ABRUPTO

17.9.11



COISAS DA SÁBADO: 

 A QUESTÃO DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO

Toda a gente quer atacar o enriquecimento ilícito e eu também. Não tenho dúvidas de como é chocante vermos diante dos nossos olhos pessoas que conhecíamos sem ter nada, ou quase nada, e que tendo essencialmente actividade política, tornaram-se milionários. Ora isto é uma impossibilidade nos seus termos. Como já o disse um político que viva do seu salário e do trabalho complementar que a lei lhe permite, pode viver bem, mas não pode enriquecer. Pura e simplesmente não pode. E no entanto…

Há alguns anos atrás, no tempo de Cavaco Silva conheceram-se vários casos de súbita riqueza, e houve quem desse a explicação da bolsa: “ganhei dinheiro na bolsa”. Agora não há bolsa, mas há sempre países distantes, alheios e não escrutinados, offshores e empresas ligadas a bancos que funcionam como fachada de offshores, que fazem o mesmo efeito da bolsa. Já no tempo dos primeiros “enriquecedores” havia Macau, depois os países do Norte de África, incluindo Marrocos e a Líbia, depois Angola, Cabo Verde, por aí adiante. Os mecanismos financeiros são mais sofisticados, mas o milagre da multiplicação dos euros e dólares continua. Compreendo demasiado bem o escândalo e repulsa pública perante estes casos.

A QUESTÃO DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO (2)

Mas temo, temo muito, que se “resolva” o problema com uma lei que fere direitos constitucionais básicos – o ónus da prova -, permite todo o tipo de abusos por parte de magistrados, e acaba por ser ineficaz e prejudicial para o combate à corrupção. Sobre este último aspecto, vale a pena voltar às actas da comissão sobre a corrupção que existiu na legislatura anterior do parlamento, para se ver como a maioria daqueles que estão na linha da frente do combate à corrupção (agentes da Judiciária especializados no combate à corrupção, magistrados e juízes) são frontalmente contra o tipo de legislação que, a reboque da demagogia, os políticos pretendem fazer a pretexto de combater o “enriquecimento ilícito”. Muito foram claros em dizer que  “nem pensem em fazer isso, tornaria a investigação um inferno e seria completamente ineficaz” E é gente que sabe do que fala e tem provas dadas.

Mas a demagogia é o que é e não há político que não goste de em congressos ou em entrevistas de prometer a legislação definitiva contra o “enriquecimento ilícito”. Fica sempre bem no título dos jornais, mas tudo indica que vamos mais uma vez caminhar para o abismo, para responder à voracidade de um bom título.

A QUESTÃO DO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO (3)

É verdade que o princípio do ónus da prova, que obriga quem acusa a provar a veracidade da acusação e desobriga o acusado de provar que é inocente, pode ajudar a proteger muitos culpados em crimes deste tipo. Mas é assim com muitos dos direitos fundamentais que nos defendem da prepotência do poder e é mais importante que eles permaneçam intocados, mesmo que tornem mais difícil combater males profundos como a corrupção. Na verdade é mais fácil linchar um ladrão apanhado em acto do que levá-lo a julgamento ou acusar alguém de pedofilia (a acusação perfeita nos dias de hoje porque nunca mais se apaga) do que o provar. 

É que em casos como este do “enriquecimento ilícito”, o ênfase deve estar no “ilícito” e não no enriquecimento e mais valia dar a magistrados e polícias os meios que eles há muito pedem (mudar legislação que favorece a corrupção, registo centralizado de contas bancárias, mais peritos em contabilidade, e finanças, mais integração dos sistemas informáticos, mais gente nas equipas, mais meios), exigir resultados dentro da razoabilidade após a alocação de meios e premiar os resultados em condenações em tribunal. Tudo menos uma lei feita à pressa, para responder à demagogia, que é inútil para atacar os corruptos e permite a vingança contra inocentes e perda de direitos por todos.


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© José Pacheco Pereira
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