ABRUPTO

26.8.12


NUNCA É TARDE PARA APRENDER: O PAPEL DE UMA BUROCRACIA CRIMINOSA

Ian Kershaw, The End - Germany, 1944-45, Penguin Books, 2012

O livro recente de Ian Kershaw, um dos maiores especialistas da história do nazismo, intitulado “O Fim – Alemanha 1944-5”, e que espero venha a ser traduzido em português, pretende responder à pergunta de porque é que a Alemanha, os alemães, os generais e soldados, a estrutura do estado, continuaram a combater até praticamente ao último minuto, sabendo que a guerra estava perdida, no meio do maior sofrimento e violência? É uma questão interessante para a história porque remete para a explicação de coisas que parecem aos olhos de qualquer um irracionais e sem sentido. 

Sabemos a resposta para a pergunta em Hitler que, quando percebeu que a guerra estava perdida, considerava que os alemães não mereciam sobreviver e a carnificina final era de algum modo desejada. Podemos compreender a resistência feroz no Leste face aos russos, porque todos esperavam, pelas amostras já conhecidas, que a ocupação soviética significasse todo o tipo de violências, violações, execuções, massacres. Porém, no seu conjunto, a liderança alemã, Bormann, Speer, Himmler, e Goebels, sabiam muito bem que a guerra estava perdida em 1944 e cada um fez tudo que estava ao seu alcance para manter o país a funcionar para a guerra e para esmagar toda a oposição. 

 A história que este livro nos conta é de como, do atentado falhado contra Hitler até ao governo do almirante Doenitz, que continuou a funcionar semanas após o suicídio de Hitler e mesmo depois da rendição por breves dias, a máquina de guerra, a máquina produtiva, a máquina do terror, continuaram nas condições mais adversas, até ao colapso em 1945. Particularmente interessante é ver como, sob a égide de Bormann, cuja importância é crucial nesta fase final do nazismo, a estrutura burocrática de estado, já sobreposta inteiramente à do partido, continuava a funcionar. Os gauleiter, governadores regionais, detentores de consideráveis poderes executivos, assumem uma enorme importância no esforço de guerra e na repressão. É impressionante ver toda uma burocracia a funcionar debaixo de ruínas que os bombardeamentos aliados tinham trazido às cidades alemães e com os russos a poucos quilómetros, a executar todos os opositores, reais e imaginários, com tribunais ambulantes, assassinando milhares de pessoas, soldados, estrangeiros, prisioneiros, com toda a eficácia organizativa de que a Alemanha se mostrou capaz. 

 De novo, uma ideia de vingança, do tipo “vamos perder, mas vocês não se vão ficar a rir” funcionou em proporções cruéis. O mais interessante do livro, é que nos mostra como uma burocracia eficaz, o clímax da modernidade, pode ser um instrumento ideal para a vingança colectiva, o clímax da barbárie.

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© José Pacheco Pereira
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