ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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1.5.16
RISCOS PARA AS NOSSAS LIBERDADES
Três riscos
corre hoje a nossa liberdade:
1.
Primeiro, o risco de perdermos o controlo
democrático sobre o nosso país. O risco de que o nosso voto valha menos ou não
valha nada. O risco de ter um parlamento que não pode cumprir a sua mais nobre
função: decidir sobre o orçamento dos portugueses. O risco de termos também
nós, como os colonos americanos no
taxation without representation, e fizeram uma revolução por causa disso. O
risco de sermos governados de fora, por instituições de dúbio carácter
democrático, que decidem sobre matérias de governo, em função de interesses que
não são os interesses nacionais, e cujos custos o povo português paga.
2.
Segundo, o risco de que o estado abuse dos
seus poderes, como já o faz. Não só o estado tem hoje uma panóplia vastíssima
de meios para nos controlar e vigiar, como os usa sem respeito pela autonomia,
liberdade, identidade dos cidadãos.
Há uns anos
discutimos muito que dados diversos deveria ou não juntar o Cartão do Cidadão, dados
pessoais, de identificação, médicos, número de eleitor, etc. Limitámos os dados que lá podemos colocar e
temos uma entidade que fiscaliza a utilização dos nossos dados pessoais e que é
suposto “protegê-los”. Muito bem.
Mas já
olharam para as facturas que estão disponíveis no site das Finanças? Já olharam com olhos de ver, a vossa vida diária
espelhada em cada acto em que se compra uma coisa, se almoçaram sós ou
acompanhados, onde e que tipo de refeição, onde atravessamos um portal da
auto-estrada, onde ficamos a dormir, que viagens fizemos?
Em nenhum
sítio o estado foi mais longe no escrutínio da nossa vida pessoal do que no
fisco. Com a agravante de que nenhuma relação com o estado é hoje mais
desigual, onde o cidadão comum tenha os seus direitos tão diminuídos, onde
objectivamente se abandonou o princípio do ónus da prova, ou seja, somos todos
culpados à partida.
Em nome de
quê? De que eficácia? Perguntem aos donos de offshores, aos que tem dinheiro para pagar o segredo e a fuga ao
fisco, para esconder o seu património do fisco, se eles se incomodam com o
fisco. Incomodar, incomodam, mas podem pagar para deixarem de ser incomodados.
Já viram algum offshore de uma
cabeleireira, de um feirante, de um mecânico de automóveis, de um pequeno
empresário que tem um café ou um restaurante, aqueles sobre os quais o fisco
actua exemplarmente como se fossem esses os seus inimigos principais?
É por isso
que se hoje se existisse uma polícia como a PIDE não precisava de mais nada do
que de aceder aos bancos de dados do fisco, do Multibanco, das câmaras de vigilância,
do tráfego electrónico. Podia reconstituir a nossa vida usando o Google, o
Facebook, o Twitter, o Instagram. Podia encontrar demasiadas coisas em linha,
até porque uma geração de jovens está a ser mais educada pelas empresas de hardware e software de comunicações, do que pela escola ou pela família. Elas têm
à sua disposição múltiplos meios para desenvolveram uma cultura de devassa da
privacidade, pondo em causa séculos de luta pelo direito de cada um de ter um
espaço íntimo e privado e uma educação do valor da privacidade.
3.
Terceiro, o risco de que a pobreza impeça o
exercício das liberdades. A miséria, a pobreza, a precariedade, o desemprego,
são maus companheiros da liberdade. A pobreza ou qualquer forma de privação do
mínimo necessário para uma vida com dignidade é uma forma de dar aos poderosos
o direito natural à liberdade e a dela privar aos mais fracos.
Sim, porque
ser pobre é ser mais fraco. É ter menos educação e menos oportunidades de a
usar, é ter empregos piores e salários piores, ou não ter nem uma coisa nem
outra. É falar português pior, com menos capacidade expressiva, logo com menos
domínio sobre as coisas. É ter uma experiência limitada e menos qualificações.
É depender mais dos outros. É não ter outro caminho que não seja o de reproduzir
nas novas gerações, nos filhos, o mesmo ciclo de pobreza e exclusão dos pais. E
a exclusão reproduz-se mesmo que se tenha telemóvel e Facebook, porque o acesso
ao mundo virtual e a devices
tecnológicos não significa sair do círculo infernal da pobreza. É apenas
“modernizá-lo”.
O
agravamento na sociedade portuguesa da desigualdade social, do fosso entre
pobres e ricos, é uma ameaça à liberdade
4.
Há um risco
ainda maior do que qualquer destes: o de pensarmos que não podemos fazer nada
face as estas ameaças à nossa liberdade e à nossa democracia. O risco de
dizermos para nós próprios que haverá sempre pobres e ricos e que a pobreza é
um inevitável efeito colateral de por a casa em ordem. Mas que ordem?
(Da Sábado e uma adaptação da intervenção feita na sessão solene em Leiria organizada pela Câmara Municipal para comemorar o 25 de Abril.)
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© José Pacheco Pereira
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