ABRUPTO

2.6.13



O POLITICAMENTE CORRECTO FAZ MAL À CABEÇA: O “TRABALHO SEXUAL” 

Tem alastrado nos jornais de referência nos últimos dias, em particular no Público e no Diário de Notícias, a expressão “trabalho sexual” para designar aquilo que até ontem era conhecido como prostituição. No Público escreve-se, numa biografia de uma mulher atingida pela crise, que “abandonou o trabalho sexual” para se dedicar a enrolar cigarros no Bairro Alto, no Público e no Diário de Notícias noticia-se a incidência do vírus HIV em cerca de 9% dos “trabalhadores do sexo”. Esta última notícia implica que, sendo assim, a infecção com HIV é uma doença profissional como a silicose nos mineiros, dado que “trabalho” é “trabalho”. 

Sucede que este surto do politicamente correcto é, como de costume, dissolvente para o pensar, reforça o estado actual das coisas e é muito conservador, apesar dos seus utilizadores estarem convencidos que são muito progressistas. A verdade é que a prostituição não é um “trabalho”. Ponto. Despir-se num varão é trabalho. Muitas formas de exibir o corpo, masculino ou feminino, são trabalho, mesmo com todos os inuendos sexuais podem ser trabalho. E por muito que as fronteiras possam no limite ser ambíguas, como todas as fronteiras no corpo, prostituir-se é outra coisa muito diferente. 

O CRIME DE SER “PATRÃO” DESTES “TRABALHADORES” 

Nem sequer é preciso ir para o terreno complexo destas distinções, basta ficar pela lei. Se a prostituição é “trabalho sexual”, por que razão é que os patrões dessa actividade cometem um crime por o serem? E por que razão é que mesmo as “trabalhadores/as” que fazem esse trabalho como “empresárias a nível individual”, não podem passar do anúncio no jornal ou na rua, para promover a sua empresa, não podendo arrendar um local para esse efeito, e estando sempre no terreno da ilegalidade e do crime? E, argumento decisivo nos nossos dias, por que é que não pagam impostos ao estado e não tem segurança social? 

TRATAR O QUE É DIFERENTE PELA DIFERENÇA 

Se se pretende defender a legalização da prostituição, então deve começar-se a defesa da causa por não tratar o que é diferente como semelhante, porque na bonita palavra “trabalho” não cabe certamente a violência e a extrema dureza do que é para as mulheres (mais para elas) e para os homens prostituir-se no Portugal de 2013. Há brutal exploração e a vida miserável em muitas profissões e condições, por que há muitos trabalhadores que também conhecem realidades de uma vida muito dura. Mas com o uso do “politicamente correcto” há uma proporcionalidade que aqui é perdida e o que vai à vida com a “vida”, que é o enorme peso do contexto social, da marginalidade, da “vergonha” numa sociedade que tem a vergonha na ponta da língua e que condena à indignidade com muita facilidade. A que se acrescenta a dependência, a impunidade, a violência física e mental, a droga, os filhos abandonados na ama, a queda na miséria nestes anos de empobrecimento, as ameaças, no fundo a indignidade da pessoa humana que é intolerável numa sociedade que se pretende assentar no respeito pelos mais fracos e que mais sofrem. Prostitutas felizes só nos filmes franceses. “Trabalhadores do sexo” para pagarem os estudos de Psicologia que os pais em crise não podem pagar, só nos filmes portugueses. 

A LEGALIZAÇÃO DA PROSTITUIÇÃO 

A prostituição é como se sabe uma velhíssima questão, a que aliás de há cem anos para cá se designa como “a profissão mais velha do mundo”, a versão antiquada do “trabalho sexual”. A discussão da sua legalização é mais do que legítima, é desejável até pela protecção que traz a quem está atirada a uma selva com demasiadas bestas ferozes. Mas o uso destas expressões politicamente correctas como o “trabalho sexual”, mostram apenas que se tem uma ideia abstracta daquilo que se está a falar, introduzem um efeito de acalmia e “normalização” numa situação que é tudo menos normal. Leiam o livro já antigo e talvez esgotado (é para isso que servem as bibliotecas) de Isabel do Carmo, Putas de Prisão, escrito com base no seu convívio com prostitutas reais e não como as que aparecem em teses mais ou menos assépticas dedicadas ao “trabalho sexual”, esse eufemismo politicamente correcto.

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© José Pacheco Pereira
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