ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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10.2.15
CARTAS PORTUGUESAS A LUDWIG PAN, GEÓLOGO E AGRIMENSOR NA AUSTRÁLIA
(As duas primeiras aqui, a terceira aqui, a quarta aqui, a quinta aqui, a sexta aqui., a sétima aqui
Isto por cá está uma enorme confusão. Uns gregos resolveram votar torto e caiu o céu e a terra. Tu que estás nos antípodas, é como se a terra virasse ao contrário e eu estivesse agora a ver o Cruzeiro do Sul e tu espantado com a posição de Oríon. Os teus aborígenes deviam achar graça ao desconcerto do mundo. No fundo, eles já viram tudo sobre a terra.
O nosso primeiro-ministro passou-se e disse que as ideias dos gregos pareciam um "conto de crianças". Devia querer dizer um conto de fadas, mas a imaginação faltou-lhe. O nosso vice-primeiro-ministro passou-se também e resolveu fazer piadas de género e chamou ao Syriza, "Syrizo", porque o governo grego não tem mulheres. Quando a gente menos espera havíamos de ver tudo sobre a terra, até este "Syrizo". Esta até aos aborígenes devia espantar.
Mas que conto para crianças é que estava na cabeça do primeiro-ministro? Nos da Disneylândia acaba sempre tudo bem, o príncipe encontra sempre a princesa, salvam-se todos, e a Bruxa Má fica a roer-se diante do espelho, neste caso, a televisão. Deixo em paz os teus irmãos Grimm para não te trazer recordações da Pátria, nem pesadelos de infância. De Perrault fico-me pel’O Gato das Botas. Mas aí os gregos saem-se muito bem, com Tsipras a trazer riqueza e a mão da princesa para o seu "dono" o povo grego. Mas, para efeito de argumento, porque o primeiro-ministro não estava a desejar nada de bom aos gregos, deixo os contos mais pacíficos, que são todos a favor do fim feliz, e vou para os contos terríveis, para os contos de Andersen.
A Roupa Nova do Rei? Com o dueto grego Tsipras-Varoufakis a vender o tecido que só era visto pelos inteligentes a Merkel? E Merkel a passear-se impante no seu novo trajo perante a gargalhada europeia? Hum! Desadequado. Não me parece que Tsipras ande a ler Aristófanes, nem que as personagens estejam certas. Passemos adiante.
A Pequena Sereia? Bom, a coisa corre mal para a Sereia, mas no fim ganha uma alma. Não está mal. O Soldadinho de Chumbo? Aí também a coisa não corre muito bem ao Soldadinho, mas no fim, como se sabe, derrete em forma de coração e recebe esvoaçando os restos da bailarina sob forma de lantejoula. Ora, se Tsipras e Varoufakis arderem numa fogueira ateada pela perversa Merkel e pelo seu ajudante de campo Passos, e ficar à vista dos europeus um pequeno coração de chumbo sob o qual oscila uma lantejoula, quem é que parará as massas insurrectas da Europa? Sturm und Drang. Aí vão elas animadas por um fulgor romântico e a gritar: "Podemos não poder", mas vocês "é que já não podem de todo". Um coração de chumbo e a lantejoula da bailarina "podem" muito e os mártires são muito, muito, perigosos.
O Patinho Feio não dá. Os gregos ganhavam logo asas majestosas e deixam os nossos patos feios e furiosos a verem a elegância do voo. Imagino os patos intransigentes na sua fé alemã a roerem-se no papel digital… A Princesa e a Ervilha, também não dá, porque a pele sensível do povo grego já deu pela ervilha e ganhou a ascensão à mão do príncipe. Esse estava adquirido. Sobram Os Sapatos Vermelhos, talvez o mais cruel dos contos. Mas deste não consigo tirar nada, a não ser o nervosismo dos donos da Europa que dançam e dançam até ficarem mirrados ou terem de cortar as pernas. Mas este não dá para muito. É demasiado sinistro para crianças, ou então é mesmo o único que é verdadeiramente um conto infantil. Bom, mas parece-me que não era por aí que Passos queria ir, nem o "Syrizo".
Estás a ver o que os gregos fizeram? Tu aí atrás do ouro que não aparece, e a gente a ver O Grand Guignol pela Europa inteira. Pode ser que Tsipras e Varoufakis te vão buscar para ires procurar ouro nas montanhas deles. Dava-lhes jeito e ainda nos faziam uma careta qualquer, daquelas do teatro clássico.
Adeus meu Pan amigo, até ao próximo sobressalto.
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© José Pacheco Pereira
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