ABRUPTO

6.7.14




DUAS CARTAS PORTUGUESAS A LUDWIG PAN, GEÓLOGO E AGRIMENSOR NA AUSTRÁLIA


 1ª CARTA

 Caro Ludwig Pan

 Não sei que antepassado te deixou de herança o nome de "tudo", porque não é todos os dias que se conhece um Pan, nem o que te levou a andares pelos antípodas a fazer “geological surveys”, em terras onde nem a Internet te chega, A distância permite essa boa pedagogia de voltar a escrever cartas, essa antiguidade caída em desuso, em vez dos apressados email. Eu sei que és discípulo dedicado do grande Humboldt, e sei também que um bom alemão dá um excelente surveyer, ou um atento Vermessungstechniker, grandes catalogadores, grandes eruditos, excelentes autores de edições críticas, coleccionadores obsessivos, e isso para encontrar ouro, depois de peneirar cem mil pedrinhas, num leito seco de rio, é garantia de sucesso. 

 Mas esse teu nome pesa demais para a nossa terra portuguesa, que se contenta com pouco. E já que queres tudo, como eu com os papéis, vou-te dar novas do meu país que podes usar como curiosidades avulsas, fazendo o teu próprio cabinet com essas curiosidades, no meio de uns fósseis ou de um geodo. 

 Mas aqui vai. O meu paÍs tem uma estranha doença, associada aos seus estados de alma e que tem a ver com o futebol. Os teus germânicos combatentes da bola parece que esmagaram as nossas “esperanças” no Mundial e a equipa, psicologicamente deprimida, passou a jogar mal. É tudo muito fraco de alma, precisam de psicólogos. Numa reviravolta psicossomática qualquer, a equipa começou a estragar o corpo e as pernas dos jogadores. Um pais de especialistas em lesões musculares discutia afincadamente o estado das pernas do jogador A ou B, mas parece que não era só A e B, mas C, D, E, F, seis pelo menos.

 A Pátria que foi embandeirada em arco para umas terras do interior do Brasil, veio de lá murcha e triste, mas alivia-se achando que todos eram muito amigos da selecção portuguesa, Ou seja, O Brasil inteiro estava tristíssimo com o que nos aconteceu e era choro e ranger de dentes quando tivemos que fazer as malas mais cedo. É interessante, o Brasil que não gosta de nós em nada, converteu-se pelo futebol… e o meu povo, necessitado de conforto na desgraça futebolística, encontrou nesse grande amor por nós um lenitivo para a desgraça da selecção. O que é que se há-de fazer? A gente ilude-se pensando que vai ganhar porque tem “o melhor jogador do mundo”, entra em depressão quando perde, depois encontra conforto na imaginação criadora de que todos nos amam e estimam “lá fora”.

 E estamos pois assim, sem saber o que fazer, nem como preencher os milhares de horas de logomaquia futebolística na televisão, que criaram, como aquele pó branco, uma habituação, de que só se sai sofrendo. E como ninguém quer sofrer, mete mais pó, cada vez mais misturado com farinha e outras coisas inomináveis. Mas tu estás livre disso, podes falar com os lagartos e pintar-te com um aborígene, mas por favor, não comas o que eles comem. Mantém um pouco de civilização. Fazes cá falta. Não sobra cá muita.

 Um abraço do teu amigo que não é Pan.

 2ª CARTA 

Meu caro Ludwig

 Perguntas-me quem manda no meu pais, na democracia, nos assuntos correntes, para contares aos anciãos aborígenes enquanto eles batem em dois pauzinhos secos uma velha encantação. Respondo-te mas não os assustes, não há magia do mundo que cure a nossa desgraça, e nem o Crocodile Dundee se safava por cá.

 Ficarás talvez surpreendido em saber que nenhum dos portugueses que conheces vem na lista que te faço. No entanto, muitos destes homens tem mais poder que o Presidente da República Falar-te-ia de um Marco, de um António, de vários Luíses, de um Carlos, de um Miguel, de um Duarte, de uma Teresa, de vários Josés, que estão nos partidos que agora se chamam do “arco da governação”, ou seja partidos de primeira. Os de segunda não contam a não ser um pequenino que se alia com um dos grandes, seja com um seja com outro. Estes nomes que te são desconhecidos, a ti que só fixas um nome caso haja algum mérito social, nasceram nos partidos, não tem outra profissão que não seja dada pelos partidos, e se tiverem que perder o emprego, nunca mais terão o trem de vida a que estão habituados.

 Agora são, na sua maioria, de uma maçonaria. Esta é uma novidade importante, porque até agora havia um partido que estava ligado à maçonaria velha e o outro odiava a maçonaria, mas parece que os costumes mudaram. Agora está ligado a uma nova maçonaria, com relações pouco recomendáveis. Será que ouvem muito Mozart? Duvido, o bater dos pedreiros na loja não deve permitir ouvir outra coisa senão a construção das muralhas dentro das quais se entrincheiram. Entretando vão estragando o país, mas isso tu já sabes que lês o Die Zeit e o Der Spiegel. 

Estes tempos dão para a meditação, podes dizer aos teus sábios dos pauzinhos que certamente se governam melhor que nós. Será que quando vivemos tempos de decadência damos por ela? Não sei. Penso que sim, mas não sei. Mas confessa que a pergunta é muito alemã.

 Do teu amigo que não é Pan.

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© José Pacheco Pereira
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