O "jornalismo" económico em Portugal caracteriza-se por não ser jornalismo. Há alguns jornalistas económicos que não merecem aspas? Há sem dúvidas, mas são a excepção da excepção. E eles são os primeiros a saber que o são e como são verdadeiras as afirmações que aqui faço. Até porque fazer jornalismo na imprensa económica é das coisas mais difíceis nos dias de hoje. Fica-se sem "fontes", sem a simpatia dos donos e dos anunciantes e pode-se ficar sem emprego.
A maioria que escreve na imprensa "económica" fá-lo entre páginas e páginas feitas por agências de comunicação, artigos enviados por auditoras e escritórios de advogados, fugas "positivas" de membros do Governo. Quase tudo é pago nessa imprensa, mas esse pagamento não é o salário normal do jornalismo, mas o seu "modelo de negócio", "vender comunicação" como se fosse jornalismo. É pago por empresas, associações de interesse, agências de comunicação e marketing, por sua vez empregues por quem tem muito dinheiro para as pagar.
O público é servido por "informação" que não é informação, mas publicidade e comunicação profissionalizada de agências, dos prémios de "excelência" disto e daquilo, destinados a adornar a publicidade empresarial, páginas encomendadas por diferentes associações, grupos de interesse e lóbis, nem sempre claramente identificados, anuários sem que só se pode estar se se pagar, organização de eventos que parecem colóquios ou debates, mas não são.
Um cidadão que não conheça estes meandros pensa que o prémio é competitivo e dado por um júri isento, que as páginas especializadas são feitas pelos jornalistas e que quem é objecto de notícia é-o pelo seu mérito e não porque uma agência de comunicação "colocou" lá a notícia, que um anuário é suposto ter todos os profissionais ou as empresas de um sector e não apenas as que pagam para lá estar, e que um debate é para ser a sério, ter contraditório e exprimir opiniões não para a propaganda governamental ou empresarial. O acesso ao pódio nesses debates é cuidadosamente escolhido para não haver surpresas, e os participantes pagam caro para serem vistos onde se tem de ser visto, num exercício de frotteurisme da família das filias.
As trombetas do poder (2)
Um dos usos que o poder faz deste tipo de imprensa é a "fuga" punitiva. Dito de outro modo, se o Governo tiver um problema com os médicos, ou com os professores, ou com os magistrados, ou com os militares, aparece sempre um relatório, ou uma "informação" de que os médicos não trabalham e ganham muito, que os professores são a mais e não sabem nada, que os magistrados são comodistas, e atrasam os processos por negligência, e que os militares são um sorvedouro de dinheiro e gostam de gadgets caros. E há sempre um barbeiro gratuito para o pessoal da Carris, ou uma mulher de trabalhador do Metro que viaja de graça, em vésperas de uma greve.
As trombetas do poder (3)
A luta contra a corrupção, seja governamental, seja empresarial, a denúncia de "más práticas", os excessos salariais de administradores e gestores, a transumância entre entidades reguladoras e advocacia ligada à regulação, entre profissionais de auditoras e bancos que auditavam e vice-versa, o embuste de tantos lugares regiamente pagos para "controlar", "supervisionar", verificar a "governance" ou a "compliance", para "comissões de remunerações", a miríade de lugares para gente de estrita confiança do poder, que depois se verifica que não controlam coisa nenhuma, nada disto tem um papel central na imprensa económica.
A maioria dos grandes escândalos envolvendo o poder económico foram denunciados pela imprensa generalista e não pela imprensa económica, que é suposto conhecer os meandros dos negócios. A sua dependência dos grandes anunciadores em publicidade, as empresas do PSI-20 por exemplo, faz com que não haja por regra verdadeiro escrutínio do que se passa.
As trombetas do poder (4)
Esta imprensa auto-intitula-se "económica", mas verifica-se que reduz a "economia" às empresas e muitas vezes as empresas aos empresários e gestores mais conhecidos. Os trabalhadores, ou "colaboradores", é como se não existissem.
Um exemplo típico é Zeinal Bava, cuja imagem foi cultivada com todo o cuidado pela imprensa económica Agora que Bava caiu do seu pedestal, como devemos interpretar as loas, os prémios, doutoramentos honoris causa, "gestor do ano", etc., etc.? A questão coloca-se porque muita da análise aos seus comportamentos como quadro máximo da PT é feita para um passado próximo, em que teriam sido cometidos os erros mais graves. Onde estava a imprensa económica? A louvar Zeinal Bava, como Ricardo Salgado, como Granadeiro, como Jardim Gonçalves, como… Até ao dia em que caíram e aí vai pedrada.
As trombetas do poder (5)
Dito tudo isto...
...a imprensa económica é uma das poucas boas novidades na imprensa em crise nas últimas décadas. Eu, em matéria de comunicação social, sou sempre a favor de que mais vale que haja do que não haja, por muitas objecções que tenha ao que "há". Eu não gosto em geral do modo como se colou ao discurso do poder, servindo-lhe de trombeta, e isso pode vir a ser um problema, até porque esse discurso está em perda e os tempos de luxo para o "economês" já estão no passado.
O facto de ter havido um ascenso da imprensa económica ao mesmo tempo que estalava a sucessão de crises, da crise bancária à crise das dívidas soberanas, impregnou-a do discurso da moda, encheu-a de repetidores e propagandistas, colou-a ainda mais aos interesses económicos. Abandonou a perspectiva política, social, cultural, sem a qual a economia é apenas a legitimação pseudocientífica da política do poder e dos poderosos. Vai conhecer agora um período de penúria, em particular de influência, e pode ser que isso leve a um esforço introspectivo sobre aquilo que se chamou nos últimos anos, "danos colaterais", agora que caminha também para essa "colateralidade".
Isto por cá está uma enorme confusão. Uns gregos resolveram votar torto e caiu o céu e a terra. Tu que estás nos antípodas, é como se a terra virasse ao contrário e eu estivesse agora a ver o Cruzeiro do Sul e tu espantado com a posição de Oríon. Os teus aborígenes deviam achar graça ao desconcerto do mundo. No fundo, eles já viram tudo sobre a terra.
O nosso primeiro-ministro passou-se e disse que as ideias dos gregos pareciam um "conto de crianças". Devia querer dizer um conto de fadas, mas a imaginação faltou-lhe. O nosso vice-primeiro-ministro passou-se também e resolveu fazer piadas de género e chamou ao Syriza, "Syrizo", porque o governo grego não tem mulheres. Quando a gente menos espera havíamos de ver tudo sobre a terra, até este "Syrizo". Esta até aos aborígenes devia espantar.
Mas que conto para crianças é que estava na cabeça do primeiro-ministro? Nos da Disneylândia acaba sempre tudo bem, o príncipe encontra sempre a princesa, salvam-se todos, e a Bruxa Má fica a roer-se diante do espelho, neste caso, a televisão. Deixo em paz os teus irmãos Grimm para não te trazer recordações da Pátria, nem pesadelos de infância. De Perrault fico-me pel’O Gato das Botas. Mas aí os gregos saem-se muito bem, com Tsipras a trazer riqueza e a mão da princesa para o seu "dono" o povo grego. Mas, para efeito de argumento, porque o primeiro-ministro não estava a desejar nada de bom aos gregos, deixo os contos mais pacíficos, que são todos a favor do fim feliz, e vou para os contos terríveis, para os contos de Andersen.
A Roupa Nova do Rei? Com o dueto grego Tsipras-Varoufakis a vender o tecido que só era visto pelos inteligentes a Merkel? E Merkel a passear-se impante no seu novo trajo perante a gargalhada europeia? Hum! Desadequado. Não me parece que Tsipras ande a ler Aristófanes, nem que as personagens estejam certas. Passemos adiante.
A Pequena Sereia? Bom, a coisa corre mal para a Sereia, mas no fim ganha uma alma. Não está mal. O Soldadinho de Chumbo? Aí também a coisa não corre muito bem ao Soldadinho, mas no fim, como se sabe, derrete em forma de coração e recebe esvoaçando os restos da bailarina sob forma de lantejoula. Ora, se Tsipras e Varoufakis arderem numa fogueira ateada pela perversa Merkel e pelo seu ajudante de campo Passos, e ficar à vista dos europeus um pequeno coração de chumbo sob o qual oscila uma lantejoula, quem é que parará as massas insurrectas da Europa? Sturm und Drang. Aí vão elas animadas por um fulgor romântico e a gritar: "Podemos não poder", mas vocês "é que já não podem de todo". Um coração de chumbo e a lantejoula da bailarina "podem" muito e os mártires são muito, muito, perigosos.
O Patinho Feio não dá. Os gregos ganhavam logo asas majestosas e deixam os nossos patos feios e furiosos a verem a elegância do voo. Imagino os patos intransigentes na sua fé alemã a roerem-se no papel digital… A Princesa e a Ervilha, também não dá, porque a pele sensível do povo grego já deu pela ervilha e ganhou a ascensão à mão do príncipe. Esse estava adquirido. Sobram Os Sapatos Vermelhos, talvez o mais cruel dos contos. Mas deste não consigo tirar nada, a não ser o nervosismo dos donos da Europa que dançam e dançam até ficarem mirrados ou terem de cortar as pernas. Mas este não dá para muito. É demasiado sinistro para crianças, ou então é mesmo o único que é verdadeiramente um conto infantil. Bom, mas parece-me que não era por aí que Passos queria ir, nem o "Syrizo".
Estás a ver o que os gregos fizeram? Tu aí atrás do ouro que não aparece, e a gente a ver O Grand Guignol pela Europa inteira. Pode ser que Tsipras e Varoufakis te vão buscar para ires procurar ouro nas montanhas deles. Dava-lhes jeito e ainda nos faziam uma careta qualquer, daquelas do teatro clássico.