ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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18.11.13
NÃO É "DEFENDER" A CONSTITUIÇÃO, É "DEFENDER" O TRIBUNAL CONSTITUTCIONAL
Já que há por aí abundantes “pressões” para que o
Tribunal Constitucional não aplique a Constituição, venho aqui
“pressioná-lo” para que a aplique.
Não é por razões jurídicas,
nem de interpretação constitucional, para que não pretendo ter
competência, mas por razões de política e democracia, que é a razão
suprema pela qual temos uma Constituição e um Tribunal Constitucional. É
pela Constituição escrita e pela não escrita, aquela que consiste no
pacto que a identidade nacional e a democracia significam para os
portugueses como comunidade. É por razões fundadoras da nossa democracia
e de todas as democracias e não conheço mais ponderosas razões que
essas, porque são os fundamentos do nosso contrato social e político que
estão em causa, muito para além das causas daqueles que se revêem na
parte programática da Constituição.
Eu revejo-me em coisas mais
fundamentais, mais simples e directas, que também a Constituição protege
e de que, por péssimas razões, hoje o Tribunal Constitucional é o
último baluarte. O Tribunal Constitucional é hoje esse último baluarte, o
que por si só já é um péssimo sinal do estado da democracia, porque
todas as outras instituições que deviam personificar o “bom
funcionamento” da nossa democracia ou não estão a funcionar, ou estão a
funcionar contra. Refiro-me ao Presidente da República, ao Parlamento e
ao Governo. E refiro-me de forma mais ampla ao sistema
político-partidário que está no poder e em parte na oposição. Quando
falha tudo, o Tribunal Constitucional é o último baluarte antes da
desobediência civil e do resto. Se me faço entender.
Há várias
coisas que num país democrático não se podem admitir. Uma é a teorização
de uma “inevitabilidade” que pretende matar a discussão e impor uma
unicidade na decisão democrática. Tudo que é importante nunca se pode
discutir. A nossa elite política fala com um sinistro à-vontade da perda
de soberania, do protectorado, da “transmissão automática” de poderes
do Parlamento para Bruxelas, sem que haja qualquer sobressalto nacional,
até porque são aspectos de uma agenda escondida que nunca se pretende
legitimar democraticamente, mesmo que atinja os fundamentos do que é
sermos portugueses. É um problema para Portugal como país e para a União
Europeia enquanto criação colectiva em nome da paz na Europa e que está
igualmente presa numa agenda escondida, a que deu a Constituição
Europeia disfarçada de Tratado de Lisboa, o Pacto Orçamental para “pôr
em ordem” os países do Sul, e a que permite a hegemonia alemã e das suas
políticas nacionais transformadas em Diktat. Uma
parte da perda de democracia e da soberania em Portugal, com a
constituição de uma elite colaboracionista, vem do contágio de uma União
Europeia cada vez menos democrática.
Em nome de um “estado de
emergência financeira” que umas vezes é dramatizado quando convém e
outras trivializado quando convém, seja para justificar impostos, cortes
de salários e pensões, na versão “estado de sítio”; ou para deitar os
foguetes com o 1640 da saída da troika e do “milagre
económico”, na versão “já saímos do programa”, considera-se que nada
vale, nem leis, nem direitos, nem justiça social.
A teorização da
“inevitabilidade” tem relação com a chantagem sobre o que se pode
discutir ou não. Que um ministro irresponsável resolva avançar com
números dos juros pré-resgate, isso só se deve à completa falta de
autoridade do primeiro-ministro, traduzida na impunidade dos membros do
Governo. Mas, quando se considera que os portugueses não devem discutir
seja o resgate eventual, seja o chamado “programa cautelar”, está-se no
limite de uma outra e mais perigosa impunidade: a de que os “donos do
país”, a elite do poder, os cognoscenti, mais os seus consiglieri
no sentido mafioso do termo, na alta advocacia e consultadoria
financeira, o sector bancário e financeiro, o FMI, o BCE, a Comissão
Europeia, podem decidir o que quiserem sobre os próximos dez ou 20 anos
da vida dos portugueses sem que estes sejam alguma vez consultados.
Aliás, é mais do que evidente que a pressão sobre o PS para que valide a
política do Governo e da troika, e que assuma compromissos de
fundo com um “programa cautelar”, que pelos vistos antes existia, mas
agora não existe, destina-se a tirar qualquer valor ao voto dos
portugueses. A ideia é que votando-se seja em quem for, a não ser que
houvesse uma maioria PCP-BE, a política seria sempre a mesma. Esta
transformação das eleições e do voto em actos simbólicos de mudança de
clientelas, sem efeito sobre as políticas, é o ideal para os nossos
mandantes e para os nossos mandados, e é uma das suas mais perigosas
consequências.
Eu revejo-me numa democracia que assente num pacto
social, justo e redistributivo, que é a essência do conteúdo do programa
do PSD e do pensamento genético de Sá Carneiro, que se traduz numa
sociedade em que a “confiança” garanta os contratos, seja para o mundo
do trabalho, dos pensionistas e reformados, como o é para a defesa da
propriedade contra o confisco. O que não aceito é que se considere que a
“confiança” valha apenas para os contratos “blindados” das PPP, para os
contratos swaps, para proteger os bancos, para dar condições
leoninas nas privatizações e taxas disfarçadas para garantir que um
governo que prometeu privatizar a RTP faça os portugueses pagar mais
para controlar parte da comunicação social. Ora, escrito ou não escrito
na Constituição, o espírito de uma Constituição de um país democrático
tem de proteger esses princípios, que são mais do que isso, são valores
numa democracia.
Fora disso, o que há é uma lei da selva que a
equipa de velhos ricos habilidosos, dedicados a proteger a “família” e
as suas posses, habituados a mandar em todos os governos, em coligação
com meia dúzia de yuppies com retorno assegurado a todos os
bancos e consultoras financeiras, e com uma classe política de carreira,
deslumbrada e ignorante, todos entendem que nessa selva são grandes
predadores e que se vão “safar”. Habituados à lei da força do dinheiro,
da cunha, da “protecção” e da impunidade, eles querem atravessar os dire straits da
actual situação com o menor custo possível. Um aspecto decisivo desta
lei da selva é a desprotecção dos mais fracos, daqueles cuja vida pode
ser destruída por despacho, os expendables, aqueles cujos
direitos são sempre um abuso, e para quem as garantias não estão
“blindadas”. Se o Tribunal Constitucional não nos defende do retorno a
esta lei da selva, todos os dias vertida em leis escritas por aqueles
que acham que estão acima das leis, então ninguém a não ser a força nos
defende do abuso da força. Que se chegue a este dilema é o pior que se
pode dizer dos dias de hoje.
Eu sou a favor de uma revisão
constitucional profunda. Muito daquilo que a esquerda louva na
Constituição, por mim não deveria lá estar. Acho o Preâmbulo absurdo.
Sou contra a “universalidade” da “gratuitidade”, mesmo nesse eufemismo
do “tendencialmente gratuito”. Tinha preferido que, após o memorando, PS
e PSD tivessem mudado a Constituição, permitindo que na Educação e na
Saúde quem mais recursos tivesse mais pagasse, até se chegar nalguns
casos aos custos reais, mesmo que isso significasse acrescentar novos
ónus à função redistributiva dos impostos dos que mais rendimentos têm.
Entendo que a ideia de “universalidade” e “gratuitidade” é puramente
ideológica, mas socialmente injusta e que algumas alternativas às
políticas “inevitáveis” passassem por aí. Por isso, quem isto escreve
não o está a fazer em defesa de muito que está na Constituição, ou se
pensava que estava, visto que já se viu que a Constituição protege menos
do que o que se dizia. Esse equilíbrio, resultado de decisões moderadas
do Tribunal Constitucional e que, contrariamente ao que o Governo diz,
têm em conta a situação financeira actual, torna ainda mais vital que um
núcleo duro de direitos e garantias permaneça intocável.
A
principal decisão do Tribunal Constitucional, seja sobre que matéria for
das que lhe forem enviadas, sejam as pensões, as reformas, os salários,
seja a legislação laboral, seja a “convergência” do público e privado,
seja o que for, terá sempre um essencial pressuposto anterior: está o
Tribunal Constitucional disposto a permitir o “vale tudo” que lhe é
exigido pelo Governo e os seus amigos nacionais e internacionais, ou
coloca-lhe um travão em nome da lei e da democracia?
É a mais
política das decisões? É. E em muitos momentos da História foi o
falhanço do sistema judicial último que permitiu o fim das democracias. O
melhor exemplo foi o da Alemanha diante dos nazis e do seu ostensivo
desprezo pela lei face à força.
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© José Pacheco Pereira
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