ABRUPTO

27.7.14




CARTAS PORTUGUESAS A LUDWIG PAN, GEÓLOGO E AGRIMENSOR NA AUSTRÁLIA

(As duas primeiras aqui, a terceira aqui.)


4º CARTA A LUDWIG PAN, PESQUISADOR DE OURO NOS ANTÍPODAS, SOBRE UM MANTRA BUDISTA 

 Meu caro Pan 

Desejo-te os bens simples do prospector: água fresca, café, lume, toalhinhas refrescantes e corned beef de boa qualidade. Ou estou a ver muitos filmes do Faroeste (sim, a palavra existe mesmo…) e acho que essa longínqua Austrália é igual? Que seja. 

 Nós por cá, todos bem. 

Já ouvi isto nalgum lado, quando o “nós” e “por cá” não estavam nada bem. E lembro-me do “banco”. Todos os dias as nossas altas autoridades nos dizem que o “banco” está bem, é porque está tudo bem. Parece um mantra. Om mani padme hum. Om mani padme hum. Om mani padme hum. Om mani padme hum. Chega para mantra, mas cá é entoada muito mais vezes. Até o presidente, que diz que não faz declarações no estrangeiro sobre política nacional, lá disse Om mani padme hum na Coreia ou em Timor. Espanto dos budistas lá por longe. 

Por favor não leias esta carta alto aos teus aborígenes. Om mani padme hum. O “banco” está bem, embora as “empresas” dos Espírito Santo essas sim é que estão muito mal. Om mani padme hum. Não sei muito bem onde colocam a muralha de aço, mas uma coisa parece “não contaminar” a outra. Eles são os mesmos, e presumo que sim, donos do mesmo, ou parcialmente, numa grande parte, donos do mesmo. Mas o “mesmo” tem uma parte que está má e outra que está boa, mas não comunicam. Pode ser. Om mani padme hum. E como tu, presumo, não tens “papel” do banco, nem deste nem de nenhum outro, podes estar descansado nos antípodas, que estás “bem”, não estás “exposto” a não ser ao firmamento e ao pó. 

Eu penso que é muito útil que aprendas os costumes aborígenes e que me dês um curso acelerado. Por exemplo: dizes-me tu que na Austrália, por onde andas, a da selva obscura, embora sem selva, parece que é proibido falar com as sogras. Parece que os aborígenes quando têm a senhora sogra ao lado, não se lhe dirigem. O diálogo deve ser interessante, um aborígene pede à filha da sogra que lhe diga, “chegue-me esse lagarto roti”. E a filha diz à mãe “Amarynah (Chuva) , minha mãe, dá a este Banjora (coala macho) meu marido, o lagarto que está dependurado no espeto”. 

Os povos sábios resolvem assim os seus problemas de relacionamento e eu devia fazer coisa semelhante, mas não tenho sogra. Aliás, Portugal devia fazer uma coisa parecida. Tomo por certo que a sogra por cá é o Capital, o que já foi de Marx e agora vem no livro de Piketty que não li. O do Piketty. E a filha é o nosso distinto governo, dois em um, mas muito juntinhos. O pobre marido são os portugueses. Na verdade, foram os portugueses que casaram com a filha dela, votando no PSD e no CDS. 

Por cá, caro Pan, os casamentos duram quatro anos, embora a sogra tenha a tendência para ser a mesma. Agora pelos vistos querem descasar e casar com outra, embora a sogra não deixe. Obriga-os ao “consenso”, a fazer um novo acordo pré-nupcial chamado “acordo de regime”, tudo coisas destinadas a impedir mudar de filha, o mais provável, e a mudar de sogra, o altamente improvável. Então os portugueses manifestam-se, protestam, dão “sinais inequívocos”, mas como a filha está agarrada ao casamento nada diz á sogra e os portugueses, como não podem falar directamente com a sogra, ficam a falar sozinhos. 

Verdade seja dita que há uma maneira pouco recomendável e em desuso de falar directamente com a sogra, chama-se revolução, mas é rara e muito complicada. De facto, os teus aborígenes têm razão: falar directamente com a sogra é o fim da paz familiar e o tumulto social. Assim, a gente atura a filha, mas cada dia que passa o divórcio é mais provável, embora haja uma fila de filhas da mesma sogra à espera de vez. Até porque a sogra, em colaboração com a filha, nos rouba muito e nos mente com quantos dentes tem e tem muitas fiadas. 

 Nós por cá todos bem. 

Uma desgraça. Verdade seja, lembrei-me agora, tu também trabalhas para a sogra, procurando o teu ouro e eu também, escrevendo lendas urbanas. Mas que se há-de fazer, é a vida. Om mani padme hum. Mas o “banco” está bem. 

Um abraço do teu parceiro do país onde tudo está sempre bem.

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© José Pacheco Pereira
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