ABRUPTO

26.10.14




TEMOS GOVERNO? NÃO TEMOS. JÁ HÁ MUITO TEMPO 

 A noção de que há um governo implica que exista um órgão colectivo que se reúne periodicamente, discute questões, umas mais gerais, de orientação, táctica e estratégica, outras mais limitadas como questões de condução política de um assunto, questões prementes do presente não antecipadas. Regularmente encontra-se para discutir legislação, que pode ser de um ou outro ministro, mas é decidida em conjunto com responsabilidade de todos. Para assegurar o funcionamento regular do governo existe um batalhão de assessores, secretárias, chefes de gabinete, pessoal do mais diverso, que prepara a ordem de trabalhos dos conselhos de ministros, distribui atempadamente os documentos, e elabora notas e pareceres que acompanham a legislação proposta. Sobre toda esta pesada máquina burocrática preside o Primeiro-ministro ou quem ele delegar. Por fim, redige-se um comunicado, que hoje se sabe esquece ilegalmente alguns pontos aprovados (como aconteceu no processo do BES), e existe uma conferência de imprensa semanal que apresenta o que foi decidido, muitas vezes de uma forma pouco esclarecedora, visto que algumas decisões são pré.anunciadas, ou anunciadas, sem estarem estudadas e passadas para lei. 

 DESGOVERNO 

Tudo isto é muito bonito, mas por cá não se governa assim, desgoverna-se. Muita da legislação que chega ao Conselho de Ministros é tão mal feita que tem que ser corrigida várias vezes. Por exemplo, a legislação sobre arrendamento ou falências. Noutros casos a vil intenção é tão capciosa que só mais tarde se percebe ao que vinha o legislador. Foi o caso da legislação que proíbe os funcionários públicos reformados e pensionistas, como os professores universitários, de prestar trabalho gratuito em áreas em que são os mais especializados e conhecedores, pelo que não estão a tirar trabalho a ninguém e a servir o bem público. Como se desconfia dessa geração “velha”, que não engole tão facilmente muitas das patranhas circulantes, trata-se de os afastar da vida pública o mais possível, não vá dizerem coisas. Por aí adiante. 

 CACOFONIA 

Mas a questão principal é mais simples de definir: é que não há governo, nem nos mínimos dos mínimos. A questão do IRS é discutida na praça pública, entre actos de propaganda e insinuações mútuas, entre o Primeiro-ministro e o Vice-Primeiro-ministro. No mesmo dia um diz A e o outro diz B, um quer parecer duro e “difícil” na sua missão austeritária, e outro partidário da “moderação tributária” (uma daquelas fórmulas vazias que Portas usa como “eurocalmo”). Na verdade, ambos estão ao mesmo: o abaixamento simbólico do IRS (registe-se simbólico) é um dos pratos da ementa eleitoral de 2015. Só que Portas quer fazer crer que a ele se deve a benesse, Passos Coelho quer fazer o brilharete de que as migalhas do IRS, arduamente conseguidas pelo governo, são a mostra do “sucesso” da política governativa. No final haverá muito pouca coisa e muita propaganda, mas só num país já com expectativas tão baixas se pode ser indiferente a este espectáculo de “governo na praça pública”, ou seja de não-governo.

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© José Pacheco Pereira
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