ABRUPTO

16.5.90
 


O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES:
RÉPLICA DE ANTÓNIO LOBO XAVIER A MANUEL ANSELMO TORRES SOBRE POLÍTICA FISCAL




[Na sequência de LENDO / VENDO /OUVINDO (11 de Maio de 2006) e O ABRUPTO FEITO PELOS SEUS LEITORES: IMPOSTOS E DEMAGOGIA. ]

Desculpem-me os leitores do abrupto por voltar ao tema entediante da política fiscal, mas o Manuel Anselmo Torres merece-me muita consideração, pelo que não pode ficar sem réplica, enquanto o José Pacheco Pereira não me expulsar.

1 – Nem de longe nem de perto pretendi sustentar dogmaticamente – como poderia fazê-lo? – a inevitabilidade da isenção das mais-valias para efeitos de IRS. É claro que a progressividade das taxas de um imposto sobre as pessoas físicas é compatível com a tributação dos ganhos fortuitos: o problema consiste justamente em saber se se justifica que estes últimos recebam naquele um tratamento especial, em homenagem à sua particular natureza. A comissão da reforma fiscal, em 1988, optou por responder afirmativamente a esta questão, em nome de algumas das referências que escrevi no primeiro post (está no preâmbulo do Código).

2- Lamento, mas não é verdade que o efeito de restrição da venda (lock-in) só se verifique quando a tributação das mais-valias é mais gravosa do que a que corresponde aos restantes rendimentos. Em face de um imposto progressivo e admitindo que o aumento do valor de um certo bem se formou ao longo de vários anos, é óbvio que a tributação da mais-valia no momento da respectiva realização tenderá a ser mais gravosa do que na hipótese em que se pudesse tributar uma fracção em cada ano (efeito de bunching). Em face desta circunstância, admite-se que o proprietário do bem possa prolongar a sua detenção – especialmente quando o sistema também isenta as transmissões por morte, em certos casos -, com o que se introduz uma distorção fiscal à circulação da propriedade. Trata-se de um efeito teórico? Provavelmente, mas era nesse exacto plano que me colocava quando escrevi.

3 – O facto de não se admitir a comunicação de perdas, para efeitos de IRS, entre as diversas categorias do imposto, não justifica que se isente uma categoria? Claro que não justifica. O que eu criticava era justamente os que, no discurso político, advogam a unidade do imposto só quando isso significa agravamento da tributação do capital, esquecendo os movimentos em sentido inverso que a mesma unidade igualmente reclama.

4 – Ao contrário do que o Manuel Anselmo Torres escreve, há dupla tributação económica – porque não se integra completamente a tributação das pessoas e das sociedades - quando eu tributo o lucro da sociedade e a mais-valia realizada pelo accionista. A manifestação de riqueza subjacente é a mesma, e é com esse motivo que alguns países (Canadá, v.g.) justificam expressamente o seu próprio regime de isenção de mais-valias relativo à venda de participações sociais. Não sou eu que o digo, mas “pessoas que sabem muito mais do que eu” - não, não vou fazer citações, resisto a essa presunção -, justamente como uma consequência do princípio da unidade da tributação do rendimento (e da ideia de que a tributação das sociedades constitui apenas uma espécie de retenção na fonte relativamente à tributação das pessoas). É claro, cada sistema sabe os níveis de dupla tributação com que consegue viver…

5 – Admitir a dedução dos encargos financeiros com uma aquisição (OPA) é permitir a erosão da base tributável? Eu chamo a isso permitir a tributação de acordo com o rendimento real. A diferença é muito grande, muito maior do que todas as que se encontram acima. Estamos frequentemente de acordo com muitas coisas, não há mal nenhum em que não seja com tudo.

ANTÓNIO LOBO XAVIER

© José Pacheco Pereira
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