Nem todos os autores ou comentadores tiveram na crise a sua oportunidade, outros passam-lhe ao lado sem nenhum papel relevante no espaço público como “intelectuais orgânicos” da crise, mesmo que o sejam no âmbito mais vasto daquilo que hoje se chama pejorativamente o “regime”, ou o “sistema”. Independentemente dos méritos que possam ter os seus comentários, Marcelo, Miguel Sousa Tavares, Marques Mendes, nada acrescentaram ao argumentário da crise. Talvez Marcelo, com a utilização sistemática da dicotomia “discurso político” / governação, ou seja, “a governação até nem é tão má como isso”, mas o “discurso político” é inexistente, possa ter fornecido uma interpretação, muito favorável ao stato quo, mas coerente com o seu modo de ver a política, que tão influente é no jornalismo.
Nos comentários, economistas políticos como Bagão Félix e Manuela Ferreira Leite, assumiram o papel de uma oposição democrata-cristã e social-democrata ao poder “neo-liberal”, que tinha ficado vazio com o silêncio doentio que os partidos PSD e CDS trouxeram ao espaço público, muito semelhante à desertificação que Sócrates trouxe ao PS na sua longa governação e Cavaco ao PSD antes. Há excepções a esta regra, mas nem por isso deixa de ser regra.
Nos socialistas, Sócrates está mais no centro do debate público “orgânico”, por inesperado que possa parecer. Não porque os seus comentários sejam surpreendentes, não porque os seus dados sejam fiáveis, mas porque combatendo a sua damnatio memoriae, trouxe para a crise a “narrativa” alternativa da sua origem, e, em conjunto com Santos Silva, Pedro Silva Pereira, Galamba, Fernando Medina e alguns jovens deputados do PS, tem conseguido uma consistência a milhas da orientação (?) de Seguro e os seus homens.
Do outro lado, da esquerda, o PCP tem-se mostrado um deserto ideológico e político, preso numa linguagem de pau, em que o “Pacto de Agressão” é uma versão de como a escolástica se sobrepõe ao debate. Apenas alguns economistas ligados à CGTP tem feito contributos interessantes. Louça e as equipas dos jovens sociólogos ligados ao Bloco de Esquerda que escreveram Não Acredite em Tudo o Que Pensa, e a outros grupos radicais, como Raquel Varela, pegaram na crise do ponto de vista da sociedade, também da economia e contribuíram para um argumentário alternativo ao “ajustamento”. A enfâse na sociedade e na política em detrimento da aproximação económica, caracteriza esta argumentação, que se encontra também em textos de Elísio Estanque e André Freire. No Facebook (que acompanho mal visto que não faço parte) também surgiram vozes que se tornaram virais nesse meio, como a de António Pinho Vargas.
(Continua.)
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Você escreve no artigo da Sábado, colocado também no seu blog:
"Do outro lado, da esquerda, o PCP tem-se mostrado um deserto ideológico
e político, preso numa linguagem de pau, em que o “Pacto de Agressão” é
uma versão de como a escolástica se sobrepõe ao debate."
- Ora, discordo disto.
Em primeiro lugar há que levar em conta que o PCP, ou se quiser a CDU, é
o único partido com assento parlamentar que não tem sequer um
comentador residente em qualquer dos principais canais de televisão - ao
contrário, por exemplo, do BE que tem dois, Fernando Rosas (Prova dos
Nove) e Louça.
Então, ao PCP, para além dos segundos ou poucos minutos que consegue em
peças de telejornais, resta as participações eventuais em debates ou
entrevistas que se são mais ou menos regulares são também sempre
dependentes de convites e portanto sem que facilite a planificação de um
discurso com maior continuidade onde junto aos temas do momento se pode
ir incluindo as posições de fundo.
Assim, como o PCP é o que está mais limitado aos poucos segundos dos
telejornais e aí só cabem slogans, julgo que você foca apenas estes
pequenos espaços de tempo dos telejornais e somando-os uns aos outros
faz o discurso do PCP aparecer como um colar de slogans, ou de língua de
pau, como diz. Mas se reparar nos programas em que comunistas
participam por mais do que 15 minutos a coisa muda de figura. Por
exemplo, o discurso de Bernardino Soares quando vai ao telejoral do
Mário Crespo é muito diferente da sua caracterização. Tal como é o de
António Filipe quando também é convidado aqui e ali. Tal como foi o
deputado do PCP que aqui há uns meses substituiu António Costa na
Quadratura. Ainda, no programa da TVI "Política Mesmo" são convidados
de vez em quando para um debate deputados de todos os partidos e o
discurso do PCP aí tão pouco não cabe na caracterização que você faz.
Inclusive no último destes programas o deputado do PCP já dizia Pacto da
Troika em vez de Pacto de Agressão (embora seja um pacto de agressão). E
ainda, neste mesmo programa da TVI, agora do dia 5 de Junho, Carlos
Carvalhas foi um dos convidados para debater os 2 anos do actual governo
e, a meu ver, foi o mais interessante de todos. E mesmo que esta minha
opinião esteja toldada pela minha simpatia política pelo PCP o toldo em
todo o caso não chega para que a participação de Carvalhas não conteste a
sua opinição sobre o discurso do PCP.
Mas há ainda outro pormenor. Numa oposição dialéctica, no caso entre as
grandes linhas de definição política, o oposto que assumir para si os
termos do outro já perdeu a disputa - portanto ou o PCP é sempre um
pouco intratável na presente situação ou é um Partido submergido na
situação. O PCP, a meu ver, joga numa espécie de equilíbrio dinâmico ou
em movimento entre ser oposição à situação e não cair no discurso de
aventureiro
Em todo o caso tinha também a intenção de deixar-lhe o link para o
Política Mesmo que mencionei com Carlos Carvalhas - julgo que ao menos
coloca em causa a certeza com que você fala do discurso do PCP. http://www.tvi.iol.pt/videos/13886633
(João Vasco Ramos. )