ABRUPTO

10.9.11


COISAS DA SÁBADO: ERROS DE COMUNICAÇÃO OU ERROS DE POLÍTICA?



Uma das perversões da vida política portuguesa contemporânea é a de tender cada vez mais a considerar que política e comunicação são quase a mesma coisa, ou, pior ainda, que os erros de política são erros de comunicação e vice-versa. É uma velha tendência que encontra em Marcelo Rebelo de Sousa uma constante inspiração, a que é imediatamente dado eco na comunicação social que, mais do que ninguém, ele “formata”. Marcelo foi pioneiro em chamar a atenção para o papel da comunicação na formulação da política, mas muitas vezes usa esse mecanismo quando não quer criticar uma política ou ser meigo com um político ou com um partido, em particular o PSD. Já sabemos que tal meiguice nunca dura muito, mas muitas vezes ela existe por razões tácticas. 

Os tempos em que os políticos entendiam que o essencial era a política substantiva e não a sua coreografia já passaram há muito. E infelizmente essa era uma característica desse passado já morto que tanto gostamos de elogiar pela existência de “verdadeiros homens de estado”, espécie entretanto rarefeita. Porquê? Já citei mais de uma vez a resposta de Kissinger: porque as qualidades que ajudam a ganhar as eleições e a ser popular são muito diferentes daquelas necessárias para governar. É um velho problema das democracias, temos que viver com ele, o que escusamos é de exacerbá-lo reduzindo a política à coreografia. 

Há uma mistura de razões e raciocínios, algumas vezes contraditórios no sucesso desta análise. Uma é que é bem conforme com os tempos, em que se vive na “espuma dos dias”, ou seja na espuma dos noticiários. Outra é que o “erro de comunicação” tem a vantagem de ser auto-evidente: se estamos a discutir é porque alguma coisa não correu bem, e se nós não “comunicamos” com uma política deve haver algum mal nela. Depois a explicação dos “erros de comunicação" é muito mais benigna: não é por acaso que mesmo os próprios políticos co-responsáveis, do mesmo governo, do mesmo partido, ou simpatizantes, fãs e correlegionários se agarram tanto a este tipo de explicações, que poupam sempre a substância da política. É mais fácil perdoar ou ser complacente com um “erro de comunicação” do que com uma política errada, e traz menos sarilhos dizê-lo do que ir mais longe na crítica. Dá a aparência de crítica, mas é apenas uma admoestação amigável e leve. 

(Continua.)

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© José Pacheco Pereira
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