ABRUPTO

1.6.14


   AS ELEIÇÕES QUE NÃO FORAM EUROPEIAS 


(Escrito no dia seguinte às eleições.)

 1.O PS ganhou em número de votos, mas não ganhou as eleições, perdeu-as. E perdeu-as da pior forma possível, com um resultado tão colado ao malfadado governo que se confunde com ele no mesmo destino inglório. 

 2.O único efeito útil que pode vir para o PS deste resultado eleitoral é abrir caminho a uma mudança de liderança. Se tal acontecer, o mero efeito psicológico de se livrarem de Seguro dará força suficiente ao PS para aparecer como alternativa ao governo, polarizar a oposição e cortará qualquer dinâmica da coligação. 

 3. As próximas eleições legislativas são um acto crucial para o destino do país. São tudo menos a feijões, e quem pense que vai lá para ter mais um feijão do que o outro, está muito enganado sobre as circunstâncias de crise e urgência em que se move a política portuguesa. É que ou há mudança mesmo, ou então os que não querem a mudança, nem no PSD nem no PS, vão viver no meio de um crescendo de revolta, que já tem entre os seus alvos o sistema político-partidário, a “classe política”, a democracia. E na inexorável decadência dos partidos nacionais como eram o PSD e o PS. Como já se viu nas autárquicas e se vê nas europeias. 

 4. O que estava em causa nestas eleições era saber se o PS estava num crescimento dinâmico para ter uma maioria absoluta, ou perto disso, em 2015. E falhou completamente este teste. As eleições de 2015 exigem uma maioria que é o que a coligação PSD-CDS vai propor ao eleitorado. E o PS? A enorme “vitória” de ter mais 4%, ou seja nada? Nada, porque não serve para nada a não ser para o PS e o PSD se coligarem na fraqueza e numa lógica de pura sobrevivência das suas elites partidárias. Estamos mal hoje, estaremos então muito pior. 

 4. Qual é o português que se sente animado em substituir Passos Coelho por António José Seguro? Alguns, e estão todos no aparelho do PS. Vão batalhar até ao último minuto para o manter, porque ele é um deles e os protege. Como no PSD, estes dirigentes das “jotas”, há uma coisa que sabem muito bem fazer: é sobreviver e ascender na carreira da competição intra partidária. O que Seguro, ajudado por Assis, fez na noite das eleições é o roteiro mais que gasto de tentar impor um discurso sobre os resultados eleitorais que os defenda da óbvia percepção de que eles foram débeis, para não dizer maus. Na noite eleitoral, o PS de Seguro defendeu-se dos seus críticos internos e acantonou-se num discurso sem qualquer relação com a realidade. Até a coligação Aliança Portugal conseguiu ser menos defensiva, mesmo apesar de ter tido uma grande derrota. 

 5. Seguro foi a vingança divina que um Deus justo fez ao PS pela sua continuada arrogância intelectual. Durante décadas o PS andou a pavonear uma superioridade cultural e cívica sobre os outros partidos, em particular os da direita. Era com o PS que estavam os portugueses cultos e a intelectualidade, o professorado universitário, os artistas, os criadores, os cineastas, e não com esses ignaros ignorantes do PSD e do CDS. Era o “partido da cultura” e os outros pouco mais eram que analfabetos funcionais, incultos que não sabiam comer à mesa. Eles eram cosmopolitas, os outros provincianos. Volto a esse Deus justo, que de vez em quando aparece das trevas da injustiça, e que disse: “ai sim, pois então vão ter o Seguro como líder”. E um dirigente aparelhístico, dos da escola dos “trabalhos de casa”, que em condições normais deveria estar no palco lá atrás em 15ª lugar numa lista qualquer a gritar “e quem não salta é laranjinha”, com uma carreira e um pensamento medíocre, chegou a líder. A líder do PS. 

 6. Os resultados do PSD e CDS, sejam quais forem as debilidades do PS, são um desastre eleitoral de grandes proporções. Apenas não parecem piores porque cada vez mais combatem num campeonato dos médios e dos pequenos. Mas, para além de uma parte da abstenção ser uma recusa global do actual estado de coisas, logo em primeiro lugar dos partidos que estão no poder, cerca de setenta por cento dos portugueses votaram contra o PSD e CDS. Podem tê-lo feito de mil maneiras diferentes, votando Marinho Pinto, no PCP, e nos múltiplos pequenos partidos, no voto branco e nulo, e no PS. Mas votaram contra o governo, cujo núcleo de resistência está para os dois partidos muito abaixo dos trinta por cento. 

 7. Passos Coelho está a transformar o PSD num médio partido, eternamente destinado a viver em coligação com o CDS, que, não indo a votos, não sabe quanto pequeno já é. Portas tem consciência disso, até porque o seu partido tem menos aparelho e pode viver encostado, e ele mesmo está muito fragilizado. Passos Coelho e o seu grupo no PSD, não querem saber e não aprenderão nunca nada, desde que o conjunto de algumas centenas de quadros, cujas carreiras profissionais dependem do controlo do aparelho partidário, sobreviva sempre, seja o PSD um grande ou um médio partido. Só que a decadência do PSD deixa um enorme vazio na política portuguesa, a de um partido com pulsão reformista, moderado e que fala para o centro esquerda e o centro direita. O PSD, partido médio, estará à direita. 

 AS ELEIÇÕES QUE FORAM EUROPEIAS 

 O voto contra o actual estado de coisas na União Europeia é, em primeiro lugar, o da enorme abstenção. Em segundo lugar, é o dos partidos eurocépticos e de extrema-direita. E se a abstenção não foi maior foi porque em muitos países estas eleições foram instrumentais para punir governos nacionais. E não adianta dizer que afinal a abstenção não subiu muito desde as últimas europeias, porque não só subiu, como subiu a partir de patamares que já se consideravam catastróficos. O chamado “projecto europeu”, na sua variante actual, tem hoje muito menos legitimidade política e democrática.

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© José Pacheco Pereira
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