pelo relativo anonimato possível, o meu nome e o do Abrupto aparece em falsas mensagens aqui e ali. Repito que não escrevo, por regra, para qualquer caixa de comentários.

Aviso igualmente que a utilização do antigo endereço “jpp_abrupto” no Hotmail é igualmente fraudulenta. Não tenho hoje qualquer endereço no Hotmail.

Infelizmente, isto é o pão nosso de cada dia na rede.
 


SÓLIDO

 


MAIS E MAIS SOBRE OS FALARES , DOS LEITORES DO ABRUPTO

Vários leitores do Abrupto acrescentam novas informações e correcções às notas publicadas.

A. Marques acrescenta à nota sobre o galego:

A propósito do seu «post», permito-me dizer que a falta de entendimento que, a final, se verificou entre o «labrego» (sem sentido pejorativo, para além do Rio Minho, como se sabe) e a locutora, é devido ao facto de aquele falar português (simplesmente!) e esta falar «castrapo».
A locutora tem a sua TV Galicia; o «labrego» merecia uma TV-Galiza.


Bruno Toledo comenta o “inglês” do texto que transcrevi do Parlamento Europeu

As conclusões são muito interessantes, só tenho pena que o estudo realizado no parlamento europeu pelo Eurobarometer contenha tantos erros de escrita e de sintaxe. Como professor de Inglês e cidadão europeu, não percebo como é que um documento oficial consegue ter tantos erros! No que concerne à informação sobre Portugal o primeiro parágrafo é um tiro no pé! "There is marked the interest for television, the 98.7% of citizens in Portugal watch TV and only the 1.3% declare to doesn't watch it. (...)" Isto continua ao longo do capitulo com pérolas do tipo: "For the other hand there are more citizen female who follow the series and soaps than men are (60.9% & 12.)% respectively), but there isn´t difference from the sex"!”

Serão transmitidas as reclamações, aliás muito comuns, quanto à qualidade da tradução dos textos.

TORRE DE BABEL

O ambiente de Torre de Babel do Parlamento Europeu é um dos seus aspectos mais interessantes e atinge níveis sem paralelo com qualquer instituição deste tipo. A comparação com outras instituições internacionais mostra que elas são bem menos multi - linguísticas do que o PE , dado que o inglês é a língua franca. Também no PE o inglês, e, em menor grau, o francês, tem esse papel, mas como se pode usar a língua nacional em todos os debates há uma muito maior presença da variabilidade das línguas. Por seu lado, também os deputados, por deferência uns com os outros e porque o contacto permanente o induz, fazem um esforço de falar nas respectivas línguas. Num pequeno trajecto entre a sala das sessões e o gabinete, é possível começar em inglês, passar pelo francês e, no elevador, falar em espanhol ou italiano. E funciona, é de facto possível, ter uma instituição genuinamente multi –língua , sem perda quer da identidade cultural das línguas, quer da vivacidade dos contactos.

É, no entanto, muito caro. Uma parte importante do orçamento do PE é para tradução e interpretação e, com a entrada de novas línguas, levantam-se problemas gigantescos. Gigantescos é ainda aqui um eufemismo, porque imaginem o que é traduzir do maltês para o letão e do turco (língua oficial de Chipre junto com o grego) para húngaro, etc. , etc. Imaginem como é que uma sala fica para ter cabinas de interpretação para todas estas línguas, e a dificuldade de arranjar, por exemplo, juristas - linguistas para tratar os textos legislativos, ou de fazer uma delegação internacional em que os interpretes são mais que os deputados. Tudo isto serve de pretexto para um permanente pressão para reduzir o número de línguas de trabalho, mas, quando se chega à definição de quais são, entra o inglês, vem o francês, e logo a seguir espanhóis e alemães começam ao barulho e depois entram todos os outros.

Tenho sempre defendido que, numa instituição parlamentar deste tipo, o argumento da “eficácia” orçamental não tem sentido face à igualdade das nações nela representadas e que essa igualdade fica ferida se a sua identidade cultural, traduzida na língua nacional, fica subalternizada. Esta é também uma posição partilhada pela maioria dos deputados, mas há um permanente atrito, em pequenas decisões, sobre esta matéria. Mas eu acho que vale a pena pagar para que o meu colega checo fale a língua do bom soldado Svejk e ouça a de Camões.

28.8.03
 


OS EUROPEUS E OS MEDIA

Partilho convosco os resultados de um estudo e de um inquérito sobre os europeus e os media, realizado no Parlamento Europeu e divulgado ontem. O texto está em inglês, mas os dados são tão interessantes que mesmo assim justificam a sua imediata divulgação. O estudo integral encontra-se aqui.

1. Síntese da situação na UE:

"TV
Almost all Europeans (97.6%) watch television. 99% have at least one TV set at home.
The four types of programmes that Europeans mostly watch are: news and current affairs (88.9%), films (84.3%), documentaries (61.6%), sports (50.3%).

Radio
Almost 60% of the citizens within the European Union listen to radio every day.
Radio programmes that Europeans prefer are: music (86.3%), news and current affairs (52.9%), sports (17.4%).

Newspapers
46% of Europeans read newspapers 5 to 7 times a week. The highest rates are found in Finland, Sweden, Germany and Luxembourg where 77.8%, 77.7%, 65.5% and 62.7% people read newspapers 5 to 7 times a week. On the other hand in Greece, Spain and Portugal only 20.3%, 24.8% and 25.1%, respectively, do so. It is also in these three countries that the proportion of people saying that they never read newspapers is higher than in other countries (30.5%, 23.4% and 25.5% respectively).

Computer
A majority of Europeans (53.3%) does not use a computer. This is especially the case for Greece (75.3%) and Portugal (74.7%). On the other hand, more than one fifth (22.5%) uses it every day. This proportion reaches 36.7% in Sweden, 36.6% in Denmark and 32.2% in the Netherlands. A smaller proportion (14%) uses it several times a week.

Internet
34.5% of the interviewed surf the Internet: 13.5% several times a week and another 8.8% every day. Swedes (66.5%), Danes (59.4%), Dutch (53.8%) and Finns (51.4%) use the Internet more than other Europeans. On the other hand, the proportion of Internet usage is the lowest in Portugal and Greece (14.8% and 15.1%, respectively)."


2. Dados sobre Portugal:

"Television: 98.7% of the citizens in Portugal watch TV. The three types of programmes that the Portuguese watch the most are: news and current affairs (76.7%), soaps and series (38.0%), sports (37.1%).

Radio: 52.7% of the Portuguese listen to radio every day. The Portuguese mostly prefer to listen to: music (88.8%), news and current affairs (59.1%), sports (15.3%).

Newspapers: Only 25.1% read newspapers 5 to 7 times a week.

Computer: The majority of the Portuguese (74.7%) does not use a computer.

Internet: In Portugal the proportion of Internet usage is the lowest in the European Union, as only 14.8% surf the Internet. "
 


HORIZONTE

 


EARLY MORNING BLOGS 34

O mais importante que se passou na blogosfera nos últimos dias foi a sua utilização como instrumento para uma operação de desinformação de bastante gravidade, a pretexto da investigação em curso sobre pedofilia e a Casa Pia. Hesitei se devia ou não referi-la, porque este tipo de denúncias presta-se a retaliações também anónimas. Resolvi não colocar o endereço do falso blogue, aliás já citado noutros blogues., porque na realidade não é um blogue mas uma carta anónima daquelas que circulam nos empregos, ou que são enviadas às polícias e aos jornais. Não refiro o endereço nem o nome, porque ao fazê-lo contribuía para a sua divulgação. As cartas anónimas não se lêem, rasgam-se. Mas convém que as pessoas estejam prevenidas, de que é grave, muito grave, e não caiam no truque de se porem a discutir se é verdade ou mentira.

É uma típica operação criminosa ao modelo de algumas operações policiais. ou de serviços de informação, feita por gente profissional, que sabe o que está a fazer e conhece obviamente aquilo sobre o que está falar. Mais: está directamente envolvida no que fala, ou profissionalmente, ou individualmente. É também um crime, um crime cometido na blogosfera, presumo que o primeiro. Entramos noutra dimensão.
 


NÃO VER A NOITE

Afinal o meu mês marciano não foi grande coisa e o planeta vai-se agora embora. Marte cumpriu a sua obrigação , e lá esteve sempre. Mas os incêndios, a humidade, a má visibilidade comum no Verão, tornaram-no solitário e Marte sem estrelas, sem o manto de luzes em que o seu esplendor brilharia, ficou mais pobre.
Vem aí Saturno.

27.8.03
 


FLASHBACK 2

Estou a receber muitas mensagens sobre o fim do Flashback, muitas das quais com perguntas concretas que não tenho aqui e agora condições, nem comunicações, para responder.

Compreendo o que se passa com muitos ouvintes que cresceram, literalmente, a ouvir o Flashback, ou que tinham esse hábito tão incrustado na sua vida, que agora sentem a falta. Agradeço as suas palavras, e penso que o posso fazer também pelo resto da equipa, Carlos Andrade, José Magalhães e Lobo Xavier, e pela memória de todos os outros, Emídio Rangel, Vasco Pulido Valente, Miguel Sousa Tavares e Nogueira de Brito que fizeram o programa durante todos estes anos.
 


FLASHBACK

Confirma-se o fim do Flashback na TSF. O Flashback foi o mais longo programa de debate político em qualquer meio de comunicação social desde o 25 de Abril. Voltarei a falar do Flashback e da TSF.
 


TRATADO DOS TELEMÓVEIS

(Continuação)


No último número da Newsweek de 1 de Setembro de 2003, um muito interessante dossier sobre as mudanças nos jovens provocadas pelas novas tecnologias de comunicação, telemóveis, computadores, jogos, etc. O título diz tudo : "Bionic Kids : How Technology is Altering the Next Generation of Humans" . E uma fotografia fabulosa de um miúdo negro, da África profunda, a brincar com um telemóvel feito de lama seca e uma cana.
 


MAR

 


GALEGO

Ontem a TV Galicia transmitiu um festival de gaiteiros. Quando passo pelo canal, fico sempre um pouco, pelo fascínio de ouvir galego. E ontem tive um prémio: uma locutora entrevistava um velho, contemporâneo de um gaiteiro famoso. Nunca tinha ouvido melhor galego, sem nenhuma sombra de sotaque castelhano, no fundo o falar do Norte. O homem dizia "que marabilha" com o b da minha terra.

A locutora, que também falava galego, tinha, pelo contrário, um forte sotaque castelhano e a mesma língua soava a duas diferentes. Tanto era assim que, a uma dada altura, um não percebia o outro e não se conseguiam entender.

26.8.03
 


FRONTEIRAS

Os atentados na Índia não devem ser ignorados pelo nosso centramento no Médio Oriente. Eles dão-se na mesma fronteira civilizacional que faz um arco desde Marrocos à Chechénia, passando pelo Kosovo, e terminando nas ilhas indonésias com importantes populações cristãs, como as Flores. Por razões da nossa história, sabemos alguma coisa dos conflitos entre cristãos e “mouros” e “turcos”, mas o mesmo tipo de conflitos, com imenso sangue, se dão na fractura em que o Islão encontra o mundo hindu.
 


exp

25.8.03
 


”DECISÕES TERRORISTAS” – Conclusão

(A propósito de um texto de Paulo Varela Gomes no cristóvão-de-moura. No Abrupto, lá para baixo, estão as outras duas partes.)

Interpretar a história como uma sucessão de actos únicos, sujeitos apenas à vontade dos seus agentes, feitos para “além do bem e do mal”, é bastante atractivo. O actual terrorismo apocalíptico vai aí buscar uma das sua fontes, por via do “excesso” religioso, da ideia de “martírio” , não por acreditar na irracionalidade da história, mas por acreditar na racionalidade do terror. É contraditório, mas muitas vezes é assim.

Eu não tenho a certeza que a história não seja fundamentalmente irracional, até por outras razões. Basta que se abandone qualquer transcendência, qualquer destino manifesto, qualquer variante hegeliana da História com H grande, seja marxista, seja cristã (como em Teilhard de Chardin) . Tira-se a teleologia e ficam os humanos com o ónus de fazerem a história, ficando os humanos, é o que se vê.

Basta que se considere que o homem não tem qualquer garantia divina para a sua sobrevivência, para se perceber que, desde que possui armas termo – nucleares, tem elevadas probabilidades de se estourar a si próprio – é só uma questão de tempo. Este é aliás o único problema filosófico radicalmente novo que penso não estar presente na tradição clássica grega. (Penso também, mas isto é um desvio, que foi a Bomba, como se escrevia nos anos cinquenta, que dissolveu interiormente todas as teorias da história triunfante com H grande.). Se nos podemos matar a todos, numa esquina da história, toda a história fica, retrospectivamente sem sentido, e é um gigantesco delírio do acaso, uma absoluta irracionalidade face ao domínio da morte, da entropia.

Repito agora a frase anterior, com um acrescento para mim fundamental: eu não tenho a certeza que a história não seja fundamentalmente irracional, mas quero viver e actuar como se não fosse. Não me interessa, a não ser do ponto de vista cientifico, o que a história é ou pode ser, au grand complet , porque não pretendo ter como programa de vida qualquer vazio, mas um mais humilde programa de sobrevivência. Digamos que sou agnóstico quanto aos fins da história, mas crente na sua racionalidade possível e fragmentária . Dito de forma abrupta: eu não acredito que haja progresso, mas entre um mundo sem anestesia e outro com anestesia , há para mim uma diferença abissal.

Isso talvez me torne numa espécie mais complicada do que os voluntaristas brutos de PVG, num voluntarista cultural ou simbólico, que actua perante as coisas por via de uma teatro, de uma ficção, que resulta tanto mais quanto o maior número de pessoas aceite representa-la, sempre sem qualquer garantia de sucesso final. Mas há uma razão para que eu queira viver assim: é que se houver um número significativo de pessoas a fazerem o mesmo, criam à sua volta uma ecologia mais saudável, menos violenta, mais vivível e já não é mau que o consigam em determinados espaços e durante determinados períodos de tempo. Talvez haja uma massa crítica nestas coisas e se consiga tornar o mundo melhor por pequenos períodos de tempo, para um cada vez maior número de pessoas. Talvez.

É por isso que, do meu ponto de vista, posso decidir com a mesma firmeza que PVG atribui às suas personagens nietzschianas, apenas fundado numa filosofia pragmática, para tempos difíceis, sem pretensões sistemáticas. Não preciso de grandes certezas, nem de especiais “músculos da vontade”, mas apenas de um discernimento quase de bom senso, uma filosofia mais do lado humilde da anestesia, pela anestesia, por mil e uma pequenas anestesias, incluindo o bem-estar, a liberdade, a democracia, a felicidade. Pode ser tudo precário, pode ser um esbracejar ilusório, mas não troco e luto, se for preciso, para que não me obriguem a trocar.

E isso diz-me que há “decisões” que, mesmo implicando em última ratio a violência, não são “terroristas” porque são contra o mundo do sistema da morte, contra o apocalipse now, a favor do império da anestesia e contra o do da kalashnikov.
 


QUEM TAL FÉ ESQUECE MAL FARIA

 


TRADUÇÃO INÉDITA DE PETRARCA POR VASCO GRAÇA MOURA

Em exclusivo para os leitores do Abrupto, publica-se a seguir a tradução inédita que Vasco Graça Moura fez da Canção nº 206 , parte de uma tradução integral do Canzoniere, que será publicada em Novembro deste ano. Vasco Graça Moura considera esta canção “um exercício da virtuosidade petraquiana: construção complexa de modelo provençal em que as estâncias rimam duas a duas, e em que há uma certa obscuridade. Parece que o autor se defende de "terem dito que ele tinha dito" alguma coisa desfavorável a Laura..” O original italiano está em itálico, a tradução em tipo normal.
Obrigada, Vasco.

206.

S’i’ ’l dissi mai, ch’i’ vegna in odio a quella
del cui amor vivo, e senza ’l qual morrei;
s’i’ ’l dissi, che ’ miei dí sian pochi, e rei,
e di vil signoria l’anima ancella;
s’i’ ’l dissi, contra me s’arme ogni stella,
e dal mio lato sia
paura e gelosia,
e la nemica mia
più feroce vèr’ me sempre e più bella.

S’i’ ’l dissi, Amor l’aurate sue quadrella
spenda in me tutte, e l’impiombate in lei;
s’i’ ’l dissi, cielo, e terra, uomini e dèi
mi sian contrarî, et essa ogni or più fella;
s’i’ ’l dissi, chi con sua cieca facella
dritto a morte m’invia,
pur come suol si stia,
né mai più dolce o pia
vèr me si mostri, in atto od in favella.

S’i’ ’l dissi mai, di quel ch’i’ men vorrei,
piena trovi quest’aspra e breve via;
s’i ’l dissi, il fero ardor, che mi desvia,
cresca in me, quanto il fier ghiaccio in costei;
s’i ’l dissi, unqua non veggian li occhi mei
sol chiaro, o sua sorella,
né donna, né donzella,
ma terribil procella,
qual Faraone in perseguir gli ebrei.

S’i ’l dissi, co i sospir, quant’io mai fêi,
sia pietà per me morta, e cortesia;
s’i ’l dissi, il dir s’innaspri, che s’udia
sí dolce allor che vinto mi rendei;
s’i ’l dissi, io spiaccia a quella ch’i’ tôrrei,
sol, chiuso in fosca cella,
dal dí che la mamella
lasciai, fin che si svella
da me l’alma, adorar: forse e ’l farei.

Ma s’io no ’l dissi, chi sí dolce apria
meo cor a speme ne l’età novella,
regga ’ncor questa stanca navicella
col governo di sua pietà natia,
né diventi altra, ma pur qual solía
quando più non potei,
che me stesso perdei,
né più arder devrei.
Mal fa, chi tanta fé sí tosto oblia.

I’ no ’l dissi già mai, né dir poría,
per oro, o per cittadi, o per castella.
Vinca ’l ver dunque, e si rimanga in sella,
e vinta a terra caggia la bugia.
Tu sai in me il tutto, Amor: s’ella ne spia,
dinne quel che dir dêi.
I’ beato direi,
tre volte, e quattro, e sei,
chi, devendo languir, si morì pria.

Per Rachel ho servito, e non per Lia;
né con altra saprei
viver; e sosterrei,
quando ’l ciel ne rappella,
girmen, con ella, in sul carro Elia.



206.

Se o disse alguma vez, então aquela
de cujo amor só vivo, a mim odeie;
se o fiz, meu tempo encurte e se desfeie
e vil senhor à alma dê tutela;
se o disse, me desgrace toda a estrela
e eu tenha em companhia
o medo e a gelosia
e minha imiga fria
mais feroz para mim sempre e mais bela.

Se o disse, gaste Amor as flechas nela
de chumbo e com as de ouro me alanceie,
e céu, terra, homens, deuses façam lei
contrária a mim, com a crueza dela;
se o disse, quem com cego archote zela
e à morte já me envia,
fique como soía,
e nem mais doce ou pia
a mim se mostre, em acto ou em loquela.

Se o disse, do que menos quererei
encontre eu cheia esta áspr’a e breve via;
se o disse, o fero ardor que me desvia
cresça em mim quanto nela o gelo é rei;
se o disse, nunca a mim se patenteie
sol claro, irmã que vela,
nem dona, nem donzela,
mas terrível procela
qual Faraó a hebreus desencadeie.

Se o disse, com suspiros quantos dei,
me morram piedade e cortesia;
se o disse, amargue o dito que se ouvia
tão doce, que vencido me entreguei;
se o disse, desagrade a quem busquei,
só, posto em turva cela,
dês que mamei àquela
hora que nos apela
a alma, adorar: e acaso inda o farei.

Mas se o não disse, quem tão doce abria
meu peito e nova esp’rança lhe revela,
governe inda esta lassa navicela
com leme que piedade inata guia,
nem se torne outra e seja qual soía
quando a mais não cheguei:
perdi-me e perder sei
que mais não poderei.
Quem tal fé cedo esquece mal faria.

Eu não o disse nunca, nem podia,
por ouro, por castelo ou cidadela.
Vença a verdade pois e fique em sela,
caia em terra a mentira sem valia.
Tu sabes tudo, Amor: e se ela espia,
diz-lhe o que te mandei.
Feliz três vezes sei,
e quatro e seis, direi,
quem, devendo sofrer, antes morria.

Por Raquel hei servido e não por Lia,
nem noutra saberei
viver; e susterei,
se o céu chamar, com ela
ir na atrela em que Elias ascendia.
 


LER JORNAIS UNS DIAS DEPOIS

Eu leio os jornais na rede todos os dias e em papel uns dias depois, às vezes uma semana depois. São leituras muito diferentes, com tempos diferentes e com destaques diferentes. Uma das vantagens deste desfasamento é também verificar o que é que dura uma semana, que artigos têm um acrescento de informação ou mérito analítico para valer a pena lê-los fora da actualidade.

UM BOM ARTIGO

No Público de ontem , que li hoje, um record de rapidez entre o ecrã e o papel, há um desses artigos , um longo dossier sobre os fogos de 1980 até 2003, feito por Nuno Sá Lourenço, Patrícia Silva Dias e Ricardo Batista. Esse artigo dá-nos duas informações essenciais e inequívocas. Uma , a de que o problema não está no dinheiro, deitar dinheiro em cima dos fogos é o que se tem sempre feito sem resultado. Outra, corolário da anterior, é que os incêndios são um caso irrecusável de responsabilidade política. Nesta matéria, o país tem sido mal governado,

UM OUTRO PROBLEMA

Uma dos aspectos que pude observar durante a época dos fogos, vendo como se moviam as diferentes instâncias do poder, é a inexistência de continuidade entre os “poderes de cima” e os “poderes de baixo”, ou seja, a diluição das autoridades intermédias. “De cima” vem a melhor legislação do mundo, as melhores análises, a identificação de problemas genuínos; de “baixo” vêm as diferentes resistências sociais à mudança, dos proprietários, das autarquias, dos utilizadores dos baldios, dos madeireiros, dos construtores civis, das pirotecnias, dos que há muito fazem as mesmas práticas de risco, e acham que, como estão nas “suas” terras, podem fazer o que quiserem. As leis bem podem obrigar às mais racionais das obrigações, só que ninguém as aplica, nem os governos civis, nem a GNR, nem os bombeiros, nem os presidentes das Câmaras e Juntas. Quanto mais abaixo está uma autoridade, e as nossas estão quase todas em baixo, maior é a pressão dos interesses e menor é a vontade e a capacidade de agir.

Um bom exemplo do passado para estudar este mecanismo, foi a proibição das vinhas de “vinho americano”, em pleno regime autoritário, e as enormes resistências que causou, com conflitos, violências, feridos e mortos.
 


EARLY MORNING BLOGS 33


Saudações a dois dos blogues mais úteis que existem : o Valete Frates!, um pioneiro que foi dos primeiros que li regularmente, e o Intermitente. O que eles fazem é trabalhar para nós, por gosto pela controvérsia e pela verdade possível, oferecendo texto sobre texto, citação sobre citação, referência sobre referência, a maioria das vezes na língua original, de todo um conjunto de informações e opiniões que de outro modo nunca teríamos com o actual sistema comunicacional. Obrigada.

Por várias razões, que já puderam encontrar dispersas no Abrupto e ainda vão encontrar mais, interessa-me o fluir que se dá entre diferentes meios e suportes para um determinado conteúdo. Interessa-me saber até que ponto, esse mesmo conteúdo, é alterado pelo meio, entre o ecrã do computador, o papel impresso, a voz, os actos. Sigo, quando posso, as palavras do Abrupto para além do blogue propriamente dito, para as citações nos jornais, para a mais invisível influência (ontem, por exemplo, vi um jornalista fazer perguntas que claramente foram inspiradas pelas críticas que fiz a Carlos Fino). Nos últimos dias, pude ver uma cópia em papel do texto sobre a procissão popular, que alguém tinha tirado do Abrupto e fazia circular numa pequena comunidade. Soube também que um leitor tinha usado o programa AvantGo para colocar o Abrupto num PDA. Li poemas em que a “luz de Skagen” se reflectia. Pelas cartas dos leitores encontro ás vezes, uma simultaneidade de observação e o seu efeito afectivo, quando escrevi sobre o que se podia ver á noite e alguém saiu de casa ou foi à janela ver se via a mesma Lua.

24.8.03
 


DELIBERADA INCOMPLETUDE

 


”DECISÕES TERRORISTAS” – Segunda parte

A teoria de Paulo Varela Gomes sobre o terrorismo, que, bem vistas as coisas, é sobre a história, é de modelo nietzschiano. Os fazedores da história seriam uma espécie de Zaratrustas. que batem no ferro quente da humanidade com um gigantesco martelo , moldando assim o sentido da história . O martelo é a capacidade de “exagero”, de “loucura” (termos nietzschianos) de “decisão”, Isto tornaria os terroristas em “seres político-militares interessantes. Praticam a decisão e o exagero como formas de agir.

PVG veio, em seguida, precisar o sentido deste “exagero”, acentuando ainda mais os elementos nietzschianos na análise – veja-se o uso de termos como “vontade”, os “músculos da vontade”, e o papel do medo:

O exagero e e as decisões terroristas são como que figuras de retórica que, como todas, se encenam como verdade. Mas, além disso, encenam também a vontade soberana. Ou seja, se todas as decisões, sendo por definição arbitrárias, se apresentam como a "única" solução possível, ou a "melhor", as decisões que pratica o discurso exagerado ou a acção política terrorista derivam de uma dupla operação retórica: apresentam-se como a verdade mas também como uma exibição dos músculos da vontade. São, portanto, decisões persuasivas: podem fazer medo.

Para PVG esta característica de “vontade” igualiza os terroristas, os israelitas, e o trio conservador americano (Bush-Ramsfeld-Wolfowitz), não só na forma como actuam, como na possibilidade de “ganharem”. De forma coerente, PVG considera que os movimentos terroristas, a que chama de “terrorismo comunitário”, da Irlanda, do País Basco, do Médio Oriente, podem ser vitoriosos, do mesmo modo que os israelitas ou os americanos. O que torna o texto de PVG diferente é que, ao manter este leque de possibilidades, distancia-se muito do que é vulgar escrever-se sobre esta matéria.

(De passagem, porque não é central no argumento, PVG faz uma distinção contestável, entre “terrorismo comunitário” e “terrorismo meramente político” , o do grupo Baader-Meinhof, BRs e FP 25 de Abril. Inclui também a Al-Qaeda no grupo do “terrorismo comunitário”, o que, mesmo que se admita a sua tipologia, não me parece aceitável.)

Para PVG o que é essencial na atitude mental dos terroristas é a capacidade de “decidir”, ou seja, segundo PVG, de “errar”:

"Bem vistas as coisas, todas as decisões são um salto no escuro, uma catástrofe entre pensamento e acção: a gente hesita, pensa, pesa “os prós e os contras” e, de repente, decide. Quando se decide, abdica-se de continuar a pensar. Uma decisão é sempre a decisão de ignorar vários aspectos da realidade e a complexidade real de qualquer situação. Deste modo, ao decidir, erra-se – sempre. Não há, por definição, decisões acertadas. Quem quer à viva força acertar, acaba por não decidir nunca porque é impossível ter a certeza de que se está a decidir bem. A história é feita por quem decide, ou seja, por quem escolhe uma opção (errada) e depois a negoceia ou enfrenta as suas consequências. "

Conclui, “a história é dos “loucos”, ou seja, a história move-se com base numa irracionalidade fundamental, a história é irracionalidade. Também aqui não saímos de um modelo nietzschiano e de uma interpretação do terrorismo muito comum no século XIX e no princípio do século XX.

(Continua)
 


MARIO VARGAS LLOSA SOBRE O ATENTADO CONTRA A ONU EM BAGDAD

O artigo de Mario Vargas Llosa, que pode ser lido integralmente no Estado de S. Paulo , apresenta uma notável análise e uma acertada conclusão sobre o que se passou.:

"O atentado terrorista que destruiu a sede da ONU em Bagdá, matando mais de 20 pessoas e ferindo mais de 100 - o mais grave de que a ONU foi vítima desde sua criação -, já mereceu, como era de se esperar, leituras bem distintas. A mais enviesada ideologicamente, de meu ponto de vista, é aquela segundo a qual este atentado é uma demonstração do fracasso absoluto da intervenção militar no Iraque e da necessidade de as forças de ocupação se retirarem o quanto antes e devolverem a independência ao povo iraquiano.

Este aberrante raciocínio pressupõe que o atentado foi levado a cabo "pela resistência", ou seja, pelos unânimes patriotas iraquianos contra os invasores estrangeiros e seu símbolo, a organização internacional que legalizou a Guerra do Golfo e o embargo. Não é assim. O atentado foi perpetrado por uma das várias seitas e movimentos dispostos a provocar o apocalipse a fim de impedir que o Iraque possa ser, num futuro próximo, um país livre e moderno, regido por leis democráticas e governos representativos, uma perspectiva que com toda justiça aterroriza e enlouquece os assassinos e torturadores da Mukhabarat e os fedayn de Saddam Hussein, os comandos fundamentalistas da Al-Qaeda e do Ansar al-Islam e as brigadas terroristas que os clérigos ultraconservadores do Irã enviam ao Iraque.

Todos eles - uns poucos milhares de fanáticos armados, isso sim, de extraordinários meios de destruição - sabem que, se o Iraque chegar a ser uma democracia moderna, seus dias estarão contados, e por isso desencadearam essa guerra sem quartel, não contra a ONU ou os soldados da coalizão, e sim contra o maltratado povo iraquiano. Deixar-lhes livre o terreno seria condenar este povo a novas décadas de ignomínia e ditadura semelhantes às que ele padeceu sob a palmatória do Baath.

Na verdade, diante deste crime e dos que virão - agora está claro que as organizações humanitárias e de serviço civil passaram a ser objetivos militares do terror -, a resposta da comunidade de países democráticos deveria ser multiplicar a ajuda e o apoio à reconstrução e democratização do Iraque. Porque neste país trava-se nestes dias uma batalha cujo desfecho transcende as fronteiras iraquianas e do Oriente Médio e abarca todo o vasto domínio desta civilização pela qual sacrificaram suas vidas Sérgio Vieira de Mello, o capitão de navio Manuel Martín Oar, Nadia Younes e tantos heróis anônimos. "

 


EARLY MORNING BLOGS 32

Os geógrafos têm um conceito para estudar a parte “humana” da sua disciplina – os “lugares centrais”. Na nossa blogosfera também há “lugares centrais”: um é o Magnólia, outro a FNAC do Chiado. Do Magnólia nada posso dizer porque não conheço. Quanto à FNAC do Chiado intriga-me que nunca haja referências à FNAC do Colombo. Estranho, até porque a FNAC do Colombo é muito melhor do que a do Chiado … Porquê? Será que moram todos no Chiado? Os nossos autores de blogues não entram em centros comerciais? Só vão directamente para as livrarias?
 


”DECISÕES TERRORISTAS” – Primeira parte

Uma nota de Paulo Varela Gomes (PVG) no seu cristovao-de-moura intitulada “Decisões terroristas”, foi a que mais interessante me pareceu em todo este debate sobre o terrorismo. Nela existem dois aspectos que podem ser separados para análise: um, apreciações sobre a situação relativa ao Iraque e ao fundamentalismo, outro, considerações sobre o terrorismo como acção e decisão e a sua eficácia. Falarei das duas separadamente, porque penso que tal se pode fazer sem prejudicar a argumentação de PVG

Na parte inicial cito algumas afirmações:

PVG- Os fundamentalistas sabem ter ganho, nas últimas décadas, apenas uma batalha: a do Irão (a primeira). Perderam as da Argélia, do Egipto, da Turquia, do Afeganistão e do Iraque, registaram uma espécie de empate na Arábia Saudita e no Paquistão, continuam o combate em muitos sítios (Marrocos, Tunísia, Egipto, Iraque, Paquistão, Indonésia).

JPP- Não concordo e penso que não é suportável factualmente. Em aspectos decisivos da vida pública e quotidiana, – naquele que talvez seja mais revelador, o da condição da mulher, mas também no esboço de uma laicidade do estado – , o fundamentalismo mudou profundamente o quotidiano na Argélia, no Egipto, no Paquistão, e introduziu tensões em todas as sociedades referidas. Cortou um caminho tímido, mas real, para sociedades menos dominadas pelos preceitos religiosos estritos. Na maneira de vestir, no consumo de bebidas alcoólicas, na imposição social do jejum no Ramadão, na liberdade de expressão sobre matérias religiosas, na liberdade de ser agnóstico ou ateu e proclama-lo, na liberdade de actuação de outras confissões religiosas, houve enormes recuos de Marrocos à Indonésia., passando pelas áreas muçulmanas da Ásia central.
A ideia que o combate do fundamentalismo é pelo poder político, pela governação, não é central no fundamentalismo, nem se manifesta do mesmo modo no sunismo e no chiismo.

PVG - Ainda é muito cedo para dizer se está ou não comprometido o objectivo estratégico dos norte-americanos no Iraque. Trata-se de um objectivo a duas décadas, pelo menos. Entretanto, os comentadores mais “sensatos” parecem pensar que a administração americana não teve consciência plena do vespeiro em que se ia meter.

JPP - No essencial, de acordo.

PVG - Por mim, acho que Bush, Rumsfeld, Wolfovitz e Cia são iguais aos fundamentalistas: não são moderados. São exagerados, radicais, brutos. São daqueles que fazem história, não daqueles que limam as arestas da história. Acho por isso que vão cerrar os dentes e meter mais tropas e mais dinheiro no Iraque.

JPP - Discordo com a caracterização inicial. As palavras pregam-nos o truque de nos seduzirem a usa-las de forma pouco rigorosa. “Fundamentalismo” é aqui usado para caracterizar realidades muito distintas. Não é o facto de se considerar Bush, Rumsfeld, Wolfovitz, “exagerados, radicais, brutos” que permite a comparação total – “são iguais aos fundamentalistas” – que é feita. Churchill, por exemplo, foi várias vezes assim classificado, quando a política de apaziguamento face a Hitler gozava de um apoio generalizado na opinião pública inglesa. A comparação tem todo o sentido porque o tipo de críticas a Churchill, que aliás se repetiram no mesmo tom e conteúdo quando ele fez o discurso sobre a “cortina de ferro”, é exactamente o mesmo daquelas que são feitas ao trio conservador. Pode-se dizer que eles estão convictos que é necessário travar uma guerra complicada no vespeiro do Médio Oriente, porque entendem que não há outra solução face aos desafios estratégicos que o terrorismo actual coloca aos EUA, pode-se dizer inclusive que a interpretação que fazem dos interesses americanos os leva a uma política belicista. Pode-se dizer que estão errados, que as suas acções tem o efeito contrário do pretendido, (não é esse aliás o ponto de vista de PVG), mas não se pode considera-los iguais.

Eu bem sei que para PVG o que os igualiza é o mind setting, a forma mentis, a capacidade para decidir, e para PVG, decidir é errar. Esta é a segunda questão que tratarei em seguida.

(Continua)
 


NA MÓ DE BAIXO

Quando se está na mó de baixo, em Portugal, todos batem. A maneira como nos noticiários (principalmente o da TVI) foi tratado o primeiro comício do PS, antes sequer dele acontecer, é penosa de tão desequilibrada. Infelizmente já estamos tão desabituados de um texto limpo, com notícias e sem comentários, sem ditos engraçadinhos ou repetição das banalidades escritas em todos os jornais da semana, que já nem sabemos como é ter uma televisão que seja um órgão noticioso.

O PS está de facto numa situação muito difícil, com grandes responsabilidades da direcção de Ferro Rodrigues nessa situação. Mas isso é uma coisa, outra é um permanente comentário ridicularizante, profundamente opinativo e superficial. Isto acontece porque os jornalistas simpatizam com o governo ou o PSD? Não, mas porque gostam de bater em quem está em baixo.
 


TEMPLATE


23.8.03
 


CARLOS FINO EM BAGDAD

A RTP enviou Carlos Fino de novo ao Iraque. Fino é um jornalista experimentado, seguro, que não hesita em correr riscos para estar no sítio certo no tempo certo. Essa capacidade permitiu-lhe momentos de reportagem que qualquer jornalista gostaria de ter.

Mas Fino não é um jornalista objectivo, nem nada que se pareça. Já me reduzo a considerar objectividade, apenas a procura de objectividade, que isso qualquer pessoa sabe o que é , sente se existe. Fino é um jornalista programático, que desenvolve o seu trabalho em função da sua opinião e só vê e só comenta o que com ela coincide. Se analisarmos os seus relatos da guerra, na estadia anterior, eles revelam um enorme desequilíbrio, insisto, enorme. O que Fino relatou, dia após dia, não só não se verificou como foi contrariado pelos factos de forma gritante. Fino continuou na mesma, imperturbável, mesmo quando a queda de Bagdad de Saddam, foi um desmentido flagrante do que ele dizia na véspera.

Na RTP, ninguém quer saber destas minudências e Fino foi de novo enviado para o Iraque. E, desde o primeiro minuto, está a repetir o mesmo que já fez: as suas intervenções nos noticiários são completamente programáticas e tão previsíveis que as podia fazer de Lisboa. A linha actual é simples e repisada a propósito de tudo: o Iraque está mais inseguro do que alguma vez esteve, tudo corre mal aos americanos, nada se estabiliza e a situação é um beco sem saída. Todos os dias ele vai dizer o mesmo, todos os dias ele vai procurar um pretexto de reportagem para dizer o mesmo.

Que a situação no Iraque é de insegurança, nós sabemos. Que nem tudo corre bem para os americanos, nós também sabemos. Se é um beco sem saída, isso não sabemos. Agora o que sabemos certamente é que o Iraque de Saddam , há meia dúzia de meses, era um regime de torturas, fuzilamentos sumários, prisões e espancamentos , opressão da maioria chiita, de violência absoluta. Talvez por isso, quando vemos numa reportagem de Fino, um iraquiano exaltado à frente de uma manifestação de desempregados, com muito pouco gente aliás, a berrar que “hoje se está pior do que no tempo de Saddam” , nos faça falta algum enquadramento, que um jornalista isento faria sobre o valor deste “testemunho”. É um pouco a mesma coisa que ver o 25 de Abril em 1975 pelos olhos de um legionário.

22.8.03
 


CORREIO

Quando me defronto com a lista de correio atrasado, neste momento qualquer coisa como quinhentas mensagens, já percebi que nunca vou conseguir pô-lo em dia. Desde que comecei o Abrupto só consegui responder a cerca de setecentas mensagens, muitas aliás o mais sucintamente possível.

Vou continuar a tentar responder a todos, mas já não posso dar a garantia de o fazer. De qualquer modo, não queria que ninguém desistisse de me escrever. Uma das alegrias que o Abrupto me dá é conhecer o que cada um pensa do que escrevo. E podem ter a certeza que leio com atenção tudo, e tenho em consideração o que me é dito.
 


FALCÕES

 


NOTAS CHEKOVIANAS 5

Fiel a uma promessa que fiz nos primeiros momentos do Abrupto, comprei uma série de DVDs de filmes franceses, que tenho vindo a ver ao acaso do tempo. Para quem não leu essa nota inicial, recapitulo. Fiz uma comparação entre o cinema francês e o americano, pouco abonatória para o cinema francês. Alguns autores de outros blogues censuraram-me a nota e chamaram-me a atenção para determinadas filmes que eu não tinha visto. Eu enfiei, como se costuma dizer, a viola no saco, e prometi voltar ao assunto depois de os ver.

Já vi alguns e com gosto. Continuo a manter a mesma opinião em termos gerais, mas a verdade é que há outras coisas nesses filmes que merecem mais atenção do que a que eu tinha dado. Vi, por exemplo, uns a seguir aos outros, três filmes de Éric Rohmer, Le Genou de Claire, La Collectionneuse e L’Amour l’Aprés-Midi, da série dos “Seis contos morais”. São todos muito parecidos, podiam ser um único filme.

Em todos eles um conjunto trivial de personagens, homens e mulheres, encontram-se num espaço comum, um bairro de Paris, uma casa em Annecy junto ao lago, uma velha mansão na parte rural por detrás de St. Tropez. Não há verdadeiramente uma história – estão lá, vêem-se, almoçam, passeiam, tomam o pequeno-almoço, conversam, namoram. Não há em nenhuma personagem qualquer sentimento forte, nem sequer qualquer desejo de tocarem os outros, ou de por eles serem tocados. Não há gritos, não há zangas, não há ciúmes, mas, pouco a pouco, as personagens são empurradas umas para os outras, para relações que aparentemente não queriam, mas que acontecem. Acontecem, mas sempre no limiar de não acontecer, porque o enleio dura um verão, ou melhor uns dias de verão, e depois desaparece com a mesma ligeireza com que começou. Tocam-se e afastam-se quase tão rapidamente, sem drama, sem tristeza, sem ninguém achar que ganhou ou perdeu alguma coisa.

O mecanismo destas histórias é semelhante aos dos contos de Chekov, mas a ecologia das personagens é muito diferente. Este mundo seria o de Chekov, se houvesse um pouco menos de ligeireza, um pouco menos de Verão, um certo sentido de tristeza humana, um vago assomo de destino. Não há, é tudo muito amável, quase se poderia dizer, agradável.
 


BAGDAD / JERUSALÉM 6

Quanto mais vou aprendendo sobre o mundo islâmico, sem querer meter tudo no mesmo saco, mas falando genericamente, porque não deixa de ser neste caso possível, mais importância atribuo ao domínio dos homens sobre as mulheres como factor de uma forte e agressiva diferenciação cultural, na origem de muitos dos actuais conflitos.

Na guerra actual, como em todas as guerras, há um elemento de poder presente, poder que se quer ganhar, poder que se quer defender. Um dos elementos que cada vez me parece mais importante neste conflito é a defesa da autoridade quase absoluta dos homens sobre as mulheres no mundo islâmico. Bernard Lewis tinha já chamado a atenção para esta característica do mundo islâmico, como uma das grandes barreiras à modernização, uma das coisas que explicava o “que correu mal”.

É verdade, como muitos muçulmanos dizem, com razão, que a autoridade masculina, seja do marido, seja do pai, seja dos irmãos, acompanha direitos, principalmente patrimoniais, da mulher, que foram pioneiros em relação ao mundo ocidental. Mas mesmo aí o que se defende é mais a família original da mulher do que a mulher em si, que sai de uma servidão para outra. A escravatura sexual da mulher, a sua ausência de direitos cívicos ou quaisquer outros, a imposição de uma autoridade absoluta e desigual, é uma das características culturais e sociais mais violentamente defendidas pelos homens.
 


HÁ CAMINHO

 


EARLY MORNING BLOGS 31 / OBJECTOS EM EXTINÇÃO 20

Cito do blog do veneno eficaz

Já se aperceberam de que, hoje em dia, não é fácil comprar uma estante para livros? O que sempre existe nas lojas de móveis são aquelas estantes quase inúteis para "bibelots" mas nada para livros.
As estantes caíram em desuso? Deixaram de ser um elemento das casas? Ou foram os livros?
Parece que a alternativa fácil continua a ser aquele móvel grandioso e pesado com espaço próprio para a TV, uma porta de vidro para uns copos e aperitivos, umas gavetas em baixo e prateleiras largas para as enciclopédias e outras colecções encadernadas que ninguém voltou a ler.
A mim sempre me impressionaram as grandes estantes só para livros no meio da sala ou no escritório. Estantes, regressem.
 


BAGDAD / JERUSALÉM 5

Um poema para que o nosso olhar não fique só de um lado.

The Indian Upon God

I passed along the water's edge below the humid trees,
My spirit rocked in evening light, the rushes round my knees,
My spirit rocked in sleep and sighs; and saw the moorfowl pace
All dripping on a grassy slope, and saw them cease to chase
Each other round in circles, and heard the eldest speak:
Who holds the world between His bill and made us strong or weak
Is an undying moorfowl, and He lives beyond the sky.
The rains are from His dripping wing, the moonbeams from His eye.

I passed a little further on and heard a lotus talk:
Who made the world and ruleth it, He hangeth on a stalk,
For I am in His image made, and all this tinkling tide
Is but a sliding drop of rain between His petals wide.

A little way within the gloom a roebuck raised his eyes
Brimful of starlight, and he said: The Stamper of the Skies,
He is a gentle roebuck; for how else, I pray, could He
Conceive a thing so sad and soft, a gentle thing like me?

I passed a little further on and heard a peacock say:
Who made the grass and made the worms and made my feathers gay,
He is a monstrous peacock, and He waveth all the night
His languid tail above us, lit with myriad spots of light.


W. B. Yeats
 


BAGDAD / JERUSALÉM 4

Devido a uma avaria na minha rede telefónica provinciana, (depois das 17.30 não há piquete para arranjar telefones, um serviço supostamente de 24 horas), não pude actualizar as notas sobre esta questão. Estas duas notas eram para ter sido colocadas ontem.

1. Tive ocasião de ler , um pouco por todo o lado, que o dirigente do Hamas morto pelos israelitas (numa política de assassinatos selectivos incompreensível a não ser em estado de guerra) era um “moderado”. Quem diz isto, seja do Departamento de Estado americano, seja no mais português dos blogues, não sabe o que é uma organização terrorista. Não há “dirigentes moderados” numa organização terrorista, ponto. Esse mesmo “dirigente moderado” , se era dirigente, esteve com certeza em várias reuniões em que se decidiu o atentado do autocarro e muitos outros atentados. É da natureza da pertença a essas organizações. Votou contra, levantou dúvidas numa reunião, achou que não era a altura? Se não saiu pela porta fora, a denunciar o crime em preparação, para o que tem a Autoridade Palestiniana como interlocutor, discutiu apenas tácticas. Claro que não duraria muito, porque nestas organizações só se entra, não se sai.

2. Os autocarros israelitas que explodem são a guarda avançada de muitos outros autocarros, comboios, aviões, que podem explodir um pouco por todo o lado. É esse o caminho que imperceptivelmente se está a definir. Alguém, nalgum sítio, há de estar hoje a pensar nas frotas de autocarros que podem explodir no centro de Londres, Nova Iorque ou Madrid, pela obra de um “mártir” e nos efeitos desses massacres como oportunidades políticas. É por isso que está uma guerra em curso.

21.8.03
 


NA MESMA, FIOS NA PEDRA

 


BAGDAD / JERUSALÉM 3

Como esperava, o que escrevi sobre os atentados em Bagdad e em Jerusalém suscitou muito correio. Alguns dos textos enviados apareceram entretanto nos blogues dos seus autores, pelo que para aí remeto os leitores. Há algumas cartas que contem textos que directamente confrontam o que escrevi. Seleccionei algumas, compreendendo bem que palavras duras suscitam palavras duras. Como é obvio, não concordo com o seu conteúdo, mas penso que suscitam questões que merecem reflexão, ou que são significativas do modo como as pessoas vêm esta muito complexa situação.


"Porque razão é que as mortes israelitas, na sua enorme brutalidade, não suscitam um milionésimo de reacção, da fácil reacção que outras mortes causam, mas apenas incomodo? (…) Porque razão as mortes iraquianas suscitam lágrimas e as israelitas comentários?" (perguntas de JPP)

Pela mesma razão pela qual tomamos o partido dos indíos de lança na mão contra o dos cowboys de Gatling na cintura.

Pela mesma razão pela qual se nos confrangemos ao vermos o longo braço armado de Israel entrar por território alheio adentro e arrasar a casa do 'mártir' que se fez explodir ontem.. (como essa fosse a terapia indicada para impedir a barbárie! Como se essa fosse a melhor política de relações públicas que alguém pudesse imaginar no sentido de angariar boas vontades a nível mundial!)

Pela mesma razão pela qual me arrepio ao ver os judeus Hasidi, ultra- ortodoxos, por todo o lado. Homens, todos. São homens severos, velhos e novos que se vestem de negro, que usam um chapéu antiquado (ou um streimel) ao invés da kippa, que exibem as tzitzis por sobre as calças e os payos (aquelas longas tranças por sobre as orelhas, geralmente com o restante couro cabeludo rapado à máquina de pente um mandatadas por Deus no Levítico 19:27) com orgulho e que balançam devagarinho, para trás e para frente, enquanto murmuram preces em hebraico sonegadas a livros assebentados que parecem deles fazer parte integral. Entram-me em casa pela televisão, saltam-me aos olhos na capa do Público, sempre rígidos e severos, sempre calados, proverbialmente vingativos
e castigadores.

O fundamentalismo é sempre assustador, seja lá qual for a forma sob a qual se apresente. E a intolerância é sempre a mãe de todos os conflitos, a pedra de toque de um futuro que teima em não haver, com ou sem vítimas politicamente correctas. Ou não."

(Alexandre Monteiro do No Arame)


*

Li no seu blogue:

"Porque é que não se pode dizer que Sérgio Vieira de Mello morreu pelo mesmo objectivo por que morrem os soldados americanos? Por ter sido funcionário da ONU?"

Sou um grande fan do seu blogue, mas as frases anteriores revelam uma grande hipocrisia e má vontade por parte do seu autor, pois facilmente se vê que Sérgio Vieira de Mello não fazia parte de um exército de ocupação
.” (Pedro Andrade)

*

Escreveu no abrupto sobre os atentados de Badgade e Jerusalém: «É que há muita gente que prefere os seus confortinhos ideológicos, ao decente sentimento de poupar a dor a pessoas concretas»

Não me leve a mal, mas quanto ao decente sentimento de poupar a dor a pessoas concretas, não me ocorre ninguém com menos legitimidade em invocá-lo do que aqueles que, como o Senhor, fizeram a apologia da intervenção militar no Iraque.
” (Manuel Anselmo Torres)

20.8.03
 


BAGDAD / JERUSALÉM 2

Por que é que não se pode dizer que Sérgio Vieira de Mello morreu pelo mesmo objectivo por que morrem os soldados americanos? Por ter sido funcionário da ONU?

Por que razão é que as mortes israelitas, na sua enorme brutalidade, não suscitam um milionésimo de reacção, da fácil reacção que outras mortes causam, mas apenas incomodo? Deixem-se de disfarces – está escrito em letras garrafais em tudo o que está escrito e no muito que não está.

Por que razão as mortes iraquianas suscitam lágrimas e as israelitas comentários?

Por que razão ninguém quer saber para coisa nenhuma do plano de paz israelo - palestiniano, o único que existe, o único que se está a implementar, o único que permite alguma esperança? Porquê? Porque acham que é Arafat que tem razão ou o Hamas? É com eles que vão fazer a paz?

Por que é que este pobre, débil, frágil plano não suscita a mais pequena defesa, o mais pequeno entusiasmo pela paz, a mais ténue mobilização da opinião pública? Porquê, porque os americanos estão envolvidos?

Porquê? Tem outro? Conhecem alternativa?

Há uma razão brutal para algumas respostas a todas estas perguntas e que só se aplica a quem as enfiar como carapuça. É que há muita gente que prefere os seus confortinhos ideológicos, ao decente sentimento de poupar a dor a pessoas concretas. E que não quer saber rigorosamente para nada quer dos israelitas, quer dos palestinianos, quer dos iraquianos, concretos, mas sim das abstracções longínquas de que se alimenta um discurso fácil e arrogante sobre o mundo.
 


MOMENTOS

 


IRAQUE

Eu não gosto de escrever sobre a situação iraquiana de forma fragmentária e curta, para que os blogues empurram. O Iraque é matéria em que quem apoiou o conflito tem, no meu entender, uma responsabilidade particular e só o pode tratar muito a sério., ou seja, de forma extensa e mais longa, para permitir a argumentação. Farei isso noutros locais mais apropriados, aqui ficam apenas notas por desenvolver.

Contrariamente ao que se possa pensar, nós temos hoje um grande deficit de informação sobre o que se passa no Iraque. A cobertura noticiosa é puramente incidental, manifestações, atentados e mortes de soldados americanos ou de civis. Tudo o mais, que é relevante no plano político mas menos espectacular, não chega aos jornais e às televisões. Julgar apenas com base nos incidentes, muito diferentes de natureza uns dos outros, é cair numa armadilha interpretativa.

Há no entanto um dado de bom senso, que pode ser partilhado pelas pessoas moderadas, à esquerda e à direita, mesmo com os que se opuseram à guerra – a verificação de que, se houvesse uma retirada das tropas americanas, haveria um banho de sangue no Iraque. Haveria uma desestabilização generalizada no Médio oriente e um crescendo do terrorismo a nível mundial.

A natureza do problema que se defronta no Iraque é mundial, não é local. É da natureza da guerra e não de uma operação de polícia. Tem características de uma guerra civil mundial, não o sendo exactamente. É uma guerra moderna porque vive da combinação entre o atentado suicida e o impacto na opinião pública. É apocalíptica porque quanto mais mortos, quanto mais câmaras presentes, maior é o espectáculo, maior é a eficácia

A comparação com o Vietnam é uma asneira completa. Nem o Iraque é o Vietnam, nem o mundo é o do Vietnam, nem a opinião pública americana é a do tempo do Vietnam, nem o exército americano é o do Vietnam, nem o fundamentalismo é o nacionalismo. Podia continuar-se indefinidamente.

A chave para resistir no Iraque o tempo necessário para se ter resultados é a firmeza e a persistência, as duas qualidades que o ascenso da demagogia nas democracias modernas mais dissolve na vida pública. A sobrevivência das democracias no século XXI vai depender de se encontrar um equilíbrio que impeça a demagogia de substituir a democracia e a pedra de toque dessa capacidade está, a nível global, em saber-se se as democracias vão continuar a poder fazer a guerra, a serem democracias armadas e a conduzir políticas de guerra com persistência suficiente para elas mudarem alguma coisa.

Eu não precisava de dizer que a guerra numa democracia é um instrumento de último recurso para defesa e segurança e para construir a paz, mas é melhor dizer para não facilitar as interpretações de má fé. Sem um pensamento sobre a guerra, não há paz, sem um pensamento democrático sobre a guerra , o mundo será muito mais violento. Se em meados do século XXI as principais potências militares mundiais forem regimes ditatoriais, a democracia conhecerá um longo ocaso e haverá um prolongado sofrimento para milhões e milhões de homens. Tão simples como isso.
 


A MASTURBAÇÃO DA DOR

Devido às minhas estadias europeias tenho uma oportunidade de ver os normais noticiários televisivos, quotidianos, comuns, de várias televisões nacionais públicas ou privadas. Não me refiro às versões, que também se podem ver em Portugal, por cabo ou satélite, normalmente versões especiais, reduzidas, dos noticiários dos países de origem, mas diferentes em muitos casos do que passa às 13 ou 20 horas em Madrid, Bruxelas, Paris, Londres ou Berlim.

Não há qualquer remota parecença com os noticiários televisivos portugueses, com o exagerado tempo de “notícias”, com o caos da agenda noticiosa, com a repetição vezes sem fim e ao mais pequeno pretexto das imagens fortes, com a inserção de peças narrativo - ficcionais sobre noticias fortes do passado quando não há adrenalina no presente, com música de fundo e tratamento “estético” das imagens, com a utilização, sem qualquer pedido de autorização, de cenas de dor e choro, com jornalistas excitados a fazer simulações de riscos que não correm (houve várias nos incêndios para uma só genuína) e fazendo as perguntas mais estúpidas do mundo a pessoas que estão a sofrer.

Uma especialidade actual dos media televisivos, que teve o seu primeiro esplendor com a queda da ponte de Castelo de Paiva, é a masturbação da dor alheia.

19.8.03
 


VAZIO

 


BAGDAD / JERUSALÉM

Não foi preciso deixar o Assassínio na Catedral de T. S. Eliot (tradução de José Blanc de Portugal):

Entorpecida a mão, secos os olhos,
Continua o horror e mais horrível sempre;
Mais horrível que o rasgar dos nossos ventres
Continua o horror e mais horrível inda
Que o torcer dos nossos dedos
E o que as cabeças nos espedaçava;
Pior que os passos pela claustra;
Pior que as sombras do portal;
Pior que o furor no paço episcopal.
Sumiram-se os agentes do inferno, os homens amesquinham-se, encolhem-se e esgueiram-se.
Solutos na poeira do vento, esquecidos, imemoráveis; apenas aqui fica
A branca lisa face da Morte, de Deus silenciosa serva;
E atrás dela o Final Juízo;
E atrás do Juízo o Vazio vem; o Vazio ainda mais horrível que as activas formas do inferno;
Vacuidade, ausência, separação de Deus; o horror da jornada inesforçada para a terra vazia,
Terra que o não é, apenas vacuidade, ausência, o Vazio
Onde os que foram homens mais não podem tornar seu pensamento,
Ou distraírem-se, ou iludirem-se, fugirem para os sonhos, simularem;
Onde a alma enganar-se näo mais pode pois lá não existem nem Sons nem objectos,
Nem cores nem formas que a distraíam ou afastem
Da visão de Si própria, vilmente unida eternamente, nada de nada,
Não o que chamamos morte mas o que lhe e além e não é monte;
Temos medo! Medo! Quem então me pode defender,
Interceder por mim na necessidade extrema?”

 


A COMPRAR

A correr, antes que desapareça, se esgote, acabe. O livro de hoje do DN, é o Assassínio na Catedral de T. S. Eliot, na tradução de José Blanc de Portugal. Nas páginas 65 a 67, na fala do coro, um dos pedidos de perdão mais veementes, porque “eu consenti”. Tomás responde: “A espécie humana não suporta muito bem a realidade”.
 


NOTAS CHEKOVIANAS 4

O quadro que hoje nos ilustra varia do modelo habitual por causa das notas sobre Chekov. É uma parte de uma pintura do norueguês Peder Severin Kroyer um dos pintores de Skagen. Passa-se aliás em Skagen em 1893, uma cena burguesa, de um pequeno-almoço de intelectuais aí veraneantes. A luz de Skagen está também presente reflectindo-se no vestido da mulher e no boião com as flores. Tudo é sólido, tudo parece ser simples e de boa qualidade, nórdico se se quiser. Na mesa está pão, manteiga, ovos, chá, talvez café, água gaseificada. Alguns destes pormenores não se vêm no fragmento, mas apenas no quadro original. Uma reprodução do original está aqui.

Na pintura está o casal Kroyer e Otto Benzon, um escritor dinamarquês, autor de alguns dos poemas que Grieg musicou. Todo este mundo é tão nórdico que se procurarem na Internet por estes nomes, quase nada aparece em inglês. A razão porque este quadro me atraiu foi pelo humano exercício (e chekoviano) de divagarmos em imaginação de como é que no futuro nos poderão ver. Como é que daqui a cinquenta anos se olhará para o que somos , o que fazemos, como vivemos? Eu já não generalizo, mas fico-me com os intelectuais, com os litterati, que somos quase todos os que escrevem aqui – os émulos menos talentosos dos veraneantes dourados de Skagen.

O quadro responde-nos, porque Benzon, e os Kroyer fizeram certamente a mesma pergunta. Assim. Fomos nós? Somos nós.
Sem a pintura.
 


MUNDO

 


NOTAS CHEKOVIANAS 2

Há um momento na literatura russa, entre o fim do século XIX e o início do século XX , em que escritores como Tolstoy e Chekov encontraram um olhar único, que não sei descrever melhor do que usando as palavras de outro, o olhar do “milk of human kindness” shakespereano.

Entre as razões que estiveram na origem desse olhar estão razões que hoje, que estamos em tempos de retorno ao esteticismo, não nos pareceriam suficientemente “literárias”. Fizeram-no por preocupações sociais. Um e outro disseram-no de forma explícita.

Esse olhar, esse toque a que chamo chekoviano, não se concentrou na fractura da diferenciação social (como o fizeram outros escritores, Tolstoy em parte, Gorki), foi para além dela para ver a miséria humana, o sofrimento das pessoas comuns, a névoa de tristeza das vidas mal vividas, seja a que nível social for.

Chekov percebeu a intensidade do sofrimento das pessoas comuns, e a maioria das pessoas comuns eram, na Rússia, camponeses vivendo na miséria, mas manteve a continuidade do olhar, mesmo subindo na escala social. Muitos contos de Chekov passam-se nos meios “pequeno - burgueses”, pequenas vidas, pequenos sonhos, pequenas riquezas, férias em Yalta, cidades provincianas, funcionários e oficiais de baixa patente, embora não ficasse por aí. Mas o toque é o mesmo, toca num pequeno mosteiro pobre, num casa camponesa, numa prisão de deportados, ou num clube de oficiais sem nada para fazer, e encontra o mesmo abismo entre a vida que se desejava viver e a que se vive. O maior abismo que há.


NOTAS CHEKOVIANAS 3

O toque chekoviano foi o encontrar um modo muito simples de falar desta tristeza, sem mais do que a enunciar, pequenos traços sobre pequenos traços, muitas vezes interrompendo uma sequência narrativa que o leitor esperava ver concluída. Não há em Chekov grandes amores, grandes paixões, actos nobres, nenhuma espécie de grandiloquência nem afectiva, nem qualquer outra. Há uma voz mínima que perpassa entre as personagens, todas um pouco perdidas entre o aborrecimento e a tristeza, entre a dor sentida e a percepção da dor dos outros.

Esta falta de grandiloquência, não diminui em nada a força dos sentimentos. Talvez mais do que em qualquer outro escritor, há uma enorme integridade pessoal nas personagens chekovianas, fiéis a um destino que não controlam, mas tendendo, a, no momento certo, fazerem as coisas certas sem qualquer sentimento de arrogância moral. Estas “coisas certas” em Chekov também não são decisões dilacerantes, mas pequenos actos que se esgotam mal se realizam.
 


SINDROMA DE ABSTINÊNCIA

Os nossos noticiários televisivos, dos três canais em uníssono, sofrem de sindroma de abstinência: fazem-lhe falta os fogos. Como nada está a arder em sítio nenhum, passam imagens sobre imagens, dos fogos da semana passada (sem indicação que são imagens de arquivo, para assustar as pessoas) na parte nobre que , noutra era televisiva, era reservada para notícias. Que pena, não é, que não haja incêndios?
 


NOTAS CHEKOVIANAS

Inicio aqui uma série de notas, observações, indicações sobre um dos meus autores absolutos, Chekov. Há os autores de que se gosta, os autores favoritos e há os autores absolutos – sem os quais nós não somos o que somos, porque fomos feitos por eles. São muito poucos, como é natural. Já basta a confusão que cada um é, ainda por cima transportar depois uma multidão de vozes à volta, falando tanto ou mais alto.

Estas notas não terão qualquer ordem. Incluirão meras observações, relatos de visitas minhas a locais chekovianos, comparações às vezes um pouco imprevisíveis, como com Cesário Verde, entusiasmos de leitura. Vale tudo, desde que seja à volta de Chekov.
 


EARLY MORNING BLOGS 30

Escrevi ontem que para mim o template é a face do blogue, mais que a face do seu autor: Talvez por isso eu esteja tão preso ao meu, template de fábrica, ready made do Blogger, mas fazendo-me bom serviço. Escolhi-o pela simplicidade e legibilidade, e partilho-o com mais um ou dois blogues, não muitos porque poucos o escolheram e, alguns que o escolheram, entretanto mudaram.

Isto é um pouco contraditório, porque gosto de ver os outros blogues mudarem, e de um modo geral penso que mudam para melhor. Mas este meu, vermelho e branco, como a antiga bandeira czarista , ficará aqui por vários séculos.

Outra coisa que acho interessante é o modo como o tempo no blogue se manifesta de uma forma parecida com o tempo inscrito na geologia, por estratos. Eu coloco esta nota e empurro para baixo a imagem e as outras notas. Uma sairá da zona visível e entra no princípio da sombra. Como os mares antigos, que somos capazes de ler numa rocha, folha a folha, de um gigantesco cemitério, o tempo empilha camadas. A camada de cima aperta as de baixo reduzindo-as a um fio cada vez mais fino de histórias indecifráveis.

Será que quem ler isto, muitas camadas depois, numa arqueologia esforçada qualquer, encontrará também, numa camada de irídio, o sinal dos grandes impactos? E das grandes extinções?

18.8.03
 


CORSO - RICORSO

 


EARLY MORNING BLOGS 29

Pouco a pouco, os blogues chegam de férias. Recomeça a Torre de Babel a ser construída.

Reparei hoje, com alguma surpresa, num efeito de despersonalização na minha relação com a leitura dos blogues: associo-os pouco com os seus autores, mesmo quando os conheço pessoalmente ou sei o que fazem e o que escrevem. O blogue X é o blogue X e, mesmo quando sei de quem é, essa pertença é muito imaterial, raras vezes me lembro disso ao lê-lo. Leio-o sem a vera efígie. A face é o template cheio de palavras e imagens.

Tenho também muito pouca curiosidade em saber de quem são os blogues, atitude que não é partilhada por muitos, para quem a identidade do seu autor se sobrepõe a tudo e procuram afanosamente saber quem está por detrás de um pseudónimo.

Claro que há excepções, e essas excepções funcionam exactamente ao contrário - nesses blogues só há o autor(a) e o resto é que é abstracto. Vejo a pessoa viva atrás. Mas acontece com menos blogues do que os dedos de uma só mão. A blogosfera é , para mim, impessoal.
 


HAROLDO DE CAMPOS

Morreu Haroldo de Campos, um nome que talvez não diga muito hoje a ninguém. A mim diz muito, porque foi através de Haroldo de Campos e M. S. Lourenço (nos artigos do Tempo e o Modo) que comecei a entrar dentro de Pound e Joyce. E não era o Joyce do Ulisses mas o do Finnegans Wake . “Entrar dentro” significava interessar-me muito, entusiasmar-me, estudar, tentar repetir, e mandar umas coisas como resultado para o Diário de Lisboa Juvenil. Aí, o Castrim, que tinha o cânone apertado, poupou-me a vergonha da publicação.
 


TEMPOS DE PUREZA

Palavras da “Ignota” , “Lúcia” em Come Tu Mi Vuoi , peça escrita em 1929, por Luigi Pirandello:

"Sono qua, sono tua; in me non c'è nulla, più nulla, di mio: fammi tu, come tu mi vuoi. Eccomi di nuovo a te, non per me più, non per ciò che quella può aver vissuto ... nessun ricordo più: dammi i tuoi ... Questi ridiventeranno vivi in me, vivi di quell'amore che lei ti diede."

"Io sì, sono Cia, non quella che fu, quella che sono io oggi, domani ... Essere? Essere è niente! essere è farsi."

Imaginem o que uma grande actriz faz destas palavras.

17.8.03
 


ORIGEM DAS IMAGENS

È natural que periodicamente os leitores perguntem sobre a origem das imagens, porque as explicações que já dei sobre elas estão lá para trás, enterradas no limbo dos arquivos, onde os textinhos, que brilharam um dia à luz do ecrã, vagueiam soturnos no meio das sombras electrónicas. Os leitores podem dar-lhes uma alegria passageira visitando-os, jorrando o sol da atenção sobre essas palavras esquecidas.

De qualquer modo algumas das imagens mais recentes são de Caspar David Friedrich, Marcus Larson, L. A. Ring, Roy Lichtenstein, Claude Monet, P. S. Kroyer. Jacobus van Looy, Johan Thomas Lundbye, Edward Lear, Memling, Emanuel Larsen, Van Gogh, etc. Não há ordem nem cronológica, nem estética, nem qualquer outra. Há um elevado número de pintores do Norte da Europa, nórdicos em particular, da chamada “escola de Skagen”.

Voltarei um dia a falar dos pintores de Skagen, um dos meus entusiasmos em pintura, criadores da “luz do Norte” que nós, no sul , desconhecemos.
 


TÍTULOS QUE NUNCA USEI 2

Um grupo de amigos sugeriu-me outro título à procura de artigo: “Não foi por querer”, ou “não foi de propósito”. Vem na sequência do “Pode ser Vidago?” que, por sua vez, tem como inspiração última a história de Eça de Queiroz da chegada tardia a S. Apolónia de Fradique. O tema é modesto: Portugal.
 


GRAVITAS

 


UMA PROCISSÃO POPULAR

Daquelas genuínas, só para as pessoas de uma pequena aldeia, sem ninguém de fora, desconhecida, não especial por coisa nenhuma. Um acto social puro de uma pequeníssima comunidade.

Sai da igreja após uma formatura complicada pela desorganização geral. Mas, pouco a pouco, a experiência de anos e anos sobrepõe-se, e a fila organiza-se. Uma procissão é uma fila.

À frente, três homens cobertos com uma capa branca. A seguir o presidente da colectividade organizadora das festas deste ano (revezam-se) com fato domingueiro, com um pendão antigo bordado com o santo padroeiro e o nome da terra. O escuro do fato contrasta com as capas brancas esvoaçantes que são a regra nos homens e mulheres que transportam os andores e que constituem o corpo avançado da procissão. O mesmo pendão já tinha servido para encabeçar a banda no peditório anual pelas ruas. Funciona como a bandeira não oficial da aldeia.

Seguem-se os andores, muito pequenos, porque os santos são os da igreja, apeados dos altares e tem tamanhos variáveis, uns maiores outros, mais pequenos, mas como a terra é pobre tendem para o muito pequeno. Os andores são padiolas onde assenta o santo e à sua volta explodem flores. Uma das riquezas da
procissão são as flores vivíssimas dos andores, vermelhas, amarelas, brancas. No dia anterior, os andores foram montados no interior da igreja, tarefa que exige muito trabalho e dedicação. É um grupo de mulheres que prepara os andores.

Há qualquer coisa de parada militar na procissão, a ordem interior, a marcha cadenciada, a rígida hierarquia. Quando passa a banda nota-se mais este aspecto militar. A banda é precedida pela bandeira da banda e a seguir o maestro, imponente de autoridade e de gravidade, fato escuro, tendo ao lado uma rapariguinha muito pequena que marcha ao seu lado com evidente prazer (filha? Alguém que pediu para ir ali?). Depois segue o corpo da banda, fardado, com enorme disparidade de idades, muito velhos e crianças, tocando instrumentos na maioria de sopro e madeiras. O som da marcha marca a cadência do passo.

O padre, um jovem padre que se ocupa de várias paróquias na região, vem vestido de branco, com ar frágil, rodeado de jovens. Enquanto o presidente da colectividade caminha sozinho com a sua bandeira, o padre está no centro de um pequeno grupo. A Igreja como comunidade? A colectividade como hierarquia?

Embora haja pessoas a ver ao lado, nos passeios, persignando-se quando passa o andor de N. S. da Assunção, ou o padre, a esmagadora maioria vai integrada na própria procissão, no fim. É aí que vai a comunidade, uma pequena mole de cem, cento e cinquenta pessoas, compacta, as mulheres às vezes de braço dado, um pequeno número de casais, algumas crianças pela mão. O grupo final é a aldeia, ou melhor, a parte feminina da aldeia. O número de homens é pequeno.

Apesar do som da banda, o silêncio predomina. Famílias que só se reúnem uma vez por ano estão cá, famílias que só vêm à terra uma vez por ano, cá estão, uma terra com muito pouca gente, quadruplicou – há crianças a correr por todo o lado, raparigas e rapazes a passar ruidosos na sua adolescência a anunciar por todo o lado, telemóveis tocam à esquerda e à direita, as notícias de compras e vendas, sucessos e insucessos, funerais, casamentos, namoros e divórcios são postas em dia.

A comunidade reconstitui-se por um dia à volta da procissão e dispersar-se-á no dia seguinte. Até ao ano. Há uma força interior invisível no meio deste corso-ricorso, uma pertença.

16.8.03
 


MICROCOSMOS

 


PEDRAS

Os Reflexos ontem foram pouco amáveis para com as pedras. Escreveu o seu autor :

Com uma pedra não se fala, contorna-se. “

Eu percebo a frase para certo tipo de pedras, para determinadas variantes de pedras hominídeas. Percebo também que os “reflexos eléctricos” , sendo do lado das partículas fugazes, olhem para a solidez da pedra com desconfiança. Mas, lá no fundo da pedra estão “reflexos”, sobre “reflexos”, sobre “reflexos”, também fugazes a seu modo mais preso. Digamos que cintilam menos.

Eu sou mais amador de pedras devido à lição que recebi da Educação pela Pedra do João Cabral de Melo Neto e a uma velha admiração pela frase fundadora : “sobre esta pedra … “ Mas se nos desentendemos sobre a pedra em geral, penso que nos encontramos no lápis lazúli, a pedra sem a qual não havia os azuis dos quadros italianos e que, penso, está reflectida no “azul eléctrico”.
 


EARLY MORNING BLOGS 28

Uma nota de circunstância: uma das minhas liberdades neste blogue é não ter que me pronunciar sobre tudo, nem sobre a agenda do mundo exterior, nem sobre a agenda desta atmosfera. É aliás uma liberdade bastante prezada penso que por todos. Eu, que como muitos outros aqui, acabamos por defender micro - causas , a última coisa que me passa pela cabeça é que os outros blogues se tenham que pronunciar sobre elas.

Essa liberdade é tão natural como a idêntica liberdade de me pronunciar sobre o que me apeteça, o que inclui claramente muitas matérias também aqui discutidas. A mais inútil das notas é a que insta o outro a pronunciar-se e tira imediatas conclusões morais, sobre as razões porque não faz. Ora o que abundam são falsos problemas, problemas colocados de modo viciado, problemas que não me interessam, problemas sobre os quais eu não sei o suficiente nem para ter a veleidade de me pronunciar, problemas sobre os quais acho que já disse o que queria, problemas sobre os quais, como toda a gente, existem factores de censura e inibição pessoais. Por isso, é mais natural o silêncio do que a fala.

15.8.03
 


CHANSON DE LA PLUS HAUTE TOUR


 


NOVA IORQUE. NOVA IORQUE

Onde eu gosto tanto de estar.

Estava em Nova Iorque no dia do apagão nos anos setenta. Lembro-me, como hoje. Meia hora depois, os empregados de restaurantes e cafés vieram para a rua dirigir o trânsito, com uma habilidade, longamente reprimida, para, uma vez na vida, serem bailarinos e sinaleiros.

Apesar das enormes dificuldades que a falta de luz causa numa cidade como Nova Iorque, as pessoas riam, falavam umas com as outras e iam ajudando no que podiam.

No meu hotel, o Washington Square Hotel, um velho hotel delapidado, e frequentado pela fauna da Village, onde havia sempre um som ao fundo de jazz e o ar cheirava a erva, o meu quarto era num dos andares superiores, talvez onze ou doze. Na entrada do hotel, organizavam-se excursões de subida aos quartos em grupo pela escada de serviço, escura que nem breu, sem janelas. Os grupos organizavam-se com velas e lá iam rindo, pregando sustos, brincando pela escada acima. Algumas dessas subidas devem ter contribuído para o baby boom do apagão.

Presumo que depois do 11 de Setembro, as coisas não tenham sido tão felizes, mas, pelo que se viu nas ruas, continua a ser a grande Nova Iorque, cidade única no mundo.


FOGUETES

Eu próprio fiz a pergunta e já tenho várias respostas – em muitos locais não houve foguetes nas festas de N. S. da Assunção. A directiva do MAI foi aplicada pelos governadores civis e, com mais ou menos protestos, acatada. O clima de revolta com os incêndios ajudou ao cumprimento, e convinha que, passado este choque, se aproveitasse para acabar de vez com uma desnecessária e evitável causa de fogos

Agora há um ano para as pirotecnias investirem no fogo preso e abandonarem o fogo de cana, perigoso para os incêndios, e provocando todos os anos uma série de acidentes com crianças, Para que se incentive o uso de lasers decorativos, que não tem estes perigos. Para que se aprenda alguma coisa e não se ande para trás outra vez.
 


AVARIAS

Devido a avarias em várias peças do hardware que suporta o Abrupto, blogue e correio electrónico, textos e trabalhos, este está desde ontem em regime de manutenção mínima. Talvez durante o dia de hoje se volte ao normal.

14.8.03
 


CALMA


 


CONTRIBUIÇÃO PARA O DEBATE SOBRE A TSF

Em Dezembro de 2000, quando a PT comprou a Lusomundo, houve apenas uma voz que suscitou problemas a essa compra quer na imprensa, quer no Flashback da TSF. Seguem-se extractos do que escrevi na altura no Público :

A compra da Lusomundo pela PT e a hipótese de se concretizar idêntica compra da Media Capital, junta na PT um dos grupos mais poderosos de comunicação social em Portugal. Com um mesmo dono ficarão entre outros o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias, a TSF, portais do Internet e eventualmente a TVI, o Diário Económico, e vários outros jornais regionais e rádios. A justificação oficial dessa compra está na necessidade de unir "conteúdos" com plataformas de telecomunicações, uma tendência característica dos "negócios" na área estratégica da nova economia. Tudo isto parece idêntico ao que se passa nos outros países e o "negócio" fundamentado em tendências correntes da economia. Mas esta inocente análise, tão conveniente ao poder, esconde uma perigosa consequência para a qualidade da nossa democracia.

(…) Alguns directores de órgãos de comunicação social do grupo Lusomundo, entenderam escrever editoriais ou dizerem que o "negócio" não impedia a liberdade editorial que eles próprios garantiam nos órgãos de comunicação. Não contesto a genuinidade das suas convicções de que assim seja, mas acho que, estão a ser pouco cautelosos e a desprevenir os seus leitores e ouvintes, e em geral os portugueses quanto às consequências do que se está a passar. De facto, como jornalistas, com responsabilidades de direcção, eles devem ser os primeiros a saber que justificar o que se passou como se fosse "apenas" um "bom negócio" nestes tempos de nova economia ilude o essencial: o papel do governo no "negócio" e a dependência do governo da PT através da chamada "golden share". Eles vieram garantir com grande ingenuidade, que nenhum comando político será possível, visto que as opções do "negócio" não terão reflexos editoriais e, que se tratava por parte da PT, apenas de comprar "conteúdos", para potenciar a sua plataforma de distribuição. A própria justificação deste "negócio", feita desta forma acrítica, é já preocupante.

O que se passa é que nesta aquisição da PT há questões políticas incontornáveis e que devem ser descritas com toda a clareza para se perceber bem: quem manda na PT é o governo, e dificilmente alguém imagina a decisão da compra da Lusomundo (e eventualmente de outras compras a haver) sem que tal passasse por uma decisão do governo. Tem sido política do tandem, Primeiro Ministro Guterres, Ministro Pina Moura, privatizar na aparência, e reforçar o controle do governo através de golden shares, do exercício da tutela e da nomeação de gestores de confiança política, e da interferência directa do governo em actos normais de gestão. Isto coloca a decisão da PT numa luz diversa da de um mero "negócio". A PT não é uma empresa privada qualquer é um instrumento "estratégico" do governo e do poder socialista e já não é de agora que é assim.

Dito com a brutalidade das grandes verdades, a cadeia de comando vai do Ministro Jorge Coelho, para o Presidente do Conselho de Administração Murteira Nabo e, quer um quer outro, não são pessoas vulgares mas socialistas com funções politizadas: o Ministro Coelho é o que se sabe e o Eng. Murteira Nabo só não foi ministro, pela razão que também se sabe. Com a golden share do estado, as decisões últimas sobre qualquer grande negócio da PT vão a Conselho de Ministros, formal ou informal, e é por isso que quando eles estão a mexer nos "conteúdos", mesmo que em nome dos "negócios", se possa suscitar necessariamente uma questão política séria de liberdade e pluralismo. E se não se suscita, então a coisa é ainda mais séria, porque se está a jogar ou no amorfismo ou, pior ainda, em obscuros compromissos de que muitas vezes a própria oposição não está isenta, em empresas geridas pelo método do "bloco central".
(…)
Já ninguém é suficientemente ingénuo para pensar que a interferência do governo na comunicação social se faz por telefonemas directos dos ministros, embora ainda os haja. As formas são mais sofisticadas uma das quais são as "reestruturações" em nome da eficácia dos "negócios" que condicionam carreiras, postos, compromissos e o destino de jornais e rádios. Também aí há alguém a premiar quem se porta bem e quem se porta mal e esse alguém está no governo, ou depende do governo.


Este foi o contexto da compra da Lusomundo pela PT e as consequências previsíveis para quem pensasse um pouco. Acrescento apenas que de há muito penso que um governo, qualquer governo, seja socialista ou social-democrata, não deve controlar órgãos de comunicação social, quer directa, quer indirectamente e que tendo meios para os controlar , usa-os sempre. É válido para a RTP, para a Lusa, para todo o sistema comunicacional ligado a empresas públicas.

Se hoje se vê, no fim da TSF como emissora noticiosa, um manobra grave contra o pluralismo informativo, convém ir atrás, à raiz do problema.
 


ASPECTOS DO IMPERIALISMO CULTURAL AMERICANO

Há uma série televisiva americana que se arroga o direito de falar de Proust, Goya, Sartre, Heidegger, Camus, Kierkegaard, Churchill, Dostoiewsky, Coleridge, Freud, Lacan, para além dos Beatles, das Spice Girls e mais mil e uma referências à nossa sólida e inexpugnável cultura europeia, parte do nosso baluarte identitário contra o imperialismo americano. Devia haver protestos por eles não se ficarem apenas pelas “french fries”. Podem chamar o Bové para ele ir partir os vidros das Barnes and Noble.

Os culpados são os Sopranos.
 


TÍTULOS QUE NUNCA USEI

Às vezes há textos à procura de títulos, outros títulos à procura de textos. Há muitos anos que dois títulos me perseguem, sei o que queria escrever para eles e nunca fui capaz, ou por pura incapacidade ou receio, medo, medinho.

É o caso de um texto sobre Portugal que nunca fui capaz de escrever com o título “Pode ser Vidago?”, excelente retrato de uma terra onde se pede uma coisa e nos perguntam se pode ser outra. Nós queremos Pedras, ou Carvalhelhos, ou outra coisa qualquer e respondem-nos quase automaticamente se pode ser Vidago. A resposta, como se sabe desde Eça, é pode… Pode ser Vidago.

O segundo título é o de uma canção que todos os anos ouço repetida mil e uma vezes nas festas populares: “Quem nasceu para lagartixa nunca chega a jacaré”. Aqui não teria nenhuma dificuldade em descrever a lagartixa, ou várias, e a impossibilidade genética de chegar a jacaré, mas depois, uma mistura de “para que é que eu estou a maçar-me” e uma réstia remota de caridade cristã ou de filantropia moscovita à Pessoa, lá me deixa o título no limbo.

13.8.03
 


IRRESPONSABILIDADE

O noticiário da TVI começou com estas palavras : “neste momento no Algarve cerca de 2000 pessoas estão cercadas pelo fogo”. Quem não for capaz de descodificar o alarmismo destas notícias toma à letra o que é dito: há 2000 pessoas que não podem sair do sítio X e correm perigo de vida. Quantas pessoas vão apanhar um susto enorme, absolutamente criminoso, nestes dias já de susto?

O primeiro testemunho em directo, de uma autarca, um ou dois minutos depois, sobre a mesma situação, começou assim: “neste momentos a situação está mais calma”. Veja-se o tempo dos verbos, estão ambos a falar da mesma situação. Há fogos que não tem chamas.
 


CALMA?

 


PRESENTES MATINAIS PARA OS AMADORES DE LIVROS 2

Para os amorosos da blogosfera

É difícil transmitir um grande entusiasmo, mas The Anatomy of Melancholy de Robert Burton, texto já velho de quase quatrocentos anos, é um deles. Escrevendo sobre aquilo que hoje se chamaria mais vulgarmente “depressão” do que melancolia, é um catálogo enciclopédico dos males do amor e dos “estados de alma”. É uma obra revolucionária, profundamente inovadora, um daqueles livros de uma vida, e a quem devemos muito do nosso olhar moderno sobre essas matérias. Burton percebeu a enorme dificuldade do seu projecto, "for the Tower of Babel never yielded such confusion of Tongues as the Chaos of Melancholy doth of Symptoms", mas prosseguiu-o com uma dedicação e uma erudição típica dos antigos.

O livro é difícil de encontrar e está esgotado nas edições dos “clássicos” ingleses, embora a New York Review of Books tenha feito uma edição recente mas excessivamente pesada. Sempre são mais ou menos 1500 páginas que há vantagem em dividir em vários volumes. Existe, no entanto, uma edição em linha que permite abrir folhas ao acaso e encontrar as maravilhas quer de Burton, quer dos autores que ele cita, toda a literatura clássica e os clássicos ingleses.

12.8.03
 


INVENÇÕES (Actualizado)

A Polícia da Escrita do suplemento Indígena do Independente faz todas as semanas uma contabilidade dos “mas” , “todavia” e “contudo”, incluídos nos artigos publicados na imprensa. Eu lá venho em lugar de destaque e, por curiosidade, uma ou duas vezes, já tinha verificado quão criativa é a contabilidade. Só que agora, mais do que criativa é imaginativa – na semana passada no artigo do Público eu teria 50 dessas “muletas”. Sucede que eu, nessa semana, não escrevi qualquer artigo no Público

*

Leonardo Ralha editor do Indígena do Independente enviou-me a seguinte precisão:

Respondendo ao post “Invenções”, permita-me esclarecer um ponto. Apesar de tudo não passar de uma brincadeira do que considera ser a “polícia da escrita do Indígena”, a contabilidade está longe de ser criativa e imaginativa. Os seus 50 pontos não dizem respeito à última semana - em que, de facto, não escreveu nenhum artigo para o “Público” -, mas sim aos “pontos” acumulados desde o início do jogo. Aliás, na próxima edição do Indígena será ultrapassado pelo José Manuel Fernandes, que somou mais alguns pontos enquanto a sua nova falta de comparência levou a que mantivesse a mesma pontuação.”

Embora o autor do Abrupto não seja da escola de que sempre tem razão e que mesmo errando se acerta, neste caso entende que continua a ter razão. Primeiro, quem lê a coluna semanal não percebe nenhum dos seus critérios cumulativos , e tende a lê-la como uma avaliação semanal; segundo, qualquer comparação resulta injusta se os autores citados não escreverem textos com o mesmo tamanho e periodicidade. Bom, fica a afirmação de que é uma “brincadeira” e um “jogo”. O problema é se a gente fica a olhar para aquele jornal todo e o entende como uma sucessão de brincadeiras e jogos …
 


ACONTECE

Eu escrevi, publiquei e re-publiquei uma das mais duras (e raras) criticas feitas ao Acontece na altura em que o programa se auto-comemorou, com toda a fina flor do nosso establishment cultural diante das câmaras, governava o engenheiro. As minhas objecções de então são as mesmas de agora. O Acontece retratava bem o carácter almofadado e reverente da nossa cultura oficial, cheia de lutas surdas de turf e de salamaleques, vivendo das partilhas de vã glória e dos subsídios, onde todos os livros são bons e ninguém é mau poeta, mau romancista ou mau coisa nenhuma.

Mas eu tenho razões seguras para reconhecer em Carlos Pinto Coelho um mérito de fair play tão raro em Portugal, tão ausente dos nossos costumes culturais, tão pessoalmente estimável, que seria uma enorme injustiça não o dizer em público.
 


FIOS NA ROCHA

 


CRÍTICAS AO ABRUPTO

Escrevo-lhe estas observações a propósito do post no Abrupto em que critica a Volta a Portugal e a circunstância de se permitir que os ciclitas corram debaixo desta canícula.
Pois é, meu caro JPP. Quem fala sobre tanta coisa arrisca-se a errar. Não vou discutir consigo se o ciclismo é um desporto violento. Porventura será um desporto que exige um esforço sobrehumano e onde os atletas correm riscos de vária ordem. Nesse carácter épico reside um dos grandes pólos de interesse do desporto. A minha crítica vai para o que está subentendido no seu post. Se morrer um ciclista, diz o caro JPP, a culpa é de ninguém, como é costume. Entendo nesta afirmação que, na sua opinião, estaremos perante mais um mal português.
É aqui que está enganado. A Volta a Portugal é uma brincadeira de crianças se comparada com uma Volta a França ou uma Volta a Espanha. Aconselho-o a ver as magníficas transmissões directas destas provas através do Eurosport. A Volta a Portugal dura 11 dias enquanto que as de França e Espanha duram 21 dias. Em Portugal sobe-se a serra da Estrela e em França sobem-se os Alpes e os Pirinéus. O ciclismo é um desporto de Verão e é disputado com temperaturas elevadíssimas, aquelas que Deus dá. Por vezes sob chuva e ventos inclementes. Não se adiam provas por causa das condições climatéricas. Seja em França, Espanha ou Portugal. E é assim em todos os países ditos civilizados. Os proletários da bicicleta são clinicamente acompanhados, de forma que talvez não haja paralelo em outros desportos. Quem não tem condições físicas não pode ser ciclista profissional.
Tudo isto para lhe dizer que, neste caso, não vale a pena bater em Portugal. Bem ou mal, nesta matéria somos iguais aos outros. Iríamos ser a gargalhada da Europa se fosse anulada alguma etapa da Volta porque está muito calor.
” (ruim)

11.8.03
 


A LER

No número de Junho do Scientific American há dois artigos muito interessantes.Um de Gordon Kane, “The Dawn of Physics beyond the Standard Model” faz um balanço actualizado sobre o que explica e não explica o modelo dominante da física contemporânea . Entre o que não explica inclui-se …a gravidade, entre o que explica uma imensidão de coisas.
Outro de Chatles Bennett /Wing Li /Bin Ma , “Chain Letters and Evolutionary Histories” é um notável exercício feito a partir das cartas em cadeia e das suas alterações , permitindo um modelo comparativo para processos que evoluem com o tempo, como, por exemplo. as famílias dos mamíferos.
Cada número do Scientific American, a revista que leio regularmente há mais tempo (desde 1972 li todos os números) , mostra como na ciência há um entusiasmo imaginativo que escasseia noutras actividades. Em bom rigor foi sempre assim, nós é que estamos habituados a ver a filosofia ou outras "artes", sem a ciência por detrás.
 


OBJECTOS EM EXTINÇÃO 19


Mais algumas colaborações dos leitores do Abrupto sobre objectos, e também sentimentos , em extinção.

"- Quem se lembra hoje de, creio que na década de 50/60, ver uns cartões rectangulares perfurados, feitos por especial punção, que eram as facturas/recibos da CRGE (antecessora da actual EDP)?

- De resto tais cartões eram usados nos computadores da época, para neles introduzir dados através da sua leitura por especiais leitores ópticos ou mecânicos.

- Já na década de 70, fitas contínuas de papel perfurado, permitiam o "abençoado carregar" desses computadores de dimensões "mastodônticas", se os compararmos com os actuais.

Da nossa memória colectiva saltam, objectos e sensações ( recordo os pregões de Lisboa) que constituem o espólio activo duma cultura.
"(Rui Silva)

*

"O saco do pão. Num tempo em que se acabou com as lixeiras e se construíram aterros sanitários mais consentâneos com o nosso tempo e com as nossas exigências e com a nossa qualidade de vida, recordo o saco do pão – um saco geralmente de linho, por vezes bordado – como símbolo de um outro tempo em que não produzíamos resíduos desnecessários e em que os produtos do supermercado não traziam três ou quatro forras de cartão e plástico, nem se trazia o pão em sacos de plástico estampados que depois exigimos que alguém faça desaparecer longe da nossa porta e longe da nossa vista. Os aterros sanitários estão a encher a um ritmo mais de duas vezes superior aos valores de projecto – que, inocentes, nos viam a nós mesmos como povo civilizado e preocupado com as questões ambientais. E, portanto, daqui a poucos anos – muito antes do que se previra – lá estaremos a manifestarmo-nos contra a localização de novos aterros sanitários que militantemente nos esforçamos agora por encher o mais depressa que pudermos." (J. C. Barros do Um Pouco Mais de Sul)

*

Lembram-se do tempo em que havia amigos? (…) Lembram-se de ter alguém com quem tinham uma linguagem única que mais ninguém decifrava. Que nenhum dicionário contemplava nem nenhuma lógica explicava. Por meio de sinais e olhares chegava-se à gargalhada consensual em plena sala de aula, fazendo com que o professor despertasse desconfiado. Lembram-se de receber nos braços o amigo traído e triste que vinha à procura de colo, ombro, mão, consolo? Será que ainda se lembram? Será do vosso tempo? “ (Marlene)

*

Morrer de amor parece-me ser um objecto em vias de extinção .” e segue-se uma história que mostra “que é possível morrer de amor.” (Miguel Leal)


 


DISSOLUÇÃO

 


SCRITTI VENETI

Dos cadernos de Bib., sine nobilitate.

1.

“O que torna difícil a verdade é que ela não é subjectiva. Se ela fosse um convencimento interior, - todos temos a “nossa” verdade, como quer a sensibilidade romântica – não havia peripécia da vida que não obtivesse aí a sua justificação. Eu faço, porque faço, porque “interiormente” a minha voz me diz para fazer assim. O que acontece a maioria das vezes é que aquilo que se toma como “verdade” não é senão uma máscara auto-congratulatória , um espelho da nossa incapacidade para ir mais além, uma justificação que “nos “serve para remediar um presente satisfatório em detrimento de uma procura mais difícil, mas mais verdadeira.

A sensibilidade romântica valoriza até ao limite a pior das vanitas, a crença, psicologicamente apaziguadora, de que se é senhor do seu destino e que este se domina por séries de arroubos sentimentais. Há quem goste mais da vanitas do que a verdade e confunda as duas.

Outro esquecimento da sensibilidade romântica é o da alegria, da alegria pura, que não tem antes nem depois e realiza o tempo perfeito."

2

“Veja-se a título de exemplo o anúncio que JPV fez da sua morte. Se ele fosse um texto literário, seria pouco mais do que uma bravata, mas como foi escrito quando ele sabia, no estado presente em que o escreveu, que ia morrer, cada palavra é inundada de uma verdade última que é também uma coragem interior.

O verdadeiro clássico prepara-se para esse momento, mas sabe que tudo o que pensa e diz só tem prova nesse momento e nunca antes. Por isso, o clássico pratica a ataraxia como um treino em tempos fáceis para os tempos difíceis.”

3.

“Vale a pena gastar uma língua pura, para se perceber, como se percebeu desde o primeiro momento, que a língua que se ouvia maculada era a de um parafraseador francês? “
 


EARLY MORNING BLOGS 26 / MEMORY FREAK

Uma das características dos blogues é produzirem um esquecimento rápido de tudo que neles se encontra com mais de um dia. Nesse sentido eles ainda reforçam mais uma tendência dos media modernos para actuarem somente num tempo muito curto, quase sem memória que dure mais do que uma semana. Nos blogues é pior, esse limiar é ainda menor.

Aqui tenho desenvolvido várias estratégias contra esse esquecimento suscitado pela tecnologia do meio, sem obter mais do que resultados muito frágeis. Essas estratégias incluem notas na parte activa da página remetendo para notas já na parte esquecida, numeração de notas para criar um sentido de continuidade, etc. Não chega e não é eficaz para o que quero.

Na reorganização de Setembro, com a ajuda dos meus voluntários amigos mais ligados à parte tecnológica, irei experimentar a combinação blogue – página pessoal, nela incluindo um arquivo mais estruturado de notas temáticas e remetendo para outros textos não – blogue sobre assuntos próximos.

Outra hipótese que coloco é a edição periódica , de seis em seis meses por exemplo, do Abrupto em livro. Aqui levantam-se questões muito interessantes como seja a diferente percepção da ordem cronológica, que levaria a colocar as notas na ordem oposta à sua leitura no blogue e problemas associados com o carácter interactivo dos textos com os de outros blogues. Esta “perplexidade” inter – media interessa-me, porque revela os limites de formas de comunicação quer tipográfica, quer electrónica, no modo como produzem um sentido cronológico da leitura e a nossa percepção do fluir do tempo.

10.8.03
 


TEMPOS DE PUREZA

Também aqui cabe o poema de Pasternak "A vela" , que está traduzido mais abaixo , na parte do Abrupto enterrada no esquecimento. Também só com uma pureza inicial, uma pureza do coração absoluta, o olhar de Yuri pode ver na vela , o que a vela era. Para os russos, como para Chekov por exemplo, essa pureza vinha de uma luta interior pela verdade, pela simplicidade da verdade. A verdade não é complicada, a liberdade é que é.
 


MICRO-CAUSAS

As razões por que cada um tem um blogue são muito diferentes e essa diferença é uma das riquezas desta atmosfera. Mas uma leitura de vários blogues revela interesses e agendas próprias que envolvem um espírito de “causa”, um activismo orientado. Há causas, pequenas causas e micro - causas em muitos sectores da vida pública. É natural que assim seja também nos blogues.

Se os blogues me parecem um meio pouco adequado para, chamemos-lhe assim, neles se centrarem as grandes causas, que não entram aqui a não ser pelo protesto, pela denúncia, pelo testemunho, o que é pouco , já para aquilo que chamo as micro - causas pode haver resultados.

Veja-se o caso dos foguetes. Haverá quem, com um sorriso de lado, presumo que em riscos de ficar permanentemente de lado e parecer um esgar, dirá: a gente vem aqui para falar de Larkin e Auden e vem este aqui discutir os foguetes. É, vem. Vem aqui discutir os foguetes porque acredita que pode ser eficaz em reduzir o risco de fogo e a dispersão dos bombeiros a muito curto prazo, neste Agosto. Não me passa pela cabeça que possamos fazer muita coisa sobre o ordenamento florestal ou sobre a organização dos bombeiros, mas pressionar o governo para proibir o fogo de cana, talvez seja possível. Não há nada que os governantes mais temam do que a possibilidade de, se correr qualquer coisa mal, poderem ser confrontados com um aviso público, uma prevenção que conheciam e que ignoraram.

Penso, no entanto, que a condição de sucesso destas micro - causas é serem sensatas, razoáveis e moderadas. Não se trata de proibir o fogo de artifício, trata-se de proibir o fogo de cana lançado para terra, nas partes do país em que isso é um risco conhecido de incêndio. A legislação já existente é, como muita legislação portuguesa, duríssima, só que nunca é aplicada. Obrigar a que os bombeiros se desloquem nesta altura do ano para milhares de festas do país para controlar o lançamento do fogo, é pura decisão de gabinete e perigosa. Existem resistências populares consideráveis a que haja festas sem foguetes, e os governadores civis, oriundos das máquinas partidárias, não querem impopularidades e incidentes? É verdade, mas quem não quer ter autoridade que não lhe vista a capa.
Eu acredito na distinção entre a democracia e a demagogia, que se revela nestas humildes coisas dos foguetes.
 


TUMULTO

 


VER A NOITE - CORUJAS

Recebi quase de imediato, a meio da noite, alta madrugada, após escrever sobre a minha coruja caçadora, esta carta de Miguel Nogueira:

"Umas semanas atrás enquanto conduzia pela noite, em Porto Corvo, na estrada que liga à Ilha do Pessegueiro, avistei uma coruja em frente ao carro, pousada na estrada. A coruja olhou-me com os seus negros olhos, ao ouvir o ruído do automóvel, para de seguida olhar na direcção oposta, quase como analisando o ar por onde iria voar, e abrindo as brancas asas, pairou pela estrada fora fugindo do meu campo de visão e também de um provável impacto.
O curioso é que em todas as acções, atrás referidas, a ave manteve sempre um imperturbável manto de calma, nunca se mostrando assustada. O meu caro Pacheco Pereira observou uma caçadora. A mim o sentimento com que fiquei, foi que tinha partilhado uns segundos da minha existência com um ser mitológico."


Será que olhando uma coruja nos olhos aprendemos alguma coisa que nunca saberiamos de outra maneira? Talvez.

 


COUNTRY – CONTRIBUTOS

Nota: já não é a primeira vez que uma frase que se pretendia irónica é tomada à letra. Culpa minha, que me esqueço de uma forte tendência para o literalismo existente nos blogues. A minha descrição da country apenas como música pimba americana destinava-se exactamente a criticar os que a isso a reduziam.
Alguns dos leitores do Abrupto enviaram contribuições sobre a country que a seguir se publicam.

Hugo Pinto acrescenta :

vejo que já lhe referenciaram, e bem, Johnny Cash e Townes Van Zandt. São, juntamente com o paladino Hank Williams, os nomes que mais influenciaram a geração que, respeitosamente, recomendo. Falo de uma música que as publicações europeias designam singelamente de "americana". Ainda se chegou a falar de "alternative country"...
Aqui ficam alguns nomes: Lambchop, Chris and Carla, Palace Music (que é Will Oldham, cujo heterónimo é Bonnie 'Prince' Billy), Red House Painters, Neil Casal, Tarnation, Smog. É, acima de tudo, muito boa música."


Miguel na Origem do Amor remete também para canções country num seu outro blogue.

António envia-me a sua memória pessoal da country :

"Comecei a apreciar a música country por volta de 1962, em Moçambique. (…) Penso que neste estilo –e eles até dizem country & western style – ele há de tudo, como na botica. O mesmo se poderia dizer em relação ao fado ou ao tango argentino.

Não me parece que o Tex Ritter deva ser apontado como exemplo negativo, tanto mais que ele também interpretou trechos muito mais interessantes, designadamente o tema do célebre filme “O Comboio Apitou Três Vezes –High Noon / do not forsake me oh my darling”- e que não era, de forma alguma, um filme reaccionário. Diz-se que John Waye colocou esse filme na lista negra, por causa da cena anti-autoritária em que Gary Cooper atirava com a estrela de xerife para o chão para a pisar em seguida. Diga-se ainda que a música era da autoria de Dimitri Thiomkin, um nome consagrado de Hollywood.

Muitos cantores populares norteamericanos passaram ou tiveram que passar pela country, também definida como “white men blues”. E também houve cantores negros, como o Ray Charles, que venderam milhões de discos com interpretações dessa música de brancos wasp, numa altura em que os afro americanos ainda não tinham conquistado todos os direitos cívicos nos Estados Unidos.

Se consultarmos a lista do “Country Music Hall of Fame” verificamos que há, efectivamente, nomes absolutamente impróprios para o consumo, como Merle Haggard. Mas também encontramos pessoas recomendáveis em termos de crítica social, tais como Johnny Cash ( e os seus colegas “highwaymen” Waylon Jennings e Willie Nelson”). Cash até conseguiu trazer o Bob Dylan para estas lides, participando no excelente album “Nashville Skyline”, que também é uma homenagem à “Meca” da música country. Claro que, nessa altura, Dylan era um valor consagrado da “protest song” e ainda não tinha caído no fundamentalismo judaico.

Li algures que Nashville se transformou na capital da música country devido à existencia de um número considerável de saloons e de outros recintos adequados às vozes de Hank Williams e seguidores, um pouco como as tabernas do Bairro Alto e da Alfama em relação aos cultores do “portuguese blues”. Mas o fenómeno de Nashville é também o resultado do trabalho empreendido pelo pianista e produtor Floyd Cramer, de parceria com o excelente guitarrista Chet Atkins. O que era canção de vaqueiro passou a ser produto cultural e industrial algo sofisticado.

Compositores consagrados da pop americana dos anos 60 deram à country títulos de glória. Lembro-me de Jimmy Webb que escreveu alguns dos maiores standards, tais como “Wichita Lineman”, “Galveston” e “By the Time I Get to Phoenix”, interpretados originalmente pelo célebre Glen Campbell e que posteriormente entraram nos reportórios de artistas ultra consagrados como Sinatra. Curiosamente, um dos maiores standards da country, “Let It Be Me”, foi composto pelo francês Gilbert Bécaud. Este foi convidado a ir a Nashville receber um dos grandes prémios da country, mas recusou porque não lhe pagaram o bilhete do avião...

Pela parte que me toca, sou fanático das vozes femininas da country, tais como Linda Ronstadt e Emmylou Harris, embora os puristas as designem como cantoras de variedades... Graças à internet tenho conseguido reunir uma colecção razoável de trechos. Até consegui arranjar canções de Jim Reeves gravadas na Africa do Sul em afrikaans, nos anos 60, com o Cramer e o Atkins.

Não me parece que este género musical tenha sido explorado pelos artistas portugueses. Excepto, talvez, o Paco Bandeira na “Minha Cidade” ( “oh Elvas, oh Elvas, Badajoz à vista/ sou contrabandista de amor e saudade/ transporto no peito a minha cidade) ...
"


Paulo Azevedo lembra Townes Van Zandt:

O Townes Van Zandt foi um texano (de pedigree familiar holandês, daí a estranheza do nome para um texano) que editou entre 1968 e 1978. Era um filho da classe média mas com uma inclinação irremediável para o lado mais depressivo e contemplativo da vida. Chegou a ter um relativo sucesso, apesar de ter passado grande parte das fases iniciais e finais da carreira a tocar em bares.

Inscreve-se naquela tradição folk-blues que começou com Hank Williams ou Woody Guthrie, assim como nos blues à desgraçado do tipo Lightnin' Hopkins; e que continuou (mais recentemente) com os primeiros sons do Bob Dylan, Lee Hazelwood, Scott Walker, Nick Drake ou mesmo (ainda mais recentemente) Mark Koezelek (dos Red House Painters) e o próprio Jeff Buckley.
Não cai naquele country mais xaroposo; é uma música muito melancólica mas ao mesmo tempo muito genuína; ou seja, os ambientes criados não são estilizados de forma a parecerem tristes, são-no naturalmente.

Há tempos encontrei uma CD set de 4 discos com todo o material gravado pelo Van Zandt; é uma edição daquelas bonitas e cuidadas que parece um livro rectangular e tem fotos e textos muito bons. Fica-se com uma boa perspectiva da música e do enquadramento pessoal e social em que ela surgiu.

Chama-se 'texas troubador' e tem, nos 4 CDs, 8 álbuns (LPs):

-for the sake of the song (1968)
-our mother the mountain (1969)
-townes van zandt (1970)
-delta momma blues (1971)
-high, low and in between (1972)
-the late great townes van zandt (1972)
-flyin' shoes (1978)
-live songs from 1973 (1973)


 


EARLY MORNING BLOGS 25 (Actualizado)

Sou fiel aos sítios onde aprendo e a Formiga é um deles.

Há uns dias, a propósito dos incêndios, está lá uma fotografia de satélite que contém mais informação do que dezenas de noticiários. E por cima da fotografia um título tão terrível como verdadeiro:”a ignorância é uma calamidade”. É, a ignorância é a nossa calamidade, a ignorância pura e simples, a ignorância esperta, a ignorância presumida, a ignorância arrogante, a ignorância boçal.

O problema é que a mediocridade da vida possível, a pobreza dos meios socialmente disponíveis, o próprio modo como a ascensão social das famílias se fez da absoluta pobreza para uma mediania satisfatória, parece travar um impulso de melhoramento. Talvez porque fomos muito pobres, parecemos satisfeitos como o nível da mediocridade que atingimos.

Como parece que a pulsão social para sair da miséria rural, que levou uma geração de trabalhadores rurais e pequenos camponeses a poderem dar aos seus filhos um mínimo que lhes demorou toda uma vida a ter, criou nos filhos uma espécie de acomodação com o que os pais lhes deram e passaram a viver “habitualmente”, ou seja a andar para trás em relação ao resto do mundo que anda para a frente.

Será que uns cresceram num Portugal mais violento e desequilibrado e portanto onde a ascensão vertical era quase que empurrada pela necessidade de garantir mínimos vitais? Será que depois, quando se atingiram esses mínimos se deu uma espécie de repouso, facilitado pelas mil e umas estratégias de vida garantidas pelo “Estado - providência”? E que hoje, com a cultura da casa, do carro, do whiskey, do marisco, da piscina, da praia, do centro comercial, do futebol, achamos bastante? Será que perdemos a violência e mantivemos a boçalidade?

Eu não desprezo a fabulosa mudança que isto representa para um povo que andava descalço há sessenta anos, mas já está na altura de se dar o passo seguinte e é difícil ver onde está a força para o dar. Porque o passo seguinte é o de acabar com a “ignorância” , essa mistura de betão de hábitos de complacência e facilitismo que cria um enorme lastro a todo o movimento.

Eu sei que tudo isto é impressionista, que um sociólogo nunca o diria assim, mas que numa parte importante de Portugal uma cultura “providencial” parece ter travado a vontade de ser melhor, de ser mais culto, de ser mais livre, ai isso parece.

*

Pelas mesmas razões de aprender, de ter a alegria de aprender, também volto ao Socio[B]logue. Só que onde lá se coloca Deus nos detalhes, eu estou habituado a colocar o Diabo. Daí que a genealogia da frase seja outra, e a sua língua original diferente -. "the Devil is in the details ". Por razões que se podem discutir , suspeito que é mais o Diabo que Deus, o habitante das pregas das coisas, dos detalhes, dos decisivos detalhes. Se não houvesse detalhes não era tudo mais simples, mais próximo das virtudes divinas? Porque ser Deus não é complicado.

 


VER A NOITE

Ver uma coruja caçar é um privilégio raro. Nas gravuras e fotografias parece sempre Minerva, um pisa-papéis para os literatos. No ar, na noite profunda, é um grande pássaro de asas brancas, com a palavra rapina escrita em todas as penas, que passa no mais absoluto silêncio. No vale escuro, os pequenos ratos não sabem o que lhes cai em cima. Mesmo no planalto, as gatas protegem as ninhadas, não vá gatinho ser rato. Só tamanho conta e há quem não tenha o tamanho.

9.8.03
 


TEMPOS DE PUREZA

O que se podia escrever em tempos de pureza:

Te loquor absentem, te vox mea nominat unam;
nulla venit sine te nox mihi, nulla dies.
Quin etiam sic me dicunt aliena locutum,
ut foret amenti nomen in ore tuum.


(P. Ovidi Nasonis Tristium Liber Tertius)
 


ENTRE A DESRESPONSABILIZAÇÃO E A BOÇALIDADE


Assistir a uma hora de telejornal da RTP é devastador para qualquer cidadão que gosta do seu país. É um exercício penoso de desresponsabilização – proíbem-se os foguetes mas eles estalam pelas centenas de festas sem a presença de um bombeiro sequer, um “pirotécnico”, que deve ser um nome pomposo para um dono de uma fábrica onde meia dúzia de homens e mulheres estão a meter pólvora em cartuchos de foguetes, com máximo risco de vida, diz que ainda está por provar que os foguetes provoquem incêndios, a seguir os desgraçados ciclistas profissionais, verdadeiros proletários do desporto de marca, arrastam-se pelo Portugal de 40º à sombra, etc., etc. Para rematar, como se diz, um grupo de estudantes duma Tuna de uma faculdade técnica da Universidade de Coimbra, a elite da nação, de capa e batina negras à torreira do sol, cantam alegremente “é o branco, é o tinto que me faz levantar de manhã” e fazem umas piruetas por cima uns dos outros. É difícil mostrar tão bem todo o esplendor do nosso atraso.
 


VIOLÊNCIA

Nós somos uma sociedade muito mais violenta do que nós próprios pensamos. Permitimos que uma prova desportiva-comunicacional-comercial como a Volta a Portugal em bicicleta se realize a temperaturas acima dos 40º. Se um dia destes um ciclista cair morto por desidratação ou por problemas cardíacos associados com o calor, de quem é a culpa? De ninguém como é costume.
 


FOGUETES

Gostava de saber em quantos sítios vai ser proibido o uso de foguetes , apesar da nota do MAI.
 


SEM VOZ

 


DOS FRANCESES PARA OS INGLESES (E OS AMERICANOS)

As discussões sobre a Livraria Francesa mostram a hegemonia actual do mundo cultural anglo-saxónico pelo menos nas camadas de consumidores culturais mais jovens. O mundo “francês” resiste em certa crítica literária e de cinema, e no ainda poderoso establishment cultural do Jornal de Letras, muito ligado ao estado pela via de ser subsidiado como um jornal oficioso da literatura portuguesa para os professores do ensino secundário e os leitores nas universidades estrangeiras. A versão televisiva do Jornal de Letras era o Acontece, honra lhe seja feita bastante mais liberal do que o controle ideológico e cultural rígido que José Carlos Vasconcelos mantêm no jornal.

Só de passagem noto que a última coisa que quero dizer é que tudo que é francês é mau e o resto bom. Mas é um facto que o proteccionismo cultural francês, a celebre “excepção cultural”, associada a uma absurda mistura de nostalgia franco - gaulesa e arrogância chauvinista, fechou a cultura francesa numa espécie de “aldeia de Asterix” e estiolou muito da sua criatividade. O peso do estado centralista, que se arroga legislar sobre o que as pessoas podem ou não ver na televisão, que palavras utilizar, etc., associado a um esquerdismo anti-americano, muito patente na edição corrente, fez os franceses implodir. Olhando para dentro não conseguem sair dos seus fantasmas – a guerra da Argélia, a colaboração durante a ocupação alemã, a suspeita de serem anti-semitas, o estalinismo dos intelectuais, etc. Ora sobre quase tudo isto já Camus tinha sido melhor, direi mais, gigantescamente melhor, há cinquenta anos.

Na actual hegemonia anglo-saxónica perde-se pelo menos o mundo alemão, muito próprio, muitas vezes hermético, mas contendo elementos culturais únicos nascidos da peculiar e muito traumática experiência nacional dos últimos duzentos anos. Os espanhóis, por exemplo, tem uma tradição de traduzir do alemão sem paralelo na Europa. Em áreas como o direito, a filosofia , a Kultur (intraduzível) , a política, a história de arte, há livros traduzidos em espanhol que não existem em inglês ou em francês.

Esta mudança de mundo cultural em Portugal começou pelo menos há três décadas e não tem sido estudada. Hoje colocarei nos Estudos sobre Comunismo uma nota sobre um dos primeiros exemplos da ruptura com o mundo francês, o que na prática significava também em Portugal a ruptura com a cultura ideológica do comunismo soviético e com o neo-realismo do PCP, no interior das Associações de Estudantes. É uma parte de um estudo inédito que fiz sobre a génese da extrema-esquerda em Portugal e a sua relação com a mudança do paradigma cultural e nele se analisam os conflitos culturais bastante intensos e, nalguns casos, quase violentos, que marcaram as Secções Culturais das Associações de Estudantes por volta dos anos 1967-8.

Fui testemunha e participante activo desses conflitos, em particular nos que envolveram a Secção Cultural da Associação de Direito, sobre que música passar no sistema sonoro , sobre se se podia (devia) patear os filmes do Cineclube Universitário , sobre o modo de tratar a “condição da mulher” e a sexualidade, sobre o Pierrot le Fou de Godard , etc. Com tempo voltarei a cada uma destas polémicas. Agora fica a nota a colocar nos Estudos sobre “Popologias”, o ciclo de realizações em que, pela primeira vez, uma Associação de Estudantes olhou para a cultura pop, ou seja para o mundo anglo-saxónico, com outro modo de ver.

Só uma observação para terminar: a música popular, os Beatles e o que vinha com eles, foi decisivo.
 


EARLY MORNING BLOGS 24

Já havia uma Abrupta, agora há um “A”Bruto. Sejam bem vindos ao mundo dos espelhos.

Louvo a paciência do “A”Bruto em escrever uma anti-nota sempre que eu faço uma nota. Pensei que ele desistia quando apareceram os textos sobre a Física e Matemática, mas ele encolheu-os e lá continuou. Acabará por desistir, porque isto de ser eco não é profissão.

Obrigado ao Outro, Eu pelo Johny Cash , ao Paulo Azevedo por uma nota sobre Townes Van Zandt , que publicarei à parte, e ao Mário Filipe Pires pela adesão ao grupo dos amadores da country na blogosfera, que é bem pequeno como eu imaginava. Aqui só alta cultura…

E o Contra Corrente foi injustamente esquecido na nota sobre a Livraria Francesa.

Talvez, se houver tempo , durante o dia de hoje, os Estudos sobre o Comunismo , que já resolveram o problema gráfico com a nota sobre a denúncia do Avante! de João Pulido Valente em 1964, publicarão alguns elementos sobre a actividade de Mário Cesariny de Vasconcelos nas margens do PCP (ou até dentro) nos anos do pós.guerra.

Será a minha maneira de homenagear um dos maiores poetas portugueses que escreveu, exactamente nesta época, um texto fundamental que sei de cor e que começa: “Todo o homem é teatro de uma inexpugnável autoridade”. Citei-o num discurso na Assembleia da República onde duvido que o seu nome tenha entrado alguma vez.

 


VER A NOITE

Com uma Lua já quase cheia, mas vermelha dos incêndios. Red Moon, mau presságio se houvesse batalha. Marte, no seu mês, brilha apagado e solitário no meio de um céu sem estrelas. Há muita cinza, muito fumo, muita poeira levantada para se poderem ver as estrelas.
 


CORREIO

está absolutamente, escandalosamente atrasado. Cartas de resposta obrigatória empilham-se, cartas que tem respostas à volta da palavra "obrigado" e que são as mais obrigatórias de todas, também. Cartas com colaborações esperam por ser agrupadas, temas sugeridos, perguntas com sentido, encalharam no meu limbo electrónico, um caos de atraso, uma vergonha. Mas este blogue é obra de um só e peço-vos pois um pouco de paciência.

8.8.03
 


SAINTE-ADRESSE

 


COUNTRY

And now for something completely different… Há, nos blogues, amadores de Country para a troca? Eu sei, a música é pimba americano para os parolos a fazerem-se de cowboys, as letras são ridículas, sentimentais, reaccionárias, mas tudo aquilo bate muitas vezes muito mais certo do que tudo o resto.

Um exemplo da imaginação, sim da imaginação dos pobres de espírito, da Country: I Dreamed of a Hillbilly Heaven de Tex Ritter:

“(Wah, wah, wah, waaahhhh)
I dreamed I was there in hillbilly heaven
{Oh what a beautiful sight}

Last night I dreamed I went to hillbilly heaven. And you know who
greeted
me at the gate? The ole cowboy-philosopher himself, Will Rogers. He
said
to me, he said "Tex, the Big Boss of the riders up here has asked me
to
kinda show you around. Now, over yonder are a couple of your ole
compadres." My, was I glad to see them, Carson Robison and the
Mississippi blue yodeler Jimmie Rodgers.”


Em resumo : Deus, o “Big Boss of the riders up here” , manda o “cowboy filosofo” ,Will Rogers , abrir as portas do céu, qual Beatrice dantesca. O resto é o passeio em sonho de Tex Ritter pelo paraíso onde encontra Red Foley, Ernest Tubb, Gene Autry, Roy Acuff, Eddy Arnold, Tennessee Ernie, Jimmy Dean, Andy Griffith, Roy Rogers e … ele próprio, Tex Ritter. Então acorda, “com pena”.
 


EARLY MORNING BLOGS 23

Discute-se nos blogues, no Intermitente, no Homem a Dias, nos Reflexos , o encerramento da Livraria Francesa e as perorações de Eduardo Prado Coelho sempre que o modelo estatal centralista de “cultura” está em causa. As poucas vezes que lá fui pareceu-me muito pobre, mas também, dependendo da edição francesa, era difícil ser mais rica.

Tenho sempre pena que uma livraria acabe, mas o que verdadeiramente faz falta em Lisboa é uma livraria inglesa como a Waterstone’s. Não há uma cidade civilizada na Europa se não tiver uma livraria inglesa, porque hoje é em inglês que o mais interessante e importante é publicado em qualquer parte do mundo.

Em Bruxelas onde há uma excelente livraria francesa, a Tropisme, raras vezes compro lá sequer um terço do que compro na Waterstone’s . O próprio espaço de ambas as livrarias mostra as diferenças culturais entre o que hoje se publica em inglês e francês. Na Waterstone’s predominam os livros de “current affairs” , ensaios políticos, história, ensaios em geral, biografias, estudos militares, economia, ciências, viagens, e ficção actual. A secção de “literary criticism” é fraca. Na Tropisme o que domina no andar nobre é a literatura francesa e traduzida e ensaios literários, e nas “ciências sociais e humanas” uma grande secção de psicanálise e filosofia e uma colecção de livros de arte, Há também história, mas muito daquilo que é a matéria do andar nobre da Waterstone’s está na Tropisme em secções secundárias, ou apenas em estantes. Apesar de tudo a Tropisme é das melhores livrarias francesas que conheço.

Significativamente estas duas livrarias que existem na Bélgica, quase não tem livros sobre a Bélgica com excepção de livros turísticos. Mais um sinal que a Bélgica não é bem um país.

A decadência das livrarias em Portugal é um facto e, como intenso frequentador de quase todas, senão todas, não posso deixar de nomear a que, de há muito, é a melhor livraria nacional – a Livraria Leitura no Porto
 


FLASHBACK

Convém que se saiba que o Flashback da TSF só existe com o Carlos Andrade, sem o Carlos Andrade não há Flashback pelo menos connosco. De há muito temos, eu, o José Magalhães e o Lobo Xavier, esta posição.

7.8.03
 


DOENÇA

A doença é um dos elementos mais importantes para perceber a obra de Thomas Mann. Ela está presente por todo o lado e é o elemento central da Montanha Mágica. Na Montanha Mágica todos os que para lá vão querem ficar “doentes” e acabam por ficar “doentes”. O poder da doença é essa revelação do corpo, essa percepção acrescida, essa perturbação do equilíbrio hormonal – de que tantas vezes fala o dr. Behrens - que actua como um revelador das diferentes personalidades que habitam a Montanha.

Quando não se tem nenhuma grande doença, mas só pequenas, ligeiras, subtis doenças há como que uma “chamada da intimidade”, - aqui está uma coisa que só os alemães eram capazes de transformar numa palavra expressiva - uma acomodação do corpo sobre si próprio, um torpor e uma modorra agradáveis, resultado de uma vaga febre, de um amolecimento do corpo. Na Montanha eram as temperaturas de 37º que davam mais lucidez.
 


UM PORTUGAL DESCONHECIDO

O fragmento seguinte faz parte de um colecção de papéis que pude salvar de serem vendidos a peso, oriundos do Centro Republicano Democrático do Porto, manuscritos e portanto únicos. Datam na sua maioria de 1911.

Entre esses papéis consta a lista de “voluntários republicanos” preparados para actuar e do armamento que possuíam: espingardas, pistolas, etc. distribuídos pelas diferentes frequesias do Porto. Esta era uma época em que uma parte dos portugueses, homens, de profissões da pequena burguesia e operários realtivamente especializados, tinham armas na sua posse. O grau de violência inscrito na vida comum era grande.
 


OUTRO OLHAR

 


INCÊNDIOS

de novo à minha frente, dois, um maior do que o outro, começados à mesma hora em locais separados por trezentos ou quatrocentos metros. De novo só a ausência de vento permitiu que não fossem um perigo.
 


JÁ CHEGA DE “TAMBÉM ELE”

Hoje é um dia urbano dedicado à vida de que S. Bernardo não gostava.


“TAMBÉM ELE” – MAIS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O que tenho estado a fazer – parte a defender-me, parte a atacar - a propósito da notícia do 24 Horas, no Abrupto é um uso delicado deste meio, que nunca previ vir a fazer. Mas que sentido teria pronunciar-me sobre outras coisas, sobre o que leio e o que gosto, e não sobre o que me revolta? Pensei duas vezes e decidi-me a escrever no Abrupto, o meu pequeno jornal pessoal. Para além disso pode ser pedagógico ver como evolui um “escândalo” ad hominem do lado do alvo.

Neste caso impus-me uma regra: nunca escrever aqui o que não faria num orgão de comunicação social normal, sujeito aos mesmos condicionamentos e às mesmas regras deontológicas.

O assunto saiu num jornal tablóide e não chegou à imprensa chamada séria. Estou convicto que chegará, dado que o próprio tablóide gera o pretexto para esse salto. É uma técnica conhecida, ninguém quer publicar em primeiro lugar, mas depois todos acham que continuar a “notícia” é legítimo. A prudência aconselharia silêncio, o assunto podia morrer por si. Mas não sei porquê, o meu silêncio parecia admissão de culpa e eu não fiz nada de que tenha que me condenar.

Vi finalmente o insultuoso título – “Pacheco dá volta ao fisco” com honras de capa, fotografia e uma página inteira no interior, e isso ultrapassa a minha medida. Sobre ele consultarei o meu advogado para saber se há fundamento para processar o jornal com todo o vigor e sobre todas as formas possíveis.

DIVULGAR A DECLARAÇÃO DO IRS?

Quando se está revoltado, e não tenham dúvida que é essa a palavra exacta, pensa-se fazer algumas coisas nem todas sensatas. Uma das que apesar de tudo penso mais sensata foi publicitar a minha declaração de rendimentos e todos os documentos conexos aos rendimentos associados aos direitos de autor, para se ver não só extenso e inequívoco traço de papel que vai desde a TSF ou a SIC até à SPA e às declarações de IRS. Por aí se verá que não há qualquer “volta ao fisco” – está lá tudo preto no branco. Pode depois haver uma diferença de interpretação sobre a categoria de determinados rendimentos, e a parte colectável que lhe é aplicada, mas num país civilizado seriam as Finanças a fazer essa chamada de atenção para que insisto, tem todos os elementos. Nunca o fizeram.

Ainda não decidi se divulgo ou não a minha declaração, mas se o fizer será no Abrupto para não me sujeitar ao tratamento selectivo dos seus elementos. Será integral e cada um julga por si.

Há, no entanto, razões de outro tipo que me fazem hesitar. Há uns anos, escrevi um programa para a Distrital de Lisboa do PSD que continha dois aspectos polémicos: um, o fim da televisão pública, outro, o acesso generalizado às declarações de rendimentos, como acontece nalguns países nórdicos. Da mesma maneira que qualquer pessoa pode pedir algumas certidões sobre terceiros poderia aceder á sua declaração de rendimentos. É evidente que se previa uma alteração radical dos impressos, que poderiam ter uma parte confidencial, mas o que dizia respeito aos rendimentos seria pública. Na altura, e isso não é segredo nenhum, a drª Manuela Ferreira Leite, que fazia parte da lista, opôs-se com argumentos que merecem toda a ponderação e são vários. Técnicos e políticos. Voluntariamente retirei essa proposta, mas fez-se então uma primeira discussão sobre a matéria.

Decidindo no impulso do momento, eu quebraria uma regra de violar mais um passo da privacidade, mais um direito que me assiste, para gaúdio de um voyeurismo populista que continuaria a tratar-me como dando a “volta ao fisco” , porque ele não se alimenta de informação mas de um desejo no qual se mistura inveja socializada e preconceitos contra a democracia e os políticos. Insisto, ainda não decidi, mas hesito.

Parte do preço que hoje muitos lamentam se estar a pagar com as escutas telefónicas, prisão preventiva facilitada e longa, poderes excessivos a magistrados, começou aqui, nesta continua cedência ao populismo, na qual há muita consciência de culpa.

6.8.03
 


"TAMBÉM ELE"

foi actualizado.
 


CRATERA

 


MEDIDAS A MEIO CAMINHO NÃO RESOLVEM NADA

Li a notícia que o MAI “cancelou hoje as licenças para o lançamento de foguetes durante a actual situação de risco de incêndios.” Se fosse assim ficaria contente – é um risco desnecessário, a que sem custo nos podemos poupar.Mas depois quando se analisa o texto só surgem ambiguidades.

O MAI ”ordenou à GNR e à PSP que não procedam à concessão de licenças para o lançamento de foguetes ou queima de outros fogos de artifício, excepto nos casos em que os bombeiros da área certifiquem que não há risco.” Já temos excepções e uma pura abstracção para as definir: não estou a ver os bombeiros assumirem essa responsabilidade, nem que tenham meios, ou burocracia, para, no meio deste inferno de fogos, irem agora “certificar” a terra X ou Y.

Depois há pior:

O ministro Figueiredo Lopes determina ainda que seja dado conhecimento ao coordenador distrital do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil das licenças já concedidas antes da actual situação e cujos lançamentos ou queimas ainda não tenham sido efectuados, para que sejam tomadas medidas de prevenção contra incêndios.”

Pode ser que o defeito seja de quem redigiu a notícia , mas depois de a ler ficam-me imensas perplexidades. Foram ou não “canceladas as licenças”, ou seja, é proibido deitar fogo? Se é assim porque razão se abre uma excepção “para as licenças já concedidas antes da actual situação e cujos lançamentos ou queimas ainda não tenham sido efectuados, para que sejam tomadas medidas de prevenção contra incêndios.” Toda a gente sabe que a maioria das festas ainda estão para vir no mês de Agosto, portanto o fogo deitado até agora é pouco significativo. Eu aqui só vejo uma prevenção possível: não deitar o fogo.

Esta é um medida que, para ter efeito, devia ser genérica pelo menos no âmbito dos distritos de risco e não ter excepções, nem um processo burocrático complicado que ninguém está em condições para garantir, a uma semana das festas do 15 de Agosto. Para além disso num mesmo distrito criaria desigualdades entre aldeias cujas festas competem entre si. É mais fácil de aplicar se, num âmbito distrital, for igual para todos.

Se nos ficarmos por isto, e conhecendo-se a realidade de desresponsabilização da cadeia de autoridade, das Juntas de Freguesia aos Governos Civis, vai haver foguetes em todos os lados. O MAI deve saber isso porque termina dizendo

A Guarda Nacional Republicana e a Polícia de Segurança Pública devem também reforçar a fiscalização no âmbito do uso de foguetes ou queima de outros fogos de artificio.”

Mas estamos a falar de uma proibição ou de um “uso” controlado? Como é que eu convenço alguém com este texto que não se pode deitar foguetes. Nem vale a pena tentar.


 


UMA HISTÓRIA DE JOÃO PULIDO VALENTE DE 1958

está nos Estudos sobre o Comunismo.
 


A CAMA DO GADO

Isto de se ser itinerante, vagabundo e curioso às vezes dá para aprender algumas coisas. Uma das funções económicas das matas era fornecer tojo para a “cama do gado”. Literalmente aquilo sobre o qual o gado (bois de trabalho, vacas de leite) dormia. Todos os anos se vendia o tojo e depois, pouco a pouco, deixou de se vender. O tojo passou a acumular-se nas matas aumentando a sua carga térmica. Os incêndios são feitos de muitas destas coisas.


DIÁLOGOS SOBRE FOGUETES

- Talvez este ano fosse bom não deitar foguetes…

- Acha? E depois ninguém vem à festa.

- É um risco, mas os incêndios são um risco maior.

- Os foguetes não provocam incêndios, para além disso avisamos os bombeiros.

- Mas e se os bombeiros não tiverem gente que chega nesse dia e se estiver vento …

- Não, não acontece nada e as pessoas querem os foguetes nas festas. Ainda se alguém que mandasse proibisse…

(Por absurdo que pareça ninguém que “manda”, o governo civil neste caso, proíbe.)
 


O NEGRO

Vivi, num dos meus “lugares de ascensão”, numa casa que ficava no limite de uma área que tinha ardido recentemente, em Pinho, Boticas. À noite, quando regressava a casa, atravessava a área do incêndio e pude “ver” como o negro absorve a luz. Os faróis do carro quase que não iluminavam a estrada e a luz fugia para dentro do negro dos pinheiros queimados nas bermas e para o chão coberto de cinzas. Não sabia que este efeito existia e pensei que as lâmpadas estivessem a acabar. Não.
Onde está negro fica mais negro.

(Actualização)

Fotografias deste mesmo negro, nas redondezas de Amor, Leiria estão na Aldeia de Amor.

5.8.03
 


NOVO - FÍSICA E MATEMÁTICA - 3ª SÉRIE DE COMENTÁRIOS

Actualização mais atrás
 


OUTRA VEZ À LUZ DE SKAGEN

 


“TAMBÉM ELE”

Como imaginam este é o último dos comentários que eu gostaria de aqui colocar, mas neste tipo de escrita está-se aqui para o bem e para o mal. Este é o mal.

Também não tenho feitio para olhar para o lado, como se nada fosse. Podia ficar calado para não “amplificar”, mas eu não sou da escola do ficar calado. Segundo me disseram, o 24 Horas acusa-me de fugir aos impostos por receber as colaborações nos órgãos de comunicação social como direitos de autor, o que, segundo o jornal. não seria conforme às regras fiscais. Não li o texto do jornal, e por isso atenho-me apenas ao que sei da notícia.

Sobre isto queria esclarecer o seguinte:

1) não recebo um tostão que não declare para efeito de impostos e desafio quem quer que seja que diga o contrário;

2) não tenho outros rendimentos que não sejam os do meu trabalho, quer como deputado, quer como autor;

3) não sou jornalista, pelo que não posso declarar as minhas contribuições nos órgãos de comunicação social como “jornalista”:

4) tratando-se de colaborações originais, comentários, conferências e textos é para mim óbvio que se trata de”autorias” , prática aliás comum seguida por outros autores, tanto quanto eu saiba, nas mesmas exactas circunstâncias; isto significa , de facto, pagar menos impostos porque a lei protege os autores;

5) de há dois anos para cá, agrupei na Sociedade Portuguesa de Autores o recebimento de todas estas colaborações; tudo é feito com recibo; tudo está contabilizado quer no órgão de comunicação social respectivo, na SPA e nas declarações às Finanças, onde consta como é obvio a origem , e o carácter de direitos de autor do dinheiro recebido; não há qualquer informação que seja sonegada, nem qualquer truque, tudo claro e transparente:

6) aliás, só um doido é que tendo actividades políticas faria qualquer truque com dinheiro que recebe de órgãos de comunicação social:

7) nunca até agora isto suscitou qualquer dúvida a ninguém, a começar pelas Finanças e eu, não sendo especialista, nunca me passou pela cabeça que tal pudesse suscitar dúvidas;

8) se alguém tem que colocar objecções são as Finanças (que tem os papéis todos com a clara indicação do que se trata ) e se o fizer procederei em consequência; se as Finanças tiverem razão pagarei o que devo, se me parecer que a interpretação é abusiva contestarei legalmente, como é direito de qualquer cidadão; o meu único interlocutor nesta matéria são as Finanças;

9) enquanto não o fizer não tenho nenhuma razão para alterar o meu comportamento, porque , insisto, não sou jornalista mas autor do que escrevo, e do que digo.

Uma penúltima observação: admito que não tenha sido essa a intenção do 24 Horas, mas já esperava que em vésperas das eleições europeias de 2004, dizendo eu o que digo, estando eu a empecilhar alguns arranjos, alguma coisa deste tipo acontecesse.

Uma última observação: talvez o aspecto mais penoso da actividade política seja este, ser misturado com quem deve e teme, ouvir o ruído invisível do “também ele”. Provoca revolta e tristeza, grande revolta e tristeza, porque este tipo de acusações não tem emenda possível, alguma coisa sempre fica.
Mas não é, não é “também ele”.

(Actualização)

Agradeço a correspondência que recebi e as manifestações de solidariedade nela contida. Alguma dessa correspondência é de carácter técnico e muito interessante. Dela decorrem vários aspectos que sintetizo a seguir.

Trata-se de uma prática comum e generalizada (não só entre políticos, mas também entre jornalistas e comentadores académicos) que nunca suscitou reparos. O meu nome foi obviamente escolhido a dedo. É uma matéria controversa sobre a qual há práticas e pareceres contraditórios, tanto mais que a legislação foi feita antes de se generalizar este tipo de actividades na rádio e televisão, dado que a descrição de um comentário como “discursos proferidos em debates públicos” dificilmente se aplica a esta nova realidade. Para além disso, os programas são muitas vezes repetidos pelo que também não é verdade que “os direitos de autor esgotam-se no momento da comunicação. Não existem direitos posteriores.” Tanto existem que os contratos o estipulam para as emissoras poderem comercializar programas que incluam comentários.

No entanto, eu não sou jurista e percebo pouco de finanças, pelo que também tenho em conta as opiniões abalizadas que dizem que tal não é possível. O que vou fazer é suspender de imediato os pagamentos na SPA, até esclarecer porque razão uma entidade que é suposto saber se é legal ou não receber direitos de autor de comentários, aceita recebe-los e pedirei um parecer às Finanças.

É minha intenção manter os leitores do Abrupto informados de como evolui este caso.
 


S. BERNARDO E A ARTE COMO DISTRACÇÃO DE DEUS

Uma das alegrias de quem é curioso, na definição antiga do curioso, amador, coleccionador, é estar a sempre a encontrar palavras, objectos, imagens, na espantosa variedade do mundo, e dos livros. Enquanto o mundo for assim, como é possível haver aborrecimento? Como é possível não haver nada para fazer?

Vejam-se estas palavras, enviadas por V., uma amiga que gosta de Bernardo, S. Bernardo de Claraval, sobre o que os monges podiam ver, olhando em volta numa capela já antiga para o seu século. Bernardo pergunta “para que serve”, ele que achava que a arte era uma “distracção”:

«De resto, para que serve, nos claustros, onde os frades lêem o Ofício, aquela ridícula monstruosidade, aquela espécie de estranha formosidade disforme e disformidade formosa? O que estão ali a fazer os imundos símios? Ou os ferozes leões? ou os monstruosos centauros? Ou os semi-homens? Ou os tigres manchados? Ou os soldados na batalha? Ou os caçadores com as trombetas? Podem ver-se muitos corpos sob uma única cabeça e vice-versa: muitas cabeças sobre um único corpo. De um lado,avista-se um quadrúpede com cauda de serpente, do outro, um peixe com cabeça de quadrúpede. Ali um animal tem o aspecto dum cavalo e arrasta atrás de si uma metade de cabra, aqui um animal cornudo tem o traseiro de cavalo. Enfim, por todo o lado aparece uma estranha e grande variedade de formas heterogéneas, para que se tenha mais prazer em ler os mármores do que os códigos, para que se ocupe o dia inteiro a admirar, uma a uma, estas imagens em vez de se meditar na lei de Deus. Oh Senhor, já que não nos envergonhamos destas criancices, porque não lamentamos, ao menos, os dispêndios?»

Tudo é interessante neste texto. A força das frases, com o fôlego do contemplativo que vê mais que os outros, a descrição magnifica do que um homem do século XII podia ver numa capela românica, e o argumento final, a que hoje chamaríamos “economicista”, dos “dispêndios”. O verdadeiro “dispêndio” era naturalmente o corpo:

Se desejardes viver nesta casa, é necessário deixar fora os corpos que trazeis do mundo; porque só as almas são admitidas nestes lugares, e a carne não serve para nada”.

Essa veemência contra o corpo, que o levou a atirar-se para dentro de uma tanque de água fria quando viu uma rapariga, ou a dominar o sabor para não ter gosto na comida, ou a não querer dormir para não perder o controle de si, é , como nós sempre suspeitamos, pura sensualidade. Por isso nos seus textos há das melhores descrições da beleza, das “carícias do corpo” , em nome da negação da própria beleza, uma “distracção” que nos afasta de Deus:

«Nós, monges, que já nos isolámos do povo, nós que, por Cristo, abandonámos todas as coisas preciosas e formosas do mundo, nós que para merecer Cristo consideramos como esterco todas as coisas que resplandecem de beleza, que acariciam o ouvido com a doçura dos sons, que lançam odores suaves, que têm um gosto doce, que agradam ao tacto, e o que, em suma, acaricia o corpo...»

Bernardo sabia que a arte nascia do corpo, mesmo quando era cosa mentale.
 


FÍSICA E MATEMÁTICA – COMENTÁRIOS - 3ª SÉRIE

O Abrupto recebeu ( e continua a receber) muitos comentários sobre a questão das notas de Física e Matemática. Considero que esta é uma questão estratégica para combater o nosso atraso endémico, pelo que todo o espaço que se lhe der é pouco.

*

Sei que o timing para comentar este assunto já passou, mas gostaria de acrescentar algo sobre a questão dos exames de Matemática e Física. Em geral, os comentários são todos a culpar o sistema. Acho mais interessante analisar o que causou esse tal entorpecimento do sistema e o que não deixa que se modifique. Mas aqui não há grupos de pressão, interesses das multinacionais, pelo menos directamente. Todos somos culpados, como se costuma dizer, mas talvez seja útil apontar o dedo a alguns deles: pais, intelectuais, programadores de televisão. Propositadamente deixei políticos e agentes de ensino de fora, porque as suas culpas e desculpas já são bem conhecidas.

Os pais, em geral, não demonstram qualquer interesse na educação dos filhos. Para eles a educação é apenas uma forma de conseguir um bom emprego, de atingir estatuto social ou talvez apenas uma forma gratuita de ocupar os filhos. O saber tem que ser utilitário, tem que servir para algo que dê dinheiro ou poder, é essa a visão geral. É comum um pai perguntar ao filho o que aprendeu na escola? Partilhar com eles conhecimento? Não, os pais não se interessam, os pais não acompanham diariamente os filhos, apenas querem ver notas, resultados, sucesso ou falhanço. São juizes, não são orientadores.

Depois culpo os intelectuais. Coloco-os entre itálico devido ao pouco respeito que tenho pela classe que em Portugal se costuma denominar assim. Por cá, intelectual é a figura que se deixa deslumbrar pelo poder, que comenta nos jornais e na TV, que fala com suposta autoridade. Como dizia um filósofo, há pessoas que só consegue convencer os ignorantes, e é assim que vejo os nossos intelectuais. E o meu pouco respeito deriva precisamente dessas pessoas serem, na sua quase totalidade, analfabetos em Física e Matemática. Estes intelectuais não sabem em que mundo vivem, não sabem o que é um electrão, o que diz o 2º princípio da termodinâmica, o que é a luz, o que é o princípio da incerteza e nem sabem pensar matematicamente - e tudo isto são coisas fundamentais, tão essenciais ao homem culto como saber a História do seu país ou dominar a língua materna. O baixo nível que atinge a pseudo - intelectualidade faz com que aos verdadeiros intelectuais lhes repugne o contacto com estas pessoas. Porque temos muitos bons investigadores em Portugal na área científica, mas estes preferem falar com quem lhes está à altura, os seus pares por cá e no estrangeiro. Por isso, os verdadeiros intelectuais normalmente estão escondidos do público, substituídos por medíocres sedentos de protagonismo.

Por último, os programadores de TV. Trata-se de um problema global. A linguagem televisiva actual privilegia o óbvio, a última novidade, mostra tudo rapidamente e pronto a consumir, sem necessidade de pensar. As maravilhas da ciência não se explicam desta forma. O pior é que muito dificilmente se explicam de qualquer forma. Existem muitos livros que fazem uma boa divulgação científica, mas aí já são os leitores que tomam iniciativa (quase sempre) e já estão dispostos a fazer um esforço para compreenderem. A TV como meio de divulgação científica quase não existe e quase nunca existiu. Desde os programas de Carl Sagan que não foram feitos outros que conseguissem entusiasmar tantas pessoas pelo mundo fora pela ciência. A verdade é que não é fácil falar de ciência para toda a gente com rigor e poesia, mas se não for assim não se consegue cativar.

Claro que o sistema está mal. Um simples exemplo: há uns anos atrás, numa livraria, abri um manual de Física do secundário. Li o prefácio e apenas em algumas linhas detectei uma meia dúzia de erros crassos. Assim é difícil aos alunos aprenderam alguma coisa.

Gostava de lançar um desafio que acho interessante. Eu tenho formação científica, como se pode ver pela minha escrita tosca e directa. Agora vou tentando me complementar procurando saber mais de artes, literatura, história, ciências sociais. Que tal as pessoas ligadas às letras, artes e ciências sociais procurarem saber mais de ciência? Não lhes faria mal nenhum e iriam descobrir muitas coisas interessantes. O conhecimento pode ser uno, se fizermos por isso. Seria o primeiro passo para muita coisa.

Mário Chainho

*

Embora concorde com as considerações do seu post acerca deste tema e com o ponto de vista de que resultam os seus comentários, parece-me que há um ponto que está a fugir ao debate e será mesmo uma das razões base do actual estado das coisas.

Parece-me haverem dois grandes patamares, ou fases, na aquisição do conhecimento.
Uma 1ª Fase, que pode ser encarada como Fase de aquisição do conhecimento elementar e uma 2ª Fase, um patamar já mais ligado à criatividade, investigação, experimentação, etc. Acontece que o debate se centra sempre no falhanço desta segunda fase, sem que tomemos consciencia de que é o falhanço da fase anterior que gera a impossibilidade de se obterem resultados na fase seguinte.Se nem os alunos, nem os professores são menos capazes do que eram há 20 anos, por exemplo, o que é que está a correr mal?
Penso que na 1ª fase do ensino, há que dotar os alunos dos conhecimentos elementares que são essenciais. Sem pretender ser exaustivo, a História, a Física, a Matemática, as Ciencias Naturais, o Português, o Inglês, a Química, a Filosofia, etc., são exemplos das áreas que fornecem as ferramentas do "conhecimento" que tem que ser adquiridas num certo grau mínimo, para ser possível avançar para patamares posteriores, com as condições básicas asseguradas. Aqui, há que fazer uma separação entre os alunos que estão preparados e os que não o estão. Sejam Exames, Testes, ou o que se quiser, há que ter uma maneira objectiva de aferir, com verdade, o grau de preparação dos alunos. Se estão ou não de posse dos tais conhecimentos base. Depois, só os que estão preparados deveriam poder avançar, pois os outros nunca poderão ter resultados efectivos, enquanto lhes faltarem os conhecimentos essenciais.Isto parece-me lógico.

A situação de os professores terem medo de reprovar os alunos é um aburdo porque não resolve nada e no final, gera uma insuperável frustração em todos os envolvidos. Mesmo não sabendo o essencial, os alunos, chegam ao 10º ano sem reprovarem. A partir daqui, como as coisas se complicam e eles não têm os conhecimentos essenciais, "estacionam" no 10º ou 11º e ficam à deriva. Entretanto, passaram os anos e já não é possível voltar ao secundário para aprender aquilo de que necessitam. Ficam, literalmente, sem saida e intala-se a frustração. A frustração dos alunos, dos professores e dos pais.É essencial que se façam Exames em vários níveis de modo a garantir a "qualidade" dos alunos que transitam à fase seguinte.Por analogia, veja-se por exemplo o que se passa na Indústria Alimentar. Há já alguns anos foi criado um sistema de controle de qualidade nos EUA, chamado HACCP (Hazardous Analyses and Control of Critical Points) que consiste resumidamente no seguinte :
Na fase de produção de um bem, são identificados os pontos críticos para a qualidade do produto final.Sempre que no processo de fabrico, o produto sofre uma tranformação para passar a uma fase superior e esse ponto é considerado crítico, o produto é sujeito a testes de qualidade nesse ponto.O produto só avança para a fase seguinte se "passa" nos testes. Deste modo se garantem 3 factores. A melhor qualidade do produto final, O menor número de rejeições, O mais baixo custo total envolvido. Se o produto passou em todos os pontos críticos, já não precisa do controle de qualidade final que antigamente era aquele que servia para "aprovar" o produto.

Sem querer ser "redutor" parece-me que o nosso problema é sempre o mesmo. Estamos todos de acordo quanto ao problema. No entanto, nenhum Governo resolve tomar uma decisão, mesmo sabendo que existirão alguns erros, para depois se ir construindo (aperfeiçoando) nessa plataforma. Assim, vamos debatendo, debatendo e o tempo a passar. Parece querermos encontrar o Óptimo, quando ainda estamos no Sofrível. Fazer o Bom era um avanço significativo. E nisto, francamente não me parece estar a ser "faccioso".

António Torres

*

Sou uma estudante do 12º ano que pretende candidatar-se ao curso de economia na Faculdade de Economia na Universidade do Porto, a qual exige como prova específica a tão temida Matemática. O meu propósito ao escrever-lhe é para lhe contar uma experiência pessoal invulgar e as conclusões que tirei daí. Frequento um liceu Público do Norte do País no qual obtive um esforçado 16 a Matemática no 12º ano. Fui fazer o exame bastante nervosa e assustada pois todos os professores e alunos nos descreviam o exame como algo de terrível, embora tivesse noção de ter estudado o necessário. Para meu espanto, correu-me bem e no passado dia 1 de Agosto constatei que tinha obtido um 18.5 no exame. Então, face a esta invulgar situação de subida de nota em exame, parei para pensar. Será que estudei mais para este exame do que para os testes? (Penso que não) Será que fiz testes mais difíceis? (Não, mesmo porque os meus testes eram uma selecção de perguntas de exames de anos anteriores integralmente ou adaptadas), será que fui injustamente avaliada?

Afinal os exames até nem são difíceis e seguem sempre o mesmo esquema, concluía que o que me permitiu tirar esta nota foi o facto de nos dias antes do exame ter feito todos os exames dos últimos 4 anos. Então percebi, que estive durante um ano inteira a ser preparada para aquele exame, que tinha feito dezenas ou talvez centenas de exercícios estereotipados. Mas porque é que ao percorrer no sentido vertical as pautas de Física e Matemática na minha escola era possível encontrar 10 alunos seguidos com notas negativas?
Na minha opinião, as razões que explicam tal facto são as seguintes:

1.Alguma incompetência por parte dos professores. Muitos nem sequer são formados em Matemática ou Física e não sentem a mais pequena vocação para leccionar. Um aluno é capaz de faltar a todas as aulas de uma disciplina como História, estudar em casa pelo livro e apontamentos e tirar uma boa positiva. Por outro lado em relação à Matemática, bastava ir a todas as aulas, não estudando em casa, a partir do momento em que percebesse tudo nas aulas. Porque os exercícios não variam muito, se se perceber, porque é que se usa uma derivada, não será preciso fazer centenas de exercícios com
derivadas, até se mecanizar, bastará face a um novo exercício raciocinar e depois aplicar. Por fim é de salientar a dificuldade que muitos professores têm em atribuir notas altas aos alunos, especialmente por parte das escolas públicas. Citando um antigo professor meu: “20 é para Deus, 19 para mim, e o resto para os alunos”...

2.A inércia total por parte dos alunos. Pois para muitos a Matemática e a Física são difíceis e por isso não vale a pena estudar. Os alunos vão-se acomodando a esta situação e até vão passando de ano até se depararem com um exame final.

3.O problemas das escolhas múltiplas. Por exemplo, num exame de matemática há 7 perguntas de escolha múltipla com quatro respostas possíveis, no valor de 0.9 cada uma, perfazendo um total de 6.3 valores. No entanto, sempre que um aluno falhar a opção que escolhe é lhe descontado 0.3 às restantes perguntas feitas. Acho que pelo menos devia ser obrigatório que o aluno além da resposta escolhida, indicasse uma breve explicação do raciocínio elaborado. Pois por muitas vezes me senti injustiça devido à escolha múltipla.

4.A culpa dos nossos governantes. Como diz o velho ditado “ de pequenino é que se torce o pepino”, o que neste caso não poderia ser mais verdade, pois o gosto pela matemática adquire-se desde pequeno, não é só importante criar projectos, como por exemplo a “ciência viva”, como é urgente incentivar os mais novos ao mundo dos números, pois quando se gosta, é mais fácil estudar e obter melhores resultados. Não sendo de descurar a revisão dos programas, dos exames e das aulas do ensino secundário. Sei que não será fácil, pois apesar de os exame por vezes serem injustos, no contexto actual são a melhor forma de fazer justiça. Pois é a única maneira possível de nivelar os alunos à entrada na faculdade face a critérios de avaliação e técnicas tão vastas e diferentes a nível nacional.

Diana Silva



 


ANÚNCIO DA SUA MORTE

Texto do anúncio da sua própria morte feito por João Pulido Valente:

"Eu, João Pulido Valente, informo os meus Amigos que morri hoje, 4 de Agosto de 2003, de manhãzinha. Convivi com Ideias, mulheres, tabaco e álcool. Contraí cadeia, sífilis, cancro e ressacas. Não estou arrependido. Julgo ter pago o preço justo por ter vivido. Quando eu morrer não quero choro nem velas, quero uma fita amarela, gravada com o nome dela: Liberdade."

Ainda há homens assim.

4.8.03
 


À LUZ DE SKAGEN

 


INCÊNDIOS

Nestes momentos, que todos sabemos serem difíceis, falar de outras coisas pode parecer escapismo, mas também falar delas é, muitas vezes, ruído. A destruição de uma parte de Portugal pelos incêndios, é apenas uma parte de outras destruições mais lentas, menos visíveis, menos dramáticas, mas nem por isso menos eficazes. As razões de umas e outras são mais próximas do que parecem, remetem para um laxismo governamental muito antigo, para a diluição das autoridades intermédias que não cumprem as suas responsabilidades, e para resistências sociais profundas. É tudo menos um problema de dinheiro.

As causas dos incêndios são conhecidas (todos os estudiosos da nossa floresta sabem porque é que ela arde), são complexas (porque mexem com o tecido social, com a propriedade e com as mutações no uso económico da floresta) e tem soluções também conhecidas, embora menos fáceis do que neste momento de indignação parecem.

Quando passarem os incêndios é uma discussão a que se deve voltar. De fundo e a fundo. Agora é natural a indignação e que, quem possa fazer alguma coisa, faça.


RESISTÊNCIAS

Experimentem fazer esta coisa tão simples como seja convencer uma Comissão de Festas a não deitar foguetes. Não falo em abstracto, mas em concreto. Chamar a atenção para que não há quaisquer condições de segurança para se deitar foguetes é ser “contra a Festa” de imediato. É assumir a responsabilidade do “falhanço” da festa, porque, como muitas coisas que se fazem voluntariamente, estão presas por um fio ténue entre o desastre económico e o magro sucesso. Os meios pequenos são cruéis na atribuição de responsabilidades e incapazes de as assumirem.

O fogo está comprado e presumo que pago e ninguém imagina uma festa sem as dezenas de foguetes às 8 da manha para a “alvorada” e durante o dia repetidas vezes para marcar eventos ou pura e simplesmente mostrar que há festa. Não é fogo de artifício para iluminar os céus, são foguetes para fazer barulho. Já sugeri que gravassem o barulho e o atirassem para o ar como se fossem os foguetes. Não adianta. O sucesso da festa é ter foguetes, mesmo que ninguém saiba se eles têm algum papel em trazer pessoas para os espectáculos, ou se estes foram bem ou mal escolhidos.

Deitar foguetes, por muito treino que se tenha, não é uma ciência exacta. O vento atira-os para qualquer lado e vastos espaços com erva seca e vegetação rasteira estão apenas à espera de serem incendiados. Também isto não é abstracto, os foguetes provocaram regularmente pequenos incêndios nas festas dos anos anteriores e os bombeiros são chamados quase como um hábito. Toda a gente sabe isto, ninguém verdadeiramente liga. Ninguém imagina sequer que este ano possa não haver bombeiros porque estão ocupados noutro sítio e não chegam para as encomendas.

Seguros? Não existem. Alguém se responsabiliza? Ninguém. Do governador civil que deveria este ano proibir em determinados distritos de risco o fogo de artifício, à Junta que não quer aborrecimentos e incompatibilidades. E o mais provável é que haja foguetes e depois a culpa não seja de ninguém.

 


PRESENTES MATINAIS PARA OS AMADORES DE LIVROS

Para o Almocreve das Petas

Mesmo que o “almocreve” já conheça, aqui vai uma recomendação do livro de Nicholas A. Basbanes, Among the Gently Mad. Strategies and Perspectives for the Book Hunter in the Twenty-First Century , Nova Iorque, A John Macrae Book, 2002. Para a tribo dos “gently mad” dos amadores dos livros é uma boa leitura.

Para os Textos de Contracapa



Esta reprodução do início de uma carta de 1 de Agosto de 1970, faz parte de um conjunto de cartas de Vergílio Ferreira sobre a sua obra, sobre a juventude, o Maio de 1968, o cinema, etc., fragmentos de uma correspondência que com ele mantive nesses anos.

Para os entusiastas dos Sopranos

... nos quais eu me incluo, o melhor que se publicou até agora é a antologia de ensaios editada por David Lavery, This Thing of Ours. Investigating the Sopranos, Columbia University Press , 2002 . Entre os ensaios, com títulos como “Fat fuck! Why don’t you take a look in the mirror?”. Weight, Body Image, and Masculinity in the Sopranos” ou “Soprano-speak” Language and Silence in HBO’s The Sopranos”, típicos dos académicos americanos há muita coisa que vale mesmo a pena ler. Para a esquerda politicamente correcta há o livro de David Simon, Tony Soprano’s América. The Criminal Side of the American Dream, Boulder, Westview Press, 2002, muito menos interessante e que se dedica a dizer o que se espera – os Sopranos são a América, violência, mentiras, extorsão, ou seja, a culpa é do capitalismo, etc.

3.8.03
 


ONDE

 


EARLY MORNING BLOGS 23

A blogosfera está um fio de água, um pequeno ribeirinho, não corre de dia, não corre de noite. Agora é que as férias profundas estão cá, secando tudo.

Não me custa imaginar como vai ser o princípio de Setembro: chuvas poderosas, torrentes de palavras de novo a encher este vale. Trovoadas, estrondos, Zeus lá em cima de relâmpago na mão, fúria, sturm und drang, águas do Sul, águas do Norte, águas a quererem correr para trás desafiando a gravidade, águas ligeiras flutuando sobre outras águas, águas negras do fundo, clareza, limpidez, obscuridade, desejo de ser rio, desejo de ir para o mar, desejo de não ir para parte nenhuma.

Todas revolvendo-se num pequeno espaço de um vale profundo, a querer deixar um sulco que diga – “esta é a minha água e corre por aqui”.

2.8.03
 


UMA VELA

Aqui, fica-se sempre. Como a vela que Yuri observou na rua, num principio de noite russa, tão precoce, tão cedo e tão tarde. Como no poema de Pasternak que vem no Dr. Jivago, que traduzi a seguir. O poema resulta de um olhar casual:

Quando passavam na rua Kamerger, Yuri reparou numa vela que tinha derretido uma abertura na camada de gelo de uma das janelas. A luz parecia querer dirigir-se para a rua, quase conscientemente, como se estivesse a observar as carruagens que passavam ou esperando por alguém.
“Uma vela arde na mesa, uma vela arde …” murmurou para si próprio – o princípio de alguma coisa confusa, informe, que esperava que assumisse uma forma. Mas nada lhe surgiu


O que mais gosto no poema é o toque chekoviano, algo que só a literatura russa do principio do século XX era capaz de dar, uma delicadeza infinita a tratar das coisas humanas, sem exageros ou dramas, só a frase simples e leve e terrível. Nos momentos mais difíceis, quando tudo soçobrava à nossa volta, lá ficava a vela ardendo na fronteira entre o quarto e a rua, na “noite de Inverno”. A presença da vela é a última esperança, a da persistência.


Todas as tempestades
Cobrem a terra.
A vela arde em cima da mesa
A vela arde.

Como no Verão, as traças são empurradas
Para a chama,
Os flocos de neve batem
Contra a janela.

No vidro, anéis brilhantes de neve
E fios de água escorrem.
A vela arde em cima da mesa
A vela arde.

No teto iluminado
As sombras oscilam.
Braços e pernas,
Cruzados pelo destino.

Duas botas caem no chão
Fazendo barulho,
E lágrimas de cera
Tombam no vestido.

O nevoeiro de neve
Não nos deixa ver.
A vela arde em cima da mesa
A vela arde.

Um sopro vindo do canto
Faz tremer a vela,
Duas asas cruzam-se
Como num anjo.

Nevou muito durante Fevereiro
Como é costume.
A vela arde em cima da mesa
A vela arde.
 


VERÃO ANTIGO

 


A CATÁSTROFE DO DIA SEGUINTE É SEMPRE MAIOR DO QUE A DO DIA ANTERIOR

Não obtenho qualquer informação dos noticiários da comunicação social, em particular nas televisões, sobre os fogos. O mesmo já acontecia nos anos anteriores. Desde que começaram os fogos, os do dia seguinte são sempre piores do que os do dia anterior. É a única constante. Para além disso é sempre tudo uma “catástrofe”, sempre tudo descrito de uma forma tão hiperbólica, tão dramática, tão excitada, que, a uma dada altura, as palavras estão tão gastas que não servem para nada. Não há dados objectivos, áreas, mapas, dimensões, é tudo a olho. A combinação entre a excitação para o espectáculo, a ignorância daquilo que se fala, e a lógica do sempre novo, sempre maior, sempre mais dramático, destrói qualquer conteúdo informativo.
 


FÍSICA E MATEMÁTICA – NOVOS COMENTÁRIOS ADICIONADOS NA 2ª série

Há novos comentários adicionados na 2ª série um pouco mais abaixo no blogue. O debate sobre a educação cíentifica é um dos mais importantes que se pode ter no Portugal de hoje e a qualidade e o conteúdo das intervenções dos leitores do Abrupto demonstram essa necessidade. Os textos são mais longos do que o habitual para este meio, mas o seu interesse justifica o agrupamento numa entrada única.
 


VER A NOITE - INCÊNDIO

Tenho um incêndio a quinhentos metros, atrás de uma curva de estrada , numa ravina coberta com mato. Não oferece perigo nem a pessoas, nem bens porque está uma noite sem vento. Os bombeiros não terão dificuldade em impedir que atravesse a estrada. Com vento seria indomável e subiria sem tréguas.

Um enorme clarão vermelho vulcânico ilumina a própria nuvem que produz. Ouve-se crepitar e o cheiro intenso penetra em tudo. É irónico que este festival de destruição produza um cheiro magnífico, à urze, ao mato queimado. Os carros de bombeiros passam sem as sirenes, desnecessárias porque não há trânsito. Uma agitação silenciosa perpassa nas pessoas, apanhadas na sua maioria já a dormir, pequenos grupos de vizinhos juntam-se a ver, a vigiar, inquietos.

Desci ao sítio das chamas junto do local onde os bombeiros esperam que o fogo se possa combater. O poder do fogo é enorme, uma coluna de chamas sobe e desce em altura conforme os arbustos que apanha, atirando línguas de fogo para o próximo ramo, para a erva seca. Atrás fica um círculo negro do que já ardeu, claramente delimitado por um risco de chamas.

É ainda um pequeno incêndio, sem perigo previsível, mas ajuda a perceber o que se tem passado.
 


VER A NOITE

não é possível. O fumo dos incêndios espalha-se e tapa tudo. Não há estrelas, nem planetas, nem a jovem Lua se mostra. “Que farei quando tudo arde?” , perguntaria o meu mestre Miranda no canto superior esquerdo, no sítio onde Marte se deveria estar a mostrar.

1.8.03
 


DE PARTIDA

 


FÍSICA E MATEMÁTICA – COMENTÁRIOS - 2ª série (Actualizada)

NOTA: O Abrupto não tem comentários pelas razões já expostas. Através do correio electrónico recebe contribuições dos seus leitores, que são muito bem-vindas. Em função da economia geral do blogue e de regras editoriais de bom senso, serão aqui publicadas todas as contribuições para o debate, independentemente da minha concordância ou discordância com o seu conteúdo. Os textos estão publicados em ordem inversa da data de recepção.

"(...) o lançamento dum debate sobre o assunto, num país com reduzida tradição científica, e com muito pouca vontade para a construir.

O país em que Cultura-com-c-grande-nos-jornais-e-na-tv é sinónimo de Eça, Emmanuel Nunes, Vieira da Silva (só para mencionar alguns dos nacionais unânimes), mas nunca de Arquimedes, Galileu, ou Newton. Um país em que é escandaloso os alunos chegarem ao fim do 12º ano sem saberem quanto cantos tem "Os Lusíadas", mas não é escandaloso os mesmos alunos não compreenderem(!) que, desprezando o atrito, duas pedras de massas diferentes, lançadas simultaneamente da mesma altura atingem o solo ao mesmo tempo. Um país com uma intelligentsia que delira com Eduardo Prado Coelho ou Boaventura Sousa Santos mas ignora as calamidades pseudo- científicas que estas "talking heads" propagam nos anfiteatros da indústria de professores do Ensino Secundário. Um país que não compreendeu que Cultura Científica é, antes de tudo, questionar, criticar, experimentar, verificar e compreender, atitudes fundamentais para a cidadania nas sociedades democráticas.

(…) existe concerteza uma deficiência estrutural no sistema educativo nacional, mas esta deficiência é mental, e do sistema social português. Em comparações internacionais, os países asiáticos lideram sistematicamente os rankings da Física e da Matemática. Nestes países, o conhecimento é fortemente valorizado socialmente. Aprender Ciência, ensinar Ciência, fazer Ciência, são actividades com prestígio social, que os pais incentivam os filhos a prosseguir, o equivalente nacional a "fazer" a capa de revista cor-de-rosa, participar no próximo reality-show da tv, ou ser transferido para o futebol italiano. Os nossos valores são definitivamente diferentes dos valores sociais dos países que deram o salto do desenvolvimento científico e tecnológico.

E os nossos governantes têm tentado alterar esta atitude nacional? Numa lógica contabilística tudo indica que sim: escolaridade obrigatória alargada, melhores condições físicas nas escolas, e mais alunos nas escolas (em todos os níveis de ensino). Com que preço? Basta percorrer as escolas secundárias e falar com os professores e com os alunos. O sentimento generalizado é desmotivação. O nível médio de exigência dos programas é baixíssimo, fruto da pressão massificadora, e a escola substitui a família de forma indiferenciada e uniforme. Sucessivas reformas baixaram os padrões de exigência e automatizaram a promoção de multidões de analfabetos conceptuais a detentores da escolaridade obrigatória. A nova reforma do Ensino Secundário mantém esta bela tradição de inovação, sendo possível um aluno chegar a uma Escola de Engenharia sem ter tido Física e/ou Química nos três anos finais do Ensino Secundário (ver parecer do Instituto Superior Técnico sobre a reforma do Ensino Secundário). Todo este cenário torna-se ainda mais perturbador na Física ou na Matemática, em que a ausência de docentes com formação científica específica nestas áreas é quase total.Pergunta JPP: porquê estes resultados com a Física e a Matemática e não com as outras disciplinas? A resposta encontra-se subtilmente escondida no seu texto ("... o edifício da educação científica ...").

A Matemática, a linguagem das ciências "duras", é uma disciplina que exige um saber cumulativo, como bem descreveu Nuno Crato em intervenção televisiva recente. A sua aprendizagem não se compadece com lacunas na formação precedente e portanto supõe continuidade e estabilidade, características que raramente encontramos na composição do corpo docente das escolas públicas. Como qualquer linguagem, é exigente: o seu domínio implica muito treino e muito trabalho. A Física é um pouco diferente: compreender a linguagem matemática é fundamental, mas não é suficiente. A Física, como ciência experimental, obriga(-nos) a pensar e a confrontar a realidade, não se compadece com o saber sem compreender, o saber sem saber fazer, o saber-livresco-com-cheiro- a-mofo que impregna a nossa herança cultural francófona. Em qualquer dos casos, o nível de exigência e rigor das disciplinas é elevado e a qualificação científica dos docentes é crucial, sempre aliada à capacidade de transmitir o encanto e o prazer da Ciência. Muito deste prazer não se aprende no dia-a-dia de um estudante universitário. Encantamo-nos quando fazemos Ciência.

O contacto dos futuros professores com esta realidade é, em geral, reduzido e fortemente limitado: o estado, através das regras de financiamento, não incentiva as universidades que fazem Ciência, não incentiva a integração dos alunos em projectos de investigação e penaliza o ensino experimental/ laboratorial. Incentiva o ensino massificado, "barato" e com muito papel e lápis, a antítese da atitude que é necessário transmitir aos alunos do ensino secundário.Não existem soluções novas para descobrir a pólvora.

A teoria é unânime e do domínio público. Substâncias tão simples como trabalho, motivação, exigência, responsabilização, valorização e recompensa são, regra geral, suficientes. Contudo, não é óbvio que Nação/governantes/"opinion makers"/ professores/pais/alunos estejam preparados ou motivados para esta mistura explosiva. Citando um dos melhores conhecedores da psique lusa, Alexandre O'Neill, "Na prática, a teoria é outra."Nem tudo está perdido. Todos os Setembros encontro novos (e excelentes) alunos de Física à minha frente, acabados de sair do liceu, cheios de sonhos de cientistas e engenheiros, motivados para unificar as interacções fundamentais, compreender os buracos negros, resolver o problema energético da humanidade, desenvolver novos materiais, construir aceleradores de partículas. E de Setembro a Julho trabalho em deslumbramento ("awe" é o termo correcto) com as questões (e com as respostas) destes 45. O seu segredo é simples: motivação e dedicação. Como muitos noutros domínios científicos e tecnológicos, acabam por percolar para o resto da sociedade e transportar consigo a paixão pela Ciência e valores tão simples como a exigência, o trabalho e o rigor. Será aí que encontraremos algumas das respostas para o futuro."


Luís O. Silva

*


"Sou professor de Física e Química há cerca de 10 anos, neste momento frequento um mestrado na área da pedagogia de Física e Química. Lendo algumas opiniões, conhecendo a situação e vendo o estado dos actuais exames, aqui ficam algumas opiniões pessoais:

- Creio que a nota de matemática se deveu à crónica deficiência na área. A nota de física sempre foi baixa, este ano os exames foram excepcionalmente mais difíceis, daí a nota ter baixado, e só por isso deu nas vistas (até agora era a segunda nota mais baixa e já ninguém falava dela). Apesar destas notas, gostava que se reparasse que as médias das outras também não são propriamente alta...

- Como ciências de ponta, onde todos os factores têm importância, é natural que estas disciplinas revelem mais as deficiências do sistema que as outras. Creio, que enquanto uma disciplina como física necessita de um bom acompanhamento de um professor e de um domínio mais completo da matemática, do português e da física, outras disciplinas como a história ou a filosofia podem ser abordadas muitas vezes na solidão da casa, com o estudante apenas munido de livros.

- Os métodos de ensino existem, têm resultados e são passíveis de ser aplicados. Conheço colegas com graus de sucesso e que pretendem ensinar os seus alunos. Mas também conheço o contrário... e aqui reside um dos grandes problemas da estrutura excessivamente corporativa dos professores. Este ano fiquei a lecionar numa escola secundária em que me entregaram uma das disciplina mais fáceis e menos influentes das químicas. Se lá continuasse iria lentamente a receber disciplinas cada vez mais complexas até o dia em que poderia lecionar o 12º. Noutras escolas, colegas minhas com menos experiência receberam desde logo os 12º anos porque os professores mais velhos não queriam ter «o trabalho» nem «a responsabilidade». Esforce-me a ensinar os meus alunos, ou falte metade do ano, sei que vou progredir na carreira da mesma forma e ganhar o mesmo ao fim de x anos. É assim que o sistema funciona.

- Claro que os alunos não estudam, claro que é difícil a sua preparação. Mas talvez seja a hora de explicar que nem todos tem capacidade de serem neurocirurgiões ou físicos nucleares. Quando o ministério fala de prolongar o ensino obrigatório para o 12º eu penso na via profissional, no regresso aos cursos de carácter mais técnico. Espero que assim seja, porque sinceramente não percebo para que temos de obrigar os nossos alunos a ler os Maias ou a entender os campos magnéticos, quando sabemos de antemão que o futuro de muitos deles é ler «A Bola» ou trocar msgs de telemóvel enquanto esperam na fila para a entrevista de emprego, ou do autocarro.

Há muito para mudar e repensar, já agora uma observação interessante: Num país de maus estudantes e maus resultados, temos um físico como João Magueijo, uma pessoa que curiosamente não percorreu o caminho tradicional do estudante português para chegar ao fim do 12º. Mero acaso?"


Emanuel Ferreira

*

"Os fracos resultados obtidos a Matemática e a Física pelos estudantes do Ensino Secundário não se devem, obviamente, a um único factor. Mas antes de abordar algumas causas que me parecem estar por trás desse fraco desempenho, parece-me que é de realçar um facto tão ou mais preocupante do que este, nomeadamente que em testes feitos a nível da União Europeia (o Estudo Internacional PISA) os estudantes portugueses ficaram muito mal colocados. Temos então que averiguar não só porque é que os alunos do Ensino Secundário têm, nos exames a nível nacional, classificações tão inferiores às que lhes foram atribuídas pelos seus professores, como também porque é que são os piores da União Europeia no que se refere à Matemática.

Creio que é melhor começar por descrever uma aula de Matemática do Ensino Secundário a que fui assistir há sete anos atrás. A aula foi de uma hora, era dirigida a alunos do décimo ano e tratou-se de uma aula normal dada a uma turma normal. A única coisa que foi feita na aula foi a resolução de uma série de exercícios, todos do mesmo tipo, e que consistiam em aplicar uma técnica que já fora dada na aula anterior. Durante uma hora a professora ia propondo exercício atrás de exercício (todos iguais, com ligeiríssimas variações) e, após dar algum tempo aos alunos, mandava um deles resolvê-lo no quadro, corrigindo-o eventualmente em caso de necessidade. Foi-me explicado que ainda se continuariam a fazer exercícios do mesmo género na aula seguinte.

Imagine-se agora toda a matéria de Matemática e de Física do Ensino Secundário a ser leccionada deste modo, anos e anos a fio. A que é que isto leva? A uma situação ainda pior do que a simples análise des médias dos exames nacionais pode levar a supor. De facto, o que acontece é que:

1) A percepção com que a maioria dos alunos fica da Matemática e da
Física é de se tratar da uma matéria para a qual «conhecimento»
equivale a saber fazer uma série de exercícios padrão ou, pior
ainda, aplicar cegamente uma série de fórmulas. Naturalmente, isto
leva a alunos a quem se pede para calcular uma área, dão como
resposta uma quantidade negativa e depois queixam-se a quem os
quiser ouvir que os professores descontam imenso só por causa de
um erro num sinal.

2) Os alunos mais inteligentes e dotados de iniciativa intelectual
sentem muitas vezes repugnância por esses assuntos precisamente por
causa da percepção acima descrita.

3) Um grande número de alunos fica com a impressão de que até têm
queda para aqueles assuntos, ingressando por isso em cursos
universitários dessa área para depois terem um «despertar» muitas
vezes brutal. Tive uma vez alunas do primeiro ano de uma
licenciatura em Matemática a queixarem-se de que «a Matemática no
Secundário é tão fácil que até é chata»!

Mas porque é que as notas dos exames nacionais são tão inferiores àquelas que os alunos costumam ter no final dos anos lectivos? Porque cada vez mais o ensino é compartimentado em pequenas unidades estanques e as boas notas são devidas a testes que são feitos ao longo do ano para examinarem os conhecimentos obtidos nessas unidades. Mas há uma causa mais profunda e mais perturbadora: é que os professores que reprovem um aluno têm que elaborar um relatório a explicar detalhadamente porque é que o aluno em questão não teve aproveitamento e que métodos alternativos de ensino foram empregues. Nestas circunstâncias não deixo de compreeender (embora censure) os professores que optem por baixar a fasquia. Note-se que ninguém incomoda os professores que dêem sempre notas muito altas nem muito menos os professores que não proponham exercícios mais estimulantes aos melhores alunos.

E isto leva-me a mencionar aquela que considero como a maior perversão de todo o sistema, que é aquela que consiste em chamar «insucesso escolar» à taxa de reprovação. Ou seja, ter sucesso não é ter obtido novos conhecimentos, ter integrado os conhecimentos já obtidos numa estrutura coerente ou ter desenvolvido novas competências. Não: «ter sucesso» é «passar de ano» e nada mais. O símbolo torna-se na coisa em si. E esta é a linguagem empregue no Ministério da Educação.
"

José Carlos Santos

*

"Infelizmente a Matemática e a Física são apenas a face mais visível do problema.

O que se passa hoje em dia no sistema educacional é escandaloso. Quer no ensino liceal, quer no ensino superior. Antes de mais vejamos alguns exemplos verídicos: em 2002, no Instituto Superior Técnico, à cadeira de Análise Matemática I, base da formação matemática de todos os cursos daquela universidade, passaram 3% dos inscritos. Na mesma cadeira, mas na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, de cerca de 500 inscritos, só 33 foram aprovados.

Estes são só alguns exemplos de um panorama nacional ultrajante e degradante. Será que só temos escolas que não servem para nada? A continuar assim, apenas nos andamos a enganar e a enganar os outros; são anos e anos da suposta preparação, em que se gasta tempo e muito, muito dinheiro, que de pouco vai servir. São recursos mal alocados, num sistema lento ineficaz e enganador.

Ora vejamos: em primeiro lugar está a escolaridade básica e obrigatória que nada mais é que uma fantochada. Se por acaso tivéssemos como colegas, alunos interessados e trabalhadores e bons professores, talvez o sistema até funcionasse. Porém não podemos partir do princípio que todos os alunos são interessados e trabalhadores, principalmente quando a práctica nos diz que são poucos. E quanto aos bons professores? Nem sempre os professores são bons, mas são injustas a maioria das críticas que a opinião pública e muitas vezes o próprio ministério faz aos professores. Um bom professor faz-se não só por ele próprio, mas também pelos alunos que têm. Que ânimo terá então qualquer professor, bom ou mau, se os seus alunos não se interessam minimamente e se não dispoem de um mínimo de ferramentas que lhe permitam aumentar a exigência? A verdade é que nos tempos que correm, é muito, mas mesmo muito raro alguém chumbar até ao 9º ano. Vêem-se alunos passar com mais de duas negativas e muitas vezes até com reprovação às disciplinas de Português e Matemática, que antigamente eram os dois monstros sagrados, a que ninguém podia chumbar simultâneamente.

Que estímulo terá então um professor que por tão maus que sejam os seus alunos os vê passar para o ano seguinte, sem que pouco possa fazer? Sim, porque os procedimentos para se chumbar um aluno são tão complicados, que a própria burocracia se encarrega de o fazer passar. E que vontade de fazer um esforço extra tem o aluno que já não é muito dado aos livros e que sabe que se não se esforçar passa na mesma? Que ânimo dá isto aos bons alunos que no fim de um ano de trabalho são apenas premiados com a aprovação dos colegas que nada fizeram para a merecer? Com este sistema, só as estatísticas ganham e mais nada.

No ensino secundário, o percurso deixa de ser tão facilitado, mas a base é a mesma: os níveis de exigência são um pouquinho superiores mas ainda assim os professores de hoje em dia foram amputados dos mais básicos meios de contolo e exigência, como por exemplo os trabalhos de casa, que muitos alunos, simplesmente abstêm-se de fazer. Os liceus são hoje em dia uma salganhada, uma mistura de escola para os alunos que pretendem ir para universidade e de jardim-escola para uma grande percentagem de desorientados que não sabe bem o que há-de fazer da vida, mas que por lá vai passando o tempo até se decidir.

E chegando ao ensino superior? Bem de tanta liberdade há alunos que se dão ao luxo de chumbar todas as cadeiras do primeiro semestre. Há elevadíssimas percentagens de reprovações nos primeiros anos e também de alunos que nesses dois primeiro anos mudam de curso, universidade, ou que abandonam mesmo a vida de estudante.

Estes são apenas alguns dos problemas que afectam a educação nacional, a nível do percurso académico e formação dos alunos. Concerteza haverá quem diga que também os encontramos no conteúdo da informação fornecida aos estudantes, bem como nas saídas profissionais, no acesso ao ensino superior e até mesmo nas infra-estruturas. Não digo que não, mas em minha opinião grande parte do problema da educação nacional poderia ser resolvido solucionando os problemas cujas manifestações acima descrevi. Para tal apresento algumas soluções, que, a meu ver, contribuiriam muito, caso fossem aplicadas.
Em primeiro lugar é absolutamente necessário exigir. Ninguém trabalha se não se exigir, se não existirem patamares de qualidade e de obrigatoriedade. Exija-se e premeie-se os trabalhadores. Crie-se não só uma cultura de trabalho e produção como de louvor e exaltação desse mesmo trabalho. Não se pode permitir o desleixo nem o eterno desafogo, que permitem aos alunos, mesmo não trabalhando, continuarem a progredir no seu percurso escolar. Notas negativas existem e são para se dar quando merecidas, assim como as notas elevadas, se os alunos o merecerem.

A cultura da mediocridade não pode continuar e portanto não se pode nivelar por baixo. Advogo a separação entre maus e bons alunos. Não por descriminação mas pelo facto de que, em turmas mistas, ou se acompanha o ritmo dos bons alunos, o que torna ainda mais difícil a aprendizagem dos alunos mais fracos, ou se procede conforme as capacidades dos mais fracos, o que pode provocar o desinteresse dos bons alunos e um subaproveitamento das suas capacidades. Assim ninguém aproveita. A meu ver, seria portanto favorável criar-se turmas adequadas ao nível de cada grupo de alunos.

A escolaridade obrigatória é, sem dúvida, uma conquista preciosa e necessária a toda a população. Mas escolaridade obrigatória não é sinónimo de infantário ad aeternum, ou de depósito de crianças e muito menos de parque de diversões. Sai muito caro ao estado manter um aluno quer no ensino básico, secundário ou superior e portanto não se deve permitir o autêntico estado de sítio em que muitas instituições vivem. Os alunos reprovam uma vez, duas vezes, três vezes, até quatro... e continuam a poder estudar como todos os outros. Tal não deveria acontecer: são permitidas um número limitado de reprovações e partir de então, caso voltasse a chumbar o aluno deveria ser obrigado a financiar a sua própria educação. Aconteceria uma de duas coisas: ou abandonavam a escola, - o que nunca é agradável - ou acabaria o regabofe. Nos dias que correm ao permitir-se que os alunos reprovem como reprovam, permite-se que se roube ao Estado, que se roube aos pais e educadores que têm de sustentar mais tempo os seus filhos em casa e permite-se ainda que as escolas e universidades sejam povoadas por ociosos que têm exactamente os mesmos direitos que os trabalhadores.

É necessário compreender-se e fazer-se compreender que para se alcançar o sucesso não é obrigatório passar-se pela universidade, nem que seja só pelo simples facto de que há pessoas que não foram feitas para estudar. E para tal é também preciso criar alternativas dignas e de qualidade que permitam o acesso à via profissional e também o colocamento na vida activa do país. Um país só de doutores é um país que não sabe reparar canos furados, não tem pessoas capazes de construir casas, nem móveis e que não cultiva os seus campos. E a educação também passa por apoiar e patrocionar (e isto não significa apenas dar subsídios) jovens artistas, músicos, pintores, escultores, escritores e tantos outros necessários a uma boa saúde cultural do país.

Quem faz um país são os seus habitantes. E um bom país precisa em primeiro lugar de cidadãos e depois de cidadãos educados, cultos e bem formados. Isso não significa que todos necessitem de ir à universidade, nem que passem anos infindáveis sentados em carteiras de escola. Significa apenas e só que lhes seja dado o direito de receberem uma formação útil, de qualidade e adequada às necessidades futuras, sendo-lhes exigido um esforço, dedicação e trabalho necessário à produção de um processo de aprendizagem de qualidade e exigente.

Não podemos continuar a formar indivíduos medíocres, nem a enganar tudo e todos sob o bom nome da nobre acção de educar."


Francisco Delgado

 


PERCA

O Terras do Nunca lembra-me que no “EARLY MORNING BLOGS 22, onde está a palavra perca seria preferível estar perda. O primeiro termo é uma versão popular, mas a verdade é que, enquanto substantivo, corresponde a uma espécie de peixe.” Neste caso não era nem erro, nem gralha, era voluntário (no entanto, fiz a substituição pedida).

É daquelas palavras a que uma pessoa, uma escrita, se agarra há tanto tempo que não sabe dizer certas coisas sem elas. Faço esta nota porque me permite recordar uma amiga que já morreu, M.J.A., e que também nos idos da ditadura me lembrou que não se usava “perca”. Num texto qualquer clandestino , eu com o nome de “Rui” ou “Carlos” já não me lembro, usei a palavra “perca” e M.J.A. que se chamava então “Saúl”. lembrou , em devida comunicação ao “organismo superior” (que era eu) , que o uso dessa palavra poderia identificar o “camarada Rui”…
É por isso que eu resisto em perder a perca.
 


FÍSICA E MATEMÁTICA – COMENTÁRIOS (Actualizado)

"Algumas considerações rápidas sobre a questão do ensino da física e da matemática:

1. O objectivo do ensino não deve ser preparar os alunos para um exame, mas ministrar os preceitos da ciência em estudo. Só assim se cria o espírito críto tão importante para o desenvolvimento intelectual e para o avanço da própria ciência.

2. Os exames não têm nem devem reflectir a qualidade do ensino. Um exame deve ser um seleccionador, ou seja, permitir distinguir os melhores, os que têm maior aptidão, os que conseguém ir além da norma. Só assim se pode incentivar a meritocracia e a competição. Caso contrário, e considerando a pouca qualidade no ensino nacional, acabaremos por ter uma massa uniforme de alunos em que todos aparentam ter competências equivalentes.

3. O ensino nacional é de facto muito mau e está completamente ultrapassado. O estudo de ciências naturais ainda continua a ser feito à custa de tediosos manuais quando deveria recorrer cada vez mais à experimentação, ao trabalho de campo e à investigação. A física é a ciência que interpreta as leis da Natureza. Logo, o seu estudo deveria iniciar-se na experimentação, só depois passando para a matemática. E a química? E a biologia?

Enfim... Pode ser que um dia alguém faça uma reforma do ensino. Até lá, teremos que viver com remendos!"
(Olindo Iglesias)


Acerca das más notas nos exames de matemática, eu tenho uma teoria (baseada na minha experiencia de há 11 anos atrás, logo já deve estar desactualizada):

Durante o secundário, os alunos fazem o teste, e depois o professor olha para o teste: se está tudo bem, o aluno tem a cotação toda; se está quase tudo bem, mas, a dada altura, o aluno trocou um "+" por um "-", tem parte da cotação; se o metodo de resolução de exercicio está mal de partida, o aluno tem "0" (nessa questão).

Não sei como é actualmente, mas há 11 anos, os exames eram por escolha múltipla, o que faz com que qualquer erro anule a questão, já que o aluno vai por a resposta no quadradinho errado. Inclusivamente, "trocas de sinais" acabam por ser mais penalizadas do que a ignorancia pura e simples, já que, quem não sabe, pura e simplesmente, não responde, tendo "0" nessa questão; quem comete um engano, muitas vezes acaba por
responder no quadradinho errado (até porque as "respostas alternativas" são feitas já a pensar nos erros mais prováveis), e logo, não só não tem cotação, como até vai descontar nas outras respostas.

Talvez seja essa a razão pelo qual alunos que foram sendo aprovados no Secundário "afundam-se" nos exames (mas não me pergunte qual dos dois sistemas é o melhor que eu não faço ideia)
.” (Miguel Madeira)


Como professor que sou, embora de história, tenho por hábito reflectir e tentar analisar o estado do ensino em Portugal.
Como se deve depreender, muito há para reflectir e analisar. Em relação ao seu comentário sobre as causas desta situação, considero que as duas que aponta são verdadeiras.
Por um lado, o ensino da Física e da Matemática não prepara os alunos para os exames. Por outro, os exames e respectivos de critérios de avaliação não têm em conta as condições reais de ensino.
Este problema pertence a vários intervenientes, e não podemos dele retirar os alunos. Basta ver que há muitos bons alunos, com óptimos resultados. Só que estas disciplinas não se compadecem com a falta de disciplina e de métodos de trabalho rigorosos e exigentes. Ora, por mais que os professores queiram, por mais qualidade que tenham, não conseguem motivar todos os seus alunos a trabalhar o necessário para atingirem os objectivos por todos pretendidos, os bons resultados.
Se é verdade que um professor tem que se esforçar ao máximo para que o maior número possível dos seus alunos atinja bons resultados, também é verdade que é praticamente impossível que todos o consigam.
Onde está a fronteira do possível? Se a maioria dos alunos tem resultados positivos o professor pode dar-se por satisfeito? Não.
Um professor nunca está satisfeito com os resultados que os seus alunos conseguem obter. Mas o que é certo é que os resultados que eles conseguem obter também não dependem apenas dele.
Dependem então de quê? De múltiplos factores como o professor actual, os professores anteriores, o esforço dos alunos, a adesão e motivação dos alunos ao ritmo de trabalho imposto, dos programas, dos critérios de avaliação, enfim, de uma quantidade enorme de factores a que não podemos subtrair as condições familiares, financeiras, emocionais, e outras. Nenhum destes factores é determinante, mas há uns mais determinantes que outros.
Na realidade, tudo gira, em última análise, à volta do professor e do aluno. Porquê então subtrair o aluno como factor importante a ter em conta?

Por todos estes factores, e por não me querer alongar mais, considero que isentar os alunos das suas responsabilidades não é uma boa resposta
.” (Fernando Reis)


José Carlos Santos chama a atenção para esta mensagem que surgiu no newsgroup pt.ciencia.geral:

Assunto: Sobre o ensino da ciência

Sou um aluno do ensino secundário e estou agora a preparar-me para os exames nacionais de física e matemática (da segunda chamada). São duas disciplinas difíceis, é verdade mas também tenho consciência que este ultima ano, o meu empenho foi mínimo. E há várias razões para isso.

Sempre tive um certo interesse por astronomia, magnetismo, electricidade quando isso era dado nas aulas ate ao 9º, i. e. eu gostava de física, lia livros de divulgação cientifica de qualquer da área. Arrastei me ao longo de 2 anos de físico-química do secundário. Apenas se davam forças e movimentos mas lá ia fazendo a disciplina. Chegado ao 12º ano, estava ansioso, a matéria mais abrangente toda a disciplina um pouco mais desafiadora, julgava que ia ser interessante.

Estava enganado. Ao longo do 12º ano não tive uma única aula de física! O que eu tive seria mais correctamente chamado de aulas de preparação para o exame de física do 12º ano. Da primeira á ultima aula, com tendência a aumentar a medida que nos aproximávamos do fim do ano, só se falava no exame. Em vez de nos ensinar física, explicaram nos como resolver "este tipo de exercícios de física, pois são típicos de exame!". A prof. lê alto do manual, propõe uns exercícios que acaba por resolver, os alunos entram no esquema e sabem com que formulas jogar para obter o resultado, e pronto. Hordas de colegas meus, chegam ao extremo de decorar, i. e., pôr na cabula, todas as formulas de todos os exercícios que já resolvemos na aula. Chegam ao teste e passam. E provavelmente repetem a proeza no exame. Isto faz me lembrar a ciência do culto da carga de que Feynman descreveu. As pessoas sabem resolver os problemas com recurso ás formulas sem fazerem a mínima ideia do que se esta a passar. Sabem as formulas de cor mas não sabem interpretar as formulas para explicar alguma coisa a luz daquilo que sabem. As pessoas SABEM mas não COMPREENDEM.

Dizem nos que há disciplinas das quais nunca mais nos vamos servir para o resto das nossas vidas, mas que servem para desenvolver o raciocínio. Mas, da maneira como supostamente se ensina a Física garantidamente não aprendemos a pensar, antes pelo contrario, ensinam nos a aceitar passivamente o que os profs. nos apresentam sem questionar sem perceber, afinal o que importa são os teste e um bom exame.

Quase tudo o que disse se aplica a matemática do 12º. As coisas caiem do céu e nós temos que as absorver para o grande exame.
-Para resolver este problema, que é típico de exame, usam este truque assim, assim...
-Mas stôr, qual é razão de isso funcionar?
-Ah isso não interessa, funciona e acabou-se.
De uma maneira geral a matéria caí do céu desconexa do resto da matéria.
-Número de Nepper serve para... para... têm muitas aplicações, não importa quais!

É assim que os professores respondem a muitas perguntas feitas por sincera curiosidade. Curiosidade essa que é frustrada, por que não contribui para fazer um bom exame. Como é que um sistema educacional assim quer cultivar o interesse pela ciência? Não é um paradoxo gastar dinheiro em projectos que aproximam os jovens da ciência quando na escola esse interesse é sistematicamente destruído?

Conforme se deduz do primeiro parágrafo o ano correu me mal. Não estou a culpar outros por aquilo que só eu sou responsável, estou a apontar um problema que penso ser grave. Numa sociedade onde um mínimo de espírito critico é necessário para nos protegermos de aparelhos que supostamente curam recorrendo a feixes de neutrinos e outras tretas, é triste ver em que estado esta o ensino da ciência que supostamente nos ensina a pensar. Corrijam-me se estou enganado
.” (David Asfaha)

 


FÍSICA E MATEMÁTICA

O problema das notas de Física e Matemática dos exames do 12º ano revela uma deficiência estrutural gravíssima do sistema educativo português. São matérias em que não tenho qualquer capacidade de avaliação própria sobre os programas, mas em que entra pelos olhos dentro de qualquer amador que há algo de muito errado. Acresce que Física e Matemática são disciplinas estratégicas para qualquer sistema de ensino que pretenda um mínimo de qualificação e para a modernização do país. Sem elas todo o edifício da educação científica cai.

O sistema educacional público presta um serviço fornecendo aulas de Física e Matemática aos alunos do ensino secundário. Depois o mesmo sistema avalia-os e chega à conclusão que os seus resultados estão estatisticamente abaixo dos critérios mínimos. Segundo o Público, a média em Física na 1ª chamada é de 8,1 valores e 7 na segunda, e, em Matemática, respectivamente 9,3 e 7,4.

Uma de duas coisas está errada, ou as duas. Ou o ensino de Física e Matemática é ineficaz para preparar os alunos para o exame, ou os critérios de avaliação não correspondem à qualidade do ensino, mas a uma ideia abstracta de como ele deveria ser. Este é um dos casos em que claramente toda a responsabilidade está a montante dos estudantes que são as suas vítimas.
 


EARLY MORNING BLOGS 22

Mário Filipe Pires do Retorta escreveu-me sobre as horas de actualização dos blogues nocturnos:

Acerca da entrada que fez com a imagem dos anjos, queria dizer-lhe que as aparências podem iludir.
Embora pense que a maioria dos sistemas não o permite, no meu caso o Typepad permite definir a data de publicação de uma entrada, quer no futuro, quer no passado.
No meu weblog visual Lumen, deixo as entradas programadas para serem publicadas por volta da uma e um quarto da manhã, quando eu já estiver fora do computador.
É esse sistema que me vai permitir deixar entradas definidas quando for para férias. No meu weblog principal não conto fazer isso, mas tanto no Estética-metrica como no Lumen assim farei.”


Esta e outras questões sobre a manipulação do real no virtual têm uma dimensão crescente pela cada vez maior importância do mundo virtual, e pela maior eficácia das ferramentas de manipulação do real. Horas, lugares, fotografias, textos, identidades, autorias, personae, tudo pode ser manipulado no mundo virtual para parecer o que não é. Mas será que já era aquilo que parecia? E como é que o nosso desejo se liga, “se linka” entre o real e o virtual? Só com perda? Talvez com ganho? Onde, em cada linha electrónica, feita do “azul eléctrico” de que falam os Reflexos está escondida a “Hot babe” da Carta Roubada?

Exactamente porque esta fronteira ficcional é cada vez mais débil e entra cada vez mais para dentro do mundo dos átomos, é que no mundo virtual se vai poder “escrever” (”ver”,”viver”) as mais absolutas das ficções. A arte do futuro vai viver ali, naquelas dimensões imateriais tornadas carne visível pela fragilidade dos nossos sentidos. Para a arte não é novidade, para o homem que vive entre os signos também não, mas para as massas é a nova forma da Catedral. Razão tinha o sr. Naphta na Montanha Mágica – o mundo vai ser colectivo para os pobres, individual para os ricos. Cada vez mais.
 


ESTADO DO ABRUPTO (JULHO 2003)

Como todos podem ver o último contador, o mais recente mas o mais público, passou ontem os 100000. De facto, o número de “pageviews” desde 6 de Maio , ou seja há três meses, é bastante superior aproximando-se das 130000 ( pelo Bstats, o contador com a série mais longa).

No dia 2 de Julho atingiu 3700, o maior número de leituras registado. A média actual de “pageviews” diária é de mais de 2200 ( mais de 100 do que no mês passado) notando-se um decréscimo de médias desde valores à volta de 2500, na primeira quinzena, à medida que o mês de Julho entra na segunda quinzena. Tanto pode ser um efeito de férias, como uma perda de interesse dos leitores. Ver-se-á.

Nos outros elementos estatísticos – distribuição dos leitores no mundo por fusos horários, dias, horas de maior afluência, e origem dos visitantes - não há grandes variantes em relação a Junho.

As “acções” no Blogshares conheceram uma subida acentuada, seguida de um queda, seguida de uma outra subida vertiginosa (atingiram 432 dólares) para depois caírem de novo, abruptamente, para 124 o valor actual. Parece haver alguma especulação bolsista à volta do Abrupto.

Talvez a mudança mais significativa entre os dois meses seja a do número de blogues e de referências que se ligam ao Abrupto : segundo o Technorati há hoje 356 “inbound Blogs” e 492 “inbound Links” no blogosfera.

Estes números revelam que o Abrupto tem neste momento uma dimensão comparável a um pequeno órgão de comunicação, com um número regular e estável de leitores diários, muitos dos quais são exteriores à blogosfera. É uma comparação que não recuso, embora esteja longe de esgotar para mim o sentido do Abrupto.

© José Pacheco Pereira
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