ABRUPTO

27.7.11


O CAMINHO PARA A IMPLOSÃO DA UNIÃO EUROPEIA (1)


O que aconteceu na última cimeira europeia foi mais uma medida conjuntural, tardia e muito provavelmente ineficaz, para salvar as economias europeias do contágio de uma bancarrota grega. No prazo curto em que se desenvolve a política europeia, não existe, não existiu, e não existirá, como avisou Merkel, qualquer solução que não seja conjuntural. Nem sequer foi qualquer "europeu" amor à Grécia, membro da UE, que justificou esta medida conjuntural: foi o medo de não ser possível conter os efeitos do alastramento à Europa de uma bancarrota grega. Se não existisse esse medo, seria com algum prazer que alguns países veriam a Grécia (e Portugal...) chegar à bancarrota, porque nas medidas que, há um ano, foram tomadas para "apoiar" a Grécia havia uma clara sanha punitiva contra os mentirosos, preguiçosos e corruptos gregos. Não houvesse medo de a crise chegar a Itália ou a Espanha, e os gregos iriam para a falência para servir de exemplo. O facto de a entrada da dracma no euro ser tão mentirosa como a contabilidade criativa dos anteriores governos gregos era reconhecido em qualquer conversa off the record, mas na altura tudo parecia pujante e a UE de vento em popa.

Por isso, as palavras festivas sobre os resultados da cimeira são mais uma das habituais fugas em frente que se tornaram endémicas no discurso europeísta dos últimos anos. É verdade que são tímidas, porque nem aos mais fiéis escapa a enorme crise da instituição. Mas, mesmo assim, estão longe de identificar qualquer problema de fundo daqueles que têm vindo a arrastar a UE para o abismo. É que o caminho da UE para a implosão parece inelutável e, com o fim da instituição, terminará um dos maiores sucessos de diplomacia pacífica numa parte do mundo particularmente belicosa, a Europa.

Como se chegou aqui é mal explicado pela corrente teórica de que não há grandes homens de Estado na actual geração de governantes europeus. Esta é uma evidência não só europeia, como americana, mas está longe de explicar o que se passou. Uma coisa é o facto de a mediatização das democracias levar ao poder os mais capazes no meio mediático e não necessariamente os que são mais capazes como homens de Estado, outra é que os erros na condução da Europa dos últimos anos foram cometidos quer por pequenos, quer por médios e grandes homens políticos.

Os erros são vários, mas podem ser resumidos num erro principal: o esquecimento, pela geração do pós-guerra, de que o impulso da "união" vinha da consciência e subsequente recusa dos factores endógenos de guerra na Europa; e de que nenhuma união na Europa pode ter sucesso sem ter em conta a identidade nacional dos seus estados. Ou seja, a Europa é propícia à guerra e a Europa não é os EUA. A conjugação destes factores, que em condições normais seriam contraditórios, só podia ser feita com muita "prudência", palavra-chave no pensamento de Jean Monnet, devagar, e sempre de modo a todos se sentirem defendidos nos seus interesses de forma igual. Depois da queda do Muro de Berlim caiu-se no "olimpianismo" fácil e os dirigentes políticos europeus começaram a esconder os problemas europeus debaixo do tapete através de sucessivos upgrades políticos que ninguém desejava, nem eles próprios, nem os povos. O nacionalismo voltou, como era inevitável, socavando a retórica europeísta.

E com esse retorno do nacional, o país que desequilibrava tudo era a Alemanha. Uma Alemanha que cada vez menos precisa da UE. Não é "culpa" dos alemães, é culpa dos portugueses, belgas, holandeses, franceses, etc. que cometeram todos os erros do catálogo do esquecimento da história. As ruínas da Constituição europeia, do Tratado de Nice e do inútil Tratado de Lisboa, estão aí à vista de toda a gente.

Comecemos pelo princípio, e o princípio da Europa de hoje é 1945 e não 1989, nem o euro. Os alemães pagaram reparações de guerra depois da sua derrota na I Grande Guerra, e os abusos que os vencedores cometeram foram um factor directo na crise que levou o nazismo ao poder. No final da II Grande Guerra, os russos impuseram à força, como num saque medieval, o mesmo tipo de reparações, e levaram toda a riqueza a que puderam pôr as mãos em cima, desde obras de arte e bibliotecas até fábricas inteiras desmontadas e trabalho escravo dos prisioneiros. A devastação que os alemães fizeram na URSS ocupada surgia como uma espécie de justificação histórica para o saque. Porém, os aliados ocidentais seguiram outro caminho e, em vez de exigir reparações, ajudaram a parte da Alemanha que controlavam a erguer-se economicamente. O Plano Marshall, de que agora se fala com tanta ignorância a propósito da Grécia, foi um dos instrumentos desse apoio, e o objectivo político desse apoio foi travar o avanço comunista na Europa. O outro instrumento para o mesmo objectivo, e para conseguir consolidar a paz na Europa, foi a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e de um conjunto de "movimentos", como o Movimento Europeu, que estiveram na origem da actual UE. Na verdade, a UE, por muito que os europeus não gostem de ouvir dizer isto, foi parte de um plano americano anticomunista que se revelou ter enorme sucesso. Homens como Jean Monnet, uma das personagens-chave deste sucesso, trabalhou nos EUA, em Inglaterra, e depois em França, para garantir o impulso inicial da "união" como o único efectivo plano de paz que traria das cinzas da guerra uma Europa diferente daquilo que sempre tinha sido.

Voltando à Alemanha, esta rapidamente se tornou o gigante económico da Europa, embora politicamente a sua posição estivesse muito enfraquecida. Estava dividida em zonas de ocupação, em particular a zona de ocupação soviética, que se tornou um país artificial, a RDA. Não detinha verdadeiras forças armadas nem era "igual" diplomaticamente aos seus vizinhos, a começar pela França. A sua única possibilidade de ter um papel internacional activo era ser parte do chamado "motor franco-alemão" nas instituições europeias. E pagava uma outra forma de reparações de guerra como contribuinte líquido da UE. E pagava muito.

A sucessão de acontecimentos desde 1989, com a queda do Muro de Berlim, mudou radicalmente a relação de forças europeia. A unificação alemã foi o mais importante factor da história europeia desde 1945, com enormes repercussões históricas ainda não inteiramente percebidas. Aliás, a unificação foi vista com muito mais desconfiança do que parece nas declarações retóricas dos seus aliados europeus. Ingleses e franceses tinham receios reais do novo colosso que se estava a formar na Europa, já para não falar de muitos países europeus que, por razões históricas e geográficas, temem a Alemanha. Os polacos nunca se esquecem do seu ditado de que "mais vale uma boa geografia do que uma gloriosa história". Os dinamarqueses, os checos e, nos Balcãs, os aliados históricos da França versus os aliados históricos da Alemanha, "sentem" muito bem o peso da mudança. Um dos primeiros sinais de uma nova Alemanha na cena internacional foi o reconhecimento unilateral dos seus aliados, Croácia e Eslovénia, obrigando a UE a reconhecer o desmembramento da Jugoslávia. E a Rússia, convém não esquecer.

(Continua.)

(Versão do Público de 23 de Julho de 2011.)

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© José Pacheco Pereira
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