ABRUPTO

9.3.12


FORÇAS AMIGAS E INIMIGO



 “Vivemos acima das nossas posses” é a frase que melhor explica a legitimação da “guerra social” dos dias de hoje. A questão está toda em saber quem é o sujeito desta frase: quem é que viveu acima das suas posses? Na sua forma propagandística a melhor resposta é que fomos todos. É desculpabilizante e funciona como legitimação aparentemente sem destinatário, Todos “viveram acima das suas posses”, estado, famílias, empresas, pessoas. No discurso oficial muitas vezes as empresas não estão incluídas, o que não é um esquecimento, é uma relutância, uma incomodidade. Se “todos” nos endividamos, mesmo aqueles que nunca se endividaram, o jovem casal que adquiriu uma casa com crédito bancário relativamente fácil e barato, está no mesmo oceano de culpa que o engenheiro Sócrates. Não adianta lembrar que o casal que o fez, - por exemplo um tipo casal da “classe média baixa” (estas tipologias horrorosas…), um funcionário público e uma professora em Pombal ou Faro,- tinham rendimentos suficientes para suportar o esforço do empréstimo, e queriam começar a construir uma vida própria fora da tutela dos pais. Não tinham a opção do arrendamento desde as medidas populistas e demagógicas que vinham de Salazar e que destruíram o mercado do arrendamento e, pelo caminho, grande parte da renovação urbana de Lisboa e Porto. E achavam que os seus salários estavam garantidos, eram ambos funcionários públicos, e podiam eventualmente subir com a progressão nas carreiras. Entendiam que havia um contrato com o estado, que ninguém imaginava podia ser quebrado. 


CARACTERIZAÇÃO DO IN 


Todas estas atitudes são hoje violentamente vilipendiadas. Ambos estão do lado do IN, como se diz no vocabulário militar, ambos cometeram o crime de fazer parte do funcionalismo público, e de acharem que tinham aquilo, que hoje se refere com desprezo, como “direitos adquiridos”. São apontados a dedo como fazendo parte das “gorduras” do estado, preguiçosos institucionalizados, vivendo à custa do contribuinte, que se deviam sentir contentes por terem o “emprego garantido”. Entretanto, ele perdeu já cerca de 30% do rendimento e ainda vai perder mais, e ela já está desempregada, a casa está em risco de ter que ser devolvida ao banco e a família de procurar o estatuto de insolvente. Como já disse e repito, as decisões deste casal-tipo eram decisões racionais, que não tinham nada de “gastadoras”. Mas é a essas pessoas que se dirige o “nós” colectivo do “vivemos acima das nossas posses”. Diferentemente do engenheiro Sócrates, eles não sabiam, nem tinham que saber, como estavam as finanças do estado, nem se milhões estavam a ser delapidados já quando as trombetas da crise se faziam ouvir. Se quisermos, a sua única responsabilidade foi ter votado nele. E não é pequena.

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© José Pacheco Pereira
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