CARTAS PORTUGUESAS A LUDWIG PAN, GEÓLOGO E AGRIMENSOR NA AUSTRÁLIA
(As duas primeiras aqui.)
3ª CARTA
Meu caro Ludwig Pan, Herr Professor nas artes da geologia, à procura do ouro na Austrália.
Obrigado pela tua carta. Ver o céu sem tecto e sem luz deve-te animar os sentimentos filosóficos. A Kant animava, e tu estudaste Kant no Liceu e bastante a sério. Costumes germânicos. Mas, mais prosaicamente, penalizas-te pelo atraso da resposta, e dizes que me envias esta carta de mula, do teu acampamento até ao posto de civilização mais próximo. Nisso deves sentir-te um émulo da Al-Qaida que não usava telefones, mas muares. Passons.
Não sei, meu caro Pan, se já dormes à aborígene, no chão com um dingo ao lado, mas olha que por cá nem um exército de dingos faz a função protectora. Eles bem podem morder, mas como é tudo de plasticina e chewing gum fica sempre na mesma. E, imagina, se os cães ficam furiosos com a ineficácia da mordida, o que se passa com os donos. Por cá, o poder é de aço no seu centro mas tem metros de plástico, plasticina, gelatina e pastilha elástica à volta. Pode ser até que lá dentro seja de barro e cair quando se conseguir cavar um túnel, mas os metros de coisas dúcteis e moles à volta protegem-no.
A má comunicação social é um dessas barreiras moles. A da economia é mestra do culto da inevitabilidade, já fez o destino do país para os próximos trinta anos e não há volta a dar. Dizem eles. Mas vão ver tanta volta, para ao bem e para o mal…
A outra, a generalista, salvo raras excepções, come com imensa facilidade o que se lhe põe no prato. Lembras-te das privatizações? Era tudo um modelo de transparência, até quando se começaram a saber as coisas, inside trading, rendas acordadas por um governo que privatizava para “libertar” a economia, transumância de cadeiras entre o poder de cá e poder de lá, e sempre os mesmos facilitadores. Os mesmos de hoje, muito no activo, mas cujo nome associado a estes negócios toda a gente conhece e ninguém coloca em letra de imprensa.
Se a comunicação social aprendesse, seria mais atenta com os elogios do dia seguinte, os que deixam uma primeira impressão, a mais valiosa como sabes.
E continuam a acreditar em todas as histórias da carochinha e a gerar novas primeiras impressões. Vê lá tu, que andaram dias a fio a elogiar a atitude viril do Primeiro-ministro que não “usou” o banco público para salvar os Espírito Santo! Aquilo é que foi uma “mudança”, temos um governo que não obedece à banca e não faz os fretes aos de sempre. A fonte de tão gloriosa atitude veio naturalmente do governo, usando do elogio em boca própria. Primeira impressão, a que custa mais a passar.
E continuam a acreditar em todas as histórias da carochinha e a gerar novas primeiras impressões. Vê lá tu, que andaram dias a fio a elogiar a atitude viril do Primeiro-ministro que não “usou” o banco público para salvar os Espírito Santo! Aquilo é que foi uma “mudança”, temos um governo que não obedece à banca e não faz os fretes aos de sempre. A fonte de tão gloriosa atitude veio naturalmente do governo, usando do elogio em boca própria. Primeira impressão, a que custa mais a passar.
Mas, mesmo que o quisesse, podia fazê-lo? A troika, essa proibidora tenaz, deixava? Havia dinheiro? Não eram “auxílios de estado” disfarçados, proibidos por Bruxelas? Ou verdadeiramente tinha outros planos? Não se pergunta o que se devia perguntar em tempo devido. Lá se ajuda o infractor. A próxima vez que não levantar um tronco de 200 quilos vou por na imprensa que é moralmente inaceitável e de uma desigualdade flagrante, levantar troncos desse peso porque isso amesquinha os fracos. E eu estou sempre do lado dos fracos e por isso tenho muito mérito em não levantar o tronco.
E não te parece estranho, que aqueles que “nunca” quiseram interferir, recebam o grande prémio: o “banco do regime” que passou para o PSD? Foi certamente por acaso. Devia pedir-te conselho a ti, que, como alemão, oscilas às segundas-feiras em achar que a ordem do mundo é mística e indecifrável, inscrita numas runas antigas, e que um nevoeiro ancestral se levanta do lado do Reno ou numa densa floresta para encantar tragicamente os humanos, tu romântico às segundas-feiras, passas na terça a ser um cientista que acha que a ordem do mundo está inscrita numa rígida gramática qualquer, seja a de Hegel ou a de Marx e tudo se explica por uma causa e um efeito, pela afirmação e pela negação, e pela “acção reciproca”...
Diz-me lá como devo interpretar como é que os mestres da inacção governamental acabam por ter uma tão completa vitória? Será que são como os mestres do arco Zen que só acertam no alvo quando não olham para ele?
Diz-me lá como devo interpretar como é que os mestres da inacção governamental acabam por ter uma tão completa vitória? Será que são como os mestres do arco Zen que só acertam no alvo quando não olham para ele?
Deixa lá. São destinos. Tu procuras ouro no meio do nada, e eu vivo no meio da pirite. Destinos.
Um abraço do teu amigo que não é Pan.