ABRUPTO

25.11.11


O MUNDO QUE ESTAMOS A CRIAR (4) 


Mas há pelo menos um aspecto que, não sendo novo, veio com clareza ao de cima. Eu acho uma patetice pensar que só a esquerda tem “sensibilidade social” e penso até que tem muito pouca e muito menos do que corpos sociais que a esquerda hostiliza, como a igreja. Mas o que transpira no actual discurso governamental é não só indiferença face ao empobrecimento generalizado dos portugueses, como a ideia implícita de que esse empobrecimento é moralmente bom, “purifica”, regenera. Salazar pensava assim, que a pobreza era uma virtude e muitos dos nossos governantes, como acham que tudo o que a mão do estado toca é por natureza impuro, aconselham dieta aos magros, como se a mortificação a que eles presidem fosse um castigo divino executado pela troika e seus mandantes. 

Passos Coelho retirou 25% do poder de compra a centenas de milhares de portugueses, que estão longe de ser mais do que remediados, na melhor das hipóteses, e não teve para com eles uma palavra sequer. Bem pelo contrário, apontou-os no dia seguinte como privilegiados, e como alvo para todos os trabalhadores do sector privado. Nem o ministro das Finanças e nem o Ministro da Economia, são capazes de incorporar no seu discurso algo que revele qualquer preocupação social pelos efeitos das medidas que tomam. Bem pelo contrário aparece desprezo e um certo revanchismo social, seja por ignorância do que é o país, seja por razões ideológicas. O modo como se trata da questão do desemprego, é pelo menos, chocante na sua abstracção. Para eles, estar desempregado é uma pura abstracção, um número, uma estatística, infeliz por certo, mas nada mais. 

Que os tempos são duros e a margem de manobra escassa, tudo bem. Mas não precisamos de tanto entusiasmo verbal em aplicar medidas gravosas para a maioria dos portugueses, não precisamos de tanta empatia com o programa da troika, precisamos era de mais simpatia pelos portugueses que estão a empobrecer. E acima de tudo não precisamos de todo da antipatia activa com os que estão a perder, como se eles fossem os culpados do que nos está a acontecer. Ou será que alguém pensa que um banqueiro, desses que influenciaram e patrocinaram a política de todos os nossos governos, tem menos culpas do que um motorista da Carris? É que parece que sim.

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© José Pacheco Pereira
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