ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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18.6.13
A GREVE
O que está em causa para o
Governo na greve dos professores é mostrar ao conjunto dos funcionários
públicos, e por extensão a todos os portugueses que ainda têm trabalho,
que não vale a pena resistir às medidas de corte de salários, aumentos
de horários e despedimentos colectivos, sem direitos nem justificações, a
aplicar a esses trabalhadores. É um conflito de poder, que nada tem a
ver com a preocupação pelos alunos ou as suas famílias.
Há mesmo
em curso uma tentação de cópia do thatcherismo, à portuguesa, numa
altura em que uma parte do Governo pende para uma espécie de gotterdammerung revanchista
e vingativo, de que as medidas ilegais como a recusa do pagamento do
subsídio de férias pela lei em vigor são um exemplo. Não é porque não
tenha dinheiro, é porque quer mostrar que é o Governo que decide as
regras do jogo e não os tribunais e as leis. Qualquer consideração pelas
pessoas envolvidas, não conta.
O Governo sabe que a sua
legitimidade é contestada sem hesitações por muita gente, e pretende
ultrapassar com um exercício de autoridade essa enorme fragilidade. Por
isso, a greve dos professores é muito mais relevante do que o seu
significado como conflito profissional, e é também por isso que o
Governo, aproveitando o deslaçamento que tem acentuado na sociedade com o
seu discurso de divisão, usa pais e alunos para a combater. Não é
líquido que não possa ter resultados, até porque os sindicatos não têm
conseguido ter um discurso límpido e claro, e os professores que se
mobilizaram quase a 100% contra Maria de Lurdes Rodrigues, por causa da
avaliação, estão hoje muito mais encostados à parede e enfraquecidos.
O
medo dos despedimentos é muito perturbador no actual contexto de crise
social, em que quem perde o trabalho nunca mais o vai recuperar. Por
isso, a greve dos professores, como a greve dos funcionários públicos, é
pelo emprego, em primeiro lugar, em segundo lugar e em último lugar. É
também contra a imposição unilateral de condições de trabalho e horários
no limite do aceitável. Mas o emprego é hoje o bem mais precioso e mais
ameaçado. Aliás, o aumento do horário de trabalho é também uma medida
para facilitar o desemprego.
Os sindicatos são um instrumento
vital de resistência social em tempos como os de hoje, e é ridículo e
masoquista ver alguns professores a "esnobarem" dos sindicatos quando
mais precisam deles. No entanto, isto não pode fazer esconder que os
sindicatos estão longe de estarem à altura do momento que o mundo
laboral está a atravessar. É aliás aqui que os efeitos mais perniciosos
da dependência partidária do movimento sindical português mais se
manifesta, quer para a CGTP, quer para a UGT.
Num momento em que
existe uma ofensiva em primeiro lugar contra os funcionários públicos e,
depois, contra qualquer forma de resistência organizada dos
trabalhadores, ou seja, também contra os sindicatos e os direitos
laborais, substituir uma acção próxima dos mais atingidos por uma
tentativa de lhe dar cobertura com slogans políticos é um erro que se paga caro.
Não adianta virem usar slogans,
como seja a "defesa da escola pública", apresentando-os como a
principal razão de luta dos professores. Em casa em que não há pão,
ninguém se mobiliza por abstracções, mobiliza-se pelo pão. É verdade que
o Governo é contra a "escola pública", mas o seu objectivo fundamental
nestes dias é despedir funcionários públicos, incluindo os professores,
para garantir os cortes permanentes da despesa pública a que se
comprometeu, em grande parte porque, ao ter deprimido a economia no
limite do aceitável, não tem outro modo de controlar o défice. Se o
escolhe fazer nos mais fracos e dependentes da sua vontade, como sejam
os funcionários públicos, é relevante, mas até por isso é a balança de
poder que está em causa nas próximas greves.
A utilização de uma
linguagem estereotipada pode ser muito confortável do ponto de vista
ideológico, mas funciona como entrave quer à mobilização profissional,
quer à mais que necessária mobilização da sociedade. Não é pela "defesa
da escola pública", nem por qualquer objectivo assim definido
programaticamente, que a greve pode ter sucesso, em particular face à
ofensiva governamental que conta com muito mais apoio na comunicação
social do que se pensa. É pela condição do trabalho, pelo emprego, que,
no actual contexto, são muito menos egoístas do que podem parecer. É,
aliás, também nesse terreno que os funcionários públicos e os
professores podem e devem "falar" com todos os outros trabalhadores do
sector privado, porque aí os seus objectivos são comuns.
O que
parece que os sindicatos têm vergonha de enunciar é o seu papel de
defesa de um grupo profissional, como se os objectivos laborais não
fossem objectivos nobres de per si, ainda mais na actual tentativa de
criar uma sociedade "empreendedora", assente na força de poucos contra o
valor e a dignidade do trabalho de muitos. A incapacidade que tem a
esquerda de enunciar objectivos firmes no âmbito destes valores,
substituindo-os por uma retórica abstracta, acaba por resultar numa
falsa politização que se torna num instrumento espelhar do mesmo
discurso de divisão que o Governo faz. Ainda estou à espera que alguém
me explique por que razão não se diz preto no branco, sem bullshit,
que a greve é justificada pela simples motivo que nenhum grupo
profissional numa sociedade democrática, seja empregado de uma empresa,
ou do Estado, pode aceitar que se lhe torne o despedimento trivial, por
decisões que são de proximidade (os chefes imediatos), e que não têm que
ser justificadas a não ser por uma retórica vaga de "reestruturação",
um outro nome para cortes cegos e pela linha da fraqueza dos "cortados".
E também não se diz, sem bullshit,
que não é fácil manter a calma e a civilidade quando se tem que
defrontar do lado das negociações pessoas que mentem quanto for preciso,
e que estão apenas a ver se meia dúzia de mentiras ou ambiguidades
servem para passar a tempestade e voltar à acalmia que precisam para
fazerem tudo aquilo que hoje dizem que não vão fazer. Os mesmos que, nos
últimos dois anos, tudo prometeram e nada cumpriram e que ainda há
poucos meses juravam em público que nada disto iria acontecer. Ou seja,
gente não fiável, de quem se pode esperar tudo e cujo discurso nas suas
ambiguidades deliberadas está a ser feito para que tudo seja possível.
Em Agosto ou em Setembro, passada a vaga de conflitualidade social, vão
ver como milhares de pessoas vão para a "requalificação", como o aumento
dos horários de trabalho vai servir para tornar excedentária muita
gente e como, sejam professores ou contínuos, todos vão estar no mesmo
barco do olho da rua.
Eu continuo a achar que a decência mobiliza
muito mais do que a "escola pública" e que tem a enorme vantagem de
toda a gente perceber quase de imediato o que é. E tem ainda a vantagem
de ser fácil explicar, e de ser fácil de compreender por toda a gente,
que é indecente o que se está a fazer aos funcionários públicos e aos
professores. E assim socializar o mesmo tipo de revolta que muitos dos
actuais alvos do Governo sentem, porque ela não é diferente da que tem
muitos milhões de portugueses. Digo bem, milhões. Não é coisa de
somenos.
NOTA: à data em que escrevo (14 de Junho)), não sei ainda quais vão ser
os resultados dos encontros entre o ministério e os professores, mas,
sejam quais forem, o contexto é este. No actual momento da sociedade
portuguesa, ou se ganha ou se perde. Não há meio termo.
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© José Pacheco Pereira
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