ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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17.2.14
ACORDO ORTOGRÁFICO:ACABAR JÁ COM ESTE ERRO ANTES QUE FIQUE MUITO CARO
O acordo ortográfico é uma decisão política e como
tal deve ser tratado. Não é uma decisão técnica sobre a melhor forma de
escrever português, não é uma adaptação da língua escrita à língua
falada, não é uma melhoria que alguém exigisse do português escrito, não
é um instrumento de cultura e criação.
É um acto político falhado
na área da política externa, cujas consequências serão gravosas
principalmente para Portugal e para a sua identidade como casa-mãe da
língua portuguesa. Porque, o que mostra a história das vicissitudes de
um acordo que ninguém deseja, fora os governantes portugueses, é que
vamos ficar sozinhos a arcar com as consequências dele.
O acordo
vai a par do crescimento facilitista da ignorância, da destruição da
memória e da história, de que a ortografia é um elemento fundamental, a
que assistimos todos os dias. E como os nossos governantes, salvo raras
excepções, pensam em inglês “economês”, detestam as humanidades, e
gostam de modas simples e modernices, estão bem como estão e deixam as
coisas andar, sem saber nem convicção.
O mais espantoso é que muitos do que atacaram o “eduquês” imponham este português pidgin,
infantil e rudimentar, mais próximo da linguagem dos sms, e que nem
sequer serve para aquilo que as línguas de contacto servem, comunicar.
Ninguém que saiba escrever em português o quer usar, e é por isso que
quase todos os escritores de relevo da língua portuguesa, sejam
nacionais, brasileiros, angolanos ou moçambicanos, e muitas das
principais personalidades que têm intervenção pública por via da
escrita, se recusam a usá-lo. As notas de pé de página de jornais
explicando que, “por vontade do autor”, não se aplicam ao seu texto as
regras da nova ortografia são um bom atestado de como a escrita “viva”
se recusa a usar o acordo. E escritores, pensadores, cronistas,
jornalistas e outros recusam-no com uma veemência na negação que devia
obrigar a pensar e reconsiderar.
Se voltarmos ao lugar-comum em
que se transformou a frase pessoana de que a “minha pátria é a língua
portuguesa”, o acordo é um acto antipatriótico, de consequências nulas
no melhor dos casos para as boas intenções dos seus proponentes, e de
consequências negativas para a nossa cultura antiga, um dos poucos
esteios a que nos podemos agarrar no meio desta rasoira do saber, do
pensar, do falar e do escrever, que é o nosso quotidiano.
Aos
políticos que decidiram implementá-lo à força e “obrigar” tudo e todos
ao acordo, de Santana Lopes a Cavaco Silva, de Sócrates a Passos Coelho,
e aos linguistas e professores que os assessoraram, comportando-se como
tecnocratas – algo que também se pode ter do lado das humanidades,
normalmente com uma militância mais agressiva até porque menos
"técnicas" são as decisões –, há que lembrar a frase de Weber que sempre
defendi como devendo ser inscrita a fogo nas cabeças de todos os
políticos: a maioria das suas acções tem o resultado exactamente oposto
às intenções. O acordo ortográfico é um excelente exemplo, morto pelo
“ruído” do mundo. O acordo ortográfico nas suas intenções proclamadas
de servir para criar uma norma do português escrito, de Brasília a Díli,
passando por Lisboa pelo caminho, acabou por se tornar irritante nas
relações com a lusofonia, suscitando uma reacção ao paternalismo de
querer obrigar a escrita desses países a uma norma definida por alguns
linguistas e professores de Lisboa e Coimbra.
O problema é que
sobra para nós, os aplicantes solitários da ortografia do acordo. O
acordo, cuja validade na ordem jurídica nacional é contestável, que
nenhum outro país aprovou e vários explicitamente rejeitaram, só à força
vai poder ser aplicado. A notícia recente de que, nas provas – que
acabaram por não se realizar – para os professores contratados, um dos
elementos de avaliação era não cometerem erros de ortografia segundo a
norma do acordo mostra como ele só pode ser imposto por Diktat, como suprema forma de uma engenharia política que só o facto de não se querer dar o braço a torcer explica não ser mudado.
Porém, começa a haver um outro problema: os custos de insistirem no acordo. A inércia é cara e no caso do acordo todos os dias fica mais cara. A ideia dos seus defensores é criar um facto consumado o mais depressa possível. É esta a única força que joga a favor do acordo, a inércia que mantém as coisas como estão e que implica custos para o nosso défice educativo e cultural.
É o caso dos nossos editores de livros
escolares que começaram a produzir manuais conforme o acordo e que
naturalmente querem ser ressarcidos dos seus gastos. Mas ainda não é um
problema insuperável e, acima de tudo, não é um argumento. Passado um
período de transição, pode voltar-se rapidamente à norma ortográfica
vigente e colocar o acordo na gaveta das asneiras de Estado, junto com
as PPP e os contratos swaps, e muita da “má despesa”. Porque
será isso que o acordo será, se não se atalhar de imediato os seus
estragos no domínio cultural.
O erro, insisto, foi no domínio da
nossa política externa com os países de língua portuguesa, e esse erro é
hoje mais do que evidente: os brasileiros, em nome de cuja norma
ortográfica foram introduzidas muitas das alterações no português
escrito em Portugal, nunca mostraram qualquer entusiasmo com o acordo e
hoje encontram todos os pretextos para adiar a sua aplicação. No Brasil
já houve vozes suficientes e autorizadas para negar qualquer validade a
tal acordo e qualquer utilidade na sua aplicação. Os brasileiros que têm
um português dinâmico, capaz de absorver estrangeirismos e gerar
neologismos com pernas para andar muito depressa, sabem que o seu
“português” será o mais falado, mas têm a sensatez de não o considerar a
norma.
Nós aqui seguimos a luta perdida dos franceses para a sua
língua falada e escrita, também uma antiga língua imperial hoje em
decadência. Querem, usando o poder político e o Estado, manter uma norma
rígida para a sua língua para lhe dar uma dimensão mundial que já teve e
hoje não tem. Num combate insensato contra o facto de o inglês se ter
tornado a língua franca universal, legislam tudo e mais alguma coisa, no
limite do autoritarismo cultural, não só para protegerem as suas
“indústrias” culturais, como para “defender” o francês do Canadá ao
Taiti. Mas como duvido que alguém que queira obter resultados procure no
Google por “logiciel”, em vez de “software”, ou “ordinateur”, em vez de “computer”, este é um combate perdido.
Está
na hora de acabar com o acordo ortográfico de vez e voltarmos a nossa
atenção e escassos recursos para outros lados onde melhor se defende o
português, como por exemplo não deixar fechar cursos sobre cursos de
Português nalgumas das mais prestigiadas universidades do mundo, ter
disponível um corpo da literatura portuguesa em livro, incentivar a
criatividade em português ou de portugueses e promover a língua pela
qualidade dos seus falantes e das suas obras. Tenho dificuldade em
conceber que quem escreve aspeto – o quê? – em vez de aspecto, em
português de Portugal, o possa fazer.
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© José Pacheco Pereira
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