ABRUPTO |
semper idem Ano XIII ...M'ESPANTO ÀS VEZES , OUTRAS M'AVERGONHO ... (Sá de Miranda) _________________ correio para jppereira@gmail.com _________________
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17.9.11
COISAS DA SÁBADO:
A QUESTÃO DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO
Toda a gente quer atacar o enriquecimento ilícito e eu
também. Não tenho dúvidas de como é chocante vermos diante dos nossos olhos
pessoas que conhecíamos sem ter nada, ou quase nada, e que tendo essencialmente
actividade política, tornaram-se milionários. Ora isto é uma impossibilidade
nos seus termos. Como já o disse um político que viva do seu salário e do
trabalho complementar que a lei lhe permite, pode viver bem, mas não pode
enriquecer. Pura e simplesmente não pode. E no entanto…
Há alguns anos atrás, no tempo de Cavaco Silva conheceram-se
vários casos de súbita riqueza, e houve quem desse a explicação da bolsa:
“ganhei dinheiro na bolsa”. Agora não há bolsa, mas há sempre países distantes,
alheios e não escrutinados, offshores
e empresas ligadas a bancos que funcionam como fachada de offshores, que fazem o mesmo efeito da bolsa. Já no tempo dos
primeiros “enriquecedores” havia Macau, depois os países do Norte de África,
incluindo Marrocos e a Líbia, depois Angola, Cabo Verde, por aí adiante. Os
mecanismos financeiros são mais sofisticados, mas o milagre da multiplicação
dos euros e dólares continua. Compreendo demasiado bem o escândalo e repulsa
pública perante estes casos.
A QUESTÃO DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO (2)
Mas temo, temo muito, que se “resolva” o problema com uma
lei que fere direitos constitucionais básicos – o ónus da prova -, permite todo
o tipo de abusos por parte de magistrados, e acaba por ser ineficaz e
prejudicial para o combate à corrupção. Sobre este último aspecto, vale a pena
voltar às actas da comissão sobre a corrupção que existiu na legislatura anterior
do parlamento, para se ver como a maioria daqueles que estão na linha da frente
do combate à corrupção (agentes da Judiciária especializados no combate à
corrupção, magistrados e juízes) são frontalmente contra o tipo de legislação
que, a reboque da demagogia, os políticos pretendem fazer a pretexto de
combater o “enriquecimento ilícito”. Muito foram claros em dizer que “nem pensem em fazer isso, tornaria a
investigação um inferno e seria completamente ineficaz” E é gente que sabe do
que fala e tem provas dadas.
Mas a demagogia é o que é e não há político que não goste de
em congressos ou em entrevistas de prometer a legislação definitiva contra o
“enriquecimento ilícito”. Fica sempre bem no título dos jornais, mas tudo
indica que vamos mais uma vez caminhar para o abismo, para responder à
voracidade de um bom título.
A QUESTÃO DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO (3)
É verdade que o princípio do ónus da prova, que obriga quem
acusa a provar a veracidade da acusação e desobriga o acusado de provar que é
inocente, pode ajudar a proteger muitos culpados em crimes deste tipo. Mas é
assim com muitos dos direitos fundamentais que nos defendem da prepotência do
poder e é mais importante que eles permaneçam intocados, mesmo que tornem mais
difícil combater males profundos como a corrupção. Na verdade é mais fácil
linchar um ladrão apanhado em acto do que levá-lo a julgamento ou acusar alguém
de pedofilia (a acusação perfeita nos dias de hoje porque nunca mais se apaga)
do que o provar.
É que em casos como este do “enriquecimento ilícito”, o ênfase deve estar no “ilícito” e não no enriquecimento e mais valia dar a
magistrados e polícias os meios que eles há muito pedem (mudar legislação que
favorece a corrupção, registo centralizado de contas bancárias, mais peritos em
contabilidade, e finanças, mais integração dos sistemas informáticos, mais
gente nas equipas, mais meios), exigir resultados dentro da razoabilidade após
a alocação de meios e premiar os resultados em condenações em tribunal. Tudo
menos uma lei feita à pressa, para responder à demagogia, que é inútil para
atacar os corruptos e permite a vingança contra inocentes e perda de direitos
por todos.
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© José Pacheco Pereira
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