ABRUPTO

16.3.12


COISAS DA SÁBADO: E O FUNDO DA QUESTÃO?


Todos estamos de acordo que o Presidente não tem escolhido a melhor maneira de expor os seus pontos de vista, e que, muitas vezes, o tempo e o modo das suas intervenções tem funcionado como efeito de bumerangue. Os cultores do primado da coreografia política têm aqui ampla matéria para críticas e, do seu ponto de vista, têm razão. 

Mas os cultores do primado da substância bem podem perguntar: e o fundo da questão? O Presidente tem razão ou não? Razão política claro está, controversa e discutível, só que discutível noutros termos diferentes daqueles que fazem o circo polémico do tiro ao alvo. E aqui há que responder apenas uma coisa: tem toda a razão. Aliás a dança de guerra à volta do Presidente tem apenas a função de obscurecer o conteúdo do que ele diz, de impedir que ele seja ouvido. E, admitamos, o Presidente tem colaborado com os seus adversários facilitando-lhes a vida. 

Mas o fundo está lá. O fundo é que Cavaco Silva, partilhando muitos dos objectivos de uma maioria nacional que é mais vasta que o PSD, recorda a obrigação do Primeiro-ministro de o informar de tudo o que é relevante para a governação. Ora, matérias como o PEC IV, cuja negociação externa ainda está por conhecer em pormenor, e cuja apresentação interna desencadeou a queda do governo, são obrigatórias na informação que o Primeiro-ministro devia ter dado ao Presidente e pelos vistos não deu. Aliás, o conjunto de actos e decisões que desencadeou a crise e as eleições, ainda está longe de ser conhecido e contêm bastantes obscuridades como acontece em tudo o que Sócrates tocou e toca. Que acordo existia com Merkel, se algum existia, que explicava a confiança do então Primeiro-ministro e a fúria de Merkel com o seu rompimento? Não sabemos. Actuou Sócrates de modo a precipitar a sua queda, como vários indicadores apontam, inclusive o próprio facto de ocultar ao Presidente o que se estava a passar? Sabemos que Passos Coelho foi informado, mas de que é que foi informado e que garantias ou acordos admitiu, que depois foram rompidos? Teria sido possível evitar a ajuda externa com o PEC IV? 

Nada é claro nesses dias, nem o papel de Sócrates, nem o de Passos Coelho, nem o de Merkel. O Presidente quis, no entanto, explicar o seu papel e as circunstâncias que explicaram a sua atitude entre a reeleição de Sócrates e a sua queda. Está tudo esclarecido na frente presidencial? Também não está, falta um cabal esclarecimento da questão das “escutas”, porque é evidente que o Presidente tinha (e, diga-se de passagem, presumo que tem) a convicção de que foi efectivamente “escutado”. E depois falta discutir os seus actos concretos face à realidade que defrontava, o que podia ou devia ter feito. 

Esta é uma discussão muito mais séria do que a aparente “revelação” da atitude do Primeiro-ministro Sócrates, que logo na altura se percebia – comentei-o na Quadratura – ter marginalizado o Presidente a quem não só informava pouco, como informava mal, mentindo-lhe sobre a situação do país. Com o tempo vai-se perceber melhor o que se passou, mas o ano que vai do Verão de 2010 à Primavera de 2011, ainda tem muito para revelar. 

(Continua.)

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© José Pacheco Pereira
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